3. Principal objeto da História Cultural: Identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe vários
caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a
apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real.
Variáveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições
estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as
figuras graças as quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser
decifrado.
4. As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um
diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam.
Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem os utiliza.
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e
práticas (sociais, escolares e políticas), que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por
elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios
indivíduos, as suas escolhas e condutas.
“As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender
os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social”.
5. O autor espera com suas contribuições acabar com a divisão feita entre a objetividade das estruturas (que
seria o terreno da história mais segura, aquela que, manuseando documentos seriados, quantificáveis,
reconstrói as sociedades tais como eram na verdade) e a subjetividade das representações (a que estaria
ligada a uma outra história, dirigida às ilusões de discursos distanciados do real).
6. “A aparência vale pelo real”: Trabalhando assim sobre as representações que os grupos modelam deles
próprios ou dos outros, afastando-se, portanto, de uma dependência demasiado estrita relativamente à
história social entendida no sentido clássico, a história cultural pode regressar utilmente ao social, já
que faz incidir a sua atenção sobre as estratégias que determinam posições e relações que atribuem a
cada classe.
7. O autor antecipa as três noções que norteiam seu livro: representação, prática e apropriação, em uma
reflexão conjunta entre a confrontação com o documento e a exigência de elucidação metodológica. A
história de representações deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um
sentido. Rompendo com a antiga ideia que dotava os textos e as obras de um sentido intrínseco,
absoluto, único — o qual a crítica tinha a obrigação de identificar —, dirige-se as praticas que,
pluralmente, contraditoriamente, dão significado ao mundo. Dai a caracterização das práticas
discursivas como produtoras de ordenamento, de afirmação de distâncias, de divisões; dai o
reconhecimento das práticas de apropriação cultural como formas diferenciadas de interpretação.
Por fim, coloca dois objetivos em sua reflexão, interligados: submeter a exame os legados interiorizados
e os postulados não questionados de uma forte tradição historiográfica, inspiradora e reivindicada, e
propor um espaço de trabalho entre textos e leituras, no intuito de compreender as práticas, complexas,
múltiplas, diferenciadas, que constroem o mundo como representação.