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VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA:
O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO
UNIOESTE
Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011
A DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS FACE À EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO
Skarleth Zaluski Bélo1
RESUMO: A legislação discriminatória em relação às mulheres no Brasil continha
o estereótipo de “mulher honesta”, fazendo referência direta ao comportamento
sexual destas, cerceando e definindo o papel da mulher, para que cumprisse
assim, com os interesses patriarcais, morais e econômicos da época. Do
patrulhamento sexual das mulheres garantia-se à prole legítima o uso do nome
honroso da família e a quem destinar o patrimônio através de herança. Desse
controle corporal decorre a alienação econômica, política, jurídica, pensante e
social da mulher. Desta forma, temos o corpo e a liberdade de usufruí-lo como
fonte principal para iniciar, como ocorreu na história, a libertação das demais
amarras sociais das mulheres. O presente estudo pretende desmistificar a idéia
de que o comportamento e o papel a que cabem os sexos na sociedade seja algo
biologicamente inerente, a partir disto, realizar um resgate histórico para encontrar
a origem da discriminação entre homens e mulheres percebida no ordenamento
jurídico ao longo do tempo, e a evolução desta na tentativa de minimizar as
diferenças que levam a discriminações e violências contra a mulher ainda
atualmente.
PALAVRAS CHAVE: Igualdade, família, direitos da mulher.
ABSTRACT
The discriminatory legislation about woman in Brazil, contained the stereotype of
“woman honest”, doing direct reference to sexual behavior of these, restricting and
defining the role of women, fulfilled so that, with patriarchal interests, moral and
economic of the time. Patrolling sexual of woman guaranteed to legitimate
offspring using the name of family honored and who allocate the assets through
inheritance. That control body runs alienation economic, political, legal, and social
thinking of the woman. Thus, we have the body and the freedom to enjoy it as a
main source to start, as happened in history, the release of other social constraints
of women. The present study aims to demystify the idea that the behavior and role
that fit the sexes in society is something biologically inherent, from this, perform a
historical review to find the source of discrimination between men and women
perceived the legal system over time, and the evolution of trying to minimize the
differences that lead to discrimination and violence against women even today.
KEY WORDS: equality, family, women`s rights
INTRODUÇÃO
A idéia para o presente estudo surgiu durante as aulas de Direito Penal,
com a discussão sobre o papel da mulher na família e na sociedade histórica e
atualmente, pois, percebia-se que a legislação brasileira, outrora, discriminava as
mulheres com tipos jurídicos repletos de elementos normativos, que necessitavam
1
Acadêmica do 2º ano de Direito da UNIOESTE, graduada em Ciências Sociais (2007) e
especialista em Políticas Públicas (2009) pela mesma instituição.
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de uma valoração, essa valoração, no entanto, não era jurídica, não vinha
expressa em lei, mas era puramente cultural, por isso não era clara, variava de
acordo com a época e com a interpretação dos detentores das decisões judiciais.
Assim, a questão que se propõe neste artigo é analisar a possível origem da
desigualdade entre os sexos, a fim de melhor compreender o porquê da
legislação discriminatória em relação às mulheres, e a transformação normativa
que ainda se opera na tentativa de sanar essa mácula.
Para isso, recorreu-se a estudos antropológicos, de onde surgem
conceitos para a diferenciação entre homem e mulher, também foi necessário o
estudo histórico do conceito de família, com o foco no papel dos sexos e sua
transformação, até o advento da luta pelos direitos humanos e a revolução
feminista, a partir daí o artigo perpassa o histórico dos tratados internacionais
sobre os direitos das mulheres e sua influência no direito brasileiro, a partir de
então, verifica-se as alterações mais marcantes na Constituição Federal de 1988,
no Código Civil e Código Penal, especificamente nas leis de crime contra a
liberdade sexual, a autonomia da mulher no direito de família, e a lei de proteção
contra violência doméstica.
1. Contribuições da antropologia à reflexão jurídica
Para iniciar o estudo do presente tema torna-se necessário o uso da
ciência antropológica, pois entende-se que as contribuições dessa ciência à
reflexão jurídica se fazem sentir na capacidade do Direito enfrentar problemas
derivados das características particulares da sociedade contemporânea. Justifica-
se o uso da antropologia na escola do Historicismo Jurídico que teve como
precursores Vico, Montesquieu e Burcke, estes observavam que a lei devia
espelhar o desenvolvimento histórico de cada povo, pois na medida em que as
condições de vida social se alteram, mudam-se as necessidades, os valores,
devendo a lei se adaptar à nova realidade. Mas é Friedrich Karl Von Savigny na
obra “Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do Direito” (1970)
que melhor expõe essa idéia, segundo sua linha de pensamento, o direito não
pode reivindicar bases “naturais” ou “racionais”, pois, fundamenta-se, nos padrões
da vida dos povos, seus costumes, que são eficazmente estudadas pela
antropologia, conseqüentemente envolvem os atos simbólicos através dos quais
direitos e deveres foram criados ou extintos.
Desde a Antiguidade, considerando-se a obra de Aristóteles até o final do
século XVII a mulher era considerada imperfeita por natureza. Na obra A Política
(s/d), Aristóteles diz que as mulheres são limitadas por natureza, é como se fosse
um macho estéril. O antropólogo Thomas Lacqueur (2001) em seu livro
“Inventando o Sexo”, a partir de um levantamento de manuais de medicina e de
outros escritos do campo, afirma que até o século XVIII havia a concepção de
sexo único, no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de
perfeição metafísica, seu calor vital ao longo de um eixo cuja causa final era
masculina. Essa concepção se manifestava de tal forma nos manuais de medicina
que não era descrita nenhuma forma de distinção anatômica entre os sexos,
havendo uma mesma nomenclatura para os órgãos que hoje são considerados
específicos para cada sexo. A descrição do antropólogo impressiona, pois, essa
maneira de conceber os corpos como iguais subsistiu a prática da dissecação,
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evidencia de que não se tratava de um conhecimento baseado na impossibilidade
de se ver os órgãos, mas sim em uma forma de olhar e interpretar o corpo
diferente da que impera atualmente.
Assim o modelo do sexo único descrito por Lacqueur (2001) e dominante
até a Revolução Francesa, situava a mulher num degrau abaixo do homem na
hierarquia social, mulheres ou “homens invertidos”, ontologicamente inexistentes,
impotentes como as crianças ou escravos foram excluídas dos primórdios da
cidadania moderna ocidental, porque era politicamente necessário legitimar como
natural o domínio do homem sobre a mulher, legitimando os conservadores a
justificar tal exclusão.
A partir desse caráter manipulativo da ciência pelo social, Michel Foucault
promoveu uma das principais críticas no sentido da desconstrução da ciência,
levou ao extremo a idéia de Marcel Mauss de que as técnicas do corpo seriam
construídas a partir do treino social, para Foucault não apenas os movimentos
corporais são construídos socialmente e incutidos no indivíduo, como também o
próprio corpo é construído politicamente. Toda a suposta realidade só é
concebida pelos indivíduos a partir do saber, sendo esse saber uma relação de
poder que designa, nomeia e confere sentido a todas as coisas, sua idéia é de
que não existe uma “natureza natural”, ou seja, uma realidade anterior ao saber e
aos discursos humanos. Foucault critica o sentido da ciência uma vez que nega
seu aspecto absoluto, neutro e apolítico, enfatizando a questão do poder que
envolve diretamente todo o conhecimento que existe, assim a realidade que nos
aparece como objetiva é, na verdade, construída por um saber inundado de
poder.
