1. 1
O ‘SER’ PROFESSOR(A) PRIMÁRIO(A) NO SÉCULO XIX
ATRAVÉS DA IMPRENSA FEMININA
Roberta Guimarães Teixeira
Mestranda PPGEd/UNIRIO
Profª Drª Nailda Marinho da Costa Bonato
Orientadora PPGEd/UNIRIO
E-mail: robegui@bol.com.br; nbonato@yahoo.com.br
Palavras-chave: Feminização do magistério; Imprensa Feminina; História da Educação
Brasileira.
Introdução
Este trabalho se insere na pesquisa em andamento sobre o processo de feminização
do magistério primário através da imprensa feminina1
, desenvolvida no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UNIRIO), especificamente na linha de pesquisa: Subjetividade, Cultura e História
da Educação. O objetivo no evento é apresentar os estudos preliminares realizados para a
elaboração do projeto de pesquisa e os resultados de alguns dados já coletados.
Diferentes trabalhos tiveram como objeto de estudo a imprensa feminina,
abordando-as em diferentes perspectivas, como a de Almeida (1998a) que analisou os
pontos de vista sobre a educação e instrução das mulheres em jornais e revistas femininas e
educacionais; a de Bicalho (1989) que buscou decifrar como as mulheres eram retratadas
no jornal feminino O Bello Sexo e o de Buitoni (1990) que percorreu os caminhos
históricos de constituição e das características diferenciadas deste tipo de imprensa desde os
folhetos tipográficos até às revistas coloridas de duzentas ou trezentas páginas. Para essas
autoras, ainda há um número considerável de jornais femininos que ainda não se tornaram
conhecidos, que não foram estudados pelos pesquisadores, e que não foram localizados no
território nacional ou que se perderam.
Apesar de auxiliar na reflexão sobre a condição feminina na sociedade brasileira,
estas pesquisas não focaram, especificamente, na imprensa feminina que circulou nos
oitocentos, a figura do “ser” professor(a) primário(a) como possibilidade de análise. São,
portanto escassos os trabalhos nessa temática na produção historiográfica do Rio de
Janeiro, como atesta Carvalho na apresentação do livro “Tempos de Escola: fontes para a
presença feminina na educação SP - Século XIX” (1999):
... sabemos muito pouco sobre quem eram as meninas que freqüentavam
escolas no século XIX, sobre suas professoras e professores e os tipos de
2. 2
escola e ensino a elas oferecidos, informações imprescindíveis para
fundamentar afirmações sobre um processo crescente de escolarização das
mulheres nos últimos cem anos e para compreensão de uma possível
feminização do magistério e seus significados. (CARVALHO, 1999,
p.5)
A autora ainda acrescenta no final do texto que “(...) o século XIX permaneceu na
penumbra das generalizações e dos pressupostos” (idem, ibidem). Há, então, nos impressos
femininos um campo singular e significativo que precisa ser analisado, o que certamente
contribuirá para desvendar os caminhos das professoras primárias, desvelar histórias de
mulheres oitocentistas e talvez desmistificar significados aparentes (LE GOFF, 1996). Essa
perspectiva estimula “vasculhá-los” e estão organizados neste trabalho a partir dos
caminhos percorridos para a problematização, seguindo as trilhas investigativas, abordando
os aportes teórico-metodológicos até as considerações finais.
1. Caminhos trilhados para a problematização
Alguns caminhos foram trilhados até chegar a problematização dessa pesquisa.
Como bolsista de Iniciação Científica (IC/UNIRIO e PIBIC/CNPq), na Graduação em
Pedagogia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO), participei por três anos do
projeto de pesquisa intitulado: Resistência ou Decadência? Análise Histórico-Sócio-
Cultural do Trabalho Docente no Rio de Janeiro, coordenado pela Profª Drª Ângela Maria
Souza Martins. Nesta pesquisa analisamos os movimentos e mudanças da feminização do
magistério primário dos professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental,
ocorridas nos últimos trinta anos do século XX, a partir das categorias de gênero, classe e
profissionalismo2
.
