Este documento discute a organização dos intelectuais no Brasil ao longo de três períodos históricos: 1) No Império, as academias e institutos foram os principais espaços de atividade intelectual. 2) Na República Velha, a universidade e a pós-graduação passaram a ser o centro da comunidade científica. 3) Mais recentemente, as organizações não-governamentais ganharam importância, refletindo mudanças na "inteligência coletiva".
1. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS
INTELECTUAIS NO BRASIL*
Maria Alice Rezende de Carvalho
1 seleção deixou de lado trabalhos relevantes, em
nome da economia do modelo narrativo propos-
Estas notas são uma condensação da produ- to. Há, pois, perdas registráveis na extensão e no
ção de autores brasileiros sobre a vida intelectual aprofundamento dos argumentos mobilizados.
no país. Condensação no sentido de espessamen- Contudo, a compactação de idéias já amplamente
to, já que toma as contribuições estabelecidas e as assentadas nessa área de estudos permite ver
organiza sob uma perspectiva determinada, ten- mais claramente suas propostas e implicações,
sionando-as a partir de questões que não neces- rearticulando-as no contexto de um debate sobre
sariamente estiveram presentes no horizonte de a inteligência brasileira que, se não é novo, tem
preocupações de seus autores. Não é, por isso, sido extraordinariamente refrescado pelas mudan-
uma resenha, menos ainda um panorama com- ças estruturais em curso.
pleto da bibliografia concernente ao tema, cuja A perspectiva que sustenta, como alicerce
oculto, a concepção deste artigo refere-se à dimen-
são pública da atividade intelectual no Brasil, o
* Agradeço a leitura generosa e atenta dos pare-
ceristas, cujos comentários à primeira versão deste
que o põe em diálogo, e, ao mesmo tempo, o dife-
texto permitiram uma melhor explicitação de seus
rencia de trabalhos que costumam apontar o declí-
objetivos, além da correção de equívocos factuais. nio do intelectual público em contextos de forte
institucionalização universitária (Posner, 2001;
Jacoby, 1990). Assim, o foco nas questões relativas
Artigo recebido em julho/2007 às formas de organização do exercício intelectual
Aprovado em agosto/2007 no Brasil ao longo da sua trajetória de moderniza-
RBCS Vol. 22 nº. 65 outubro/2007
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ção – as Academias, a Universidade e as Orga- tuais, que, sem deslocar o predomínio da modali-
nizações não-governamentais – permitiu sugerir dade organizacional precedente, vêm competindo
que tais soluções institucionais, conquanto muito com ela por jurisdição sobre problemas públicos –
distintas, apresentam um padrão de continuidade não tanto em termos de uma disputa por compe-
no que se refere à relação entre intelectuais e vida tências para definir a natureza ou a causalidade
pública. daqueles problemas, mas no sentido de se avoca-
A inclusão das ONGs nessa reflexão introduz, rem como instituições responsáveis por sua solu-
como notório, um elemento de incerteza e um tra- ção (Gusfield, 1981). É ilustrativo desse fenômeno
tamento até certo ponto normativo acerca do seu o notável crescimento do número de intelectuais
papel no mundo contemporâneo. Mas sua emer- reunidos em torno de organizações não-governa-
gência e crescente influência no espaço público mentais nas duas últimas décadas, bem como a
brasileiro correspondem a uma mudança estrutural ampliação da influência dessas agências no espa-
operada no âmbito da cultura – a chamada “inteli- ço público brasileiro.
gência coletiva” ou “rede mundial do saber” (Lévy, Destacam-se, desse modo, três “eras” orga-
1994) –, cujos efeitos, em termos do impacto des- nizacionais distintas, delineadas a partir da forma
fechado sobre a configuração de agentes sociais e predominante de institucionalização do ambiente
profissionais que lhe dão suporte, merecem ser intelectual no Brasil – o que significa dizer que,
inquiridos. Assim, por muito que tal questão des- embora Academias, Universidade e ONGs não
borde a modelagem do espaço tradicional de de- esgotem as possibilidades de organização da inte-
bates e explicações acerca dos intelectuais e da a- ligência nos últimos dois séculos, são elas as ins-
tividade intelectual no Brasil, sua inscrição entre os tituições que, cada uma a seu tempo, vêm forne-
temas que compõem a agenda dessa área de estu- cendo parâmetros para o exercício da atividade
dos se justifica pela constatação de que a figura e intelectual e a inscrição social de seus praticantes.
as funções do intelectual público vêm sendo rede-
finidas pela conformação de uma inteligência
transnacional, ajustada às exigências da nova 3
ordem globalizada. Nesse caso, a caracterização
das ONGs como um dos feitios possíveis de insti- Assim, por exemplo, durante o Império,
tucionalização dessa inteligência cosmopolita que, ainda que existissem cursos regulares de direito,
no entanto, mantém-se, aqui, associada à definição medicina e engenharia, tais Escolas não confor-
e à tentativa de solucionar problemas públicos, mavam o centro da vida intelectual no Brasil, con-
sugere a capacidade de renovação e de democra- sistindo, antes, em espaços de socialização de jo-
tização da tradição intelectual brasileira. vens da elite, sobretudo no caso das Escolas de
Direito, para ocupação de cargos públicos. Na
prática, portanto, eram instâncias do jogo político,
2 mais do que agências de produção intelectual e
inovação técnico-científica.
Pensada em chave macroestrutural, isto é, na É bem verdade que no século XIX a separa-
sua relação com o processo de modernização do ção entre os campos político e intelectual não se
país desde o século XIX, pode-se dizer que a inte- completara (Fink, Leonard e Reid, 1996). E o que
ligência brasileira obedeceu a formas de organiza- se convencionou chamar de intelectual era o
ção que transitaram (1) das Academias e Institutos, “letrado” que, por aquela época, começava a am-
em moldes similares aos das monarquias adminis- pliar sua margem de autonomia em relação ao
trativas européias do período da Restauração, para poder, animando uma incipiente opinião crítica
(2) a constituição de uma comunidade científica que será determinante da moderna história da
centrada na Universidade e na institucionalização intelligentsia ocidental (Mannheim, 1963). As
do sistema nacional de pós-graduação durante o Academias francesas ilustram bem esse percurso,
século XX, e, mais recentemente, para (3) uma pois, tendo sido organizadas sob o Antigo
pulverização de agências nucleadoras de intelec- Regime, momento em que vigorou maior identifi-
3. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 19
cação entre “letrados” e reis, foram mantidas na De modo que pensar a organização dos inte-
era napoleônica e mesmo depois dela, no con- lectuais brasileiros no século XIX impõe atentar
texto da Restauração, já aí com tonalidade um para o processo de centralização do poder, cuja
tanto distinta, inclusive pela incorporação de inte- trajetória compreendeu uma ampliação do escopo
lectuais de extração social mais baixa, cuja che- do Estado, ao definir como de interesse público a
gada àquelas agências era sintomática das mudan- produção das ciências e das artes no Brasil. Tal
ças observadas na relação entre o Estado e a fato, em última análise, evidencia a força diretora
opinião (Auerbach, 1974). da tradição, na medida em que implicou atualizar,
Tal modelo de organização da inteligência em pleno Oitocentos, a velha matriz do absolutis-
espalhou-se pela Europa e alcançou o Brasil, mo português, segundo a qual o rei busca incre-
onde, ao longo de todo o século XIX, Academias mentar seu poder sem confrontar diretamente as
e Institutos constituíram-se em espaços de ani- classes senhoriais, agregando, para tanto, outros
mação intelectual e de construção de ideologias espaços, materiais e simbólicos, que o direito feu-
profissionais, decisivas, como se sabe, para o dal, tradicional, não poderia disputar (Hespanha,
estabelecimento de jurisdição sobre áreas do 1994; Barboza Filho, 1999). No contexto do renas-
saber até então reivindicadas por “práticos” – cimento lusitano, isso se traduziu na incorporação
rábulas, no caso de advogados, curandeiros, no de novos territórios na África, na América e no O-
de médicos, e mestres-de-obras, no âmbito da riente, enquanto no século XIX, no âmbito do Es-
construção civil. Portanto, mais do que as tado nacional brasileiro, consistirá na dupla fór-
Escolas, foram aquelas agências que conferiram mula da defesa da unidade territorial – que
estatuto de profissão ao exercício das artes libe- conferia “reservas” de soberania ao monarca – e
rais no Brasil (Coelho, 1999). da criação de espaços simbólicos de poder exclu-
Além disso, pode-se dizer que a proliferação sivos ao rei, do que a criação de agências intelec-
das Academias sob o Império foi parte de uma tuais foi expressão.