Dessa forma têm-se vários estudos antropológicos afirmando que a
explicação para a diferença social entre homens e mulheres só pode ser
concebida a partir do universo social que os permeia, e outra parte de estudos
que radicalizam o argumento e negam a própria biologia. A Teoria de Gênero tem
como foco desconstruir a idéia de que existe uma diferença natural entre homens
e mulheres que explique o que acontece nas sociedades, Heloisa Buarque de
Almeida, especialista no tema e professora da USP cita:
[...] por muito tempo se dizia que as mulheres tinham menos poder ou
que estavam restritas à esfera doméstica por causa da reprodução e da
maternidade, ou seja, devido a elementos associados ao próprio corpo
feminino. A Teoria de Gênero tenta mostrar que nem todas as
sociedades tratam as mulheres dessa maneira. (ALMEIDA apud
RODRIGUES, 2011 pp.30)
Torna-se interessante citar algumas mostras de que o arranjo social
tecido pela nossa própria sociedade ao que diz respeito as relações entre homens
e mulheres está longe de ser o único possível: Pierre Clastres (2007) em sua obra
“A sociedade contra o Estado” apresenta a cultura dos Guaiaquis, indígenas da
margem paraguaia do alto rio Paraná, que trazem um exemplo de sociedade
poliândrica, ou seja, a união de uma mulher com mais de um marido, mesmo
casadas as mulheres podiam ter relacionamentos com homens solteiros e
transformá-los em maridos secundários se assim o desejassem, ao homem se
abandonasse sua esposa estava condenado ao celibato, pois a tribo carecia de
mulheres disponíveis.
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Margaret Mead no livro “Sexo e Temperamento” (2000), questiona as
noções mais comuns dos papéis sexuais ao apresentar três sociedades da Nova
Guiné, entre os Arapesh não havia diferenciação entre homens e mulheres, pois
ambos eram educados para serem dóceis e sensíveis e para servir aos outros.
Também entre os Mundugumor não havia diferenciação: indivíduos de ambos os
sexos eram treinados para a agressividade, caracterizando-se por relações de
rivalidade, e não de afeição. Entre os Chambuli, finalmente, havia diferença entre
homens e mulheres, mas de modo distinto do padrão que conhecemos: a mulher
era educada para ser extrovertida, empreendedora, dinâmica e solidária com os
membros do seu sexo. Já os homens eram educados para serem sensíveis,
preocupados com a aparência e invejosos, o que os tornava inseguros. Isso
resultava em uma sociedade em que as mulheres detinham o poder econômico e
garantiam o necessário para a sustentação do grupo, ao passo que os homens se
dedicavam às atividades cerimoniais e estéticas.
Assim, a antropóloga prova que é possível encontrar comportamentos
invertidos para os sexos que estamos habituados em nossa sociedade e nega
que exista uma essência natural das diferenças entre os sexos, não resta base
para caracterizar padrões de comportamento ligados pelo sexo, uma vez que a
natureza humana é incrivelmente maleável, respondendo diferentemente a
condições culturais contrastantes.
A construção do indivíduo racional realizado pela teoria liberal na defesa
da liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual
contra o poder estatal, pretendeu excluir a mulher da sociedade civil em formação
enfatizando a dicotomia entre os sexos e a separação entre as esferas pública e
privada. Em contrapartida deu início ao discurso feminista da diferença,
inaugurando uma história de resistência e luta desaguando na revolução sexual.
2- A transformação do conceito de família
É inerente ao tema passar pela concepção de família e suas
transformações. O surgimento das primeiras famílias ao longo da história é
percebido desde as sociedades primitivas, onde ocorriam práticas de poligamia
pelos homens e poliandria pelas mulheres, com efeito os filhos desses eram
comuns a todos do grupo.
De acordo com Engels (1984) o surgimento de sentimentos como ciúmes
e das leis de incesto, formaram gradativamente as famílias consangüíneas,
punaluana, sindiásmica e monogâmica. As consangüíneas tinham como
característica a classificação dos grupos conjugais por gerações, desta surgiu a
família punaluana que deriva da palavra “punalua” (companheiro íntimo), e sendo
considerado incesto a união sexual entre irmãos, reconhece-se a descendência
por meio da linhagem materna, assim as relações de herança provinham do
direito materno.
A família sindiásmica extinguiu o casamento por grupos, a infidelidade
conjugal era, por sua vez, apenas um direito dos varões, o vínculo poderia ser
facilmente desfeito e os filhos continuariam a pertencer à mãe, essas famílias
continuaram sendo matriarcais, sendo as mulheres a grande força dentro dos clãs
(ENGELS, 1984).
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Com o início das atividades agrícolas e criação de animais, surgiram
novas riquezas e a propriedade particular, nesse contexto o homem torna-se o
chefe da família tomando a posição da matriarca como responsável pelo sustento
do grupo familiar. Supremacia essa que foi repercutindo no direito hereditário, de
acordo com Engels (1984) a mulher começa a degradar-se convertida em
servidora, em um mero instrumento de reprodução. O advento do patriarcalismo
marca a passagem da família sindiásmica à família monogâmica.
Com o desenvolvimento de sociedades mais complexas, na qual os laços
sanguíneos eram cada vez mais dissolvidos entre a população, ganha
importância no Direito da Roma Antiga a expressão “família natural”, formada
apenas por um casal e seus filhos. “Ao contrário dos clãs, que se formavam a
partir da relação de parentesco com um ancestral comum, a “família natural”
romana originava-se através de uma relação jurídica, o casamento” (CUNHA,
2010).
A instituição do casamento era dividida em confarreatio, o casamento de
caráter religioso, restrito à classe patrícia, caracterizado por uma
cerimônia de oferenda de pão aos deuses; coemptio, reservada à plebe,
celebrado mediante a venda fictícia, do pai para o marido, do poder
sobre a mulher; e o usos, em que o marido adquiria a mulher pela posse,
isto é, vida em comum no ínterim de um ano. (DINIZ, 2008, p.50)
Segundo Castro (2002) no modelo romano de família havia a importância
do afeto na relação matrimonial, os pressupostos para o casamento romano eram
a coabitação e o chamado affectio maritalis, o que consiste na manifestação
expressa dos nubentes de viverem como marido e mulher com o fim de qualquer
um desses pressupostos, extinguia-se o casamento, valorizando-se assim o afeto
entre os cônjuges.
Com o início da expansão do cristianismo, a “família natural” romana foi
adaptada pela Igreja Católica, que “transformou o casamento em instituição
sacralizada e indissolúvel, e única formadora da família cristã, formada pela união
entre duas pessoas de diferentes sexos, unidas através de um ato solene, e por
seus descendentes diretos” (CASTRO, 2002, p.90).
A relação carnal entre o casal tornou-se requisito de validade para a
convalidação da união, estabelecido pelo direito eclesiástico, fruto da
indissociação entre matrimônio e a procriação, ou seja, o relacionamento sexual
foi elevado entre os batizados à dignidade de sacramento, tornando-se aceitável
apenas com o fim de gerar e educar a prole, sendo esta função primordial da
união, de outra forma agiriam em pecado.
Ainda hoje observam-se algumas marcas deixadas pelas diversas
transformações da família, em diferentes culturas e épocas. Da família romana
ficou a autoridade do chefe da família, onde a submissão da esposa e dos filhos
ao pai confere ao homem o papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o
caráter sacramental do casamento originado no século XVI. Da cultura
portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de sensível ligação afetiva,
abnegação e desprendimento (RIGONATTI, 2003).
Com o desenvolvimento dos meios de produção, a Revolução Industrial e
expansão capitalista, a necessidade de mão-de-obra e o fato de que explorado o
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homem sozinho não conseguia mais prover o sustento de sua família, abrem
espaço e impelem as mulheres a atuarem também no mercado de trabalho.
O difundir dos métodos contraceptivos iniciam os primeiros passos para
uma revolução sexual em que a mulher adquire o direito sobre seu próprio corpo,
os movimentos feministas por direitos, a criação dos filhos sendo compartilhada
com o homem, trouxeram profundas mudanças nos conceitos familiares, estes,
aliados a desvinculação entre Estado e Igreja reformularam os padrões morais da
época e com isso o papel da mulher na família e no direito.
