1. FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE OLINDA-FUNESO
UNIÃO DAS ESCOLAS SUPERIORES DA FUNESO-UNESF
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DO NORDESTE
HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA DO LITORAL
PERNAMBUCANO NO PERIODO COLONIAL
MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA
OLINDA -2008
2. MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA
HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA
DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL
Monografia apresentada na Fundação de
Ensino Superior de Olinda como parte
dos requisitos para obtenção do titulo de
especialista em História do Nordeste.
OLINDA -2008
2
3. Pereira, Maria Cecília Souza
História e Memória: um resgate da cultura
indígena do litoral pernambucano no período colonial -
Recife, 2008. 44 folhas.
Monografia apresentada - Fundação de Ensino
Superior de Olinda, para a obtenção do grau de
especialista em História do Nordeste.
3
4. HISTÓRIA E MEMÓRIA: UM RESGATE DA CULTURA INDÍGENA
DO LITORAL PERNAMBUCANO NO PERÍODO COLONIAL
MARIA CECILIA SOUZA PEREIRA
BANCA EXAMINADORA
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4
5. AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi realizado com a ajuda de pessoas, que direta ou
indiretamente, o tornaram possível: ao meu namorado Almir do Carmo Bezerra,
que enquanto estudante de Arqueologia deu valiosa contribuição à monografia
nessa área do conhecimento, a minha família que sempre me apoiou, minha mãe
e meus irmãos. E ao Prof. Jobiergio F.M. Carvalho que me orientou durante o
percurso que percorri.
5
6. SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS -----------------------------------------------------------------------------05
RESUMO --------------------------------------------------------------------------------------------07
ABSTRACT -----------------------------------------------------------------------------------------08
INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------09
Capítulo I - OS HABITANTES DO LITORAL PERNAMBUCANO ---------------------12
1.1- A língua Tupi ----------------------------------------------------------------------12
1.2- Localização espacial ------------------------------------------------------------14
1.3- Traços culturais dos povos Tupi ----------------------------------------------16
Capítulo II - O CONTATO: LUTAS, ALIANÇAS E CATEQUESE----------------------22
2.1 A Capitania de Pernambuco -------------------------------------------------------22
2.2 – Lutas e alianças: Índios x Colonos---------------------------------------------24
2.3 - A catequese---------------------------------------------------------------------------26
Capítulo III - ACULTURAÇÃO: FORMAS DE INSERÇÃO INDÍGENA NA
SOCIEDADE COLONIAL--------------------------------------------------------------------------29
3.1 – Cultura aldeada ---------------------------------------------------------------------29
3.2- Os índios e os engenhos -----------------------------------------------------------33
3.3- os holandeses e os índios ---------------------------------------------------------37
CONSIDERAÇOES FINAIS ----------------------------------------------------------------------40
6
7. BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------------------------42
RESUMO
Diante da importância de resgatar as nossas origens ressaltando o elemento
indígena como primordial na construção cultural e identitária do povo brasileiro, é
que procurei trabalhar a História do contato numa reflexão a cerca da cultura
indígena numa nova estrutura montada, a estrutura colonial, possibilitando assim
que os aspectos da identidade cultural desses grupos sejam percebidos e
analisados, fora de uma historiografia oficial etnocêntrica. Os índios foram vistos
como seres totalmente passivos à ação histórica do branco europeu, quando na
verdade sabemos que através do contato com o “outro” os povos indígenas foram
capaz de criar ações que transformaram a realidade. No contato com o colonizador
os Tupi do litoral pernambucano produziram novos modos de adaptação a essa
nova estrutura montada, dado um novo significado aos seus modos de ser e fazer
culturais, entendido nesse trabalho como formas e estratégias de sobrevivência
nessa nova sociedade.Partindo desta idéia acreditamos que a cultura indígena não
se perdeu ou se fundiu simplesmente, entretanto assumiu novas formas e funções
no contexto da colonização.
Palavras-chaves: Etnicidade, indígenas do litoral pernambucano, cultura de
contato.
7
8. ABSTRACT
In face of the inportance of ranson the our origins enphasizimg the indigenous
element like primordial in the cultura and identity constrution of brasilian people,so I
tried to survey tey contact history In a reflexion arond indigenous culture in a new
formed structere,the colonial structure.This way it makes possible that the aspects
of the cultural identity of this groups heve ben notice and analezed,out of an official
ethnocentric historigraphy.The indians were seem like criatures entirety passive to
historic action of white europeans, however we know that through the this contact
with the “other” the indigenous have done actions that transformed the reality. In
they colonizer the tupi realit. In the contact with the colonizer the Tupi of the
Pernambuco coast produced news ways of adaptatiou for this new mean of the
ways of live and produce culture, vnderstandable here as forns end strategies of
survival in this new society. From this idea we trust that an indegenous culture
didnit get cost or goin themselves simply, but got news ways and functions in the
context of colonizaton.
Keywords: ethnicity, indigenous of Pernambuco coast, culture of contact.
8
9. INTRODUÇÃO
Os povos indígenas tiveram uma importância fundamental na conquista e
colonização do território brasileiro. No entanto, à medida que iam sendo
incorporados à sociedade colonial, esta importância foi aos poucos sendo
esquecida e apagada da memória.
Como se tratavam de povos que não dominavam a escrita, quase todas as
informação que possuímos sobre seu respeito provêm dos registros arqueológicos
e das observações feitas pelos cronistas de maneira eurocêntrica e etnocêntrica.
Nesse viés a História, através da pesquisa e das analises de documentos,
possibilita o resgate de elementos da cultura indígena, fornecendo informações que
têm contribuído para ressaltar a complexidade cultural, e a importância destes
povos na formação do povo brasileiro, pois segundo Medeiros: “Uma grande
quantidade de documentos burocráticos oficiais resultantes da administração
colonial portuguesa nas suas diversas escalas de poder (....). Foram priorizadas as
informações sobre a cultura, a localização espacial, formas de contato, exploração
da mão-de-obra, e as tentativas de sua destruição ou incorporação à cultura
dominante”. 1
Os grupos Tupis foram os primeiros a ter contato com os colonizadores
europeus, esse contato inicial foi caracterizado por trocas de “presentes”, e de
recepções amistosas. Logo após seguiram-se os conflitos ou alianças onde os
interesses de ambos os povos, indígena e europeu guiavam à condição de inimigo
ou aliado.
