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“Escrever é traduzir.
Mesmo quando
estivermos a utilizar
a nossa própria língua.
Transportamos o que vemos
e o que sentimos
para um código
convencional de
signos, a escrita...”
“...e deixamos às
circunstâncias e aos acasos
da comunicação
a responsabilidade de
fazer chegar à inteligência
do leitor,
não tanto a integridade da experiência
que nos propusemos transmitir,...”
“...mas uma sombra,
ao menos,
do que no fundo do
nosso espírito
sabemos bem
ser intraduzível,
por exemplo...”
“...a emoção pura
de um encontro,
o deslumbramento
de uma descoberta,
esse instante fugaz
de silêncio anterior à
palavra que vai ficar na memória como o rasto de
um sonho que o tempo não apagará por completo.”
José Saramago
“Muito universo,
muito espaço
sideral,
mas o mundo
é mesmo
uma aldeia.”
José Saramago
Estamos numa aldeia
chamada Azinhaga,
no Alentejo português,
a região sul do país
onde se produzem
azeitonas, cortiça
e trigo.
E nesta
pequena aldeia,
modestas plantações
e criação de porcos
é o que há para
ser feito.
Jerónimo e Josefa
estão particularmente
felizes hoje, 16 de
novembro de 1922,
pois é o dia que viu nascer
o seu mais novo neto,
a quem o destino
conferiu o nome de
José Saramago.
Livros e letras
não fazem parte
da rotina deste casal
de camponeses,
bem como de tantos
outros vizinhos.
As poucas palavras
faladas lhes servem
aos propósitos, e o seu
mundo é o quintal
que em breves minutos
percorremos.
Na primavera de 1924,
os pais de Saramago,
Maria da Piedade
e José de Sousa,
abandonam o seio
do campo e se mudam
para Lisboa,
onde ele conseguiu
um novo trabalho como
policial do trânsito.
Em Lisboa,
Maria da Piedade
passa a cuidar dos
afazeres domésticos,
e se dedica aos filhos,
Francisco, de quatro anos,
e José Saramago, que
conta com dois anos
de idade.
No mês de dezembro
do mesmo ano em que se
mudam para Lisboa,
o filho mais velho
do casal, Francisco,
com apenas quatro
anos de idade,
morre de
broncopneumonia.
Uma dor que
Maria da Piedade
carregará pelo restante
dos seus dias.
Saramago passa a
frequentar a escola primária
na capital, e já é fluente na
leitura, aos oito anos.
Sua mãe o envia nas férias
para Azinhaga, para
o contato com o campo
e com os avós maternos.
E nas temporadas que passa na aldeia dos avós,
o pequeno José sente-se feliz como um pássaro livre.
O contato com a Natureza – a inocência,
cheia de beleza e serenidade, das coisas puras.
Os peixes que, nadando velozes, mantêm-se,
por vezes, imóveis contra a força da corrente...
Anos mais tarde, recordará Saramago
algumas lembranças do avô Jerónimo:...
“Recordo daquelas
noites mornas de Verão,
quando dormíamos
debaixo da figueira
grande,
ouço-o falar
da vida que teve,
das histórias e lendas
da sua infância
distante.”
“Adormecíamos tarde,
bem enrolados
nas mantas por
causa do fresco da
madrugada...”
As lembranças da
pequena aldeia
e o tempo passado na
companhia dos avós
– as grandes referências
morais e sentimentais
na sua vida –
acompanharão
o pequeno José pelos
anos e décadas
vindouros.
O tempo passa e
transforma crianças
em jovens adultos.
Por falta de recursos,
Saramago não
chega a concluir
o secundário,
trocando os estudos
acadêmicos pelo
curso de serralharia
mecânica numa escola
técnica de Lisboa.
Aos dezenove anos
passa a trabalhar num
hospital, fazendo a
manutenção do
maquinário.
Com o trabalho a
consumir as horas do dia,
cultiva a rotina de dedicar
a noite à leitura.
Todas as noites,
depois de jantar,
vai a pé, apesar da longa
distância, até a biblioteca
pública de Lisboa,
onde permanece até
a hora de fechar,
lendo tudo o que pode.
São estas leituras as suas
aulas, o seu professor,
o seu mestre...
“Como gostava de,
um dia, começar a escrever,
afinal, ser um escritor!
E ser escritor era para
o jovem José
uma reflexão sobre a vida
e os seus absurdos...”
Sobre esta fase,
recordará anos
mais tarde:...
“Guiado talvez pela
beleza da persistência,
ainda que trêmula,
de uma daquelas estrelas
que vira no céu
na casa do avô Jerónimo
e da avó Josefa,
decidiu ser todo uma só
vontade, todo um
atrevimento e lançou-se
no voo alto de escrever...”
Em 1944, aos 22 anos
de idade, casa-se com a
pintora Ilda Reis,
sendo que três anos mais
tarde, em 1947, nasce
a filha, que recebe
o nome Violante.
Neste ano também
publica o seu primeiro
livro, ‘Terra do Pecado’.
José Saramago, Ilda Reis e a filha Violante, 1951
Pais e filhos – a convivência gera laços;
no entanto, o amor, a admiração
e o carinho necessitam ser construídos.
Leva tempo, atenção e cuidado
arar a terra que fecunda
afeição e ternura, respeito e carinho.
Leva tempo, atenção e cuidado
arar a terra que fecunda
afeição e ternura, respeito e carinho.
José Saramago
e Violante
às margens
do rio Almonda
Azinhaga, 1951
“A expressão
vocabular humana
não sabe ainda
e provavelmente
não o saberá nunca,
conhecer, reconhecer
e comunicar
tudo quanto é
humanamente
experimentável
e sensível.”
José Saramago
“A expressão
vocabular humana
não sabe ainda
e provavelmente
não o saberá nunca,
conhecer, reconhecer
e comunicar
tudo quanto é
humanamente
experimentável
e sensível.”
José Saramago
José Saramago
e Violante
Azinhaga, 1953
Embora tenha seu
primeiro livro,
‘Terra do Pecado’,
ignorado pela crítica,
Saramago continua
a escrever, tendo
diversos contos e
crônicas publicados em
jornais e revistas.
A sua paixão pela
literatura leva-o
a conseguir posições
de certo destaque
no meio editorial,
atuando como
colunista, revisor,
tradutor e
crítico literário.