3- Movimentos feministas e suas lutas
O século XX pode ser conceitualmente marcado por três correntes
feministas fundamentais, fruto de questionamentos decorrentes da diversidade
intra-sexo. Nos anos 1960 a primeira teve como principal reivindicação uma
distribuição mais igualitária do poder por meio da idéia de igualdade de
oportunidades e de condições para ambos os sexos, sendo denominado
“Feminismo Igualitário”, “Universal” ou “Liberal”, pois tem como princípio o
pensamento liberal em que os instrumentos são a educação, o trabalho e a
política para uma ação transformadora.
Com uma crítica a sociedade patriarcal e liberalista o segundo movimento
chamado “Feminismo Radical”, impera nos anos 70, pretendendo abordar as
desigualdades geradas nas sociedades de cunho liberal, dividido em quatro
tendências: “Feminismo Materialista”, “Socialista”, “Autonomista” e “Lesbiano”.
No movimento de 1980, as mulheres reivindicaram uma revalorização da
experiência feminina ligada à maternidade e aspectos biológicos característicos
das mulheres, chamada “Feminismo da Feminitude”.
4- Tratados Internacionais sobre os direitos femininos
A revolução sexual foi responsável por grandes mudanças econômicas,
sociais, políticas e jurídicas fundamentais para a evolução da sociedade moderna.
A declaração dos direitos sexuais, documento estabelecido no XIII
Congresso Mundial de Sexologia, em 1997 na Espanha, garante a expressão da
sexualidade e entre outras questões diz que “a sexualidade é parte integrante da
personalidade de todo ser humano. É construída por meio da interação entre os
indivíduos e as estruturas sociais”. Além disso, “os direitos sexuais são direitos
humanos universais baseados na liberdade, dignidade e igualdade para todos os
seres humanos.”
Essa declaração compreende o direito a liberdade sexual, excluindo-se
todas as formas de coerção, exploração e abuso em qualquer época ou situações
de vida; direito a autonomia sexual; direito à igualdade sexual; direito ao prazer
sexual; direito à livre associação sexual, significa a possibilidade de casamento ou
não, ao divórcio e ao estabelecimento de outros tipos de associações sexuais
responsáveis; o direito às escolhas reprodutivas livres e responsáveis, decidir ter
ou não filhos, o número e o tempo entre cada um, e o direito total aos métodos de
regulação da fertilidade.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher (CEDAW) é a lei internacional dos direitos das mulheres. Ela
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baseia-se no compromisso dos Estados signatários de promover e assegurar a
igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação
contra a mulher.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher (CEDAW) é a lei internacional dos direitos das mulheres. Ela
baseia-se no compromisso dos Estados signatários de promover e assegurar a
igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação
contra a mulher.
A CEDAW foi aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979,
tendo entrado em vigor em 1981. Atualmente, 173 países – mais de dois terços
dos membros da ONU – ratificaram a Convenção: Uruguai, em 1981; Brasil e
Chile em 1984; Argentina, em 1985; Paraguai, 1987.
Em uma introdução e mais 30 artigos, o texto da Convenção define o que
é a discriminação contra a mulher e uma agenda para acabar com essa
discriminação.
A Convenção sobre a Mulher define no seu art. 1º, a discriminação contra
a mulher:
Para fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a
mulher” significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo
e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de
seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (ONU
mulheres, www.unifem.org.br)
A Convenção trata de uma ampla gama de temas relacionados ao
reconhecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres nas esferas
política, econômica, social e familiar, além de reconhecer direitos relativos à
capacidade civil, à nacionalidade, à seguridade social, à saúde, em especial à
saúde reprodutiva, à habitação e às condições de vida adequadas, dentre outros.
Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil que tratam especificamente
dos direitos das mulheres: Convenção da Organização das Nações Unidas sobre
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em
1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, ratificada em 1995. Os Tratados Internacionais que o Brasil
ratifica além de criarem obrigações para o Brasil perante a Comunidade
Internacional, também criam obrigações internas gerando novos direitos para as
mulheres que passam a contar com uma última instância internacional de decisão
quando todos os recursos disponíveis no Brasil falharem na realização da justiça.
5- O Brasil na evolução dos direitos da mulher
Em razão da colonização portuguesa no Brasil, este foi fundado mediante
preceitos da Igreja Católica Apostólica Romana, o que se refletia no direito
vigente no país, as Ordenações Filipinas, de 1595, onde a única entidade familiar
reconhecida era a formada pelo casamento, que poderia ser de forma solene,
realizado na Igreja e atrelado à conjunção carnal entre os nubentes, e o
casamento decorrente do trato público e da fama, chamado de “casamento com
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marido conhecido” modalidade não reconhecida pelo direito canônico (WALD,
2002).
Segundo pesquisas da defensora pública Maria Vilma de Sousa Araújo
(2009), Defensora Pública do Estado do Pará, membro do Grupo Interinstitucional
de Trabalho e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar do TRJ do Pará, as
Ordenações Filipinas influenciaram bastante o patriarcalismo no Código Civil de
1916, considerando a mulher casada incapaz para exercer certos atos, cabendo
ao homem a representação legal da família.
Essa norma só viria a ser modificado com uma das primeiras conquistas
dos direitos da mulher na sociedade patriarcal da época, o “Estatuto da Mulher
Casada” Lei nº 4.121 de 1962. Dentre as conquistas alcançadas, pôs fim a
capacidade relativa da mulher e o poder familiar foi ampliado com a colaboração
da mãe, estabeleceu que se contraísse novo matrimônio, não perderia os direitos
do poder familiar sobre os filhos. Estabeleceu, ainda, o livre exercício da
profissão, reconhecendo os bens reservados da mulher, em função de sua
autonomia, consagrou-a no direito de intervir, via judicial sobre a escolha do
domicílio escolhido pelo marido, caso viesse a prejudicá-la.
A Constituição de 1969, recepcionou todas as desigualdades do Código
Civil de 1916 ao atribuir a mulher o domicílio do marido, a possibilidade de
anulação do casamento da mulher desvirginada na ignorância do marido, a
necessidade de autorização do marido para comprar coisas da economia
doméstica.
Em 1977, um avanço na conquista dos direitos, a Lei do Divórcio – Lei nº
6.515 de 26 de dezembro de 1977, na época havia barreiras para a
indissolubilidade do casamento, a nova lei desobrigou a mulher a portar o
patronímico do marido e possibilitou a adoção do regime legal de Comunhão
Parcial de Bens.
Segundo Ana Alice Alcântara Costa (2005) militante feminista desde os
anos 70 e Doutora em Sociologia Política, durante o período da Assembléia
Nacional Constituinte, o movimento feminista conduziu a campanha nacional
“Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”. Foram realizados eventos
em todo o país e posteriormente propostas regionais foram sistematizadas em um
encontro nacional com a participação de duas mil mulheres. Essas demandas
foram apresentadas à sociedade civil e aos constituintes através da “Carta das
Mulheres à Assembléia Constituinte”.
O movimento feminista deste período conseguiu aprovar 80% de suas
demandas em uma ação direta de convencimento dos parlamentares, que ficou
conhecido como “lobby do batom”, isso resultou em importantes conquistas na
Constituição Federal de 1988, no aspecto de igualdade de direitos entre homens
e mulheres, como consta no artigo 5º inciso I: “Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- Homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]”
A Constituição Cidadã de 1988 proclama ainda outros direitos específicos
das mulheres, tais como:
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a) A igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito da
família (art.226, §5º);
b) A proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo
ou estado civil (art. 7º XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril
de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e
outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de
permanência da relação jurídica de trabalho);
c) A proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante
incentivos específicos (art. 7º, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de
maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras
sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho);
d) O planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse
direito (art. 226, §7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de
1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global
e integral à saúde);
e) O dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares
(art. 226, §8º).