1
MEDERIOS, Ricardo Pinto. Povos Indígenas do Sertão Nordestino no Período Colonial:
Descobrimentos, alianças, resistências e encobrimentos. IN: FUNDHAMENTOS, São
Raimundo Nonato (PI), V1, N° 2, 2002, págs, 07-52.
9
10. Sabemos que no momento do contato europeu com comunidades indígenas
em todo litoral pernambucano, o choque cultural foi imediato, e que nesse caldeirão
cultural a relação com o “outro” força os grupos indígenas a reconstruírem suas
identidades, ficando o questionamento, se teria havido uma manutenção dos
modos de fazer e ser culturais dos índios que viveram no litoral pernambucano na
sociedade colonial.
Através desse estudo podemos construir uma percepção da diversidade
cultural dos grupos indígenas Tupi no período do Brasil colônia, e como essa
diversidade cultural foi abalada com a introdução de uma estrutura colonial,
provocando a partir daí uma apreensão do conhecimento do patrimônio indígena.
Diante disso nosso interesse é de produzir um movimento que nos permita sair da
mera contemplação, para a apropriação da construção de nossas referências
identitárias.
Este trabalho tem como objetivo o resgate da memória e da importância
cultural dos povos indígenas no processo de formação do povo brasileiro, focando
às primeiras ocupações humanas no litoral pernambucano, ou seja, os grupos
indígenas Tupi, no período colonial (1535-1716), estabelecendo a partir dai uma
relação com a reconstrução das identidades culturais indígenas abaladas pela
nova ordem implantada com a estrutura colonial.
Tendo em vista desconstruir o que foi reproduzido durante anos pela
historiografia oficial, buscando trabalhar a cultura indígena do ponto de vista etno-
histórico, onde os grupos étnicos, seus contatos e interações culturais serão
evidenciados.
Para alcançar esses objetivos propostos, utilizei relatos de cronistas do
período colonial, buscando informações sobre a cultura e a etno-história dos povos
indígenas do litoral pernambucano. Apesar das crônicas terem sido feitas por
indivíduos estranhos à cultura indígena, esses relatos são de suma importância
pela riqueza de narrativa, que sempre traz informações sobre o “outro” descrito na
visão de quem escreveu.
10
11. Além de manuscritos e crônicas impressas, também trabalhei com
produções de historiadores que estudam, ou fazem referências aos grupos
indígenas Tupi que habitavam o litoral Pernambucano.
Este trabalho foi dividido em três capítulos, o primeiro trata dos traços
culturais dos povos Tupi e sua distribuição espacial. O segundo capítulo apresenta
o choque cultural de ambas etnias no momento do contato. Por fim o terceiro
capítulo será evidenciado o contato e as interações dos europeus e as
comunidades indígenas Tupi, e a resignificação cultural desses povos como forma
de sobrevivência na nova estrutura social montada.
11
12. Capítulo I
Os habitantes do litoral Pernambucano
1.1- A língua Tupi
“Durante quase cinco séculos, os índios foram
pensados como seres efêmeros, em transição
para a cristandade, a civilização, a assimilação,
o desaparecimento. Hoje se sabe que as
sociedades indígenas são parte de nosso futuro
e não só de nosso passado”.
CUNHA2
O termo Tupi remete a grupos indígenas cujas línguas pertencem ao
tronco Tupi (ou Macro-tupi), tronco lingüístico que abrange diversas línguas das
populações indígenas sul-americanas, inclusive as que habitavam o litoral
brasileiro. Alguns estudos lingüísticos acerca das línguas Macro-Tupi descobriram
que existia certa homogeneidade quanto à fala da língua Tupi no litoral brasileiro,
falado na área que atualmente corresponde ao Estado do Rio Grande do Norte
como território do dialeto Potiguar.
Podemos dividir o estudo da língua Tupi em três categorias: o Tupi
propriamente dito ou Tupi antigo, o Tupi colonial, denominado língua geral, e as
múltiplas línguas tupis vivamente exercitadas pelos índios brasileiros pertencentes
à grande família Tupi-Guarani. Em seu livro Tupis e Guaranis, Frederico Edelweiss,
mestre de estudos Tupi no Brasil, atribui a errônea denominação - língua Tupi-
Guarani que segundo ele são línguas irmãs, mas diferentes. Existe, a língua Tupi,
2
CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena, IN História dos Índios no
Brasil (org.) Manuela Carneiro da Cunha, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, pág. 22.
12
13. e a língua Guarani, entendidas como línguas de características diferentes. O termo
“língua Tupi-Guarani” foi divulgado equivocadamente pelo etnólogo alemão Karl
Von den Steinen, e repetido por inúmeros leigos, e estudiosos brasileiros.
“infelizmente, a especificidade do tema, estranhamente
desconhecido, inclusive pelo público letrado brasileiro, dá lugar ao
vezo de utilizar-se, indevidamente, até os nossos dias, o
inadequado e injustificável ‘incômodo aleijão genérico’ - língua tupi-
guarani, como único designativo das duas línguas irmãs”.3
A aprendizagem da língua Tupi, iniciou em três pontos do litoral brasileiro,
com o lendário Diogo Álvares Correa, o caramuru, com João Ramalho e com o
Bacharel de Cananéia. Mas foi com os jesuítas, no período colonial que a língua do
Brasil passou a ser estudada, mas profundamente.
Dessa forma as cartas endereçadas a Portugal pelos jesuítas, sobre a
língua tupi eram divergentes, “os inacianos freqüentemente se referiam ao tupi,
apelidando-o ‘o grego da terra’, já o Padre Luiz Figueira (...), entendia ser o tupi
uma língua suave, elegante, mas estranha”.4
O Tupi antigo, ou seja, considerado o Tupi puro, é uma língua morta,
somente podendo ser estudado por meio de documentos históricos, pois como
afirma, o professor Arion Dall Igna Rodrigues, em seu artigo, “Análise morfológica
de um texto tupi” citado por Sena, “Sendo o Tupi antigo (século XVI – XVll) uma
língua morta, apenas atestada documentalmente, todo o estudo que dela se faz há
de ser baseado em documentos: gramáticas, vocabulários (...); este estudo é, pois,
de cunho nitidamente filológico”.5
3
SENA, Consuelo Pondé. A propósito do Tupi da costa brasileira ao tempo de Cabral. Revista
de Arqueologia, São Paulo, ed. Spige, 1993, pág.36.