No trato com acervos, ainda como estudante de graduação, integro a equipe de um
projeto desenvolvido pela UNIRIO em parceria com a Secretaria Estadual de Educação que
tinha como objetivo organizar o acervo documental de aproximadamente três mil escolas
extintas do Estado do Rio de Janeiro3
. A equipe era composta por professores e alunos dos
Cursos de Arquivologia e Pedagogia. O referido acervo continha uma diversidade de
documentos, tais como: atas, relatórios, pareceres, dossiês de alunos, diários, plantas de
escolas, um número significativo de fotografias, documentos ainda não explorados e não
catalogados4
.
Após a experiência na organização de acervos escolares, como Pedagoga
concursada, passo a exercer a profissão na Secretaria Municipal de Educação. Atuando
diretamente com professoras da Educação Infantil (EI), surgem vários questionamentos,
considerando não haver naquela rede municipal de ensino professores nesse segmento de
ensino. As questões que se colocavam eram as seguintes: Como foi a inserção dessas
professoras na EI? Como elas percebiam essa feminização no magistério neste nível de
escolaridade? Quais os motivos da ausência masculina? Passamos a discutir essas questões
através de um Grupo de Estudo organizado no âmbito da SME, onde pude levar a teoria
através de alguns textos e os resultados da pesquisa realizada na graduação em Pedagogia
para a prática dessas professoras.
3. 3
Os estudos apontaram que esse fenômeno estava além da Educação Infantil e atingia
todo o primeiro segmento do ensino fundamental. Dados estatísticos publicados em 2003
pelo Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP
referentes aos professores brasileiros que atuam na 4º série do Ensino Fundamental,
informavam que cerca de 90% deles são mulheres.
Buscando resposta às questões como aluna ouvinte da disciplina Atividades de
Estudo e Pesquisa do PPGEd,5
conheci o projeto: As concepções da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino (FBPF) sobre a educação feminin6
, importante movimento
feminista brasileiro das primeiras décadas do século XX que “discutia a educação e a
instrução para as mulheres como meio destas conquistarem maiores garantias e direitos
sociais e políticos” (BONATO, 2005a), tendo como principal representante a ativista e
bióloga Bertha Lutz. A discussão no âmbito da entidade privilegiava também a figura da
professora. O que levou à seguinte indagação: Qual o papel das mulheres no processo de
feminização do magistério?
A participação na disciplina propiciou uma maior inserção em Encontros e
Seminários Estaduais na temática da História da Educação7
, assim tomo contato com mais
textos sobre educação feminina e sobre o processo de feminização do magistério primário,
inclusive produzido pela professora orientadora. E ainda, a percepção da “vitalidade
adquirida pela História da Educação”, nas palavras de Savianni (2005, p.25) e o “otimismo
dos historiadores da educação” como denominaram Vidal e Faria Filho (2005, p.118) frente
às renovações temáticas e metodológicas das pesquisas e das inovações que a disciplina
História da Educação vem passando nos últimos trinta anos, estimulou a participação no
processo de Seleção para o PPGEd/UNIRIO, obtendo aprovação.
Inicialmente foi realizada uma pesquisa exploratória nos acervos públicos: da
Biblioteca Nacional (BN), do Arquivo Nacional (AN), do Arquivo Geral da Cidade do Rio
de Janeiro (AGCRJ), que depois se ampliou na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB),
sendo localizados os seguintes jornais: O Sexo Feminino (1887 a 1889), que depois da
Proclamação da República passou a se chamar: O Quinze de Novembro do Sexo
Feminino (1889 e 1896), editado por Francisca Senhorina da Mota Diniz; O Progresso
Educador (1894), de Tereza Gardini e Regina Gherda e Echo das Damas (1879 a 1888)
de Amélia Carolina da Silva Couto.
Especificamente, até o momento foram encontrados nesses acervos públicos os
seguintes periódicos do século XIX:
Periódico Editor(a) Circulação8
A Mulher do Simplício –
a fluminense exaltada9 Desconhecida 1832 a 1846
A filha única da mulher do
simplício
Desconhecida
14. mar. 1832
(único exemplar)
4. 4
O Jornal das Senhoras
Violante Ataliba Ximenes
de Bivar e Velasco.