A Constituição Federal de 1988 representou um marco na evolução do
conceito de família, ao corporificar o conceito do antropólogo Lévy-Brul, de que o
traço dominante da evolução da família é sua tendência a se tornar um grupo
cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez mais se funda na
afeição mútua (GENOFRE, 1997).
Outra conquista que beneficiou o direito das mulheres foi o
reconhecimento da União Estável, vindo a ser regulamentada pela Lei nº 9.278 de
1996.
Além destes avanços a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que
estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação
deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada
sexo. E, também, a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que dispõe sobre o crime
de assédio sexual.
O Código Civil de 2002 se adequou á Constituição Cidadã,
convencionando a evolução nos direitos da mulher, sem seus dispositivos
eliminou as normas que eram discriminatórias de gênero: referentes à chefia
masculina da sociedade conjugal, à preponderância paterna no pátrio poder e à
do marido na administração dos bens do casal, “introduz conceitos como o de
direção compartilhada, como o de poder familiar compartilhado” (ARAÚJO, 2009).
O novo Código extinguiu o termo “pátrio poder”, instituiu um novo formato de
unidade familiar além de casamento e união estável, reconhecendo também a
mãe solteira e seu filho. Excluiu o item já há muito tempo não aceito na sociedade
de anulação de casamento por motivo de desfloramento da mulher. “O Novo
Código demonstrou ainda equilíbrio da igualdade entre homem e mulher, quando
dá a possibilidade do marido acrescentar ao seu nome, o nome da mulher.”
(ARAÚJO, 2009)
6- Expressão “mulher honesta” na legislação brasileira
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Ao entrar em vigor em 1940 o Código Penal brasileiro continha em seu rol
dos “Crimes contra a liberdade sexual”, do artigo 213 ao 216, expressões
discriminatórias quanto aos crimes cometidos contra a mulher, por exemplo o
artigo 215 conhecido como posse sexual mediante fraude, ou estelionato sexual,
continha a punição pela conduta de “Ter conjunção carnal com mulher ‘honesta’,
mediante fraude”, essa expressão “mulher honesta”, contida nos artigos deste rol,
constituía elemento normativo de tipo, e a exigência de honestidade impunha
tratamento de natureza nitidamente discriminatória, atentando contra a liberdade
sexual da mulher, que era patrulhada pela sociedade machista e estereotipada
como honesta ou desonesta.
Mulher honesta nos critérios culturais da época da edição do Código
Penal de 1940 era a mulher virgem, ou casada e fiel, ou ainda viúva e celibatária.
A mulher configurava como sujeito passivo desde que fosse honesta e, este juízo
de valor de acordo com Mirabbete (2004, p.426) era conceituado como “a mulher
honrada, decente, de compostura”, somente estas estavam protegidas em sua
“liberdade sexual” pela norma. Estavam, portanto, excluídas da proteção não só
as prostitutas como as promíscuas, francamente desregradas, as mulheres fáceis
e de vários leitos.
Uma das alterações a esta expressão aconteceu com a Lei 11.106/2005,
a redação do artigo 215 passou a ser a seguinte: “Ter conjunção carnal com
mulher mediante fraude.” Agora a proteção penal tem abrangência indistinta
quanto à mulher e não discriminatória em relação a seu comportamento social e
sexual.
Em 2009 a Lei 12.015 de 07 de agosto, fez a última das alterações nos
artigos de crimes contra a liberdade sexual, revogando os artigos 214 e 216 que
versavam sobre atentado violento ao pudor e atentado ao pudor mediante fraude,
seu texto foi acrescido ao artigo 213, dando origem a duas condutas com o nome
jurídico de estupro. A referida Lei de 2009 modificou novamente a expressão
“mulher” cunhada pela Lei 11.106/2005, que substituiu, por sua vez, a expressão
“mulher honesta”, para enfim utilizar o termo “alguém”.
Assim, de acordo com a nova redação do artigo 213 a pena cominada
aquele que com violência passar a mão nas partes pudendas de alguém é a
mesma cominada àquele que constrange alguém, (não apenas a mulher, mas o
homem também, como já sugeria Magalhães Noronha em sua obra Direito Penal,
2003, p. 110) mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal, coito anal,
ou outro ato libidinoso.
O fato que deve ser foco na ocasião do presente estudo é o uso da
expressão “alguém” que é indeterminada quanto ao sexo, permitindo que tanto o
homem quanto a mulher, seja esta honesta ou não, figurem como vítimas, uma
evolução importante para igualdade de direitos entre os sexos.
7- Lei Maria da Penha N. 11.340 de 2006
A violência contra a mulher é uma realidade presente na vida da maioria
das brasileiras, seja ela de qualquer classe social, etnia, geração e orientação
sexual, ela acontece ainda devido à cultura patriarcal e machista que dominou
que se incorporou a sociedade durante a construção dos direitos individuais, e
que excluiu a participação feminina como ser socialmente ativo e de direitos. No
VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA:
O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO
UNIOESTE
Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011
entanto, além das violências discriminatórias, existem as físicas, sexuais, morais,
psicológicas e patrimoniais que costumam ocorrer freqüentemente dentro dos
seus próprios lares por companheiros, maridos, namorados e amantes ou os ex,
enfim, pessoas em quem depositaram seu afeto o que as torna mais vulnerável a
essas práticas, o fato de acontecer em âmbito doméstico não lhe retira o caráter
político e público, devendo ser enfrentada com a implementação de políticas
públicas.
A impunidade é um dos fatores que estimulam a violência praticada
contra as mulheres, contudo essa realidade começou a ser modificada com a
aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), fruto das pressões do
movimento feminista e de direitos humanos, que exigem a prevenção e combate a
violência doméstica e de gênero. A idéia norteadora dessa Lei é tratar esse tipo
de violência como violação dos direitos humanos, grave problema de saúde
pública, e garantir a proteção da vítima com procedimentos policiais e judiciais
humanizados.
Considerações finais
A problemática da efetivação dos direitos alcançados pode estar
enraizada, no fato de, ainda grande parcela da sociedade não compreender que a
violência e a discriminação são fruto das desigualdades entre homens e mulheres
do sistema patriarcal, ou seja, é cultural, portanto cabível de transformação, e não
que seja algo naturalmente existente nas relações entre homens e mulheres, as
pesquisas antropológicas antes descritas comprovaram esta desmistificação do
natural versus o cultural.
Como é possível observar a partir de 1988 houve, e ainda está havendo,
um grande avanço na legislação protetiva dos direitos da mulher e ampliativa de
sua cidadania. No entanto, não é preciso uma inquirição muito aprofundada para
verificar que a eqüidade de gênero, pregada pela nossa Constituição Federal
vigente e pelos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, ainda
são uma realidade remota, processo ainda frágil e em permanente construção.
Referências
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Atena Editora, sd.
BRASIL, Código Penal. Organizador: Luis Flávio Gomes; obra coletiva de autoria
da Editora Revista dos Tribunais. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2005.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 15.
ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
CASTRO, A. M. O. de. A família, a sociedade e o direito. In: ELESBÃO, E. C.
(Coord.). Pessoa, gênero e família: Uma visão integrada do Direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo: CosacNaif, 2007.
COSTA, Ana Alice Alcântara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma
intervenção política. Revista Estudos Feministas, Madrid, jan/jul. 2005.
VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA:
O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO
UNIOESTE
Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011
Disponível em <http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys7/liberdade/anaalice.htm>.
Acesso em: 25 jul. 2011.
CUNHA, Matheus Antonio da. O conceito de família e sua evolução histórica.
Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 27 Set. 2010. Disponível em:
www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/historia-do-direito/170332.
Acesso em: 07 Ago. 2011.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 23. ed. São
Paulo: Saraiva, v. 5. 2008.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado.
Tradução de José Silveira Paes. São Paulo: Global, 1984.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade – A Vontade de Saber, Vol. I, RJ:
Graal, 1977.
GENOFRE, R. M. Família: uma leitura jurídica. A família contemporânea em
debate. São Paulo: EDUC/Cortez, 1997.