Com aproximadamente
quarenta anos de idade,
seu nome começa a
ser conhecido no campo
da literatura e cultura
em Portugal.
Saramago passa a ocupar
diversas funções,
como coordenador do
suplemento de cultura do
jornal ‘Diário de Lisboa’,
e diretor-adjunto do
‘Diário de Notícias’.
Em 1970,
Saramago
e Ilda Reis se
divorciam.
E em 1975,
ao deixar a
função de
editorialista do
jornal onde
trabalha,
resolve dedicar-se
exclusivamente
à literatura.
Em 1980, aos 58
anos de idade,
Saramago publica
o seu segundo
romance, chamado
“Levantado
do Chão”.
Desta vez,
a acolhida é
bem diferente;
a obra é recebida
com êxito, tanto
pela crítica,
quanto pelo público,
em Portugal.
Aos sessenta e poucos
anos de idade
Saramago dá início
a uma tardia e
improvável carreira
literária.
Os livros que se seguem
nos anos seguintes são
igualmente aclamados
pelo país afora.
Estamos em 1986,
Saramago encontra-se
com 63 anos de idade.
Separado, com a
filha já adulta.
Realizou o sonho de
escrever e ser lido.
Com um sucesso
considerável em Portugal ,
parece um homem satisfeito
com a vida que lhe
fora destinada.
“Aos 63 anos de idade,
o que um homem pode
ainda esperar da vida?...”
afirmaria numa
entrevista,
“Não muito...”.
Mas o futuro
ainda lhe reserva
algumas surpresas...
( fim da primeira parte
desta apresentação )
1986 - Sevilha, Espanha.
Uma jornalista espanhola, nos seus trinta
e poucos anos, passeia por uma livraria
à procura de títulos interessantes.
Ao passar por uma estante que contém alguns
livros separados para serem devolvidos à
editora, se depara com um título
que chama sua atenção.
Mesmo sem ter ouvido falar do autor,
ela resolve comprar o livro, sem poder imaginar
as consequências que tal decisão,
aparentemente trivial, poderá ter.
Coincidências da vida, dirão alguns,
enquanto outros atribuirão o ocorrido
ao destino, ao acaso, ao inevitável...
O livro se chama
‘Memorial do Convento’.
E a jovem jornalista
que o acaba de
adquirir, Pilar
del Río.
Blimunda,
a protagonista de
‘Memorial do Convento’,
ocupa um lugar
especial dentre todos os
personagens femininos
criados por
Saramago.
Pilar gosta tanto do livro que
compra vários exemplares para
presentear às melhores amigas,
comentando sua grande vontade
de conhecer esse
homem capaz de
tocar tanto a
alma feminina
através de
Blimunda.
Ela procura outros livros de
Saramago, e diante da revelação
e fascinação sentida
após cada leitura, resolve entrar em
contato com o autor.
Pilar recordará mais tarde:
“Senti que tinha a obrigação moral de
dizer a José Saramago o que tinha
experimentado. Um autor só acaba a
sua obra quando o livro é lido e
entendido.
E eu queria
dizer-lhe:
completou-se o ciclo,
li-o e entendi.”
Uma bela tarde,
toca o telefone na
casa de Saramago.
Pilar se identifica,
dizendo ser uma
leitora e admiradora.
Conversam sobre
os livros de Saramago,
sobre a literatura,
sobre a vida...
E ao fim da
conversa, combinam
de se encontrar numa
cafeteria em Lisboa,
para uma entrevista
que Pilar propõe
realizar para o jornal
em que trabalha.
Por ocasião do encontro,
aproveitam para passear
pela cidade de Lisboa, e
falam de quase tudo.
Depois, ela retorna
para Sevilha.
“Com uma
estranha paz.”
No dia seguinte, Saramago retribui a visita de
Pilar a Lisboa, enviando-lhe uma carta,
acompanhada de rosas.
Caminhos que se entrecruzam,
vidas prestes a se mudar para sempre...
Coincidências da vida, dirão alguns.
O destino, o acaso, o inevitável,
afirmarão outros...
Há quem afirme que as histórias de amor,
todas elas, desde o início dos tempos,
se parecem, se repetem.
O que muda são os nomes,
os detalhes,
os corações...
As idas e vindas entre Sevilha e Lisboa,
onde Pilar e Saramago residem, respectivamente,
passam a se tornar cada vez mais frequentes.
Os 28 anos de vida que separam Pilar,
com 34 anos, e Saramago, 63, se tornam um
mero detalhe diante do amor que sentem.
Em outubro de 1988
celebram o casamento.
Ao lado de Pilar, Saramago inicia o que
chama de sua ‘segunda vida’.
Saramago observa que aos 63 anos, “quando já não
se espera nada”, encontrou “o que faltava para
passar a ter tudo” – Pilar.
Ela, espanhola: sonhadora, lutadora,
vive a batalha de mudar o mundo;
Ele, português: melancólico, sereno...
Uma combinação perfeita.
Os livros que
Saramago passa
a escrever
desde então são
todos dedicados
a ela.
“A Pilar,
os dias todos”
“A Pilar,
até ao último
“A Pilar,
minha casa”
Com a mudança para Lisboa,
Pilar abandona a carreira jornalística
que exercia na televisão espanhola.
É a primeira leitora dos textos
de Saramago, e a tradutora das obras
do marido para o espanhol.
Em 1991, Saramago
publica o livro
“O Evangelho segundo
Jesus Cristo”,
onde conta a história
de Jesus de forma
moderna, sob um
olhar narrativo que
humaniza Cristo.
Em 1992, a Secretaria
de Cultura de Portugal
veta a inscrição do livro
na disputa do Prêmio
Literário Europeu,
por considerá-lo
“ofensivo para o catolicismo
do povo português.”
Em reação a tal veto,
que considera censório,
Saramago se muda
de Portugal,
passando a fixar
residência na
ilha de Lanzarote,
Ilhas Canárias.
E é em seu escritório em Lanzarote
que Saramago escreve um de seus romances mais
conhecidos – “Ensaio sobre a Cegueira”.
Escrito em 1995, próximo à virada do milênio, o
romance aborda uma epidemia de cegueira
repentina que acomete a inteira população de uma
cidade.
A cegueira como uma alegoria para o estado
de crise por que passa a atual sociedade,
onde, frequentemente, os limites entre
civilização e barbárie são rompidos. 