Colaboradoras: Joanna
Paula Manso De Noronha
e Candida do Carmo
Souza Menezes
1852 a 1853
A Violeta Fluminense Desconhecida 1857 a 1858
O Bello Sexo
Julia Albuquerque Sandy
Aguiar. Várias
colaboradoras
ago.- set. 1862
O Sexo Feminino
Francisca Senhorinha da
Mota Diniz
1873 a 1889
O Domingo
Violante Ataliba Ximenes
de Bivar e Velasco
1873 a 1975
República das Moças Desconhecida 1879
Echo das damas
Amélia Carolina da Silva
Couto. Colaboradoras:
Emiliana de Morães,
Anália Emílio Franco,
Maraia Zelina Polvir,
Ignês Salurio Pinho Mara
e outras.
1879 a 1888
Primavera
Francisca Senhorinha
Motta Diniz
1880
O Ensino Primário
Desconhecido, porém
escrito e editado por
professores primários
1884 a 1885
A Família
Josefina Álvares de
Azevedo
1888 a 1894
O Quinze de Novembro do
Sexo Feminino 10
Francisca Senhorinha da
Mota Diniz
1889 a 1896
O Progresso Educador
Teresa Gandini e Regina
Gherda
1894
Diante do caminho percorrido e tomando como ponto de partida a análise do
documento enquanto monumento, no dizer de Le Goff (1996), no sentido de descortinar
histórias de uma parcela significativa de sujeitos sociais e históricos: as mulheres através da
imprensa por elas produzida e editada no século XIX, parto da seguinte questão central:
Como a imprensa feminina editada por mulheres ou a elas dirigida no Rio de Janeiro do
século XIX, contribuiu para o processo de feminização do magistério primário, fenômeno
que persiste na atualidade? Essa questão se desdobra em outras, a saber: Quem fala e para
quem falam os impressos? Que identidades estes produziram? Que sentidos e usos foram
feitos dessa produção? Que modelos de escolarização e de formação profissional foram
divulgados?
5. 5
Para responder essas questões, a investigação tem os seguintes objetivos:
• Dar continuidade ao levantamento de revistas e jornais
femininos cariocas editados por mulheres ou a elas dirigidas no
século XIX, encontrados nos acervos públicos do Rio de
Janeiro;
• Delimitar o período de surgimento e término bem como
quantidade de exemplares de cada periódico encontrado;
• Selecionar aqueles onde aparece a “figura” do(a) professor(a)
primário(a);
• Analisar as concepções dos impressos selecionados e quais são
suas influências;
• Analisar em seu conteúdo como esse(a) profissional do
magistério era retratado(a) ou representado(a) naquela sociedade
oitocentista.
2. As trilhas investigativas
Seguindo na trilha investigativa os estudos apontam que no Brasil Império as
mulheres eram marcadamente dependentes da figura masculina11
, subordinadas à
autoridade e às decisões do marido ou do pai, “a dependência incluía a impossibilidade da
mulher gerenciar seus próprios bens, quando herdados, podendo quando muito, dispor da
renda que fosse fruto do seu trabalho” (ARAÚJO, 1993, p.65). Mesmo para exercer uma
ocupação, ela precisava de uma autorização por escrito do marido, período este, que as
mulheres brasileiras, em sua grande maioria, eram desprovidas do direito básico de
aprender a ler e a escrever, o que era reservado apenas ao sexo masculino. De
aproximadamente quatro milhões de brasileiras, em 1870, cerca de 550 mil eram
alfabetizadas, menos de 14% da população feminina (DIAS, 2003).
