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Meta-crónica


       Se ao ler o título o leitor antever que o texto busca uma teorização sobre o género crónica,
desengane-se. O texto apenas pretende encontrar os afectos que ligam a autora ao género
crónica.


       A minha primeira memória crónica é um texto de Inês Pedrosa, sobre a morte física de
Sophia, que habita um placar de cortiça no meu quarto. O texto segue os laços de afecto entre
Inês Pedrosa e a escrita de Agustina, Eugénio de Andrade e Sophia, 'com Agustina aprendi a
viver, com Eugénio de Andrade a amar, com Sophia a morrer' - cito de memória e sem exactidão.
Para mim a crónica da morte de Sophia podería ser algo como: 'Sophia morreu, e o país não
parou. Acreditei que no seguinte um Estádio da Luz preparado para um Portugal vs. Grécia
dedicaria um minuto de silêncio a Sophia, contudo, a frustação multiplicou-se, nem silêncio, nem o
caneco (da taça)'.


       A minha segunda memória crónica é o ritual dos tempos de férias ou feriados prolongados
por fins-de-semana de abrir as Revistas do Expresso que se acumulam pela casa dos meus pais
e ler de um sopro os textos de Clara Ferreira Alves em a Pluma Caprichosa. Este ritual sabático
deu-me O'Neil e o fumo do cigarro de Cardoso Pires, que mais tarde me levaram a Tabucchi.
Aguçou-me o amor por Soares e o interesse pelos acontecimentos entre Israel e Palestina.
Conduziu-me ao sorriso no adeus a Miguel Portas e levou-me a experimentar Saramago, sem
contudo me levar a paixão entre Ferreira Alves e Saramago, por agora. Acredito que na vida há
dias felizes para cada escrita-autor, dias em que sem querer um autor nos leva a jantar fora,
servindo-nos um copo de vinho ou um arroz malandrinho com pataniscas, e ficamos com vontade
de passear de mão dada durante dias, partilhando viagens de comboio ou dias de chuva. O meu
dia feliz com Saramago ainda não chegou.


       E permita-me o leitor uma pequena interrupção na escrita para ir ler jornais. É que o dia de
ontém acrescentou aos entrelaços que me ligam crónica a partilha do laço entre Nuno Costa
Santos, Miguel Esteves Cardoso, Ferreira Fernandes, e João Pereira Coutinho, entre outros. Até
já.


       Dei de caras com Ferreira Fernandes num clique pelo DN e logo escolhi para ler um texto
acerca das actuais relações entre cliques e teleconferências. Ao ler Ferreira Fernandes encontrei
a citação perfeita para justificar uma borbulhenta irritação que me acompanha nos dias em que
me sento numa sala para ter aulas e quase me obrigam a interagir com desgraçados monitores de
computadores em vez de cara humanas. "As relações entre as pessoas precisam de muito treino,
cara a cara, e há uma nova geração que só comunica por computador"- diz Susan Greenfield,
citada por Ferreira Fernandes. "Lá está!" - exclamei por dentro.


       Da crónica de costumes de Esteves Cardoso, diria que me atraí a possibilidade não de
escrever sobre os costumes na globalidade de uma comunidade, mas mais na particularidade da
pessoa desconhecida. Recordo-me de ouvi a Richard Zimler esta ideia.


       De João Pereira Coutinho fui dar com um texto sobre "Exemplos Terminais". Detive-me a
pensar sobre a importância do género crónica para lá do momento presente. Enquanto
instantâneo do acontecimento (seja ele mais histórico e comunitário ou mais intimista e da
vivência do autor) a crónica oferece-nos a oportunidade de, tal como num pequeno encontro de
café entre amigos ou profissionais liberais, nos empatizarmos, e logo, criarmos laços - sermos
afectos.

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Afectos e memórias na crónica

  • 1. Meta-crónica Se ao ler o título o leitor antever que o texto busca uma teorização sobre o género crónica, desengane-se. O texto apenas pretende encontrar os afectos que ligam a autora ao género crónica. A minha primeira memória crónica é um texto de Inês Pedrosa, sobre a morte física de Sophia, que habita um placar de cortiça no meu quarto. O texto segue os laços de afecto entre Inês Pedrosa e a escrita de Agustina, Eugénio de Andrade e Sophia, 'com Agustina aprendi a viver, com Eugénio de Andrade a amar, com Sophia a morrer' - cito de memória e sem exactidão. Para mim a crónica da morte de Sophia podería ser algo como: 'Sophia morreu, e o país não parou. Acreditei que no seguinte um Estádio da Luz preparado para um Portugal vs. Grécia dedicaria um minuto de silêncio a Sophia, contudo, a frustação multiplicou-se, nem silêncio, nem o caneco (da taça)'. A minha segunda memória crónica é o ritual dos tempos de férias ou feriados prolongados por fins-de-semana de abrir as Revistas do Expresso que se acumulam pela casa dos meus pais e ler de um sopro os textos de Clara Ferreira Alves em a Pluma Caprichosa. Este ritual sabático deu-me O'Neil e o fumo do cigarro de Cardoso Pires, que mais tarde me levaram a Tabucchi. Aguçou-me o amor por Soares e o interesse pelos acontecimentos entre Israel e Palestina. Conduziu-me ao sorriso no adeus a Miguel Portas e levou-me a experimentar Saramago, sem contudo me levar a paixão entre Ferreira Alves e Saramago, por agora. Acredito que na vida há dias felizes para cada escrita-autor, dias em que sem querer um autor nos leva a jantar fora, servindo-nos um copo de vinho ou um arroz malandrinho com pataniscas, e ficamos com vontade de passear de mão dada durante dias, partilhando viagens de comboio ou dias de chuva. O meu dia feliz com Saramago ainda não chegou. E permita-me o leitor uma pequena interrupção na escrita para ir ler jornais. É que o dia de ontém acrescentou aos entrelaços que me ligam crónica a partilha do laço entre Nuno Costa Santos, Miguel Esteves Cardoso, Ferreira Fernandes, e João Pereira Coutinho, entre outros. Até já. Dei de caras com Ferreira Fernandes num clique pelo DN e logo escolhi para ler um texto acerca das actuais relações entre cliques e teleconferências. Ao ler Ferreira Fernandes encontrei a citação perfeita para justificar uma borbulhenta irritação que me acompanha nos dias em que me sento numa sala para ter aulas e quase me obrigam a interagir com desgraçados monitores de computadores em vez de cara humanas. "As relações entre as pessoas precisam de muito treino, cara a cara, e há uma nova geração que só comunica por computador"- diz Susan Greenfield,
  • 2. citada por Ferreira Fernandes. "Lá está!" - exclamei por dentro. Da crónica de costumes de Esteves Cardoso, diria que me atraí a possibilidade não de escrever sobre os costumes na globalidade de uma comunidade, mas mais na particularidade da pessoa desconhecida. Recordo-me de ouvi a Richard Zimler esta ideia. De João Pereira Coutinho fui dar com um texto sobre "Exemplos Terminais". Detive-me a pensar sobre a importância do género crónica para lá do momento presente. Enquanto instantâneo do acontecimento (seja ele mais histórico e comunitário ou mais intimista e da vivência do autor) a crónica oferece-nos a oportunidade de, tal como num pequeno encontro de café entre amigos ou profissionais liberais, nos empatizarmos, e logo, criarmos laços - sermos afectos.