4
SENA, Op. Cit, pág.35.
5
SENA, Op. Cit, pág.38.
13
14. É importante perceber que o contato dos Tupi com uma nova realidade,
os obrigou, a criarem um outro vocábulo capaz de expressar conceitos ainda não
conhecidos. Como no caso do termo abá, que significava homem, e que acrescido
de ré (diferente), passou a ser aplicado aos padres. Assim os indígenas podiam
distingui-los de seus semelhantes.
Diante disso podemos refletir um pouco mais sobre a língua Tupi, que
representa a expressão viva, dos modos de ser, e de pensar culturais dos povos
indígenas que viviam no litoral brasileiro e em algumas áreas esparsas do inferior
do Brasil.
1.2- Localização espacial
A história das sociedades indígenas do período colonial é analisada a partir
de documentações que apresentam descrições de aldeias, grupos, povos, e
espaços territoriais, além de autores que tratam do tema.
As descrições dos territórios e das fronteiras dos nativos da Capitania
de Pernambuco estendem-se do século XVI até o século XIX, ao longo desse
período, alguns grupos são mais descritos que outros.
O painel da localização das etnias dos indígenas do litoral pernambucano
estavam distribuídas da seguinte forma no momento do contato:
14
15. BARBOSA (2007) “Ocupações Indígenas em Pernambuco”.
A delimitação territorial dos grupos Tupi das etnias Caeté, Tabajara e
Potiguar, foi alterada com a instalação e consolidação da capitania de Duarte
Coelho, a partir daí o correram migrações, decorrentes dos novos arranjos feitos do
contato do índio com o colonizador, apresentando dessa forma uma nova
distribuição espacial, originaria das relações de conflito e alianças entre essas
etnias e os colonizadores.
Na capitania de Pernambuco, os grupos Caeté, Potiguar e Tabajara uniram-
se e se aldearam, desse modo efetivou-se a colonização para os indígenas, sejam
eles aldeados, escravizados nos engenhos, nas fazendas e casa de colonos.
Fazendo com que estas etnias tivessem, não somente que se adequar a esta nova
estrutura social, como também buscar e conservar seu espaço no mundo colonial.
15
16. 1.3- Traços culturais dos povos Tupi
Tendo como proposta estudar as resiginificações culturais dos indígenas,
visando compreender o processo do contato entre colonizadores e grupos Tupi que
habitavam o litoral de Pernambuco, torna-se importante delimitar alguns traços
culturais desta sociedade silvícola.
Os tupis dividiam-se em várias tribos cujos nomes registrados pela história
são como elas mesmas chamavam-se ou como seus inimigos apelidaram-nas. No
espaço indígena da capitania de Pernambuco encontravam-se diversas culturas
nativas descendentes das culturas pré-históricas, nesses territórios organizavam-
se populações étnicas diferentes, que em muitos dos casos eram rivais.
Uma das principais características desses grupos que viviam no litoral era a
produção de cerâmica, chamada de tupiguarani. Segundo estudos arqueológicos,
na região da mata que compreende os municípios do Cabo de Santo Agostinho
(PE) a Pilar (AL). Foram encontradas áreas de ocupação indígena em formato de
aldeia, onde cerca de 90% estavam localizadas em morros, possibilitando assim
uma melhor visibilidade de seu entorno, constituindo uma localização estratégica
para as situações de guerra.
De acordo com relatos coloniais os nativos dispunham para coleta de uma
grande variedade de recursos alimentares de origem vegetal, também praticavam a
pesca ribeirinha como fonte de proteína animal, e a agricultura como uma fonte
secundária, servindo apenas para complementação de sua dieta alimentar.
As aldeias possuíam em média sete a oito casas, em cada casa existia uma
figura principal, onde o poder masculino prevalecia, sejam eles nos homens mais
idosos, considerados conselheiros, ou nos mais jovens, que eram lideres de
guerra.
16
17. “Não moravam mais em uma aldeia que em quando não apodrece a
palma dos tetos das casas, que é espaço de 3 ou 4 anos, e então o
mudam para outra parte, escolhendo primeiro o Principal, com o
parecer dos mais antigos o sítio que seja alto, desabafo, com água
perto e terra a propósito para as suas roças sementeiras, que eles
dizem ser a que não foi ainda cultivada (...) se estas aldeias ficam
fronteiras de seus contrários e tem guerras, os cercam de pau-a-
pique mui forte (...)”. 6
A mulher desempenhava um papel que estava ligado a aspectos
fundamentais, desses grupos, sejam eles na fabricação de comida pra guerra, no
preparo das bebidas para as festas e os rituais ou na confecção das unas
funerárias nos sepultamento, as mulheres de mais idade também desempenhava
um papel de destaque nessa sociedade, pois segundo Gândavo: “Todos seguem
muito o conselho das velhas, tudo o que elas dizem fazem e têm-no por muito
certo: daqui vem a muitos moradores não comprarem nenhuma para lhes não
fazem fugir seus escravos”.7
Desta forma podemos considerar que a mulher indígena gozava de
um certo prestigio social. O casamento representava para os povos Tupi um
grande regulador de privilégio e de hierarquia social, tanto que funcionou muitas
vezes como um condicionante na relação entre os índios e colonos.Podemos citar
o caso clássico de Jerônimo de Albuquerque e da índia Arcoverde, que selou a
aliança de portugueses com os grupos da etnia Tabajara.
6
SALVADOR, Frei Vicente do .História Pré-Colonial do Brasil. Rio de Janeiro: Europa editora,
1993, pág.80.
7
GÂNDAVO, Pero de Magalhães de. Tratado da terra do Brasil 5º ed; Historia da Província Santa
Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. 1576.12ª ed. Recife: FUNDAJ.Editora Massangana,
1995, pág.51.