Apesar dessa exclusão na vida familiar, social e na instrução elementar (LOPES &
FARIA FILHO, 2000), há o registro de um primeiro jornal feminino, escrito em 183212
,
trinta e oito anos antes dessa estatística, comprovando a notoriedade dessas mulheres
escritoras e da própria imprensa feminina que surge redigida e destinada às mulheres. De
acordo com Bicalho (1989), Bruschini (1988), Buitoni (1981 e 1990) e Duarte (2003), essa
imprensa se desenvolveu num momento ímpar, entre as campanhas abolicionistas e
republicana, com os ideais de liberdade e igualdade, possibilitando uma reformulação e
uma ampliação dos papéis tradicionais atribuídos à mulher na sociedade brasileira.
Foi nessa época que “a mulher começa a libertar-se pouco a pouco, da clausura
colonial e subordinava-se aos padrões da moda européia exibindo-se nos salões e um pouco
nas ruas” (SODRÉ, 1977, pp.227-228). Nesse caminho, o espaço do magistério se
apresentava como uma possibilidade da mulher sair de casa para a rua, conforme Araújo
(1993).
Para Louro (1997) a entrada das mulheres na escola, gerou polêmicas, resistências e
não foi um processo tão “natural” como afirmaram alguns pesquisadores. As mulheres
eram discriminadas por serem consideradas despreparadas e “portadoras de cérebros pouco
6. 6
desenvolvidos” (LOURO, 1997, p.450). Apesar dessas argumentações conservadoras,
outras concepções propunham que havia diferenças “naturais” entre homens e mulheres e
que às mulheres, por sua constituição natural, cabia socializar as crianças, como parte de
suas funções maternais. Logo, a função de esposa e mãe de família era estendida à escola
pela figura da professora (ARAÚJO, 1993, BRUSCHINI, 1988, BONATO, 2002). As
pesquisas indicam que essas e outras representações13
- que serão analisadas e interpretadas
na investigação proposta tendo em vista as estruturas econômica, cultural e política do
Brasil Império, legitimaram o crescente número de mulheres no magistério primário.
Entendemos que na análise as estruturas mencionadas não podem ser ignoradas e com isso
evitar-se considerações parciais desse fenômeno da feminização do magistério primário.
(ALMEIDA,1998b).
2.1. Os aportes teórico-metodológicos
Em paralelo ao processo de feminização do magistério feminino, o movimento
feminista no Brasil, passou por diferentes fases, foi no dizer de Duarte (2003, p.152),
movimentos de fluxos e refluxos14
proporcionando uma maior visibilidade para as
mulheres. E foi essa maior visibilidade, aliada à renovação teórico-metodológica do
conhecimento histórico trazida pela Escola de Annales (SAVIANI, 1998, p.09), que
contribuiu para que no Brasil na área de Ciências Humanas e Sociais, a partir da década de
1980, surgisse um número crescente de pesquisas sobre a mulher como sujeito social e
histórico, legitimando o conceito de gênero como categoria científica (ALMEIDA, 1996, p.
71).
Pesquisadoras como Almeida (1996), Louro (1992) e Soihet (1998), propõem que a
categoria gênero seja entendida como uma construção social, cultural e histórica elaborada
sobre as relações entre homens e mulheres, rejeitando as teorias de cunho positivista da
análise das relações sobre as desigualdades entre os sexos.
Na área de Educação mais especificamente no campo da História da Educação
estudos sobre a educação das mulheres e sobre a feminização do magistério primário se
fazem presentes, entendendo ser a história “sempre múltipla mesmo que haja a
possibilidade de examiná-la de perspectivas específicas” (BARROS, 2004, p.15).
No Brasil, é a partir da década de 1990 que as pesquisas se intensificam. Grupos de
estudos no meio acadêmico passaram a pesquisar sobre a educação das mulheres, sobretudo
na perspectiva de gênero, trazendo à tona preocupações com “o papel sexual, o mercado de
trabalho, a família, entre outros aspectos referentes à formação profissional e à inserção das
mulheres na sociedade como cidadãs reclamando o reconhecimento social em pé de
igualdade com os homens” (BONATO, 2005a, p.11). Para esta pesquisa em História da
Educação sobre o fenômeno da feminização do magistério primário, tendo como fonte
privilegiada os impressos femininos veiculados no século XIX, a categoria gênero se faz
imperiosa.