política devotada à ampliação da esfera estatal, O fato é que, tomando a organização dos
mediante o incremento dos quadros do funciona- intelectuais para si, como elemento constitutivo do
lismo e a democratização do acesso a eles, princi- seu poder, a monarquia brasileira conferiu dimen-
palmente no ramo militar (Motta, 1976), a exten- são pública à atividade intelectual, e essa será a
são da instrução pública referida à formação marca de origem da moderna inteligência no país.
técnica de artífices e gráficos – do que é exemplo Instituições como a Academia Científica do Rio de
a criação do Imperial Instituto Artístico – e a cons- Janeiro, precursora desse formato organizacional e
trução de espaços de organização de intelectuais e devotada a estudos práticos de agricultura, ainda
artistas sob o padrão dominante no continente no contexto colonial (1772-1779); a Real Academia
europeu. Assim, como realidade típica dos Estados Militar e o Real Gabinete de Mineralogia do Rio de
ampliados do período da Restauração, a reprodu- Janeiro, ambos de 1810, o último criado especifi-
ção das Academias no século XIX, na Europa e no camente para abrigar a Coleção Werner, trazida
Brasil, atesta, no plano cultural, o andamento de para o Rio de Janeiro por D. João VI; o Museu
uma modernização em compromisso com o pas- Nacional, instituição de pesquisa em ciências natu-
sado (Gramsci, 2002). Se, no continente europeu, rais, notadamente a mineralogia e a geologia, e
as dinastias monárquicas restauradas não lograram antecessora, nesse sentido, da Escola Politécnica e
cancelar a novidade introduzida pelas forças da Escola de Minas de Ouro Preto, ambas criadas
sociais do Terceiro Estado – e o recrutamento alar- na década de 1870; a Academia Imperial de Belas
gado das Academias indica transformações inters- Artes, resultado da Missão Francesa de 1816; o
ticiais ou “moleculares” em curso naquelas socie- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838),
dades –, no Brasil, caso mais recessivo de esteio da ideologia nacional no século XIX; a
revolução passiva (Werneck Vianna, 1997), a ini- Academia Imperial de Medicina e a Santa Casa de
ciativa do Poder Moderador em organizar agências Misericórdia do Rio de Janeiro, essa última aplica-
intelectuais conforma um movimento de moderni- da, desde 1887, ao desenvolvimento de pesquisas
zação sob controle político do Imperador. contra a varíola; o Instituto dos Advogados
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Brasileiros (1843); a Sociedade de Geografia; o dos internacionais e alguma capilaridade no con-
Clube de Engenharia, criado em 1880 e tornado, junto das províncias; (2) escolas de ensino supe-
juntamente com a Sociedade Auxiliadora da rior desprovidas da atividade de pesquisa ou, pelo
Indústria Nacional, um pólo de coordenação polí- menos, secundárias em relação às associações aca-
tica e intelectual do estrato de engenheiros; a dêmicas e profissionais no que tangia à inovação
Associação de Homens de Letras e o Colégio técnico-científica (Schwartzman, 1979); e (3) qua-
Pedro II, dentre tantas outras, ilustram o modo dros isolados do Estado imperial, bacharéis, sobre-
dominante de organização da vida intelectual em tudo, mas também engenheiros militares, cuja ex-
terras brasileiras. periência como servidores públicos os havia
Em suma, o Brasil no século XIX foi palco de qualificado para o exercício da crítica social e polí-
intensa atividade intelectual, conjugada à ação dire- tica de seu tempo, animando, desde a campanha
tiva do Estado. A intervenção estatal nesse plano abolicionista, uma opinião urbana inflamada pela
não derivou fundamentalmente da adesão monár- circulação de jornais e revistas de variada tonali-
quica ao iluminismo tardio, ou de inclinações pes- dade ideológica.
soais de D. Pedro II – embora as tivesse – para se Fruto da engrenagem político-cultural do
acercar de sábios. Indica, antes, uma concepção Império, a inteligência brasileira ver-se-á, então,
política da prática intelectual, entendendo-a como imersa em uma nova forma de articulação entre
reserva de soberania do rei e, nessa dimensão, Estado e sociedade: se o Império havia conferido
como matéria de interesse público (Kantorowicz, destaque aos temas da política, da institucionali-
1998). zação dos mecanismos de poder e da ordenação
Tal lógica de reprodução do poder, contudo, do mundo público, a república voltar-se-á para a
produziu efeitos positivos – o principal deles, a sociedade, para as relações mediadas pelo merca-
quebra do monopólio que as classes dominantes do e para os padrões de diferenciação social que
classicamente exercem sobre o processo de cons- operam na estruturação da ordem moderna.
tituição da atividade intelectual, abrindo-se uma Tomada, então, em grandes linhas, pode-se
porta de oportunidades para os que, apartados do dizer que a inteligência sob a República Velha foi
mundo relativamente homogêneo das elites reordenada segundo dois vetores em permanente
senhoriais, souberam transpô-la. Intelectuais tensão: (1) a afirmação do mercado capitalista
oriundos de estratos médios da sociedade, e mais como coordenador das práticas sociais e, logo, do
o numeroso contingente de mulatos urbanos que conjunto das profissões intelectuais – o que ten-
Gilberto Freyre (1990) surpreende em ofícios derá a desprender o campo cultural/científico da
modernos no último quartel do século XIX, esfera política; e (2) a tentativa de mitigar os efei-
expressam relativa diferenciação do ambiente tos da liberalização econômico-social sobre o mer-
intelectual sob o Império, malgrado sua intencio- cado profissional, sobretudo o das antigas pro-
nalidade. Enfim, o quadro institucional que expli- fissões imperiais, do que é ilustrativa a organi-
ca a forma de articulação entre política e cultura zação do Sindicato Nacional dos Médicos, em
no Oitocentos brasileiro é igualmente explicativo 1927 (Coelho, 1999). No caso dos médicos, aliás,
da dimensão estratégica conferida pelo Estado a luta de suas lideranças foi tenaz e consistiu em
imperial às agências intelectuais. Tal cenário não ganhar o controle do mercado: pelo lado da ofer-
resistiria à proclamação da República. ta, cerceando a ação das chamadas “escolas
livres”, último vestígio da plataforma educacional
positivista, que ampliava significativamente o
4 número de diplomados, e, pelo lado da demanda,
procurando conter a cooptação de profissionais
Em 1889, o Império se fecha, deixando como pelo Estado, mais agressiva na crise política dos
legado a estruturação de três ramos da vida inte- anos de 1920, quando, dentre outras iniciativas
lectual, tal como era praticada: (1) uma rede cul- governamentais, foi criado o Departamento
tural, científica e artística centrada nas Academias Nacional de Saúde Pública, que passou a disputar
e Institutos, com projeção em círculos especializa- a inscrição social dos médicos (Idem).
5. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 21
De qualquer modo, a centralidade que a Instaurou-se, pois, uma clivagem no interior
monarquia conferira à atividade intelectual, tor- dos núcleos profissionais quanto à destinação
nando suas agências parte indissociável da políti- social do conhecimento, reacendendo, por outros
ca, ruíra. Academias e institutos seguiriam existin- personagens e caminhos, a concepção que tivera
do, porém submersos na nova realidade vigente e curso no Império, vinculada à vocação pública da
certamente não mais como núcleos de acumula- atividade intelectual. São dessa época a Liga Pró-
ção do poder do Estado. Sem ancoragem forte no Saneamento, iniciativa levada a cabo por jovens
Estado e sem um mercado robusto de bens sim- médicos sanitaristas, e, entre outros, o movimen-
bólicos (Miceli, 2001), a inteligência experimenta- to em prol de uma “engenharia nacional”, lidera-
rá duas alternativas: rearticulará, de um lado, do por Aarão Reis – manifestações sociais de um
algum tipo de nexo entre produção intelectual e ambiente intelectual vincado pelo debate entre
política, embora com base em mecanismos bas- especialização profissional vs. atuação política.
tante rebaixados quando comparados aos que Exceção notável terá sido o movimento de edu-
vigiam sob o Império, já que, diferentemente cadores, cujas lideranças souberam contornar tal
daquela época, implicavam, agora, relações per- polarização e reconhecer no “especialista” um
sonalizadas com políticos, resultando em práticas ator indispensável ao processo de auto-esclareci-
de clientela e, conseqüentemente, na subalterni- mento da sociedade para a conquista de seus
zação do intelectual no comércio estabelecido interesses (Cunha, 1987; Fernandes, 1977; Wer-
com seu padrinho. Esse terá sido o panorama neck Vianna, Carvalho e Palácios, 1994) – aspec-
geral, associado à trajetória de literatos e outros to de uma cultura intelectual que o tornará refe-
segmentos intelectuais de menor prestígio, que se rência para o grupo que, reunido na Escola Livre
reproduziriam sob o comando de frações da nova de Sociologia e Política (1933), dará partida à
classe dirigente (Idem). reflexão sociológica brasileira.
De outro lado, na rama das antigas profissões Por fim, a República Velha terá que reaco-
imperiais, mais consolidadas e gozando socialmen- modar a experiência intelectual dos publicistas,
te de maior prestígio, a inteligência buscará institu- última floração, a rigor, da casa grande, cuja auto-
cionalizar mecanismos de reconhecimento e legiti- nomia derivava de sua peculiar inscrição social,
mação de sua prática, ensaiando certo ativismo, como membros de uma elite sem amarras no
cujo desfecho desembocará no movimento cre- mundo mercantil. Descendentes de juristas, quase
dencialista conduzido por segmentos das antigas sempre bacharéis, como Oliveira Vianna e Alberto
lideranças profissionais e engrossado, a partir dos Torres, ou remanescentes do quadro de funcioná-
anos de 1920, por uma nova geração de pratican- rios do Estado Imperial, como Euclides da Cunha,
tes, oriunda das camadas médias urbanas, que se pode-se dizer que os primeiros intérpretes do
alinhou pela valorização do diploma como atesta- Brasil republicano serão portadores de uma re-
do real de perícia técnico-científica (Coelho, 1999). presentação do país fortemente encapsulada por
Portanto, em conformidade com o liberalismo de categorias e esquemas mentais do período prece-
fundo, que removera a centralidade do Estado, dente. Neles, se fosse possível apresentá-los pa-
mas precavidos quanto aos desajustes introduzidos noramicamente, o Brasil é visto, sobretudo, pelo
pelo mercado, os profissionais liberais abraçaram, ângulo da perda, notadamente a da grande obra
em geral, a idéia de auto-regulação de suas ativi- do Estado centralizado, cuja sobreposição à socie-
dades. Somente que, à diferença das antigas lide- dade, embora considerada pelos republicanos
ranças, a nova geração de médicos, engenheiros e uma anomalia despótica, fora responsável pela
advogados tendia a considerar que de nada valeria promoção das liberdades, na medida em que con-
o credenciamento de peritos se estes não se com- tivera o particularismo das classes senhoriais
prometessem com as transformações necessárias à (Oliveira Vianna, 1920).
vida nacional – o que conformava uma ideologia De modo que a palpitação da moderna
profissional de outro tipo e uma concepção políti- sociedade brasileira pouco era relevada analitica-
ca tributária da centralidade do Estado como coor- mente por aquele grupo de intérpretes, exceto
denador da reforma social. como transfundo de suas convicções intervencio-
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nistas. Pois, para eles, os conflitos do mundo do ca, deveu-se, em larga medida, à demanda estatal
trabalho, como no ciclo de greves do perío- por recursos humanos e tecnologia para a conse-
do compreendido entre 1917 e 1919, a formação cução de tal obra.
do Partido Comunista, a organização dos católicos Quanto aos intelectuais como personagens
em torno do Centro Dom Vital, a manifestação da estrutura social, o fato de as profissões de nível
dos artistas na Semana de 22 ou o crescente radi- superior coroarem a hierarquia ocupacional pre-
calismo dos tenentes, que, de defensores da efe- vista na institucionalidade corporativa (Santos,
tivação dos direitos liberais consignados na Carta 1979) foi também aspecto decisivo para a rele-
de 1891, varreriam o país com a Coluna Prestes, vância que a Universidade assumirá no contexto
eram evidências da mitigação do papel do centro estadonovista. Nesse sentido, se a Universidade
político e da rearticulação, sob novos condicio- brasileira foi projetada politicamente, como lugar
nantes, da fragmentação social da nossa origem. da invenção material e espiritual de um novo
Com tal perspectiva, seu objeto preferencial não país, do ponto de vista sociológico será alçada à
poderia ser a sociedade, mas, ao contrário, a cen- condição de agência de promoção social e incor-
tralidade da ação do Estado na coordenação do poração privilegiada à cidadania (Idem) – aspec-
trânsito ao moderno. tos complementares que fizeram dela o esteio da
Visto, portanto, com o distanciamento que o atividade intelectual ao longo de toda a segunda
tempo permite, o debate sobre o lugar dos inte- metade do século XX (Schwartzman, 1979;
lectuais na República Velha prenunciava uma rota Pontes, 1998).