A cegueira como uma alegoria para o estado
de crise por que passa a atual sociedade,
...
A cegueira descrita
no livro é uma
“cegueira branca”,
pastosa, como se
alguém tivesse
mergulhado de
olhos abertos num
“mar de leite”.
“Trevas brancas”
a anuviar o olhar
daqueles que,
tendo olhos,
não conseguem
(ou se recusam a)
enxergar.
Uma cegueira por
vezes associada ao
avanço irrefreado
do consumismo e
do materialismo,
que faz com que
os homens percam a
consciência de si, se
deformem,
se massifiquem e
se barbarizem.
Uma cegueira
que promove a
ruptura com a
nossa própria
essência –
a compaixão,
o cuidado,
a solidariedade...
“Penso que
estamos cegos,
José Saramago
Cegos que vêem,
Cegos que, vendo,
não vêem.”
“Se podes
olhar,
vê.
Se podes
ver,
repara”.
(epígrafe do livro
“Ensaio sobre a
Cegueira”)
“Somos a memória
que temos
e a responsabilidade
que assumimos.
Sem memória
não existimos,
sem responsabilidade
talvez não mereçamos
existir.”
José Saramago
1995 – Saramago
recebe o Prêmio
Camões, o mais
importante da
literatura da língua
portuguesa.
1998 – Recebe o
Prêmio Nobel de
Literatura,
tornando-se o
primeiro autor da
língua portuguesa a
receber a homenagem.
1998 – Recebe o
Prêmio Nobel de
Literatura,
tornando-se o
primeiro autor da
língua portuguesa a
receber a homenagem.
Saramago, aos 76 anos de
idade, recebe o Prêmio Nobel
das mãos do rei da Suécia.
Estocolmo, 1998
Ao receber o prêmio, Saramago inicia seu discurso
com uma homenagem ao avô, o camponês Jerónimo
Melrinho, o que também pode ser visto como
uma crítica à pompa das instituições literárias:...
“O homem mais sábio que conheci
em toda minha vida não sabia
ler nem escrever...”
E passa a discorrer sobre memórias de sua infância,
suas fontes de inspiração e formação, e sobre alguns
de seus principais livros e personagens.
Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se
uma nova fase na vida de Saramago e Pilar.
Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se
uma nova fase na vida de Saramago e Pilar.
O público leitor de Saramago multiplica-se.
Os livros são traduzidos em 42 línguas,
publicados em 53 países, e vendem milhões de
exemplares mundo afora.
Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se uma
nova fase na vida de Saramago e Pilar.
O público leitor de Saramago multiplica-se.
Os livros são traduzidos em 42 línguas,
publicados em 53 países, e vendem milhões de
exemplares mundo afora.
Plateias numerosas, por vezes superiores
a mil pessoas, ouvem avidamente suas palavras.
“Acho que na sociedade actual
nos falta filosofia...”
“Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do
trabalho de pensar, e parece-me que,
sem idéias, não vamos a parte nenhuma.”
“Falamos muito ao longo destes últimos anos dos
direitos humanos; simplesmente deixamos de falar
de uma coisa muito simples,...”
“...que são os deveres humanos, que são sempre
deveres em relação aos outros, sobretudo.
E é essa indiferença em relação ao outro,
essa espécie de desprezo do outro,...”
“...que eu me pergunto se tem algum sentido
numa situação ou no quadro de existência
de uma espécie que se diz racional.”
“...que eu me pergunto se tem algum sentido
numa situação ou no quadro de existência
de uma espécie que se diz racional.”
“O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de
generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano,
tudo isto contribui
para essa perniciosa
forma de
cegueira mental...”
“...que consiste em estar no
mundo e não ver o mundo
ou só ver dele o que,
em cada momento, for
susceptível de servir os
nossos interesses.”
“Temos que acreditar nalguma coisa e, sobretudo,
temos de ter um sentimento de responsabilidade
colectiva, segundo o qual
cada um de nós será
responsável por
todos os outros.”
“A prioridade absoluta tem
de ser o ser humano.
Acima dessa não reconheço
nenhuma outra
prioridade.”
José Saramago
E fazendo uso do
espaço, da atenção e
notoriedade conferidos
pelo prêmio Nobel,
Saramago denuncia as
injustiças sociais, e
defende com coração e
alma as causas que
abraça:...
Os cuidados com a infância;
A educação de qualidade;
Os direitos dos povos nativos
da América Latina;
O combate à
violência doméstica;
A luta pelo fim dos
maus-tratos contra animais;
A questão dos refugiados;
O sofrimento do povo palestino;
dentre tantas outras.
Aos oitenta anos de idade,
guarda o vigor juvenil
de se revoltar contra
toda injustiça, e
não permite que se
morra nele o desejo de
mudar o mundo.
O engajamento sempre em
prol do humanismo.
“Estou convencido
de que é preciso continuar
a dizer não,
mesmo que se trate
de uma voz pregando
no deserto.”
José Saramago
“Estou convencido
de que é preciso continuar
a dizer não,
mesmo que se trate
de uma voz pregando
no deserto.”
José Saramago
Em 2007, aos 85 anos, Saramago é agraciado com
o prêmio “Amigo das Crianças”, concedido pela
fundação ‘Save the Children’.
Segundo a fundação, o prêmio é um reconhecimento
ao grande empenho na procura de “um mundo melhor
em que todas as crianças tenham esperança e
oportunidades”,...
...salientando, ainda, o “compromisso ativo pela
paz” e o “apoio continuado às campanhas e projectos
relacionados com a infância e com
os mais desfavorecidos”.
Dentre os livros de Saramago encontra-se
um dedicado ao público infantil
– “A Maior Flor do Mundo”.
Foto tirada em novembro de 2005.
Pilar é uma companhia constante nos
intermináveis compromissos e viagens.
Igualmente defensora de inúmeras causas
humanitárias, atua como confidente, conselheira,
tradutora e é quem organiza a agenda do marido.
Estão sempre juntos – em Lisboa e Lanzarote
ou pelo mundo – e de mãos dadas.
Estão sempre juntos – em Lisboa e Lanzarote
ou pelo mundo – e de mãos dadas.
Um amor e uma admiração singulares –
a aura envolvente que raros casais emitem...