Partindo deste pressuposto, as considerações de Roger Chartier (1990) convergem,
também, como fundamentais nesta pesquisa, promovendo uma interconexão das dimensões
História da Educação com a História Cultural, na identificação do modo como esse
processo de feminização foi percebido e representado na imprensa feminina.
7. 7
De acordo com Chartier é possível “identificar como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (1990, p.
16-17), sendo importante refletir como mulheres e homens vêem e pensam o real, como
conferem diferentes significados na mesma realidade a partir de suas práticas e
representações.
Na perspectiva de Barros (2004), a produção de um bem cultural, como por
exemplo, de um jornal está necessariamente incluída em um universo subordinado por duas
noções: práticas e representações, que para ele são complementares, ora são as práticas
culturais que geram as representações, ora as representações geram práticas culturais.
Considerando as mulheres como sujeitos produtores e receptores de cultura, suas
lutas e conquistas, seus desejos e silêncios que marcaram ou não o processo de feminização
do magistério primário, essas categorias de análise também são trazidas à nossa discussão,
à luz do objeto de estudo proposto e a tentativa de reconstruir os fragmentos do passado,
mesmo que “em sua inteireza e completude, o passado nunca será plenamente conhecido e
compreendido” (LOPES, 2001, p.76).
Como estratégia metodológica, estão sendo utilizadas a pesquisa bibliográfica e
análise documental.
a) Pesquisa bibliográfica
Além dos autores já citados neste trabalho, dar continuidade ao levantamento
bibliográfico visando à ampliação da fundamentação teórica da investigação proposta. A
intenção é recorrer a outros autores que permitam pensar o contexto sócio-histórico cultural
em que a imprensa feminina, objeto de análise, foi produzida assim como suas influências.
Porém, outras necessidades de estudo podem ocorrer no processo de investigação.
b) Análise documental
A investigação tem como fonte privilegiada impressos femininos contidos nos
acervos públicos. Neste sentido, daremos continuidade à pesquisa documental já iniciada,
indo em busca de novos periódicos e impressos que retratam a figura do(a) professor(a)
primário no século XIX, de acordo com os objetivos e o cronograma proposto. Os
periódicos já selecionados nos vêm proporcionando leituras diversas sobre as concepções
das mulheres em torno desse profissional do magistério. A intenção é cruzar as fontes
primárias com as referências teóricas, tanto no que se refere ao uso desse tipo de fonte nas
pesquisas em história da educação quanto para se entender o objeto de estudo mais
detalhadamente.
3. Alguns resultados preliminares
Mesmo sendo uma pesquisa em andamento, alguns dados já se fazem relevantes. A
imprensa feminina foi cúmplice do processo de reformulação dos papéis tradicionais
atribuídos à mulher. Imbuídas de seu novo papel, tanto no interior da família quanto na
sociedade como um todo, “algumas mulheres lançaram-se, através da imprensa, à esfera
pública, na defesa de sua nova missão” (BICALHO, 1988, p. 113). Sua principal
reivindicação, segundo os preceitos do liberalismo que informavam sua visão de mundo,
8. 8
era o reconhecimento de sua posição de igualdade em relação ao sexo masculino,
conquistada através da educação.
A pesquisa vem demonstrando que as mulheres editoras e escritoras desses jornais
femininos tiveram uma educação diferenciada, eram em sua grande maioria professoras e
viúvas, e tomaram para si a tarefa de propagar a necessidade das mulheres em obterem
alguma instrução e o ingresso no campo profissional, via magistério primário, “aportes
indispensáveis à sua racional emancipação” (ALMEIDA, 1998b, p. 63).
Essa “racional emancipação” proporcionou uma interlocução entre leitores e leitoras
marcando definitivamente o papel da mulher na sociedade, numa época com tantas
restrições ao papel feminino. Com isso, o maior motivo de as mulheres terem buscado o
magistério estava no fato de que elas realmente precisavam trabalhar (ALMEIDA, 1988, p.