17
18. Uma característica das aldeias Tupis era a auto-suficiência, sendo elas
unidades independentes umas das outras. Todavia, em geral uniam-se,
principalmente em situações de guerra, que por sinal era um forte traço desses
povos.Souza descreve os Caeté, como indivíduos mui belicosos e guerreiros que
faziam cruéis guerras, para cujas aldeias ordinariamente havia fronteiros, que as
corriam e salteavam. 8
Esse espírito de guerra dos silvícolas, baseado na vingança, causava uma
impressão de grande selvageria por parte dos europeus, principalmente o ato
antropofágico. A antropofagia na maioria dos casos era utilizada para adquirir
prestigio, como uma forma de assumir a condição de principal, ou também para
estabelecer a paz e selar alianças.
“(...) golpeia o prisioneiro na nuca, de modo que lhe saltam os
miolos, e imediatamente levam as mulheres o morto, arrastam-no
para o fogo, raspam-lhe toda a pele, fazendo-o inteiramente branco,
e tapando-lhe o anus com um pau, a – fim - de que nada dele se
escape. Depois de esfolado, toma-o um homem e corta-lhes as
pernas, acima dos joelhos, e os braços (...) e correm com eles (...)
em sinal de alegria”. 9
8
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descrito do Brasil em 1578, São Paulo, Cia. Editora
Nacional.ed.USP, 1971(Brasiliana 117).pág.62.
9
STANDE, Hans. Duas Viagens ao Brasil Publicações da sociedade Hans Staden: São Paulo,
1942.
18
19. CUNHA (1998:388). “Amarrado
na região do ventre pela
mussurana, o cativo aguarda o
golpe fatal que o matador
desferirá com sua maça, a
ibirapema”.
Tupinambá preparando mingau.
Ilustração obtida da Capa da
Revista de arqueologia da SAB,
vol. 7, 1993.
19
20. A guerra e a religião estavam intimamente ligadas no imaginário dos índios,
os Xamãs, caraíbas e pajé tupi, representavam o sagrado nessa sociedade
ameríndia. Esses líderes sempre são descritos pelos cronistas como bruxos (as) ou
feiticeiros (as), sendo esta uma forma de demonizar a religiosidade ameríndia.
“E assim se podem estes feiticeiros chamar mais matasanos que
médicos, nem eles curam os enfermos se não com enganos,
chupando-lhes na parte que dói, e tirando da boca um espinho ou
prego velho que já nela levanta, lho mostram, dizendo que aquilo
lhes fazia mal e que já ficam sãos”.10
A bebida era um elemento cultural importante para esses grupos, pois o
consumo desta representava uma ação coletiva que ocupava lugar de destaque
nas cerimônias, principalmente nos rituais de canibalismo. O cauím, bebida
fermentada, eram consumida pelos Tupi nas cerimônias de guerra e de
antropofagia.
Outro elemento cultural importante para os silvícolas eram a cerâmica, já
que em primeiro lugar indicava, através de suas técnicas de fabricação e
decoração, um traço cultural Tupi, em segundo o caráter funcional desta, que
servia como reservatório de água e comida, no cozimento e na preparação dos
alimentos do uso cotidiano, ou na fabricação de farinha para servir de alimentação
em tempos de guerra. E em terceiro, por fazer parte dos momentos de rituais como
a antropofagia e o sepultamento.
Tabela 1
10
SALVADOR.Op.cit., pág.149.
20
21. Após o contato com o colonizador, a cultura dessas sociedades indígenas,
foi sendo substituída e/ou adaptadas, ou ainda abandonadas, numa reação
identitaria indígena, a nova estrutura social que estava sendo construída.
Ocasionando assim uma descaracterização, reelaboração e destruição das
estruturas sociais destes grupos.
Capítulo II
O contato: lutas, alianças e catequese
21
22. 2.1 A Capitania de Pernambuco
“O conjunto dos costumes de um povo é sempre
marcado por um estilo; eles formam sistemas. Estou
convencido de que esses sistemas não existem em
numero ilimitado, e que as sociedades humanas,
assim como os indivíduos – em seus jogos, seus
sonhos ou seus delírios – jamais criam de modo
absoluto, mas limitam a escolher certas
combinações num repertorio ideal que seria
possível reconstruir...”.
Lévi-Strauss11
Em 1534, Dom João III, rei de Portugal, implanta o sistema de Capitanias
Hereditárias no Brasil. Dando o provimento de terras e poder aos Donatários,
membros de uma pequena nobreza, que tomaram posses dessas terras com a
função de prover a prosperidade das Capitanias doadas.
Nas doações de Capitanias, as relações entre o Rei e os Donatários foram
claramente determinadas, como se observa nas cartas de doação, e nos forais, de
onde se declarava o direito e dever dos donatários.
As capitanias eram localizadas em uma vila, próximas de um bom porto,
numa baia ou estuário. Cabia aos donatários explorar diretamente ou por meio de
parcerias essa propriedades.
A Capitania de Pernambuco foi doada, a o então capitão-mor de armadas do
atlântico, Duarte Coelho, que visava implementar na capitania a plantação da cana-
de-açúcar, pois ele acreditava que a estabilidade desta capitania, e o retorno de seus
investimentos proviriam desse empreendimento.Essa decisão de Duarte Coelho
causa tensões entre ele e a Coroa, que visava à procura de metais, e a extração e
11
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos, Companhia das Letras; São Paulo, 1999, pág.167.
22
23. comercio do pau-brasil. A Capitania de Pernambuco, ou Nova Lusitânia como era
chamada, nome este que não prevaleceu, estava delimitada da seguinte forma :
“tinha sua fronteira Norte com a capitania de Itamaracá, fixada
na margem esquerda do rio Igarassu, e se estendia até os 10,5°
ao Sul, onde ficava a sua fronteira à margem esquerda do rio
São Francisco. (...), a Capitania de Pernambuco abrangia
também, as terras do atual estado de alagoas (...), espaço
geográfico, muito maior do que os 98.271 km de área que hoje
pertence ao estado de Pernambuco”.12
Além dos conflitos com a Coroa, Duarte Coelho esbarrava seu projeto de
colonização, nas lutas contra os povos silvícolas. Em correspondência A El-Rei, no
período de implantação da Capitania, o Donatário, queixa-se do impedimento da
expansão colonizadora, devido entraves com as populações indígenas.
No litoral pernambucano estava instalado nesse momento, um conflito, no
qual estavam em jogo os interesses da Coroa, do donatário e dos povos indígenas.