“Pilar, se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te
conhecer, morreria muito mais velho do que serei
quando chegar a minha hora.” José Saramago
“Pilar, se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te
conhecer, morreria muito mais velho do que serei
quando chegar a minha hora.” José Saramago
Em meio às constantes viagens, é na residência
em Lanzarote, com vista para o mar, que
Saramago recompõe as energias e se restabelece.
E mesmo com a agenda corrida, ele reserva tempo para
escrever ao menos duas páginas diárias – que totalizará
um livro ao fim de um ano, conforme observa.
Por diversas vezes,
Saramago e Pilar
visitam o Brasil,
onde cultivam
muitas amizades.
Jorge Amado,
Chico Buarque,
Leonardo Boff,
Sebastião Salgado,
Lygia Fagundes Telles
Paulo Freire, Betinho,
Frei Betto, entre
tantos outros.
A calorosa acolhida dos intelectuais brasileiros
também se reflete na relação de Saramago com
o seu público leitor no país.
Certa vez, diante da cativa platéia e da efusão de
beijos e abraços que se seguiram, exclama:...
Certa vez, diante da cativa platéia e da efusão de
beijos e abraços que se seguiram, exclama:...
“Esta gente
quer me matar
de amor!”
Saramago também manifesta um carinho especial
pelos jovens e adolescentes.
Frequentemente aceita convites para visitar
escolas, proferir palestras e participar de debates.
“Nem a juventude sabe o que pode,
nem a velhice pode o que sabe.”
José Saramago
Saramago, rodeado pela família – foto tirada em 1993,
na varanda da casa de Lanzarote.
A filha, Violante,
e o genro, Danilo;
os netos,
Ana e Tiago.
Pilar e Juan Jose – filho
do primeiro casamento,
(que segura o cãozinho Camões).
Ao mesmo tempo
em que
cultiva
a conhecida
seriedade,Saramago também
nutre uma notória
leveza e um bom-
humor constante.
Certa vez, declara
gostar da seção de
quadrinhos dos
jornais.
“Confesso que
gosto muito do
Calvin e do Hobbes,
do Snoopy,
do Garfield,...”
“...daquela Mafalda
sábia e subversiva, de
quem continuo a ser
discípulo fiel.”
José Saramago
mas cabe nela
muito mais
do que somos
capazes de viver.”
“A vida é breve,
José Saramago
“Fugir da morte
pode tornar-se
num modo de
fugir da vida.”
“O homem é o
único animal
capaz de chorar.
É diante do mar
que o riso e a
lágrima assumem
uma importância
absoluta.”
E de sorrir.
“Dir-se-á que mais
profundamente a
assumiriam diante
do universo,
mas esse, digo eu,
está demasiado
longe, fora do
alcance duma
compreensão
comum.”
“O mar é
o universo
perto de nós.”
José Saramago
Em 2007, Saramago é hospitalizado durante longos
meses, devido a uma grave doença respiratória.
Tão logo se recupera, conclui o livro
“A Viagem do Elefante”,...
...e faz questão de viajar para o Brasil, aos 85 anos de
idade, para o lançamento mundial da obra.
...e faz questão de viajar para o Brasil, aos 85 anos de
idade, para o lançamento mundial da obra.
A escolha do Brasil para o
lançamento mundial é um
presente ao carinho e amizade
dos brasileiros.
16 de novembro, 2008,
aniversário de 86 anos.
A notória lucidez e
a acuidade da sua
reflexão filosófica
permanecem
inabaláveis,
contrastando cada
dia mais com a
saúde física
debilitada.
“A vida é como
uma vela que vai
ardendo,
quando chega ao fim
lança uma chama
mais forte antes de
se extinguir.”
“Creio que estou
no período da
última chama...”,
afirma Saramago
diante das crescentes
limitações impostas
pela saúde frágil .
Janeiro de 2010 –
Haiti é sacudido por um
forte tremor, que deixa
milhares de mortos, feridos
e desabrigados.
Saramago, aos 87 anos de idade,
já não tem a força nem a saúde
para empreender viagem, de modo
a levar a sua solidariedade
àqueles que sofrem.
Apesar da distância, desde a
ilha de Lanzarote, encontra
um meio de contribuir, e de
lançar o seu incansável apelo
para a humanidade.
Ele convence sua editora a
publicar uma edição especial do livro
“Jangada de Pedra”, que terá a
renda revertida integralmente
em prol do povo haitiano.
Mais que um gesto de ajuda,
um sopro de alento, nestes
dias de fria indiferença,
nestes tempos tão desprovidos
de compaixão social e caridade.
– Uma ‘Jangada de Pedra’
a caminho do Haiti –
“Porque todos temos
uma obrigação.”
José Saramago
Abril de 2010, a saúde física de Saramago
a tal ponto está debilitada que o seu médico
lhe impõe repouso absoluto.
O repouso absoluto, observa o médico,
abrange também a escrita, ou seja,
Saramago deverá parar de escrever.
Diante da renúncia derradeira à escrita
que acaba de ser imposta ao esposo,
Pilar sente que a recuperação será um milagre.
“...enganadora é sim
a luz do dia,
faz da vida uma sobra
apenas recortada,
só a noite é lúcida,
porém o sono
a vence,...”
“...talvez para nosso
sossego e descanso,
paz à alma
dos vivos.”
(em ‘O Ano da Morte
de Ricardo Reis’)
José Saramago
Mês de maio, 2010
Durante as últimas semanas,
Saramago quase não fala, mas ri, e segue rindo.
Embora participe dos jantares e cafés da manhã
que Pilar carinhosamente lhe prepara,...
...parece nutrir outras fomes e outras necessidades,
anseios que a este mundo já não mais pertencem.
Ele está aqui e não está, mas sorri.
Ele está aqui e não está, mas sorri.
“...o espírito não vai
a lado nenhum sem
as pernas do corpo,
José Saramago
(em ‘Todos
os Nomes’)
e o corpo não seria
capaz de mover-se se
lhe faltassem as asas
do espírito.”
No dia 18 de junho,
depois de uma noite
serena e tranquila,
Saramago falece na sua
residência em Lanzarote,
acompanhado de Pilar e
de sua família,
“despedindo-se de forma
serena e plácida.”
Em se havendo
outros mundos,
e havendo lá também
oprimidos e necessitados,
estes ganharam
uma voz a defendê-los e
quem se importe com eles...
estes ganharam
uma voz a defendê-los e
quem se importe com eles...