LACQUEUR, Thomas. Inventando o sexo – Corpo e gênero dos gregos a
Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
MEAD, Margareth. Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 2000.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol I, 21ª edição, Ed. Atlas,
2004.
NORONHA, Magalhães. Direito Penal. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
RIGONATTI, S. P. et al. Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica.
São Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica, 2003.
RODRIGUES, Maysa. O sexo inventado. Revista Sociologia - Ciência e Vida,
São Paulo, 33ª edição, p.26-34, fevereiro de 2011.
SAVIGNY, Friedrich Karl von. Da vocação de nossa época para a legislação e a
ciência do Direito. In: THIBAUT, Anton; SAVIGNY, Friedrich C. Von. La
Codificación. Madrid: Aguilar, 1970.
WALD, A. O novo Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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A desigualdade entre os sexos face à evolução da legislação

  • 1. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 A DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS FACE À EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO Skarleth Zaluski Bélo1 RESUMO: A legislação discriminatória em relação às mulheres no Brasil continha o estereótipo de “mulher honesta”, fazendo referência direta ao comportamento sexual destas, cerceando e definindo o papel da mulher, para que cumprisse assim, com os interesses patriarcais, morais e econômicos da época. Do patrulhamento sexual das mulheres garantia-se à prole legítima o uso do nome honroso da família e a quem destinar o patrimônio através de herança. Desse controle corporal decorre a alienação econômica, política, jurídica, pensante e social da mulher. Desta forma, temos o corpo e a liberdade de usufruí-lo como fonte principal para iniciar, como ocorreu na história, a libertação das demais amarras sociais das mulheres. O presente estudo pretende desmistificar a idéia de que o comportamento e o papel a que cabem os sexos na sociedade seja algo biologicamente inerente, a partir disto, realizar um resgate histórico para encontrar a origem da discriminação entre homens e mulheres percebida no ordenamento jurídico ao longo do tempo, e a evolução desta na tentativa de minimizar as diferenças que levam a discriminações e violências contra a mulher ainda atualmente. PALAVRAS CHAVE: Igualdade, família, direitos da mulher. ABSTRACT The discriminatory legislation about woman in Brazil, contained the stereotype of “woman honest”, doing direct reference to sexual behavior of these, restricting and defining the role of women, fulfilled so that, with patriarchal interests, moral and economic of the time. Patrolling sexual of woman guaranteed to legitimate offspring using the name of family honored and who allocate the assets through inheritance. That control body runs alienation economic, political, legal, and social thinking of the woman. Thus, we have the body and the freedom to enjoy it as a main source to start, as happened in history, the release of other social constraints of women. The present study aims to demystify the idea that the behavior and role that fit the sexes in society is something biologically inherent, from this, perform a historical review to find the source of discrimination between men and women perceived the legal system over time, and the evolution of trying to minimize the differences that lead to discrimination and violence against women even today. KEY WORDS: equality, family, women`s rights INTRODUÇÃO A idéia para o presente estudo surgiu durante as aulas de Direito Penal, com a discussão sobre o papel da mulher na família e na sociedade histórica e atualmente, pois, percebia-se que a legislação brasileira, outrora, discriminava as mulheres com tipos jurídicos repletos de elementos normativos, que necessitavam 1 Acadêmica do 2º ano de Direito da UNIOESTE, graduada em Ciências Sociais (2007) e especialista em Políticas Públicas (2009) pela mesma instituição.
  • 2. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 de uma valoração, essa valoração, no entanto, não era jurídica, não vinha expressa em lei, mas era puramente cultural, por isso não era clara, variava de acordo com a época e com a interpretação dos detentores das decisões judiciais. Assim, a questão que se propõe neste artigo é analisar a possível origem da desigualdade entre os sexos, a fim de melhor compreender o porquê da legislação discriminatória em relação às mulheres, e a transformação normativa que ainda se opera na tentativa de sanar essa mácula. Para isso, recorreu-se a estudos antropológicos, de onde surgem conceitos para a diferenciação entre homem e mulher, também foi necessário o estudo histórico do conceito de família, com o foco no papel dos sexos e sua transformação, até o advento da luta pelos direitos humanos e a revolução feminista, a partir daí o artigo perpassa o histórico dos tratados internacionais sobre os direitos das mulheres e sua influência no direito brasileiro, a partir de então, verifica-se as alterações mais marcantes na Constituição Federal de 1988, no Código Civil e Código Penal, especificamente nas leis de crime contra a liberdade sexual, a autonomia da mulher no direito de família, e a lei de proteção contra violência doméstica. 1. Contribuições da antropologia à reflexão jurídica Para iniciar o estudo do presente tema torna-se necessário o uso da ciência antropológica, pois entende-se que as contribuições dessa ciência à reflexão jurídica se fazem sentir na capacidade do Direito enfrentar problemas derivados das características particulares da sociedade contemporânea. Justifica- se o uso da antropologia na escola do Historicismo Jurídico que teve como precursores Vico, Montesquieu e Burcke, estes observavam que a lei devia espelhar o desenvolvimento histórico de cada povo, pois na medida em que as condições de vida social se alteram, mudam-se as necessidades, os valores, devendo a lei se adaptar à nova realidade. Mas é Friedrich Karl Von Savigny na obra “Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do Direito” (1970) que melhor expõe essa idéia, segundo sua linha de pensamento, o direito não pode reivindicar bases “naturais” ou “racionais”, pois, fundamenta-se, nos padrões da vida dos povos, seus costumes, que são eficazmente estudadas pela antropologia, conseqüentemente envolvem os atos simbólicos através dos quais direitos e deveres foram criados ou extintos. Desde a Antiguidade, considerando-se a obra de Aristóteles até o final do século XVII a mulher era considerada imperfeita por natureza. Na obra A Política (s/d), Aristóteles diz que as mulheres são limitadas por natureza, é como se fosse um macho estéril. O antropólogo Thomas Lacqueur (2001) em seu livro “Inventando o Sexo”, a partir de um levantamento de manuais de medicina e de outros escritos do campo, afirma que até o século XVIII havia a concepção de sexo único, no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de perfeição metafísica, seu calor vital ao longo de um eixo cuja causa final era masculina. Essa concepção se manifestava de tal forma nos manuais de medicina que não era descrita nenhuma forma de distinção anatômica entre os sexos, havendo uma mesma nomenclatura para os órgãos que hoje são considerados específicos para cada sexo. A descrição do antropólogo impressiona, pois, essa maneira de conceber os corpos como iguais subsistiu a prática da dissecação,
  • 3. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 evidencia de que não se tratava de um conhecimento baseado na impossibilidade de se ver os órgãos, mas sim em uma forma de olhar e interpretar o corpo diferente da que impera atualmente. Assim o modelo do sexo único descrito por Lacqueur (2001) e dominante até a Revolução Francesa, situava a mulher num degrau abaixo do homem na hierarquia social, mulheres ou “homens invertidos”, ontologicamente inexistentes, impotentes como as crianças ou escravos foram excluídas dos primórdios da cidadania moderna ocidental, porque era politicamente necessário legitimar como natural o domínio do homem sobre a mulher, legitimando os conservadores a justificar tal exclusão. A partir desse caráter manipulativo da ciência pelo social, Michel Foucault promoveu uma das principais críticas no sentido da desconstrução da ciência, levou ao extremo a idéia de Marcel Mauss de que as técnicas do corpo seriam construídas a partir do treino social, para Foucault não apenas os movimentos corporais são construídos socialmente e incutidos no indivíduo, como também o próprio corpo é construído politicamente. Toda a suposta realidade só é concebida pelos indivíduos a partir do saber, sendo esse saber uma relação de poder que designa, nomeia e confere sentido a todas as coisas, sua idéia é de que não existe uma “natureza natural”, ou seja, uma realidade anterior ao saber e aos discursos humanos. Foucault critica o sentido da ciência uma vez que nega seu aspecto absoluto, neutro e apolítico, enfatizando a questão do poder que envolve diretamente todo o conhecimento que existe, assim a realidade que nos aparece como objetiva é, na verdade, construída por um saber inundado de poder. Dessa forma têm-se vários estudos antropológicos afirmando que a explicação para a diferença social entre homens e mulheres só pode ser concebida a partir do universo social que os permeia, e outra parte de estudos que radicalizam o argumento e negam a própria biologia. A Teoria de Gênero tem como foco desconstruir a idéia de que existe uma diferença natural entre homens e mulheres que explique o que acontece nas sociedades, Heloisa Buarque de Almeida, especialista no tema e professora da USP cita: [...] por muito tempo se dizia que as mulheres tinham menos poder ou que estavam restritas à esfera doméstica por causa da reprodução e da maternidade, ou seja, devido a elementos associados ao próprio corpo feminino. A Teoria de Gênero tenta mostrar que nem todas as sociedades tratam as mulheres dessa maneira. (ALMEIDA apud RODRIGUES, 2011 pp.30) Torna-se interessante citar algumas mostras de que o arranjo social tecido pela nossa própria sociedade ao que diz respeito as relações entre homens e mulheres está longe de ser o único possível: Pierre Clastres (2007) em sua obra “A sociedade contra o Estado” apresenta a cultura dos Guaiaquis, indígenas da margem paraguaia do alto rio Paraná, que trazem um exemplo de sociedade poliândrica, ou seja, a união de uma mulher com mais de um marido, mesmo casadas as mulheres podiam ter relacionamentos com homens solteiros e transformá-los em maridos secundários se assim o desejassem, ao homem se abandonasse sua esposa estava condenado ao celibato, pois a tribo carecia de mulheres disponíveis.