crescentemente hostil às liberdades e aos direitos Portanto, a partir dos anos de 1930, o inves-
individuais, pois a idéia de um Estado interven- timento nas chamadas ciências básicas convive
cionista ganhava amplos setores da inteligência. A com o desenvolvimento de quase todas as áreas
nova forma estatal que se consolidará na década do conhecimento, incluindo as ciências sociais,
de 1930, subordinando os interesses de indivíduos cujo sucesso atesta o fato de que os processos em
e grupos a uma “razão nacional”, deixaria clara a curso e os temas candentes da nossa formação
dupla identidade dos intelectuais naquele contex- social conhecem, na Universidade, expressão e
to: como inteligência aplicada ao esforço de um novo lugar de enunciação. Com isso, a traje-
modernização do país e como estrato profissional tória de institucionalização universitária no Brasil
da nova ordem corporativa, isto é, como figuras, não representou, como em outros contextos na-
respectivamente, da política e da sociologia. cionais (Bender, 1993; Jacoby, 1990), um retrai-
mento da vocação pública dos intelectuais, uma
dissociação entre a ciência e a Cidade, ainda que
5 tal fato não significasse a existência de canais efe-
tivos e eficientes de comunicação entre esses ter-
Tome-se a relação entre intelectuais e mos, inclusive pela vigência, desde 1937, de um
modernização sob o Estado Novo, admitindo-se regime político repressivo e autoritário. A Uni-
sua dupla dimensão: a política, que dependia da versidade brasileira, retardatária no continente
adesão dos intelectuais ao projeto de reconstru- americano, será, pois, o ambiente em que a inte-
ção do país, sendo liderada por Capanema (Sch- ligência atualizará sua forma de inscrição social e
wartzman, Bomeny e Costa, 1984); e a estrutural, de intervenção na vida pública.
ou sociológica, resultante da engenharia social De modo que, deixando de lado os juristas,
concebida por Alberto Torres, Azevedo Amaral e expressão mais antiga e paradigmática dos inte-
Oliveira Vianna, da qual os intelectuais eram lectuais brasileiros, cujo protagonismo na cena
parte, independentemente de sua vontade ou a- estadonovista não conheceu reciclagem universi-
desão. Assim, como personagens da política, os tária, devendo-se, antes, à sua participação na
intelectuais abraçaram a idéia de superação do montagem do sistema de solidarização entre tra-
atraso brasileiro, mediante o desenvolvimento das balhadores e Estado, isto é, à sua centralidade na
forças produtivas nacionais (Pécaut, 1990). E a construção da ordem corporativa (Werneck Vian-
exigência de uma Universidade, por aquela épo- na, 1976), do ponto de vista da nova experiência
7. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 23
intelectual que a Universidade propiciou, são os gia da USP” representou (1) um padrão de profis-
sociólogos os personagens que melhor exemplifi- sionalização baseado na idéia de autonomia da
cam as inovações concernentes à relação entre comunidade científica e (2) a constituição de uma
ciência e vida pública, na medida em que sua agenda político-intelectual dedicada ao tema da
legitimidade como representantes em geral da superação da ordem patrimonial brasileira, com a
sociedade deveu-se à sua inscrição no ambiente conversão do indivíduo dependente em cidadão.
universitário. O processo de institucionalização Para aqueles sociólogos, a oposição atraso-mo-
das ciências sociais no Brasil ilustra, pois, o caso derno deveria ser resolvida no plano societário,
singular de uma inteligência que interpela a arena dependendo menos, portanto, da modernização
pública sem comunicação direta com ela, com econômica induzida pelo Estado do que da refor-
base apenas na sua posição no campo científico. ma social – o que, aliás, se traduziria em pesqui-
Tome-se o caso da Universidade de São Paulo. sas sobre a democratização do sistema educacio-
Criada em 1934, sob os auspícios da elite nal, levadas a cabo em fins dos anos de 1950, por
paulista e com o objetivo de formar quadros polí- ocasião do debate sobre a Lei de Diretrizes e
ticos regionais após o confronto militar de São Bases da Educação, quando o tema da moderni-
Paulo com o governo central (1932), a USP, no zação vinculou-se diretamente à idéia de “aper-
que tangeu à organização dos cientistas sociais, feiçoamento intelectual e moral” do homem
contradiria o caráter instrumental daquele projeto. comum brasileiro (Fernandes, 1966, p. 134).
Pesou o desejo de profissionalização da primeira Assim, como ciência voltada à reforma
geração de sociólogos (Miceli, 1989), que os leva- social, o modelo de institucionalização da socio-
ria a investir em uma formatação estritamente aca- logia em São Paulo reeditou a tradição disciplinar
dêmica do seu ofício. Cedo, porém, a própria norte-americana, embora sem o traço característi-
lógica disciplinar explodiria aqueles limites, pois co da sociologia do Norte, a saber, a forte comu-
confinar-se em uma comunidade científica, viven- nicação entre a comunidade científica e os inte-
do exclusivamente a dinâmica departamental, sig- resses da sociedade (Bulmer, 1984). A ditadura
nificava obter autonomia em relação às elites ao Vargas impediu, por muito tempo, que estímulos
alto custo de um afastamento radical da socieda- externos à universidade, na forma de demandas
de. Seres funcionalmente modernos em meio a sociais por pesquisas, favorecessem aquela voca-
uma ordem patrimonialista e oligárquica, defen- ção, fazendo dos sociólogos paulistas um caso
dendo sua independência em face da política, singular de intelectuais públicos, já que referidos
mas reconhecendo seu papel como atores da ao campo científico. No início da década de 1960,
modernização em curso, os sociólogos uspianos quando parecia que, finalmente, os sociólogos
abraçaram, então, simultaneamente, uma identi- paulistas se inscreveriam no centro dos interesses
dade acadêmica e um ethos intelectual compatível do empresariado de São Paulo, respondendo a
com a noção de intelectuais públicos (Werneck uma demanda específica do setor, sobre as carac-
Vianna, Carvalho e Palácios, 1994). Sua atividade terísticas da livre empresa na ordem brasileira, o
seria, pois, conduzida de modo a, sem abdicar de golpe de 1964 cancelaria, mais uma vez, a possi-
sua identidade universitária – deixando, portanto, bilidade de vínculo concreto entre ciência e socie-
de se instituir como atores diretos da transforma- dade, encapsulando os pesquisadores paulistas
ção social no Estado ou nos partidos políticos –, nos círculos de especialistas e da Universidade.
influir no circuito da opinião pública e da socie- O modelo, porém, de organização da ativi-
dade civil, apontando as circunstâncias da transi- dade intelectual em São Paulo não foi imediata-
ção brasileira rumo à ordem urbano-industrial mente universalizado. Outros estados da federa-
com vistas a acelerá-la e a preparar os setores ção, expostos a processos distintos de moder-
subalternos para nela se inserirem como classe, nização, viviam um contexto universitário ainda
isto é, como sujeitos conscientes de seus direitos dominado pelas profissões liberais e, quando se
de cidadania. abriram às ciências sociais, reafirmaram a agenda
Em resumo, sob a liderança de Florestan intelectual de suas elites tradicionais. E no Rio de
Fernandes, o que se conhecerá como “a sociolo- Janeiro, ambiente em que a sociologia, tal como
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em São Paulo, será a linguagem dominante nos ção direta do governo federal (Schwartzman,
debates sobre a modernização, seus praticantes Bomeni e Costa, 1984). Com tal perfil, não só o
conhecerão inscrição distante da institucionaliza- trabalho científico buscará realizar-se fora dela –
ção universitária. a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
Como se sabe, na qualidade de capital do (CBPF) data de 1949 –, como também, no caso
Estado Novo, o Rio de Janeiro sediará extraordiná- das ciências sociais, virá a apresentar uma institu-
ria expansão do setor público e, em conseqüência, cionalização bastante retardatária, do que é sinto-
a gênese de uma categoria social específica – o ma a criação do seu primeiro programa de pós-
funcionalismo público de carreira. Na prática, tal graduação somente em 1968, no Museu Nacional,
processo consistiu na formação de um mercado de agência que remontava ao Império e, portanto,
trabalho político, para o qual se dirigiram muitos gozava de maior autonomia em relação às injun-
intelectuais, inclusive escritores – o “caso” de ções contextuais da política universitária.