E em se havendo
outros mundos ainda,
talvez lá tenham
se reencontrado
o pequeno José
e os avós tão amados,
Josefa e Jerónimo.
“Dentro de nós
há uma coisa que
não tem nome,
essa coisa é
o que somos.”
José Saramago
Segundo o amigo e
teólogo Leonardo Boff,
Saramago cultivava
“a espiritualidade como
sentimento do mistério
do mundo,,
da profundidade
humana
e do amor
aos oprimidos.”
Leonardo Boff descreve a
tarde que ele e a esposa,
Márcia, passaram
na companhia
de Saramago e Pilar
como “um festim de
espiritualidade”.
“Ganhamos um amigo
e a fé me diz que
ele agora mergulhou
naquele Mistério de amor
que sempre buscou.”
Leonardo Boff
“Quando me for deste mundo,
partirão duas pessoas.
José Saramago
Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”.
Formatação: um_peregrino@hotmail.com
Tema musical:
Primeira Parte: ‘Illumination’, White Stones
Segunda Parte: ‘Moment musical n.3’, Schubert
Obrigado,
Saramago.
Saramago
Saramago

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Saramago

  • 1. “Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita...”
  • 2. “...e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir,...”
  • 3. “...mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo...”
  • 4. “...a emoção pura de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rasto de um sonho que o tempo não apagará por completo.” José Saramago
  • 5. “Muito universo, muito espaço sideral, mas o mundo é mesmo uma aldeia.” José Saramago
  • 6. Estamos numa aldeia chamada Azinhaga, no Alentejo português, a região sul do país onde se produzem azeitonas, cortiça e trigo.
  • 7. E nesta pequena aldeia, modestas plantações e criação de porcos é o que há para ser feito.
  • 8. Jerónimo e Josefa estão particularmente felizes hoje, 16 de novembro de 1922, pois é o dia que viu nascer o seu mais novo neto, a quem o destino conferiu o nome de José Saramago.
  • 9. Livros e letras não fazem parte da rotina deste casal de camponeses, bem como de tantos outros vizinhos. As poucas palavras faladas lhes servem aos propósitos, e o seu mundo é o quintal que em breves minutos percorremos.
  • 10. Na primavera de 1924, os pais de Saramago, Maria da Piedade e José de Sousa, abandonam o seio do campo e se mudam para Lisboa, onde ele conseguiu um novo trabalho como policial do trânsito.
  • 11. Em Lisboa, Maria da Piedade passa a cuidar dos afazeres domésticos, e se dedica aos filhos, Francisco, de quatro anos, e José Saramago, que conta com dois anos de idade.
  • 12. No mês de dezembro do mesmo ano em que se mudam para Lisboa, o filho mais velho do casal, Francisco, com apenas quatro anos de idade, morre de broncopneumonia.
  • 13. Uma dor que Maria da Piedade carregará pelo restante dos seus dias.
  • 14. Saramago passa a frequentar a escola primária na capital, e já é fluente na leitura, aos oito anos.
  • 15. Sua mãe o envia nas férias para Azinhaga, para o contato com o campo e com os avós maternos.
  • 16. E nas temporadas que passa na aldeia dos avós, o pequeno José sente-se feliz como um pássaro livre.
  • 17. O contato com a Natureza – a inocência, cheia de beleza e serenidade, das coisas puras.
  • 18. Os peixes que, nadando velozes, mantêm-se, por vezes, imóveis contra a força da corrente...
  • 19. Anos mais tarde, recordará Saramago algumas lembranças do avô Jerónimo:...
  • 20. “Recordo daquelas noites mornas de Verão, quando dormíamos debaixo da figueira grande, ouço-o falar da vida que teve, das histórias e lendas da sua infância distante.”
  • 21. “Adormecíamos tarde, bem enrolados nas mantas por causa do fresco da madrugada...”
  • 22. As lembranças da pequena aldeia e o tempo passado na companhia dos avós – as grandes referências morais e sentimentais na sua vida – acompanharão o pequeno José pelos anos e décadas vindouros.
  • 23. O tempo passa e transforma crianças em jovens adultos.
  • 24. Por falta de recursos, Saramago não chega a concluir o secundário, trocando os estudos acadêmicos pelo curso de serralharia mecânica numa escola técnica de Lisboa.
  • 25. Aos dezenove anos passa a trabalhar num hospital, fazendo a manutenção do maquinário. Com o trabalho a consumir as horas do dia, cultiva a rotina de dedicar a noite à leitura.
  • 26. Todas as noites, depois de jantar, vai a pé, apesar da longa distância, até a biblioteca pública de Lisboa, onde permanece até a hora de fechar, lendo tudo o que pode. São estas leituras as suas aulas, o seu professor, o seu mestre...
  • 27. “Como gostava de, um dia, começar a escrever, afinal, ser um escritor! E ser escritor era para o jovem José uma reflexão sobre a vida e os seus absurdos...” Sobre esta fase, recordará anos mais tarde:...
  • 28. “Guiado talvez pela beleza da persistência, ainda que trêmula, de uma daquelas estrelas que vira no céu na casa do avô Jerónimo e da avó Josefa, decidiu ser todo uma só vontade, todo um atrevimento e lançou-se no voo alto de escrever...”
  • 29. Em 1944, aos 22 anos de idade, casa-se com a pintora Ilda Reis, sendo que três anos mais tarde, em 1947, nasce a filha, que recebe o nome Violante. Neste ano também publica o seu primeiro livro, ‘Terra do Pecado’.
  • 30. José Saramago, Ilda Reis e a filha Violante, 1951
  • 31. Pais e filhos – a convivência gera laços; no entanto, o amor, a admiração e o carinho necessitam ser construídos.
  • 32. Leva tempo, atenção e cuidado arar a terra que fecunda afeição e ternura, respeito e carinho.
  • 33. Leva tempo, atenção e cuidado arar a terra que fecunda afeição e ternura, respeito e carinho. José Saramago e Violante às margens do rio Almonda Azinhaga, 1951
  • 34. “A expressão vocabular humana não sabe ainda e provavelmente não o saberá nunca, conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível.” José Saramago
  • 35. “A expressão vocabular humana não sabe ainda e provavelmente não o saberá nunca, conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível.” José Saramago José Saramago e Violante Azinhaga, 1953
  • 36. Embora tenha seu primeiro livro, ‘Terra do Pecado’, ignorado pela crítica, Saramago continua a escrever, tendo diversos contos e crônicas publicados em jornais e revistas.