2.2 – Lutas e alianças: Índios x Colonos
Analisar a construção do mundo colonial é um exercício que exige não
apenas rever os condicionantes do projeto colonizador de Portugal para com o
12
BARBOSA, Bartira Ferraz. Paranambuco: heranças e poder indígena Nordeste séculos XVI-
XVII, Ed. Universitária da UFPE, Recife, 2007, pág.36.
23
24. Brasil, mas sim é levar em consideração que a ação dos povos envolvidos e as
suas parcelas de contribuição, ou impedimento para a efetivação desse projeto,
foi fator preponderante, no sucesso e no fracasso da nova estrutura social
estabelecida.
Em Pernambuco, os cercos feitos pelos Caeté nos fins da década de 1540,
nas vilas de igarassu e Olinda, e os danos causados pelos Potiguara , as
Capitanias de Pernambuco e Itamaracá, descritos pelos cronistas colônias, são
exemplos das relações que estavam sendo estabelecidas entre os colonos e os
indígenas nesse primeiro momento.
A etnia Potiguara resistiu durante muitos anos à expansão colonizadora
portuguesa, aliados dos franceses, que eram assíduos freqüentadores do território
Potiguara desde 1518, só firmaram a paz com os portugueses em 1599 quando
Martim Leitão, ao lado de “168 homens de pé e a cavalo, fora o nosso gentio, que
eram das aldeias de Pernambuco, noventa flecheiros e das da Paraíba setecentos
e trinta, com seus principais (os lideres tabajara) que os guiavam”.13
Dessa forma
foi possível promover ataques com sucesso às aldeias dos Potiguara, que já não
tinham mais o apoio dos franceses que fugiram.
Para os portugueses estabelecer acordos e alianças com os Potiguara era
de fundamental importância para consolidar o domínio do território recém-
conquistado, principalmente, por este grupo ter demonstrado, durante o período de
guerras e de conquistas, uma unidade política e força do ponto de vista bélico.
Já os Tabajara aliaram-se rapidamente aos colonos, assumindo uma
identidade própria do colonizador, favorecendo dessa forma o projeto colonial
lusitano. Assim, no contexto da colonização, os Tabajara, foram transformando e
construindo uma nova etnia, para situar o seu espaço político, na construção de
uma nova ordem social que estava sendo montada.
13
SENA.Op. cit., pág.300
24
25. Após apoiar a vitória dos colonos, os Tabajara juntamente com os
Potiguara, já aliado, continua as incursões que se estenderam ao Ceará (1603-
1607). Também no Maranhão, a etnia Tabajara tornou-se uma grande aliada nas
guerras de conquistas.
Os Caeté no primeiro momento são hostis, mas ao longo do tempo, após
sucessivas derrotas no sul da Capitania pernambucana , aliaram-se aos antigos
inimigos, através de casamentos. Essa aliança do Caeté com o colonizador é
entediada neste trabalho como uma estratégia, para fugir da condição de
dominado, e da ausência de escolha de poder assumir a sua identidade. Os Caeté
são sempre descritos como hábeis guerreiros, porém “muito mais falso, e
atraiçoados que algum, sem palavra, nem lealdade, e fizeram naqueles primeiros
tempos grandes males aos portugueses”.14
Em suma, os índios da costa pernambucana serviram aos interesses dos
colonos em diversos momentos da construção do projeto colonial, legitimando que
a etnicidade desses povos, assumiu um caráter dinâmico nas relações com o
outro, onde os indivíduos como estratégia de sobrevivência, vão buscar novas
significações nos seus símbolos culturais e étnicos. “A cultura de contato pode ser
mais do que um sistema de valores, sendo também uma representação que um
grupo faz da situação de contato que esta inserido e termos da qual identifica a si
próprio a aos outros”.15
Entendendo que a mudança da cultura étnica não foi apenas um modo de
proporcionar a sobrevivência dos grupos indígenas na sociedade colonial,
percebemos que através do contato entre índios e colonizadores europeus, a
transformação étnica aparece como um elemento próprio das relações sociais.
14
JABOATÃO, Antônio Santa Maria de.Novo Orbe Seráfitico Brasílica ou Crônica dos Frades
menores da Província do Brasil (1761), Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
1º vol.2ª parte 1958.pág.71.
15
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de.Identidade Etnias e Estruturas Sociais. Rio de Janeiro, Zahar,
1978.pág.23.
25
26. 2.3 - A catequese
A Companhia de Jesus chega ao Brasil com o objetivo de propagar o
cristianismo e catequizar os nativos do “Novo Mundo”, o governo da Companhia
supõe uma virtude essencial na vida religiosa: a obediência, ela é a virtude
característica da Companhia jesuítica.
O cristianismo foi à perspectiva através da qual os grupos indígenas tiveram
que se ajustar e viver.Para os jesuítas os índios eram obrigados a adorar a Deus,
venerar os santos, abandonar seus ritos e mitos, enfim, mudar seu estilo e vida e
de visão de mundo.
O projeto missionário para o silvícola favorecia os diversos agentes da
colonização, pois expande comercial e territorialmente o poder do Império cristão,
facilitando a invasão e o domínio da terra.
A política empregada para o indígena era de transformamo-lo em um súdito-
cristão, a partir disso o índio vitimado pelo etnocentrismo europeu é obrigado a
abandonar seus costumes, suas crenças, e seus rituais. No discurso dos
missionários jesuíticos estava impregnada a ideologia da cruzada colonialista.
Na Capitania de Pernambuco, a rivalidade vivida na colônia não
correspondia aos pressupostos da Igreja, e o discurso humanista da mesma era
sobrepujado pelos interesses dos colonos em escravizar os indígenas.
Dessa forma a Coroa fica pressionada pela ordem dos missionários e pelos
colonos, obrigando-as a criar leis que salvaguardem os interesses de ambos
agentes colonizadores.
Em 20 de março, D. Sebastião, Rei de Portugal, proíbe a captura de Índios
que eram vendidos como escravos, a não ser na pratica da ”guerra justa”. Em
26
27. Pernambuco, antes mesmo da regulamentação da lei em 1570, sobre a
escravização por guerra justa, Mem de Sá já havia decretado a escravização dos
Caeté.