71), libertar-se das amarras da opressão e da submissão em que viviam.
A inserção no espaço público, como professora, cujo trabalho era remunerado,
promoveu um novo olhar sobre as relações em sociedade e no ambiente doméstico, além de
permitir a sua circulação desacompanhada para ir lecionar, a aprendizagem de novos
conhecimentos, entre outras questões, a chance de igualdade perante os homens em termos
sociais e culturais.
Dentre as reivindicações e protestos pela educação e instrução das mulheres,
também vinham estampadas nesses impressos, as seguintes temáticas:
• Igualdade de direitos - uma exigência de direitos iguais na convivência para
ambos os sexos;
• Melhores níveis educacionais - a precariedade educacional das mulheres era
apontada como a causa geradora da sua passividade;
• Reconhecimento de profissões - o trabalho feminino era reivindicado; algumas
reclamavam o trabalho exclusivamente feminino no magistério e na medicina;
• Reforma da legislação matrimonial - reivindicação em prol da mulher quanto à
sua posição no casamento;
• O direito ao voto e a elegibilidade - protestos anteriores às manifestações
feministas do século XX, já demonstravam a necessidade de igualdade de
direitos políticos entre os sexos (BERNARDES, 1988, passim).
O leque de informações trazidas por estas mulheres demonstra um movimento
feminino de vanguarda na sociedade oitocentista e de valiosa descrição sobre o processo
educacional no Brasil. Esse primeiro movimento de mulheres escritoras, compreende o
período que antecede a criação da primeira Escola Normal no país15
em 1835, percorre o
Império e as primeiras décadas da República, apresentando como em um período de cinco
décadas, o trabalho docente quase que exclusivamente masculino torna-se prioritariamente
feminino (VILLELA, 2000, p.117).
Por outro lado, a revisão bibliográfica dos autores tem ajudado a pensar o objeto de
pesquisa proposto e trazidos à discussão neste projeto de investigação. Os dados coletados
nos periódicos encontrados nos acervos públicos são representativos para a pesquisa, porém
ainda merecedores de uma análise mais acurada.
9. 9
Especificamente, além de tentar responder as questões propostas, como resultados
esperados, acreditamos que esta investigação também possa:
• Contribuir para a divulgação das coleções de periódicos impressos produzidos
pelas e sobre as mulheres contidas majoritariamente no acervo da BN.
• Divulgar o seu potencial como fonte para a história da educação feminina e
formação de professores.
• Estimular mais pesquisas com esse tipo de fonte na área de Ciências Humanas,
tendo em vista o olhar feminino e o lugar do pensamento das mulheres no seu
processo de emancipação.
• Contribuir no campo da educação para a produção de novas pesquisas sobre o
processo de feminização do magistério.
E por fim...
Ampliar os horizontes de reflexão sobre o processo de feminização do magistério
primário tendo como foco o olhar das próprias mulheres sobre o “ser” professor(a)
primário(a) naquele século XIX, veiculado pela imprensa feminina produzida por e para as
mulheres é contribuir de uma determinada maneira com os estudos sobre a história de
emancipação feminina no Brasil com possibilidades de se chegar a novas conclusões. E
“[...] é isto que torna fascinante o trabalho de História: a chance de fazer novas perguntas a
respostas já dadas (e a partir delas), [criar] conseqüentemente novos passados” (LOPES,
1994, p.65).
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História e história da educação. Campinas, SP: Autores Associados/ HISTEDBR, p.7-15,
1998.
SODRÉ, N. W. Historia da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
SOIHET, R. História das mulheres e história de gênero - um depoimento. Cadernos Pagu,
Núcleo de Estudos de Gênero/ UNICAMP, Campinas/ SP, n.11, p.77-87, 1998.
TELLES, N. Escritoras, Escritas, Escrituras. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, p. 401-443, 2007.
VIANNA, H. Contribuição a historia da imprensa brasileira (1812-1869). Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional,1945.