  • 37. A sua paixão pela literatura leva-o a conseguir posições de certo destaque no meio editorial, atuando como colunista, revisor, tradutor e crítico literário.
  • 38. Com aproximadamente quarenta anos de idade, seu nome começa a ser conhecido no campo da literatura e cultura em Portugal.
  • 39. Saramago passa a ocupar diversas funções, como coordenador do suplemento de cultura do jornal ‘Diário de Lisboa’, e diretor-adjunto do ‘Diário de Notícias’.
  • 40. Em 1970, Saramago e Ilda Reis se divorciam. E em 1975, ao deixar a função de editorialista do jornal onde trabalha, resolve dedicar-se exclusivamente à literatura.
  • 41. Em 1980, aos 58 anos de idade, Saramago publica o seu segundo romance, chamado “Levantado do Chão”.
  • 42. Desta vez, a acolhida é bem diferente; a obra é recebida com êxito, tanto pela crítica, quanto pelo público, em Portugal.
  • 43. Aos sessenta e poucos anos de idade Saramago dá início a uma tardia e improvável carreira literária. Os livros que se seguem nos anos seguintes são igualmente aclamados pelo país afora.
  • 44. Estamos em 1986, Saramago encontra-se com 63 anos de idade. Separado, com a filha já adulta. Realizou o sonho de escrever e ser lido. Com um sucesso considerável em Portugal , parece um homem satisfeito com a vida que lhe fora destinada.
  • 45. “Aos 63 anos de idade, o que um homem pode ainda esperar da vida?...” afirmaria numa entrevista, “Não muito...”.
  • 46. Mas o futuro ainda lhe reserva algumas surpresas... ( fim da primeira parte desta apresentação )
  • 47. 1986 - Sevilha, Espanha. Uma jornalista espanhola, nos seus trinta e poucos anos, passeia por uma livraria à procura de títulos interessantes.
  • 48. Ao passar por uma estante que contém alguns livros separados para serem devolvidos à editora, se depara com um título que chama sua atenção.
  • 49. Mesmo sem ter ouvido falar do autor, ela resolve comprar o livro, sem poder imaginar as consequências que tal decisão, aparentemente trivial, poderá ter.
  • 50. Coincidências da vida, dirão alguns, enquanto outros atribuirão o ocorrido ao destino, ao acaso, ao inevitável...
  • 51. O livro se chama ‘Memorial do Convento’. E a jovem jornalista que o acaba de adquirir, Pilar del Río.
  • 52. Blimunda, a protagonista de ‘Memorial do Convento’, ocupa um lugar especial dentre todos os personagens femininos criados por Saramago.
  • 53. Pilar gosta tanto do livro que compra vários exemplares para presentear às melhores amigas, comentando sua grande vontade de conhecer esse homem capaz de tocar tanto a alma feminina através de Blimunda.
  • 54. Ela procura outros livros de Saramago, e diante da revelação e fascinação sentida após cada leitura, resolve entrar em contato com o autor.
  • 55. Pilar recordará mais tarde: “Senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi.”
  • 56. Uma bela tarde, toca o telefone na casa de Saramago. Pilar se identifica, dizendo ser uma leitora e admiradora. Conversam sobre os livros de Saramago, sobre a literatura, sobre a vida...
  • 57. E ao fim da conversa, combinam de se encontrar numa cafeteria em Lisboa, para uma entrevista que Pilar propõe realizar para o jornal em que trabalha.
  • 58. Por ocasião do encontro, aproveitam para passear pela cidade de Lisboa, e falam de quase tudo. Depois, ela retorna para Sevilha. “Com uma estranha paz.”
  • 59. No dia seguinte, Saramago retribui a visita de Pilar a Lisboa, enviando-lhe uma carta, acompanhada de rosas.
  • 60. Caminhos que se entrecruzam, vidas prestes a se mudar para sempre...
  • 61. Coincidências da vida, dirão alguns. O destino, o acaso, o inevitável, afirmarão outros...
  • 62. Há quem afirme que as histórias de amor, todas elas, desde o início dos tempos, se parecem, se repetem.
  • 63. O que muda são os nomes, os detalhes, os corações...
  • 64. As idas e vindas entre Sevilha e Lisboa, onde Pilar e Saramago residem, respectivamente, passam a se tornar cada vez mais frequentes.
  • 65. Os 28 anos de vida que separam Pilar, com 34 anos, e Saramago, 63, se tornam um mero detalhe diante do amor que sentem.
  • 66. Em outubro de 1988 celebram o casamento.
  • 67. Ao lado de Pilar, Saramago inicia o que chama de sua ‘segunda vida’.
  • 68. Saramago observa que aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar.
  • 69. Ela, espanhola: sonhadora, lutadora, vive a batalha de mudar o mundo; Ele, português: melancólico, sereno...
  • 71. Os livros que Saramago passa a escrever desde então são todos dedicados a ela.
  • 72. “A Pilar, os dias todos” “A Pilar, até ao último “A Pilar, minha casa”
  • 73. Com a mudança para Lisboa, Pilar abandona a carreira jornalística que exercia na televisão espanhola.
  • 74. É a primeira leitora dos textos de Saramago, e a tradutora das obras do marido para o espanhol.
  • 75. Em 1991, Saramago publica o livro “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, onde conta a história de Jesus de forma moderna, sob um olhar narrativo que humaniza Cristo.
  • 76. Em 1992, a Secretaria de Cultura de Portugal veta a inscrição do livro na disputa do Prêmio Literário Europeu, por considerá-lo “ofensivo para o catolicismo do povo português.”
  • 77. Em reação a tal veto, que considera censório, Saramago se muda de Portugal, passando a fixar residência na ilha de Lanzarote, Ilhas Canárias.
  • 78. E é em seu escritório em Lanzarote que Saramago escreve um de seus romances mais conhecidos – “Ensaio sobre a Cegueira”.
  • 79. Escrito em 1995, próximo à virada do milênio, o romance aborda uma epidemia de cegueira repentina que acomete a inteira população de uma cidade.
  • 80. A cegueira como uma alegoria para o estado de crise por que passa a atual sociedade, onde, frequentemente, os limites entre civilização e barbárie são rompidos. 