  • 4. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 Margaret Mead no livro “Sexo e Temperamento” (2000), questiona as noções mais comuns dos papéis sexuais ao apresentar três sociedades da Nova Guiné, entre os Arapesh não havia diferenciação entre homens e mulheres, pois ambos eram educados para serem dóceis e sensíveis e para servir aos outros. Também entre os Mundugumor não havia diferenciação: indivíduos de ambos os sexos eram treinados para a agressividade, caracterizando-se por relações de rivalidade, e não de afeição. Entre os Chambuli, finalmente, havia diferença entre homens e mulheres, mas de modo distinto do padrão que conhecemos: a mulher era educada para ser extrovertida, empreendedora, dinâmica e solidária com os membros do seu sexo. Já os homens eram educados para serem sensíveis, preocupados com a aparência e invejosos, o que os tornava inseguros. Isso resultava em uma sociedade em que as mulheres detinham o poder econômico e garantiam o necessário para a sustentação do grupo, ao passo que os homens se dedicavam às atividades cerimoniais e estéticas. Assim, a antropóloga prova que é possível encontrar comportamentos invertidos para os sexos que estamos habituados em nossa sociedade e nega que exista uma essência natural das diferenças entre os sexos, não resta base para caracterizar padrões de comportamento ligados pelo sexo, uma vez que a natureza humana é incrivelmente maleável, respondendo diferentemente a condições culturais contrastantes. A construção do indivíduo racional realizado pela teoria liberal na defesa da liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual contra o poder estatal, pretendeu excluir a mulher da sociedade civil em formação enfatizando a dicotomia entre os sexos e a separação entre as esferas pública e privada. Em contrapartida deu início ao discurso feminista da diferença, inaugurando uma história de resistência e luta desaguando na revolução sexual. 2- A transformação do conceito de família É inerente ao tema passar pela concepção de família e suas transformações. O surgimento das primeiras famílias ao longo da história é percebido desde as sociedades primitivas, onde ocorriam práticas de poligamia pelos homens e poliandria pelas mulheres, com efeito os filhos desses eram comuns a todos do grupo. De acordo com Engels (1984) o surgimento de sentimentos como ciúmes e das leis de incesto, formaram gradativamente as famílias consangüíneas, punaluana, sindiásmica e monogâmica. As consangüíneas tinham como característica a classificação dos grupos conjugais por gerações, desta surgiu a família punaluana que deriva da palavra “punalua” (companheiro íntimo), e sendo considerado incesto a união sexual entre irmãos, reconhece-se a descendência por meio da linhagem materna, assim as relações de herança provinham do direito materno. A família sindiásmica extinguiu o casamento por grupos, a infidelidade conjugal era, por sua vez, apenas um direito dos varões, o vínculo poderia ser facilmente desfeito e os filhos continuariam a pertencer à mãe, essas famílias continuaram sendo matriarcais, sendo as mulheres a grande força dentro dos clãs (ENGELS, 1984).
  • 5. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 Com o início das atividades agrícolas e criação de animais, surgiram novas riquezas e a propriedade particular, nesse contexto o homem torna-se o chefe da família tomando a posição da matriarca como responsável pelo sustento do grupo familiar. Supremacia essa que foi repercutindo no direito hereditário, de acordo com Engels (1984) a mulher começa a degradar-se convertida em servidora, em um mero instrumento de reprodução. O advento do patriarcalismo marca a passagem da família sindiásmica à família monogâmica. Com o desenvolvimento de sociedades mais complexas, na qual os laços sanguíneos eram cada vez mais dissolvidos entre a população, ganha importância no Direito da Roma Antiga a expressão “família natural”, formada apenas por um casal e seus filhos. “Ao contrário dos clãs, que se formavam a partir da relação de parentesco com um ancestral comum, a “família natural” romana originava-se através de uma relação jurídica, o casamento” (CUNHA, 2010). A instituição do casamento era dividida em confarreatio, o casamento de caráter religioso, restrito à classe patrícia, caracterizado por uma cerimônia de oferenda de pão aos deuses; coemptio, reservada à plebe, celebrado mediante a venda fictícia, do pai para o marido, do poder sobre a mulher; e o usos, em que o marido adquiria a mulher pela posse, isto é, vida em comum no ínterim de um ano. (DINIZ, 2008, p.50) Segundo Castro (2002) no modelo romano de família havia a importância do afeto na relação matrimonial, os pressupostos para o casamento romano eram a coabitação e o chamado affectio maritalis, o que consiste na manifestação expressa dos nubentes de viverem como marido e mulher com o fim de qualquer um desses pressupostos, extinguia-se o casamento, valorizando-se assim o afeto entre os cônjuges. Com o início da expansão do cristianismo, a “família natural” romana foi adaptada pela Igreja Católica, que “transformou o casamento em instituição sacralizada e indissolúvel, e única formadora da família cristã, formada pela união entre duas pessoas de diferentes sexos, unidas através de um ato solene, e por seus descendentes diretos” (CASTRO, 2002, p.90). A relação carnal entre o casal tornou-se requisito de validade para a convalidação da união, estabelecido pelo direito eclesiástico, fruto da indissociação entre matrimônio e a procriação, ou seja, o relacionamento sexual foi elevado entre os batizados à dignidade de sacramento, tornando-se aceitável apenas com o fim de gerar e educar a prole, sendo esta função primordial da união, de outra forma agiriam em pecado. Ainda hoje observam-se algumas marcas deixadas pelas diversas transformações da família, em diferentes culturas e épocas. Da família romana ficou a autoridade do chefe da família, onde a submissão da esposa e dos filhos ao pai confere ao homem o papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o caráter sacramental do casamento originado no século XVI. Da cultura portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de sensível ligação afetiva, abnegação e desprendimento (RIGONATTI, 2003). Com o desenvolvimento dos meios de produção, a Revolução Industrial e expansão capitalista, a necessidade de mão-de-obra e o fato de que explorado o
  • 6. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 homem sozinho não conseguia mais prover o sustento de sua família, abrem espaço e impelem as mulheres a atuarem também no mercado de trabalho. O difundir dos métodos contraceptivos iniciam os primeiros passos para uma revolução sexual em que a mulher adquire o direito sobre seu próprio corpo, os movimentos feministas por direitos, a criação dos filhos sendo compartilhada com o homem, trouxeram profundas mudanças nos conceitos familiares, estes, aliados a desvinculação entre Estado e Igreja reformularam os padrões morais da época e com isso o papel da mulher na família e no direito. 3- Movimentos feministas e suas lutas O século XX pode ser conceitualmente marcado por três correntes feministas fundamentais, fruto de questionamentos decorrentes da diversidade intra-sexo. Nos anos 1960 a primeira teve como principal reivindicação uma distribuição mais igualitária do poder por meio da idéia de igualdade de oportunidades e de condições para ambos os sexos, sendo denominado “Feminismo Igualitário”, “Universal” ou “Liberal”, pois tem como princípio o pensamento liberal em que os instrumentos são a educação, o trabalho e a política para uma ação transformadora. Com uma crítica a sociedade patriarcal e liberalista o segundo movimento chamado “Feminismo Radical”, impera nos anos 70, pretendendo abordar as desigualdades geradas nas sociedades de cunho liberal, dividido em quatro tendências: “Feminismo Materialista”, “Socialista”, “Autonomista” e “Lesbiano”. No movimento de 1980, as mulheres reivindicaram uma revalorização da experiência feminina ligada à maternidade e aspectos biológicos característicos das mulheres, chamada “Feminismo da Feminitude”. 