Drumond é o mais citado –, cujas atividades literá- De modo que nada mais distante da expe-
rias, combinadas a posições na hierarquia burocrá- riência de um sociólogo do Rio de Janeiro do que
tica, tiveram o duplo efeito de reforçar o regime e a comunidade científica erigida em São Paulo, já
alavancar sua produção no âmbito de um setor que, fora da USP, aquele tipo de intelectual não
editorial em expansão (Miceli, 2001). Sob esse conhecia uma carreira universitária, o estímulo à
padrão de trocas entre dirigentes políticos e inte- pesquisa acadêmica, vivendo sob jurisdição polí-
lectuais alimentaram-se, portanto, formas recípro- tica das autoridades educacionais do governo
cas de legitimação, que sustentaram o modo de federal, em um ambiente urbano, ademais, que,
dominação vigente, mas alongaram, significativa- como sede do governo, fazia da burocracia polí-
mente, o tempo de constituição de um mercado tica o centro de gravidade da vida intelectual.
autônomo de bens simbólicos, em condições de Portanto, naquele ambiente organizacional das
propiciar mecanismos de concorrência e de obten- décadas de 1930 e 1940, a inteligência estaciona-
ção de gratificações próprias ao campo intelectual. da no Rio de Janeiro e alojada na máquina admi-
De modo que, no Rio de Janeiro, a universidade nistrativa do Estado Novo projetou seu anelo
conviverá, por um bom tempo, com outras vias de modernizador na ação estatal, cujos desdobra-
acesso à vida pública, sendo, em larga medida, mentos na década seguinte, já então arejados
pouco mais que uma agência de obtenção de cre- pelas instituições democráticas da Carta de 1946,
denciais para o escalonamento salarial dos ocu- conheceriam uma aproximação com o movimen-
pantes de postos superiores do serviço público. to popular e sindical em ascensão, animando o
Ademais, a experiência universitária na capi- primeiro impulso ideologicamente consistente do
tal da República não se caracterizava pela afirma- nacional-desenvolvimentismo.
ção da ciência e pela constituição de uma comu- O populismo – termo com que a bibliogra-
nidade científica. Sua história teve início nos anos fia nomeou a relação entre o mundo popular e as
de 1920, quando foram reunidas as escolas supe- elites estatais – irá recriar a percepção do Estado
riores existentes na cidade, sob a denominação de como agência de modernização virtualmente
Universidade do Rio de Janeiro. Em 1931, democrática, por meio daquilo que à época foi
Francisco Campos, à frente do Ministério da chamado de “capitalismo de Estado”, isto é, um
Educação, consagra aquele formato e, em 1935, capitalismo controlado politicamente, avesso ao
sob a gestão ministerial de Capanema, é instituí- particularismo da burguesia “entreguista” e aberto
da uma comissão encarregada da ampliação da- aos interesses majoritários da nação. Sem a me-
quele conglomerado de cursos, ensejando o apa- diação da academia, pensadores sociais no Rio de
recimento, dois anos depois, da Universidade do Janeiro conhecerão, então, lugares de intervenção
Brasil, composta por quinze escolas ou faculda- política e de animação da esfera pública em insti-
des e dezesseis institutos, alguns deles já existen- tuições extra-universitárias, para-universitárias,
tes, além do Museu Nacional. das quais o Instituto Superior de Estudos Brasi-
Como instituição reorganizada em 1937, a leiros (Iseb) foi a melhor e mais consistente expe-
Universidade do Brasil será colocada sob jurisdi- riência, ou, ainda, em movimentos influenciados
9. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 25
pelo Iseb, como o Centro Popular de Cultura da instituições corporativas de 1937, no sentido de
União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE) ou o que procurou reforçar a subordinação do sindica-
movimento de alfabetização popular idealizado lismo à “razão de Estado”. Com a diferença cru-
por Paulo Freire (Paiva, 1986). Concebidos sob a cial de que o tipo de modernização que vingara
cultura do nacional-desenvolvimentismo, nada sob o Estado Novo era sistêmica, evitava isolar os
estranho que esses movimentos tivessem seu iní- objetivos econômicos em relação às esferas da
cio ou seu desfecho em alguma agência do política, da cultura e da organização social, en-
Estado, como ocorreu com a alfabetização popu- quanto, sob o regime militar, o recurso à ordem
lar e o CPC, cujos principais dirigentes ocupavam burocrático-corporativa de 37 será instrumental:
posições destacadas no Ministério da Educação abandonará o que nela havia de durkheimiano,
quando do golpe militar de 1964. de esforço aplicado em solidarizar grupos e clas-
O fato é que, malgrado as diferenças regio- ses sociais, e buscará, tão-somente, o crescimen-
nais assumidas pelo processo de institucionaliza- to econômico. O resultado será uma brutal assi-
ção da universidade brasileira, nela não se verifi- metria entre a dimensão do mercado e as demais
cou o cancelamento da dimensão pública da ati- esferas da sociedade.
vidade dos intelectuais. Seja no Rio de Janeiro, Assim, se é possível dizer que o Estado Novo
onde a universidade foi uma via subsidiária de recuperou a política imperial de fazer da cultura
engajamento dos intelectuais no projeto de um assunto de interesse público e, afinado com a
modernização conduzido pelo Estado, seja nas sociologia da época, conferiu a ela papel destaca-
unidades da federação, em que as elites regionais do na construção do consenso em torno dos obje-
puderam adiar a afirmação da universidade como tivos da modernização, a orientação que predomi-
agência de produção de pensamento indepen- nou durante o regime militar conceberá um con-
dente, seja em São Paulo, ponta da modernização senso forjado exclusivamente pelo mercado, a
capitalista brasileira, em que o campo científico se partir do lançamento do capitalismo brasileiro em
desprendeu mais celeremente do campo político, uma nova escala de acumulação.