“No mesmo tempo se fez consultar sobre outra praga universal que
despovoava as aldeias: e era esta a capa de uma sentença que
fora promulgada contra os índios caetés, dando a todos por
escravos, e toda a sua descendência pela morte que deram ao
Bispo D.Pedro Fernandes Sardinha”.16
A “guerra justa” contra os Caeté foi na verdade, mais uma medida de Mem
de Sá, que ao assumir o cargo de governador-geral, procurou reprimir e regular as
ações dos grupos indígenas na colônia.
Essa política de mem de Sá para com os indígenas é um reflexo da vontade
da Coroa que queria civilizar os indígenas dentro dos padrões ditados pela Igreja
ou pelo Estado, desse modo o Rei utiliza a “guerra justa”, como um instrumento de
combate contra a resistência ao projeto colonialista político e religioso.
Com brechas na lei, a captura e escravização dos índios permanecem, e a
justificativa para tais atos, era a expansão católica e civilizante. As missões
geralmente acompanharam as migrações dos indígenas à medida que estes
fugiam dos principais centros de colonização, tentando escapar da escravização a
que os colonos os submetiam. Dessa forma fixaram-se principalmente no sertão,
por sofreram os maus-tratos dos colonos, muitos índios refugavam-se nas aldeias
dos missionários, onde os jesuítas através de um sistema de paternalismo tinham
castigos mais amenos que os da justiça comum.
16
VASCONCELOS, Simão de 1597-1671 Crônicas da Companhia de Jesus.Introdução de
Serafim Leite.Petrópolis, vozes; Brasília: INL, 1977.pág.104.
27
28. Nesse viés o Rei avalia que os índios e índias cristãos não deveriam se
distrair da cristandade, nem desamparar as suas roças e fazenda, e que fossem
denunciadas as posturas dos colonos em querer escravizá-los.17
A atitude dos jesuítas nessa perspectiva é dicotômica, pois na medida em
que se posicionavam contra a escravidão indígena, ao mesmo tempo, confinaram
os indígenas nos chamados aldeamentos cristãos para, através da catequese,
obrigar esses grupos indígenas a abandonar seus ritos e crenças condenando
dessa forma os modos de ser e fazer culturais dos silvícolas.
Capítulo III
Aculturação: formas de inserção indígena na sociedade colonial
3.1 – Cultura aldeada
“... o dilema desaparecera nos grupos étnicos a
capacidade de manter sua identidade não sob a
forma de uma substancia imutável, mas sob a
forma de uma fidelidade criadora em relação aos
acontecimentos fundadores que os instaram no
tempo”.
RICOEUR18
17
Carta de 20/12/1546 IN CARTAS de Duarte Coelho e El Rei José Antônio Gonsalves de Melo
e Cleonir Xavier de Albuquerque (org.); reprodução fac-similar, leitura paleográfica e versão
moderna anotada, 2ª edição, Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1997. págs. 370,371.
28
29. A aldeia criada pela colonização não era um espaço reservado para o índio
na sociedade colonial, e sim um lugar da cultura cristão para a “salvação” do
indígena, além de ser estrategicamente conveniente aos propósitos militar,
políticos e geográficos da colonização. Aldeados pelo “convencimento” os grupos
indígenas do litoral de Pernambuco, eram obrigados a misturar-se com outras
tradições culturais, e ainda eram submetidos a forjar uma identidade única e
uniforme, de acordo com o modelo proposto pelo projeto colonizador.
Esses aldeamentos que foram criados pelos colonizadores para os índios
era uma redução espacial e funcional da antiga oca, e com esta redução as
famílias indígenas foram separadas e divididas.Novas práticas econômicas e
sociais também surgiram, principalmente com a utilização da agricultura como
principal atividade de grupos, já que a prática da caça e da pesca era
característica do nomadismo, habito esse que representava uma barreira ao
modelo de aldeamento.
As áreas delimitadas de onde plantar e os trabalhos de semear, podar,
colher e queimar determinava o tempo “produtivo” do indígena e restringia o seu
espaço de fixação. E ao fixar o silvícola no aldeamento, o sistema proporcionava o
controle dos espaços criados pela colonização, como: a definição das áreas
ocupadas, as possibilidades de expansão e os contornas da terra da colônia em
um mapa geográfico e político.
Os aldeamentos eram um investimento para o sistema colonial, como tão
bem é explicado por uma carta régia sobre conservação dos aldeamentos:
“Da fazenda real se dêem todos os anos de 300 mil reis para se
empregarem em ferramentas e nos mais gênero de que eles fazem
aceitação a qual quantia se lançara (...), podendo nascer desta
18
RICOEUR, Paul apud POUTIGNAT, philippe.Teorias da Etnicidade Seguido de Grupos Étnicos e
suas fronteiras de Fredrik Bart. São Paulo. Fundação Editora da UNESP. 1998. Pág.165.
29
30. despesa não só o interesse espiritual, mais o temporal, de que se
multiplique maior numero de vassalos sendo os índios os que
podem ser de maior proveito por serem os maiores defensores que
possamos ter contra os maiores defensores que possamos ter
contra os nossos inimigos na campanha”.19
E sendo um investimento, era de fundamental interesse à manutenção do
sistema, que só funcionaria com a conservação dos índios nos aldeamentos.
Assim, a estratégia era fomentar a idéia que os índios aldeados estando nesta
condição tornavam-se acobertados pelo Estado, ao menos no que se referisse a
posso de terra e a “liberdade”.
Os missionários eram os administradores dos aldeamentos, tinha poder
político, porém, respondiam ao Estado, representado pelo governador da
Capitania. Dentro dos aldeamentos existia uma divisão política entre os
missionários e os capitães de aldeamentos, que ficavam responsáveis por fiscalizar
e “proteger” os índios. Diversas vezes existiam desentendimentos entre os
administradores seculares e os religiosos, e na maioria dos casos o julgamento da
Coroa para com esses desentendimentos era motivado por interesses que lhes
conviam.
No mundo colonial, o aldeamento também serviu como refugio para os
índios escravizados, devido às prisões ilegais de índios feitas por colonos, foi
proibido que índios refugiados fossem tirados à força das aldeias, como também
que os missionários entregassem-nos aos seus suposto “senhores”. Apenas após
a decisão do governador da Capitania, do ouvidor geral e sendo ouvidas as partes,
devia se verificar se o índio era escravo. E mesmo se fosse provado estar na
condição de escravidão, se a razão de sua fuga pra a aldeia fosse espiritual, havia
ainda uma chance dele não ser entregue ao seu “senhor”.