VIDAL, D. G. & FARIA FILHO, L. M. de F. As lentes da história: estudos de história e
historiografia da educação no Brasil. Campinas/ SP: Autores Associados, 2005.
Fontes primárias (imprensa feminina)
12. 12
ECHO DAS DAMAS. Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1879 a 1888.(Setor de
Obras Raras, microfilmado).
O PROGRESSO EDUCADOR. Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1894 (Setor
de Obras Raras, microfilmado).
O SEXO FEMININO. Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1887 a 1889.(Setor de
Obras Raras, microfilmado).
O QUINZE DE NOVEMBRO DO SEXO FEMININO. Brasil. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 1889 e 1896.(Setor de Obras Raras, microfilmado).
NOTAS:
1
O projeto originalmente aprovado no processo de Seleção 2008 do PPGEd/UNIRIO intitula-se “A
feminização do magistério primário e a imprensa feminina em fins do século XIX e inicio do século XX”, em
consonância com a temática de pesquisa Gênero e Educação no Brasil da professora orientadora.
2
A participação na pesquisa ocorreu no período de agosto de 1998 a julho de 2001. No período como bolsista
PIBIC/ CNPq apresentei comunicação oral na Semana de Debates Científicos da UNIRIO sendo agraciada
com prêmio de melhor trabalho da área de educação avaliado pelo CNPq.
3
Realizado no período de agosto de 1999 a janeiro de 2002.
4
O Projeto sofreu solução de continuidade não sendo concluído. Seu acervo foi transferido para um galpão do
Governo do Estado do Rio de Janeiro.
5
Atividades desenvolvidas no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Brasileira –
NEPHEB coordenado pela Profa. Dra. Nailda Marinho da Costa Bonato, orientadora dessa pesquisa.
6
Elaborado e coordenado pela referida professora, contou com um ano de financiamento da FAPERJ.
7
Ao longo desses anos participei como ouvinte do I Congresso Brasileiro de História da Educação; do I
Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação em Minas Gerais e no GT de História da Educação
da ANPED. Nessa trajetória, em 2007, da Comissão Organizadora no I Encontro de História da Educação do
Estado do Rio de Janeiro (I EHEd-RJ).
8
Dados referentes às fontes primárias encontradas, majoritariamente, no Acervo de Obras Raras da Biblioteca
Nacional.
9
Segundo referência do livro Educação em revista (CATANI, 1997, p.177) este foi o primeiro impresso
feminino, sem referência da editora, até o momento, também encontrado em Fonseca, G. da. Biografia do
Jornalismo Carioca, p.296 e Vianna, H. Contribuição a historia da imprensa brasileira (1812-1869),
1945, p.173, ambos referência do Acervo Geral de Livros da Biblioteca Nacional.
10
Infelizmente, segundo o bibliotecário do Acervo de Periódicos, alguns exemplares estão indisponíveis para
a pesquisa devido ao estado de deterioração física, como é o caso de parte da coleção do jornal O Quinze de
Novembro do Sexo Feminino (não microfilmado) referente ao período de agosto de 1892 a março de 1896.
Informação recebida em 19 de fevereiro de 2008.
11
Assertiva presente nos estudos de diferentes pesquisas: Araújo (1993), Lopes e Faria Filho (2000), Telles
(2007).
12
Catani, op. cit. p.177.
13
O conceito de vocação, de sacerdócio, de missionária foi muito usado para representar as mulheres que
ingressavam no magistério, era vista pela sociedade, como profissão adequada para o seu sexo e o magistério
também possibilitava a conciliação dos trabalhos domésticos com o trabalho de professora, os horários de
trabalho na escola não prejudicava seus afazeres domésticos (Louro, 1997 e Reis, 1994).
14
Considera que a história do feminismo teve início nas primeiras décadas do século XIX e sugeriu a
existência de pelo menos quatro momentos de maior visibilidade deste movimento feminista brasileiro: de
1830, 1870, 1920 e 1970.
15
A primeira Escola Normal do Brasil foi inaugurada em Niterói/RJ em 1835, foi fechada por ele em 1849 e
somente foi reaberta em 1859.