o fato é que, progressivamente, a inscrição na Isso explica a desimportância que os milita-
universidade concederá aos intelectuais uma nova res conferiram às agências de cultura e a presteza
arena de participação na vida nacional. com que organizaram, ainda em 1964, o Escritório
Assim, no início dos anos de 1960, o debate de Pesquisa Econômica Aplicada (Epea), tornado
político sobre a crise da formação social brasilei- Instituto vinculado ao Ministério do Planejamento,
ra conhecerá uma tradução universitária (Lahuer- em 1967, com funções de assessoramento do go-
ta, 2005): contra o reformismo estatal que ganha- verno para a elaboração do Plano Decenal de
va musculatura, atraindo, inclusive, setores do Desenvolvimento Econômico (1967-1976), que
movimento operário e sindical, bem como qua- não sairia do papel, e o mais realista Projeto
dros representativos dos partidos políticos de Estratégico de Desenvolvimento (1967-1970), em
esquerda, a crítica universitária assinalará a insa- meio ao período mais cruento da ditadura
nável oposição entre Estado e sociedade no Bra- (D’Araújo, Farias e Hippolito, 2005). Portanto,
sil, considerando o reformismo em curso uma com a exceção do segmento dos economistas, os
forma de ocultar a sujeição dos setores subalter- militares não estabelecerão vínculos sistemáticos
nos às elites políticas da ordem burguesa. A críti- com os intelectuais públicos, concedendo-lhes
ca teórica de Francisco Weffort e Otávio Ianni ao lugar vulnerável aos rigores da repressão, espe-
populismo é a expressão mais acabada, e consa- cialmente no caso dos artistas, sempre que amea-
grada academicamente, desse diagnóstico. çassem ativar nexos efetivos com o mundo popu-
lar. Intelectuais orgânicos do novo ciclo de
modernização do país, os economistas serão ato-
6 res proeminentes da montagem de uma nova
ordem econômico-social, cujos desdobramentos
O golpe militar de 1964 inaugurou mais um têm-lhes garantido a reprodução de seu protago-
ciclo de regime autoritário no país e atualizou as nismo na cena pública brasileira.
10. 26 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº 65
.
O planejamento, a economia, em detrimen- viriam a se estender a todas as demais (Abran-
to do que havia sido a tônica da ditadura Vargas, ches, 1987); e por fim (3) a emergência de uma
a saber, o trabalho, a sociedade – foi essa nova cultura de “sociedade civil”, amplamente escora-
lógica de modernização que favoreceu a genera- da em setores do liberalismo histórico de São
lização de uma ética social perversa, em que o Paulo e no novo sindicalismo do ABC, cuja críti-
indivíduo passa a ver com estranheza o que não ca ao Estado autoritário deslizou facilmente para
é o seu interesse imediato. Abriu-se, desde ali, uma rejeição à tradição estatista da nossa forma-
uma profunda lesão no tecido social, caracteriza- ção histórica, ensejando, entre outras coisas, a
da, entre outras coisas, pela atitude de indiferen- criação do Partido dos Trabalhadores, agremiação
ça da população em relação à política e pelo fos- que se definiu, desde a origem, como empenha-
so enorme que separou o homem comum da vida da na formação de uma vontade popular autôno-
institucional, especialmente no caso dos persona- ma e na constituição de um novo sistema de valo-
gens da grande migração rural-urbana, que che- res para a sociedade brasileira.
gavam às cidades sem contato anterior com Juntos, os dois primeiros itens indicam impor-
algum liame da malha de proteção social legada tantes transformações operadas no âmbito da rela-
pelo período Vargas aos trabalhadores urbanos. ção estabelecida entre a Universidade e a socieda-
Em meados dos anos de 1980, o processo de de. Pois, se é fato que o regime militar concebeu e
distensão política explicitou os efeitos da moder- implementou uma política científica avançada, que
nização autoritária conduzida pelo regime militar, favoreceu a institucionalização da ciência e a emer-
sobretudo no que se refere à degradação da di- gência de um mercado de trabalho e de bens cien-
mensão do público, não somente na esfera esta- tíficos, a nova sociedade brasileira não mais con-
tal, como também na própria sociedade civil. A- cederá ao conhecimento acadêmico a feição de
vançava-se no caminho da liberalização política uma “pedagogia do moderno” (Pécaut, 1990),
sem cultura cívica, sem vida associativa enraizada, explicativa das condições gerais de sua forma e
sem partidos de massa e, mais grave, sem normas representativa de seus interesses, priorizando, para
e instituições confiáveis para a garantia do siste- tanto, as organizações classicamente devotadas a
ma democrático (Santos, 1993). Naquele contexto, esse objetivo – partidos, sindicatos e associações.
a organização da inteligência brasileira atravessou Liberta, pois, do “mandato público” que lhe confe-
mudanças significativas, ensejadas por muitas riram seus fundadores, as ciências, muito especial-
variáveis. mente as sociais, democratizam-se, cumprindo tra-
Destacam-se três: (1) a massificação do aces- jetória compatível com o tipo de recrutamento
so de jovens à Universidade, favorecida pela presente no ambiente universitário. De modo que
reforma universitária dos anos de 1970 que, se, na nova relação entre Universidade e sociedade, a
por um lado, representou uma vitória das lutas inscrição pública dos intelectuais não desaparece-
estudantis de décadas anteriores, foi também uma rá, mas tenderá a se constituir, cada vez mais, a
estratégia política de atenuação do conflito entre partir de suas agendas especializadas de pesquisa,
os setores médios – não necessariamente politiza- de suas identificações com áreas temáticas afinadas
dos, mas interessados em ascender socialmente a interesses de grupos sociais a que muitas vezes
pela via da educação – e o regime militar; (2) a pertencem, agregando-se a isso o estabelecimento
consolidação do sistema universitário, com a rápi- de nexos com as instâncias de publicização dos
da expansão e institucionalização de um sistema artefatos materiais e simbólicos produzidos na aca-
nacional de ensino pós-graduado e pesquisa, bas- demia, tais como a mídia, agências do Estado ou
tante abrangente em relação a áreas de conheci- partidos políticos.
mento, alocação regional dos programas e incor- Quanto ao item relativo às alterações no
poração social de postulantes, resultado de po- âmbito da cultura política brasileira e à emergên-
líticas levadas a cabo por setores da inteligência cia de um partido homólogo à nova sociedade,
militar sob a ditadura, que, orientadas, original- pode-se entendê-lo como mais um dos efeitos da
mente, para áreas muito específicas do conheci- democratização social sob o regime autoritário, na
mento, como as ciências exatas e as naturais, medida em que a constituição de novos atores
11. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 27
organizados, notadamente o sindicalismo do ABC, do elenco pluralista de categorias mobilizadas
nascido sobre distinta plataforma produtiva e em pelos autores, o diagnóstico de que a ordem bur-
descontinuidade com o sindicalismo precedente, guesa já se estruturara no país, fruto de uma coa-
não conheceu nexos objetivos com a cultura polí- lizão entre elites modernas e tradicionais, caben-
tica que conduzira a marcha da modernização do agora democratizá-la. Outros temas e outros
brasileira até então e, nesse sentido, não disputa- problemas animavam, pois, a agenda pública dos
rá sua direção, preferindo removê-la, substituí-la. cientistas sociais na década de 1980, particular-
O novo sindicalismo, fruto das profundas trans- mente o tema da cidadania, anunciado pelo
formações econômico-estruturais que o país co- Cidadania e justiça, de Wanderley Guilherme dos
nheceu sob o regime militar, tinha como horizon- Santos, publicado em 1979.