  • 81. A cegueira como uma alegoria para o estado de crise por que passa a atual sociedade, ... A cegueira descrita no livro é uma “cegueira branca”, pastosa, como se alguém tivesse mergulhado de olhos abertos num “mar de leite”.
  • 82. “Trevas brancas” a anuviar o olhar daqueles que, tendo olhos, não conseguem (ou se recusam a) enxergar.
  • 83. Uma cegueira por vezes associada ao avanço irrefreado do consumismo e do materialismo, que faz com que os homens percam a consciência de si, se deformem, se massifiquem e se barbarizem.
  • 84. Uma cegueira que promove a ruptura com a nossa própria essência – a compaixão, o cuidado, a solidariedade...
  • 85. “Penso que estamos cegos, José Saramago Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”
  • 86. “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. (epígrafe do livro “Ensaio sobre a Cegueira”)
  • 87. “Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.” José Saramago
  • 88. 1995 – Saramago recebe o Prêmio Camões, o mais importante da literatura da língua portuguesa.
  • 89. 1998 – Recebe o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro autor da língua portuguesa a receber a homenagem.
  • 90. 1998 – Recebe o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro autor da língua portuguesa a receber a homenagem.
  • 91. Saramago, aos 76 anos de idade, recebe o Prêmio Nobel das mãos do rei da Suécia. Estocolmo, 1998
  • 92. Ao receber o prêmio, Saramago inicia seu discurso com uma homenagem ao avô, o camponês Jerónimo Melrinho, o que também pode ser visto como uma crítica à pompa das instituições literárias:...
  • 93. “O homem mais sábio que conheci em toda minha vida não sabia ler nem escrever...”
  • 94. E passa a discorrer sobre memórias de sua infância, suas fontes de inspiração e formação, e sobre alguns de seus principais livros e personagens.
  • 95. Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se uma nova fase na vida de Saramago e Pilar.
  • 96. Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se uma nova fase na vida de Saramago e Pilar. O público leitor de Saramago multiplica-se. Os livros são traduzidos em 42 línguas, publicados em 53 países, e vendem milhões de exemplares mundo afora.
  • 97. Com a conquista do prêmio Nobel, inicia-se uma nova fase na vida de Saramago e Pilar. O público leitor de Saramago multiplica-se. Os livros são traduzidos em 42 línguas, publicados em 53 países, e vendem milhões de exemplares mundo afora.
  • 98. Plateias numerosas, por vezes superiores a mil pessoas, ouvem avidamente suas palavras.
  • 99. “Acho que na sociedade actual nos falta filosofia...”
  • 100. “Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem idéias, não vamos a parte nenhuma.”
  • 101. “Falamos muito ao longo destes últimos anos dos direitos humanos; simplesmente deixamos de falar de uma coisa muito simples,...”
  • 102. “...que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro,...”
  • 103. “...que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional.”
  • 104. “...que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional.” “O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental...”
  • 105. “...que consiste em estar no mundo e não ver o mundo ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses.”
  • 106. “Temos que acreditar nalguma coisa e, sobretudo, temos de ter um sentimento de responsabilidade colectiva, segundo o qual cada um de nós será responsável por todos os outros.”
  • 107. “A prioridade absoluta tem de ser o ser humano. Acima dessa não reconheço nenhuma outra prioridade.” José Saramago
  • 108. E fazendo uso do espaço, da atenção e notoriedade conferidos pelo prêmio Nobel, Saramago denuncia as injustiças sociais, e defende com coração e alma as causas que abraça:...
  • 109. Os cuidados com a infância; A educação de qualidade; Os direitos dos povos nativos da América Latina; O combate à violência doméstica; A luta pelo fim dos maus-tratos contra animais; A questão dos refugiados; O sofrimento do povo palestino; dentre tantas outras.
  • 110. Aos oitenta anos de idade, guarda o vigor juvenil de se revoltar contra toda injustiça, e não permite que se morra nele o desejo de mudar o mundo. O engajamento sempre em prol do humanismo.
  • 111. “Estou convencido de que é preciso continuar a dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto.” José Saramago
  • 112. “Estou convencido de que é preciso continuar a dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto.” José Saramago Em 2007, aos 85 anos, Saramago é agraciado com o prêmio “Amigo das Crianças”, concedido pela fundação ‘Save the Children’.
  • 113. Segundo a fundação, o prêmio é um reconhecimento ao grande empenho na procura de “um mundo melhor em que todas as crianças tenham esperança e oportunidades”,...
  • 114. ...salientando, ainda, o “compromisso ativo pela paz” e o “apoio continuado às campanhas e projectos relacionados com a infância e com os mais desfavorecidos”.
  • 115. Dentre os livros de Saramago encontra-se um dedicado ao público infantil – “A Maior Flor do Mundo”.
  • 116. Foto tirada em novembro de 2005.
  • 117. Pilar é uma companhia constante nos intermináveis compromissos e viagens.
  • 118. Igualmente defensora de inúmeras causas humanitárias, atua como confidente, conselheira, tradutora e é quem organiza a agenda do marido.
  • 119. Estão sempre juntos – em Lisboa e Lanzarote ou pelo mundo – e de mãos dadas.
  • 120. Estão sempre juntos – em Lisboa e Lanzarote ou pelo mundo – e de mãos dadas. Um amor e uma admiração singulares – a aura envolvente que raros casais emitem...
  • 121. “Pilar, se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora.” José Saramago
  • 122. “Pilar, se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora.” José Saramago Em meio às constantes viagens, é na residência em Lanzarote, com vista para o mar, que Saramago recompõe as energias e se restabelece.
  • 123. E mesmo com a agenda corrida, ele reserva tempo para escrever ao menos duas páginas diárias – que totalizará um livro ao fim de um ano, conforme observa.
  • 124. Por diversas vezes, Saramago e Pilar visitam o Brasil, onde cultivam muitas amizades.
  • 125. Jorge Amado, Chico Buarque, Leonardo Boff, Sebastião Salgado, Lygia Fagundes Telles Paulo Freire, Betinho, Frei Betto, entre tantos outros.
  • 126. A calorosa acolhida dos intelectuais brasileiros também se reflete na relação de Saramago com o seu público leitor no país.
  • 127. Certa vez, diante da cativa platéia e da efusão de beijos e abraços que se seguiram, exclama:...