4- Tratados Internacionais sobre os direitos femininos A revolução sexual foi responsável por grandes mudanças econômicas, sociais, políticas e jurídicas fundamentais para a evolução da sociedade moderna. A declaração dos direitos sexuais, documento estabelecido no XIII Congresso Mundial de Sexologia, em 1997 na Espanha, garante a expressão da sexualidade e entre outras questões diz que “a sexualidade é parte integrante da personalidade de todo ser humano. É construída por meio da interação entre os indivíduos e as estruturas sociais”. Além disso, “os direitos sexuais são direitos humanos universais baseados na liberdade, dignidade e igualdade para todos os seres humanos.” Essa declaração compreende o direito a liberdade sexual, excluindo-se todas as formas de coerção, exploração e abuso em qualquer época ou situações de vida; direito a autonomia sexual; direito à igualdade sexual; direito ao prazer sexual; direito à livre associação sexual, significa a possibilidade de casamento ou não, ao divórcio e ao estabelecimento de outros tipos de associações sexuais responsáveis; o direito às escolhas reprodutivas livres e responsáveis, decidir ter ou não filhos, o número e o tempo entre cada um, e o direito total aos métodos de regulação da fertilidade. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) é a lei internacional dos direitos das mulheres. Ela
  • 7. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 baseia-se no compromisso dos Estados signatários de promover e assegurar a igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação contra a mulher. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) é a lei internacional dos direitos das mulheres. Ela baseia-se no compromisso dos Estados signatários de promover e assegurar a igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação contra a mulher. A CEDAW foi aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979, tendo entrado em vigor em 1981. Atualmente, 173 países – mais de dois terços dos membros da ONU – ratificaram a Convenção: Uruguai, em 1981; Brasil e Chile em 1984; Argentina, em 1985; Paraguai, 1987. Em uma introdução e mais 30 artigos, o texto da Convenção define o que é a discriminação contra a mulher e uma agenda para acabar com essa discriminação. A Convenção sobre a Mulher define no seu art. 1º, a discriminação contra a mulher: Para fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (ONU mulheres, www.unifem.org.br) A Convenção trata de uma ampla gama de temas relacionados ao reconhecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres nas esferas política, econômica, social e familiar, além de reconhecer direitos relativos à capacidade civil, à nacionalidade, à seguridade social, à saúde, em especial à saúde reprodutiva, à habitação e às condições de vida adequadas, dentre outros. Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil que tratam especificamente dos direitos das mulheres: Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995. Os Tratados Internacionais que o Brasil ratifica além de criarem obrigações para o Brasil perante a Comunidade Internacional, também criam obrigações internas gerando novos direitos para as mulheres que passam a contar com uma última instância internacional de decisão quando todos os recursos disponíveis no Brasil falharem na realização da justiça. 5- O Brasil na evolução dos direitos da mulher Em razão da colonização portuguesa no Brasil, este foi fundado mediante preceitos da Igreja Católica Apostólica Romana, o que se refletia no direito vigente no país, as Ordenações Filipinas, de 1595, onde a única entidade familiar reconhecida era a formada pelo casamento, que poderia ser de forma solene, realizado na Igreja e atrelado à conjunção carnal entre os nubentes, e o casamento decorrente do trato público e da fama, chamado de “casamento com
  • 8. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 marido conhecido” modalidade não reconhecida pelo direito canônico (WALD, 2002). Segundo pesquisas da defensora pública Maria Vilma de Sousa Araújo (2009), Defensora Pública do Estado do Pará, membro do Grupo Interinstitucional de Trabalho e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar do TRJ do Pará, as Ordenações Filipinas influenciaram bastante o patriarcalismo no Código Civil de 1916, considerando a mulher casada incapaz para exercer certos atos, cabendo ao homem a representação legal da família. Essa norma só viria a ser modificado com uma das primeiras conquistas dos direitos da mulher na sociedade patriarcal da época, o “Estatuto da Mulher Casada” Lei nº 4.121 de 1962. Dentre as conquistas alcançadas, pôs fim a capacidade relativa da mulher e o poder familiar foi ampliado com a colaboração da mãe, estabeleceu que se contraísse novo matrimônio, não perderia os direitos do poder familiar sobre os filhos. Estabeleceu, ainda, o livre exercício da profissão, reconhecendo os bens reservados da mulher, em função de sua autonomia, consagrou-a no direito de intervir, via judicial sobre a escolha do domicílio escolhido pelo marido, caso viesse a prejudicá-la. A Constituição de 1969, recepcionou todas as desigualdades do Código Civil de 1916 ao atribuir a mulher o domicílio do marido, a possibilidade de anulação do casamento da mulher desvirginada na ignorância do marido, a necessidade de autorização do marido para comprar coisas da economia doméstica. Em 1977, um avanço na conquista dos direitos, a Lei do Divórcio – Lei nº 6.515 de 26 de dezembro de 1977, na época havia barreiras para a indissolubilidade do casamento, a nova lei desobrigou a mulher a portar o patronímico do marido e possibilitou a adoção do regime legal de Comunhão Parcial de Bens. Segundo Ana Alice Alcântara Costa (2005) militante feminista desde os anos 70 e Doutora em Sociologia Política, durante o período da Assembléia Nacional Constituinte, o movimento feminista conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”. Foram realizados eventos em todo o país e posteriormente propostas regionais foram sistematizadas em um encontro nacional com a participação de duas mil mulheres. Essas demandas foram apresentadas à sociedade civil e aos constituintes através da “Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte”. O movimento feminista deste período conseguiu aprovar 80% de suas demandas em uma ação direta de convencimento dos parlamentares, que ficou conhecido como “lobby do batom”, isso resultou em importantes conquistas na Constituição Federal de 1988, no aspecto de igualdade de direitos entre homens e mulheres, como consta no artigo 5º inciso I: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]” A Constituição Cidadã de 1988 proclama ainda outros direitos específicos das mulheres, tais como:
  • 9. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 a) A igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito da família (art.226, §5º); b) A proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (art. 7º XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho); c) A proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho); d) O planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (art. 226, §7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e) O dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, §8º). A Constituição Federal de 1988 representou um marco na evolução do conceito de família, ao corporificar o conceito do antropólogo Lévy-Brul, de que o traço dominante da evolução da família é sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua (GENOFRE, 1997). Outra conquista que beneficiou o direito das mulheres foi o reconhecimento da União Estável, vindo a ser regulamentada pela Lei nº 9.278 de 1996. Além destes avanços a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. E, também, a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que dispõe sobre o crime de assédio sexual. O Código Civil de 2002 se adequou á Constituição Cidadã, convencionando a evolução nos direitos da mulher, sem seus dispositivos eliminou as normas que eram discriminatórias de gênero: referentes à chefia masculina da sociedade conjugal, à preponderância paterna no pátrio poder e à do marido na administração dos bens do casal, “introduz conceitos como o de direção compartilhada, como o de poder familiar compartilhado” (ARAÚJO, 2009). O novo Código extinguiu o termo “pátrio poder”, instituiu um novo formato de unidade familiar além de casamento e união estável, reconhecendo também a mãe solteira e seu filho. Excluiu o item já há muito tempo não aceito na sociedade de anulação de casamento por motivo de desfloramento da mulher. “O Novo Código demonstrou ainda equilíbrio da igualdade entre homem e mulher, quando dá a possibilidade do marido acrescentar ao seu nome, o nome da mulher.” (ARAÚJO, 2009) 6- Expressão “mulher honesta” na legislação brasileira