te o mercado, a indústria de capital privado, o
mundo dos interesses. E, para ele, o Estado e a
esfera pública, considerados, desde a Revolução 7
de 1930, como estratégicos à modernização e à
democratização brasileiras, representavam efeti- As décadas de 1980 e 1990 foram as de um
vos obstáculos ao livre desenvolvimento da socie- paradoxal desenvolvimento das ciências sociais no
dade e lugares institucionais de reprodução dos Brasil. O paradoxo – o de uma ciência, como a So-
padrões hierárquicos e socialmente iníquos que ciologia, que requer como condição para a sua
predominaram em nossa história (Werneck institucionalização a democracia e que se expan-
Vianna, 2000). de em meio a duas ditaduras – indica o sucesso
Portanto, o vasto movimento de opinião, dos seus intelectuais na extração de recursos junto
que, enraizado em personagens da esquerda aca- a agências governamentais que não lhes tinham
dêmica da USP e no liberalismo histórico das eli- apreço e na atração de clientela para cursos des-
tes políticas e intelectuais de São Paulo, viria a se prestigiados e desprovidos de mercado profissio-
fortalecer na década de 1980 em torno de uma nal promissor (Werneck Vianna, Carvalho e
interpretação negativa da história do país e de um Palácios, 1995). Uma forma de entender esse para-
novo sentido atribuído à idéia de democratizá-lo, doxo é constatar que o ponto de inflexão na ins-
entendeu que a principal tarefa de seu partido, o titucionalização das ciências sociais coincide com
Partido dos Trabalhadores, deveria consistir na o momento de formação de um sistema nacional
formação de uma vontade popular autônoma, de ensino e pesquisa, gerando, pois, a necessida-
na construção de um novo sistema de valores, na de de ampliação de quadros qualificados na
formação, enfim, de uma nova cultura da socie- Universidade e, em conseqüência, a criação de
dade civil contra a velha cultura estatista brasilei- programas de pós-graduação na área. Foi, portan-
ra. De modo que, por inopinados caminhos, São to, o mercado universitário, e não demandas esta-
Paulo, que cedo abrigara um movimento de insti- tais por pesquisas ou o movimento de atores
tucionalização da vida universitária e de supera- sociais ao encontro de uma ciência aberta à incor-
ção da intelligentsia como ator privilegiado da poração de seus temas, que terá levado as ciências
mudança social, retornará sobre seus próprios sociais brasileiras ao sucesso.
passos, reencontrando-se com a velha polaridade Tal padrão endógeno de crescimento corro-
atraso/moderno, da qual esperava sair pela recu- bora a idéia de que a universidade foi o lócus
sa ao reformismo e pela preparação dos setores incontrastável de organização dos intelectuais ao
subalternos para o exercício de uma ação históri- longo da segunda metade do século XX, principal-
ca distinta. mente em suas três últimas décadas, com alcance
Assim, a última grande controvérsia da inte- ainda mais ampliado se consideradas suas redes de
ligência brasileira – reforma ou revolução – atividades periféricas ao sistema de ensino e pes-
conhecerá dicção universitária e aclimatação no quisa, tais como a burocracia científica, os serviços
setor moderno do operariado paulista, em um técnicos laboratoriais, as editorias de revistas cien-
momento em que, no âmbito das ciências sociais tíficas, as agências públicas e privadas de divulga-
institucionalizadas, era já consensual, a despeito ção da ciência, o marketing institucional, os
12. 28 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº 65
.
museus dedicados à área, os profissionais aplica- o mercado nem o Estado que conhecemos esta-
dos ao planejamento e à gestão universitária etc. riam em condições de responder aos desafios que
Ao lado disso, porém, são freqüentes as projeções as sociedades contemporâneas criaram para si.
de um próximo esgotamento desse mercado, ante- Foi esse o contexto que viu o florescimento
visto na atual escassez de postos universitários, vis- das organizações não-governamentais em todo o
à-vis o número anual de pós-graduandos forma- mundo, as quais, a despeito das caracterizações
dos. A década de 1990, por isso, situa a dominantes, que tendem a tomá-las, tão-somente,
universidade em uma encruzilhada no que se refe- como agências do mercado, parecem, antes, con-
re à sua destinação como agência de inscrição dos sistir em formações intelectuais mais aptas a lida-
intelectuais na vida pública brasileira. rem com a atual mobilidade das fronteiras institu-
cionais (a política, a jurídica, a econômica, a
religiosa etc.), movê-las, quando se encontram
8 enrijecidas ou reificadas, e procederem a uma
espécie de ocupação de espaços de atuação que
Os dez últimos anos do século XX e os pri- se viam recortados e habitados por atores espe-
meiros desse século têm sido marcados pela cons- cíficos e inalcançáveis por outros públicos que
trução da democracia no Brasil, em um contexto não os de suas respectivas circunscrições. Assim,
de transformações mundiais que puseram em sus- para os propósitos dessa reflexão, seria estéril
peição a solidez de qualquer dos fundamentos tentar classificar as ONGs como entes do merca-
clássicos da vida social. do ou da sociedade civil gramsciana (Cohen e
É certo que a centralidade do mercado tem Arato,1992). São, a rigor, atores de uma espécie
redesenhado a cena internacional desde a década de “guerrilha” no território das grandes estruturas
de 1980. Mas, àquela época, os problemas institu- institucionais (Velho, 2000), que, de outra forma,
cionais no Brasil eram tão prementes, a socieda- não conheceriam a diversidade de atribuições exi-
de inteiramente mobilizada pelo esforço consti- gida pelos novos tempos. Afinal, funções estatais,
tuinte, que a agenda da globalização ficou afeta econômicas ou espirituais estão sendo desempe-
aos seus operadores mais diretos e, hoje, não nhadas com o concurso de atores diversos e de
parece deter a mesma energia onipotente, o forma interinstitucional.
mesmo impulso de cristalização irreversível de No Brasil, o crescimento do número de
seus efeitos sobre o mundo. Afinal, o Estado e a ONGs coincidiu com o movimento de redemo-
dimensão da política não sucumbiram como pre- cratização do país, conhecendo camadas de espe-
viam os ideólogos do neoliberalismo e, com exce- cialização temática – a questão da capacitação de
ção das regiões onde nunca tiveram proeminên- lideranças, nos anos de 1980, questões relativas
cia, como na África ou nos Bálcãs, parecem hoje aos temas sociais, na década de 1990, e, mais
se recompor com alguma eficácia. recentemente, os temas ambientais (Fernandes e
Por outro lado, o Estado que se afirma nesse Piquet, 1991). Sua presença como intelectual pú-
começo de milênio não será mais o Estado “de blico, contudo, foi pouco entendida ou pouco
proprietários” (Elias, 1997) que esteve na base da salientada, em parte como reação de aguerridos
construção ideológica das nações nos séculos XIX defensores das concepções políticas instituciona-
e XX, subsumindo e ocultando lógicas culturais listas, que, na academia ou fora dela, “fecharam”
relevantes à reprodução da vida em sociedade a questão democrática a outras possíveis aborda-
(Balakrishnam, 2000), e nem mesmo a grande gens – tratava-se de defender as práticas do siste-
máquina pedagógica da norma que foi o Welfare ma representativo e isso demarcou o campo
State, com seu programa administrativo das desi- máximo de visibilidade dos problemas inerentes à
gualdades e diferenças sociais. Será, talvez, uma democracia. Mas, de outra parte, talvez se possa
reinvenção do público como lugar em que se en- dizer que o desprestígio público das ONGs decor-
trecruzam práticas e projetos, ação e reflexão, sem reu também da afinidade eletiva que elas mantêm
um referente essencializado a que possamos retor- com temas que desbordam os marcos da reflexão
nar e reencontrar o ideal moderno. Portanto, nem sobre os grandes maciços institucionais que, co-
13. TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO... 29
mo se viu, foram os marcadores da nossa trajetó- quase simultaneidade entre o contexto de conso-
ria modernizadora, principalmente o Estado lidação da academia e o surgimento das ONGs
nacional. As ONGs, por isso, eram, no mínimo, tem aproximado as duas agências, qualificado as
uma incômoda projeção do desajuste entre as suas respectivas participações no processo de
práticas sociais e a tradição de pensamento que democratização do país e as fertilizado.