19
14/08/1970, Regimento para o governador de Pernambuco DHBN LIivro 80, págs 06-09.
30
31. Em Pernambuco, as etnias Tabajara e Potiguar na figura de suas lideranças,
através da cooperação entre as figuras principais dessas etnias, promoveu uma
organização, um controle uma repressão aos grupos que estavam sob seu
comando, dessa formo esses lideres étnicos passaram a colaborar com a Coroa e
com a Igreja no seu projeto de colonização. Tornando-se reféns de sua condição
de aliado, já que ao se unirem aos portugueses em um jogo de lealdade, esses
indivíduos tornaram-se subjugados à ordem colonial.
Segundo Hechter em momentos de desigualdade, a etnicidade pode se
manifestar como “uma grande consciência política por parte dos grupos que
buscam reverter uma lógica de dominação”.20
Em uma relação de interesses que iniciou com trocas de favores, os lideres
Camarão e Arcoverde tornaram-se cúmplices das tramas colônias, e inseridos em
um jogo de cooperação com os colonos, para serem reconhecidos como lideres
indígenas no espaço colonial, tiveram que se submeter aos códigos e as leis dos
colonizadores.
Os lideres indígenas não possuíam autonomia quanto ao governo de seus
subordinados, que seriam os índios aldeados. E mesmo assumindo uma posição
tradicional de chefe guerreiro, representava apenas o Status de tal cargo, pois o
seu significado na tradição Tupi de promover e coordenar o curso das guerras
havia sido esvaziado pelas necessidades colônias.
Entretanto, possuir este cargo era sinônimo de inserção na hierarquia da
sociedade colonial como os demais oficiais “brancos”. Por isso é preservada pelas
lideranças aliadas, no caso dos Camarão e dos Arcoverde, a obtenção dos postos
de “comando” dos terços de índios como também no de administrar as aldeias de
Pernambuco , como índios governadores.
20
POUTGNAT, PHILIPP. Teorias da Etnicidade Seguido de Seguido de Grupos Étnicos e suas
fronteiras de Fredrik Bart. São Paulo. Fundação Editora da UNESP. 1998. Pág.103.
31
32. Etnias Tabajaras e Potiguares alternavam-se no poder dos cargos de
capitão, tenente e sargento, concedidos através de Mercês Régias. Os cargos
normalmente eram hereditários, passados de pai para filho, mas as patentes
também podiam ser transferidas em virtude de morte a outro líder indígenas que
poderia ser parente ou não: “Confirmação de Domingos Pessoa Perrasco tenente
do gov. dos índios da Capitania de PE, por falecimento de Antonio Pessoa
Arcoverde”.21
O papel social que as lideranças índias possuíam na manutenção da
“ordem” colonial é que possibilitava esses indivíduos a terem acesso aos
benefícios que a sociedade colonial oferecia. Inseridos no mundo, mesmo que por
temor e manobra de dominação, estes índios fazem integrantes de sua hierarquia e
com sucessos e fracassos, lutavam não para serem reconhecidos, mas por
obterem privilégios por estarem na condição de aliados /aldeados.
3.2- Os índios e os engenhos
Com o inicio efetivo da colonização portuguesa no litoral de Pernambuco
buscou-se no índio a primeira alternativa como mão-de-obra para trabalhar nos
primitivos engenhos. Para implantação desses, além do dinheiro, alguns fatores
influíam na sua localização. De acordo com Schwartz22
a maior preocupação era
com a fábrica ou moita, ou seja, o engenho propriamente dito, esses primeiros
eram conhecidos como trapiche (movidos por animais) enquanto outros utilizavam
o posicionamento próximo a fartos recursos hídricos para implantação dessas
unidades de fabricação do açúcar, também chamados de engenho real, esses
eram maioria, por isso que as margens dos rios próximos ao porto do Recife, por
onde era escoada a produção, foram rapidamente ocupadas.
21
Confirmação do Rei de patente ao Governo de Pernambuco 14/05/1703 cód.124-ff 19 1v.
22
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, 3º
reimpressão, p 36.
32
33. 5 23 30
66 90
150
254 276
500
642
779
1.106
1550 1570 1576 1584 1612 1630 1707 1750 1818 1844 1852 1857
Engenhos
Pernambucanos
Some-se a isto como fatores de implantação a proximidade das matas para
o abastecimento de madeira nas fornalhas e o distanciamento dos índios, embora
não se perceba um padrão austero de assentamento. Gilberto Freyre23
. ao
descrever um engenho da Várzea do Capibaribe do final do século XVI, situado
próximo ao Recife, cita alguns aspectos importantes na escolha das áreas para
assentamento dos engenhos, “... boas manchas de terra, boas águas, boas matas,
o mar perto, Olinda perto, os índios longe”. Essa menção dos índios longe
significava que o problema da segurança das propriedades ainda não havia sido
resolvido.
Os índios nem sempre eram evitados, já que participaram ativamente do
trabalho nas propriedades, pois, a transição para uma força de trabalho africana foi
efetuada nas primeiras duas décadas do século XVII, época que a industria
açucareira experimentava grande expansão no mercado europeu e Pernambuco já
contava nesse período com cerca de 150 engenhos moentes e correntes (ver
gráfico 1).
Gráfico 1 – Quantidade total de engenhos em Pernambuco entre os séculos
XVI e XIX.
23
FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961, p 25.
33
34. Para os historiadores, trabalhar o uso da força de trabalho indígena nos
engenhos é uma tarefa árdua, porque muitas vezes esses trabalhadores (escravos
em geral, índios ou africanos) não eram citados em documentos oficiais e muito
menos contabilizados em testamentos ou inventários como pertencentes às
propriedades. Quanto à habitação dos escravos Gomes24
atesta que “A omissão da
habitação dos escravos é eloqüente a confirmada na iconografia holandesa. Não
existia talvez uma edificação que abrigasse os escravos e se constituísse em
elemento de importância na paisagem”.
Alguns dados mostram a aquisição desses índios e as diversas atividades
que exerciam, porém com o passar do tempo isso foi mudando, assumindo assim o
escravo africano todas as tarefas de produção do açúcar (ver Tabela 2).