  • 128. Certa vez, diante da cativa platéia e da efusão de beijos e abraços que se seguiram, exclama:... “Esta gente quer me matar de amor!”
  • 129. Saramago também manifesta um carinho especial pelos jovens e adolescentes.
  • 130. Frequentemente aceita convites para visitar escolas, proferir palestras e participar de debates.
  • 131. “Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.” José Saramago
  • 132. Saramago, rodeado pela família – foto tirada em 1993, na varanda da casa de Lanzarote.
  • 133. A filha, Violante, e o genro, Danilo; os netos, Ana e Tiago. Pilar e Juan Jose – filho do primeiro casamento, (que segura o cãozinho Camões).
  • 134. Ao mesmo tempo em que cultiva a conhecida seriedade,Saramago também nutre uma notória leveza e um bom- humor constante.
  • 135. Certa vez, declara gostar da seção de quadrinhos dos jornais. “Confesso que gosto muito do Calvin e do Hobbes, do Snoopy, do Garfield,...”
  • 136. “...daquela Mafalda sábia e subversiva, de quem continuo a ser discípulo fiel.”
  • 137.
  • 138. José Saramago mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver.” “A vida é breve,
  • 139. José Saramago “Fugir da morte pode tornar-se num modo de fugir da vida.”
  • 140. “O homem é o único animal capaz de chorar. É diante do mar que o riso e a lágrima assumem uma importância absoluta.” E de sorrir.
  • 141. “Dir-se-á que mais profundamente a assumiriam diante do universo, mas esse, digo eu, está demasiado longe, fora do alcance duma compreensão comum.”
  • 142. “O mar é o universo perto de nós.” José Saramago
  • 143. Em 2007, Saramago é hospitalizado durante longos meses, devido a uma grave doença respiratória.
  • 144. Tão logo se recupera, conclui o livro “A Viagem do Elefante”,...
  • 145. ...e faz questão de viajar para o Brasil, aos 85 anos de idade, para o lançamento mundial da obra.
  • 146. ...e faz questão de viajar para o Brasil, aos 85 anos de idade, para o lançamento mundial da obra. A escolha do Brasil para o lançamento mundial é um presente ao carinho e amizade dos brasileiros.
  • 147. 16 de novembro, 2008, aniversário de 86 anos.
  • 148. A notória lucidez e a acuidade da sua reflexão filosófica permanecem inabaláveis, contrastando cada dia mais com a saúde física debilitada.
  • 149. “A vida é como uma vela que vai ardendo, quando chega ao fim lança uma chama mais forte antes de se extinguir.”
  • 150. “Creio que estou no período da última chama...”, afirma Saramago diante das crescentes limitações impostas pela saúde frágil .
  • 151. Janeiro de 2010 – Haiti é sacudido por um forte tremor, que deixa milhares de mortos, feridos e desabrigados.
  • 152. Saramago, aos 87 anos de idade, já não tem a força nem a saúde para empreender viagem, de modo a levar a sua solidariedade àqueles que sofrem.
  • 153. Apesar da distância, desde a ilha de Lanzarote, encontra um meio de contribuir, e de lançar o seu incansável apelo para a humanidade.
  • 154. Ele convence sua editora a publicar uma edição especial do livro “Jangada de Pedra”, que terá a renda revertida integralmente em prol do povo haitiano.
  • 155. Mais que um gesto de ajuda, um sopro de alento, nestes dias de fria indiferença, nestes tempos tão desprovidos de compaixão social e caridade.
  • 156. – Uma ‘Jangada de Pedra’ a caminho do Haiti – “Porque todos temos uma obrigação.” José Saramago
  • 157. Abril de 2010, a saúde física de Saramago a tal ponto está debilitada que o seu médico lhe impõe repouso absoluto.
  • 158. O repouso absoluto, observa o médico, abrange também a escrita, ou seja, Saramago deverá parar de escrever.
  • 159. Diante da renúncia derradeira à escrita que acaba de ser imposta ao esposo, Pilar sente que a recuperação será um milagre.
  • 160. “...enganadora é sim a luz do dia, faz da vida uma sobra apenas recortada, só a noite é lúcida, porém o sono a vence,...”
  • 161. “...talvez para nosso sossego e descanso, paz à alma dos vivos.” (em ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’) José Saramago
  • 162. Mês de maio, 2010
  • 163. Durante as últimas semanas, Saramago quase não fala, mas ri, e segue rindo.
  • 164. Embora participe dos jantares e cafés da manhã que Pilar carinhosamente lhe prepara,...
  • 165. ...parece nutrir outras fomes e outras necessidades, anseios que a este mundo já não mais pertencem.
  • 166. Ele está aqui e não está, mas sorri.
  • 167. Ele está aqui e não está, mas sorri. “...o espírito não vai a lado nenhum sem as pernas do corpo, José Saramago (em ‘Todos os Nomes’) e o corpo não seria capaz de mover-se se lhe faltassem as asas do espírito.”
  • 168. No dia 18 de junho, depois de uma noite serena e tranquila, Saramago falece na sua residência em Lanzarote, acompanhado de Pilar e de sua família, “despedindo-se de forma serena e plácida.”
  • 169. Em se havendo outros mundos, e havendo lá também oprimidos e necessitados, estes ganharam uma voz a defendê-los e quem se importe com eles...
  • 170. estes ganharam uma voz a defendê-los e quem se importe com eles... E em se havendo outros mundos ainda, talvez lá tenham se reencontrado o pequeno José e os avós tão amados, Josefa e Jerónimo.
  • 171. “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.” José Saramago
  • 172. Segundo o amigo e teólogo Leonardo Boff, Saramago cultivava “a espiritualidade como sentimento do mistério do mundo,, da profundidade humana e do amor aos oprimidos.”
  • 173. Leonardo Boff descreve a tarde que ele e a esposa, Márcia, passaram na companhia de Saramago e Pilar como “um festim de espiritualidade”.
  • 174. “Ganhamos um amigo e a fé me diz que ele agora mergulhou naquele Mistério de amor que sempre buscou.” Leonardo Boff
  • 175.
  • 176.
  • 177. “Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. José Saramago Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”.
  • 178.
  • 179. Formatação: um_peregrino@hotmail.com Tema musical: Primeira Parte: ‘Illumination’, White Stones Segunda Parte: ‘Moment musical n.3’, Schubert