nos permitia “entender” o mundo e o Brasil, há É certo que o senso comum educado quan-
dois séculos. do trata das ONGs brasileiras costuma apontar
Assim, enquanto a universidade brasileira como causa eficiente da comunicação que man-
conhecia extraordinário crescimento com base (1) têm com a universidade a “filiação” de suas lide-
na preservação de uma agenda identificada com ranças à vida acadêmica e ao seu repertório,
as vicissitudes da modernização no país e (2) na como ex-membros, que foram, de uma instituição
retroalimentação de identidades intelectuais adi- que não pôde incorporá-los ao seu quadro fun-
das àquele espaço, as ONGs desenvolveram-se a cional. Desse ponto de vista, o predomínio da
partir de uma pauta extralocal, que tem tensiona- universidade como agência de organização dos
do hábitos e identidades intelectuais estabele- intelectuais e da cultura ver-se-ia, ainda hoje,
cidos, forçando, não sem resistência, a redefini- garantido, cabendo às ONGs o papel de uma ins-
ção do conhecimento acadêmico em direção a tância subsidiária de alocação institucional da
problemas fragmentários, setoriais, que, não obs- inteligência. Contudo, o fato de muitos núcleos
tante sua aparente particularidade, são comuns a acadêmicos de pesquisa promoverem convênios
grupos sociais em diferentes regiões do mundo. com ONGs para a realização de investigações e
O exemplo de ONGs envolvidas com jovens da atividades conjuntas aponta para uma reciclagem
periferia das grandes cidades brasileiras pode ser das práticas universitárias, com impacto ainda
ilustrativo desse fenômeno. Pois, o fato de terem imprevisível na definição da identidade dos inte-
contribuído decisivamente para que se extraísse o lectuais contemporâneos.
tema da “rebelião juvenil” da chave das teorias da Isso não significa, por certo, o cancelamen-
ordem e forçado sua inscrição no debate interna- to da centralidade da universidade na conforma-
cional sobre reconhecimento social ilustra o ção do intelectual público brasileiro, mas, sim, a
quanto o cosmopolitismo de tais agências pode auto-reforma daquele ambiente institucional em
beneficiar a pesquisa acadêmica e produzir uma moldes mais compatíveis com a democracia do
dinâmica reflexiva socialmente mais abrangente e século XXI. Quando departamentos universitários,
politicamente mais democrática. ONGs e associações profissionais, como as que
Portanto, se o surgimento das ONGs expres- reúnem atores do sistema judiciário (associações
sa uma transformação profunda na ordem do de promotores, de defensores públicos e de ma-
mundo, a sua projeção no Brasil deriva, em larga gistrados – segmentos, como se viu, compromis-
medida, da capacidade que tem demonstrado de sados com a tradição pública brasileira), se unem
realizar o que a universidade sozinha talvez não para o entendimento de problemas sociais e a
viesse cumprindo a contento, a saber, a interação construção de soluções para grupos afetados por
efetiva com atores e problemas sociais contempo- eles – como no exemplo recente da regularização
râneos. Tem sido elas que vêm conferindo maior fundiária das favelas cariocas – está-se diante de
mobilidade à agenda pública brasileira, desentra- uma nova formação intelectual, de uma “inteli-
nhando “problemas sociológicos” de práticas gência coletiva” (Lévy, 1994), que combina, em si
sociais antes invisíveis à academia e mesmo aos mesma, tradição e inovação, em complexa intera-
atores políticos classicamente recortados. Em ou- tividade. Sozinhas, as partes desse novo órgão
tras palavras, diferentemente do que possa ocor- intelectual seriam, talvez, insuficientes para a fina-
rer em outras formações intelectuais, em que a lidade a que se destinam, encontrando, juntas,
institucionalização universitária para além de uma organização contingente que lhes faculta o
anteceder, em alguns séculos, o surgimento das caminho da representação funcional de interesses
ONGs representou um retraimento da participa- que, de outra forma, não seriam avistados quer
ção pública da inteligência acadêmica, aqui, a pelo Estado, quer pelo mercado. Assim, estimada
14. 30 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº 65
.
a preservação do intelectual público como aspec- das no Brasil, Rio de Janeiro,
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TEMAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO THEMES ON THE ORGANIZA- THÈMES À PROPOS DE L’ORGA-
DOS INTELECTUAIS NO BRASIL TION OF INTELLECTUALS IN NISATION DES INTELLECTUELS
BRAZIL AU BRÉSIL
Maria Alice Rezende de Carvalho Maria Alice Rezende de Carvalho Maria Alice Rezende de Carvalho
Palavras-chave: Intelectual públi- Keywords: Public Intellectual; Aca- Mots-clés: Intellectuel public; Aca-
co; Academia; Universidade; Orga- demy; University; Non-governmen- démie; Université; Organisations
nizações não-governamentais. tal organizations. non-gouvernementales.
Este artigo elege alguns temas para This article chooses some subjects Cet article définit quelques thèmes
a pesquisa sobre o exercício da ati- for the research on exerting the de recherche à propos de l’exercice
vidade intelectual no país, a partir intellectual activity in the Brazil ana- de l’activité intellectuelle au Brésil, à
do recorte de três momentos históri- lyzing three distinct historical partir du découpage de trois
cos distintos, a que corresponderam moments and the three correspon- moments historiques distincts, aux-
três formas de organização dos inte- ding ways of organization of intel- quels correspondent trois formes
lectuais: as Academias e Institutos, a lectuals: the Academies and Insti- d’organisation des intellectuels: les
Universidade e as Organizações tutes, the University, and the non- Académies et Instituts; l’Université et
não-governamentais. Sua principal governmental organizations. The les Organisations non-gouverne-
sugestão é a da continuidade da main suggestion is the continuity of mentales. Sa suggestion principale
figura do intelectual público brasi- the figure of the Brazilian public est la continuité du symbole de l’in-
leiro, diferenciando-se, nesse senti- intellectual, differing from the per- tellectuel public brésilien, qui diffè-
do, das perspectivas que apontam o spectives that point to the decline of re des perspectives qui indiquent le
declínio desse personagem em con- this character in strong university déclin de ce personnage dans des
textos de forte institucionalização institutionalization contexts. The contextes de forte institutionnalisa-
universitária. A inclusão das Ongs inclusion of NGOs in the reflection, tion universitaire. L’inclusion des
nesta reflexão, conquanto extrapole though surpassing the prevailing ONGs dans cette réflexion – malgré
o modelo estabelecido de tratamen- model to deal with the theme in le fait de transposer le modèle éta-
to do tema no Brasil, busca estimu- Brazil, aims at stimulating the blit de traitement du thème au Brésil
lar o debate sobre a atividade inte- debate on the intellectual activity in – cherche à stimuler le débat à pro-
lectual no país, em um momento de the country in a moment of out- pos de l’activité intellectuelle au
grandes transformações estruturais standing structural transformations Brésil, à un moment de grandes
no âmbito da cultura. in the realm of culture. transformations structurelles dans le
cadre de la culture.