  • 10. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 Ao entrar em vigor em 1940 o Código Penal brasileiro continha em seu rol dos “Crimes contra a liberdade sexual”, do artigo 213 ao 216, expressões discriminatórias quanto aos crimes cometidos contra a mulher, por exemplo o artigo 215 conhecido como posse sexual mediante fraude, ou estelionato sexual, continha a punição pela conduta de “Ter conjunção carnal com mulher ‘honesta’, mediante fraude”, essa expressão “mulher honesta”, contida nos artigos deste rol, constituía elemento normativo de tipo, e a exigência de honestidade impunha tratamento de natureza nitidamente discriminatória, atentando contra a liberdade sexual da mulher, que era patrulhada pela sociedade machista e estereotipada como honesta ou desonesta. Mulher honesta nos critérios culturais da época da edição do Código Penal de 1940 era a mulher virgem, ou casada e fiel, ou ainda viúva e celibatária. A mulher configurava como sujeito passivo desde que fosse honesta e, este juízo de valor de acordo com Mirabbete (2004, p.426) era conceituado como “a mulher honrada, decente, de compostura”, somente estas estavam protegidas em sua “liberdade sexual” pela norma. Estavam, portanto, excluídas da proteção não só as prostitutas como as promíscuas, francamente desregradas, as mulheres fáceis e de vários leitos. Uma das alterações a esta expressão aconteceu com a Lei 11.106/2005, a redação do artigo 215 passou a ser a seguinte: “Ter conjunção carnal com mulher mediante fraude.” Agora a proteção penal tem abrangência indistinta quanto à mulher e não discriminatória em relação a seu comportamento social e sexual. Em 2009 a Lei 12.015 de 07 de agosto, fez a última das alterações nos artigos de crimes contra a liberdade sexual, revogando os artigos 214 e 216 que versavam sobre atentado violento ao pudor e atentado ao pudor mediante fraude, seu texto foi acrescido ao artigo 213, dando origem a duas condutas com o nome jurídico de estupro. A referida Lei de 2009 modificou novamente a expressão “mulher” cunhada pela Lei 11.106/2005, que substituiu, por sua vez, a expressão “mulher honesta”, para enfim utilizar o termo “alguém”. Assim, de acordo com a nova redação do artigo 213 a pena cominada aquele que com violência passar a mão nas partes pudendas de alguém é a mesma cominada àquele que constrange alguém, (não apenas a mulher, mas o homem também, como já sugeria Magalhães Noronha em sua obra Direito Penal, 2003, p. 110) mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal, coito anal, ou outro ato libidinoso. O fato que deve ser foco na ocasião do presente estudo é o uso da expressão “alguém” que é indeterminada quanto ao sexo, permitindo que tanto o homem quanto a mulher, seja esta honesta ou não, figurem como vítimas, uma evolução importante para igualdade de direitos entre os sexos. 7- Lei Maria da Penha N. 11.340 de 2006 A violência contra a mulher é uma realidade presente na vida da maioria das brasileiras, seja ela de qualquer classe social, etnia, geração e orientação sexual, ela acontece ainda devido à cultura patriarcal e machista que dominou que se incorporou a sociedade durante a construção dos direitos individuais, e que excluiu a participação feminina como ser socialmente ativo e de direitos. No
  • 11. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 entanto, além das violências discriminatórias, existem as físicas, sexuais, morais, psicológicas e patrimoniais que costumam ocorrer freqüentemente dentro dos seus próprios lares por companheiros, maridos, namorados e amantes ou os ex, enfim, pessoas em quem depositaram seu afeto o que as torna mais vulnerável a essas práticas, o fato de acontecer em âmbito doméstico não lhe retira o caráter político e público, devendo ser enfrentada com a implementação de políticas públicas. A impunidade é um dos fatores que estimulam a violência praticada contra as mulheres, contudo essa realidade começou a ser modificada com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), fruto das pressões do movimento feminista e de direitos humanos, que exigem a prevenção e combate a violência doméstica e de gênero. A idéia norteadora dessa Lei é tratar esse tipo de violência como violação dos direitos humanos, grave problema de saúde pública, e garantir a proteção da vítima com procedimentos policiais e judiciais humanizados. Considerações finais A problemática da efetivação dos direitos alcançados pode estar enraizada, no fato de, ainda grande parcela da sociedade não compreender que a violência e a discriminação são fruto das desigualdades entre homens e mulheres do sistema patriarcal, ou seja, é cultural, portanto cabível de transformação, e não que seja algo naturalmente existente nas relações entre homens e mulheres, as pesquisas antropológicas antes descritas comprovaram esta desmistificação do natural versus o cultural. Como é possível observar a partir de 1988 houve, e ainda está havendo, um grande avanço na legislação protetiva dos direitos da mulher e ampliativa de sua cidadania. No entanto, não é preciso uma inquirição muito aprofundada para verificar que a eqüidade de gênero, pregada pela nossa Constituição Federal vigente e pelos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, ainda são uma realidade remota, processo ainda frágil e em permanente construção. Referências ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Atena Editora, sd. BRASIL, Código Penal. Organizador: Luis Flávio Gomes; obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 15. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. CASTRO, A. M. O. de. A família, a sociedade e o direito. In: ELESBÃO, E. C. (Coord.). Pessoa, gênero e família: Uma visão integrada do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo: CosacNaif, 2007. COSTA, Ana Alice Alcântara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção política. Revista Estudos Feministas, Madrid, jan/jul. 2005.
  • 12. VII MOSTRA DE PESQUISA JURÍDICA - JURISCIÊNCIA: O DIREITO NA FRONTEIRA E AS FRONTEIRAS DO DIREITO UNIOESTE Foz do Iguaçu – De 14 a 17 de setembro de 2011 Disponível em <http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys7/liberdade/anaalice.htm>. Acesso em: 25 jul. 2011. CUNHA, Matheus Antonio da. O conceito de família e sua evolução histórica. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 27 Set. 2010. Disponível em: www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/historia-do-direito/170332. Acesso em: 07 Ago. 2011. DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5. 2008. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Tradução de José Silveira Paes. São Paulo: Global, 1984. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade – A Vontade de Saber, Vol. I, RJ: Graal, 1977. GENOFRE, R. M. Família: uma leitura jurídica. A família contemporânea em debate. São Paulo: EDUC/Cortez, 1997. LACQUEUR, Thomas. Inventando o sexo – Corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. MEAD, Margareth. Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 2000. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol I, 21ª edição, Ed. Atlas, 2004. NORONHA, Magalhães. Direito Penal. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. RIGONATTI, S. P. et al. Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica. São Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica, 2003. RODRIGUES, Maysa. O sexo inventado. Revista Sociologia - Ciência e Vida, São Paulo, 33ª edição, p.26-34, fevereiro de 2011. SAVIGNY, Friedrich Karl von. Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do Direito. In: THIBAUT, Anton; SAVIGNY, Friedrich C. Von. La Codificación. Madrid: Aguilar, 1970. WALD, A. O novo Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.