Tabela 2
24
GOMES, Geraldo. Engenho e arquitetura. Recife, Fundaj, Ed. Massangana, 2006. p 73.
34
35. De acordo com a tabela 2, podemos pensar que as obrigações relegadas
aos índios nos engenhos aproximavam-se muitas vezes das funções exercidas por
eles no seu cotidiano anterior a colonização, ou seja, poucos trabalhavam
efetivamente na produção do açúcar.
Gravura de autoria desconhecida (1624), mostrando o dia-a-dia nos engenhos de açúcar,
percebe-se a utilização de mão-de-obra indígena.25
25
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Op. Cit. p 73.
35
36. Nesse contexto percebemos que a inseção do trabalho indígena nos
engenhos modificou a rotina, e os modos cotidianos dos silvícolas, que passaram a
trabalhar de forma sistemática, sendo inserido no projeto colonizador de
exploração implantados pelos europeus.
3.3- os holandeses e os índios
Os sistemas de aldeamento dos índios teve início com os padres católicos e
continuo com os holandeses.Os primeiros contatos entre nativos e a Companhia
das índias Ocidentais ocorreu em Salvador, porém com a perda da cidade, em
1625, o almirante da frota holandesa seguiu para o norte e aportaram na baía da
Tradição, cerca de 9 Km ao norte da Paraíba.
Os silvícolas locais eram da tribo potiguar, e viram nos holandeses a
salvação, que iriam libertá-los do domino português.”Por volta de 1639, o Rio
Grande abrigava cinco aldeias de brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e
Pernambuco quatro”.26
Durante todo período da dominação holandesa no Brasil, uma das
preocupações mais constantes de seu governo foi a de atrair e conservar a
amizade dos brasilianos (assim eram chamados os tupis), já que a conquista do
território, e o lucro imediato da economia foi difícil de organizar, devido às guerras
de conquista. Assim os holandeses usufruíram das tensões existentes entre certos
grupos indígenas e os portugueses
26
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Revista História Viva, ano I - nº4, São Paulo, 2004. pág. 73.
36
37. Pouco antes da invasão de Pernambuco os holandeses proclamavam o
direito de liberdade dos indígenas, procurando firmar a paz e amizade com os
nativos, já que sabiam que estes eram aliados com grande valor militar, contra o
inimigo comum, os portugueses.
Nassau também reconheceu a importância de tais aliados e não se
descuidou em procurar a sua amizade.O interesse de Nassau, pela aliança com os
indígenas, além de político, “tinha raízes no seu espírito de homem curioso de
coisas exóticas, comuns no seu tempo. Sabe-se que foi quase um colaborador
nos estudos de Marcgrave e que levou índios consigo para Holanda...”. 27
Procurando sempre conservar os grupos indígenas favoráveis aos seus
interesses, Nassau procurou aldea-los e submetê-los à fiscalização de chefes
holandeses.Os principais aliados dos holandeses foram os tapuias, índios tupis
ferozes e temidos pelos seus próprios aliados.Nas aldeias próximas do centro
administrativo da “Nova Holanda”, fez-se alianças com os grupos indígenas da
Paraíba e Pernambuco, como estratégia de defesa e inserção na produção
colônias.
Com esses índios tupis os flamengos conviveram estreitamente, aldeando-
os, e instruindo-lhes. Pela lei holandesa, nenhum índio poderia ser mantido em
cativeiro nem obrigado a trabalhar forçado, e os que queriam trabalhar e servir aos
moradores poderiam fazê-lo, com a condição de que fosse pago um salário.Existiu
apenas um momento em que se permitiu escravizar os indígenas, tratava-se dos
índios que faziam guerra contra aqueles que se aliaram aos portugueses, no
entanto essa lei foi logo revogada.
27
MELO, José Antônio Gonsalves de. Tempos dos Flamengos, Rio de Janeiro, ed. UNIVER
CIDADE, 2001. pág.211.
37
38. As aldeias dos índios aliados aos holandeses eram compostas em sua
maioria por índios tupis, chefiadas por commandeurs que se encarregavam do
governo civil e da direção dos serviços dos indígenas. Como muitos tinha a
intenção de ascender rapidamente, praticavam abusos dos mais diversos contra os
índios.Com exceção do commandeurs Johan Listry, que durante muitos anos
chefiou todas as aldeias indígenas flamengas da colônia, e de Nassau que nunca
permitiu tais abusos.
Em 1636, o conselho de Pernambuco propunha medidas completas para a
educação e a catequese dos indígenas, na própria colônia.O trabalho dos
reformados iniciou, com base no trabalho dos católicos.
“Os índios tinham aprendido algumas orações, a confissão
apostólica, conheciam os nomes de Jesus e de Nossa Senhora, e
tinha sido batizados; quanto ao mais, mantinham suas crenças
animistas. Cedo a Igreja Reformada começou a evangelizar os
índios, com apoio do governo, que precisa dos guerreiros na luta
conta os portugueses”.28
Em 1640 teve início na colônia o movimento de brasilianização, idealizado
pelo pasto Soler, da Igreja Francesa no Recife, onde foi pedido ao governo
holandês permissão para nomear professores índios nas aldeias, com o salário
mensal de 12 florins.Isso surgiu da necessidade de um catecismo em língua Tupi.
Podemos perceber que no período de domínio flamengo em Pernambuco,
existiu uma certa “liberdade”, no tratar e lidar com os grupos tupis, esse tipo de
colonização tinha como objetivo a aliança com os silvícolas na luta contra o
português. Documentos atestam a impressionante fidelidade dos brasilianos para
com os holandeses, mostrando que na medida que os flamengos, desenvolviam
28
SCHALKVIJK.Op. Cit. pág 73.
38
39. seu projeto colonizador, respeitando de certa forma os modos de ser culturais dos
nativos, ganhavam aliados poderosos, na conquista da terra.
CONSIDERAÇOES FINAIS
A reconstrução das histórias dos grupos indígenas, neste trabalho, procurou
contemplar a capacidade destes de manipular sua referencias étnicas, procurando
entender as estratégias de sobrevivência, e as formas de resistência criadas por
estes grupos ao projeto colonial.
Os Tupi são descritos na historiografia oficial como grupos hostis vencidos
pela força colonial, como no caso dos Caeté, ou então antigos aliados como dos
conquistadores português, como os Potiguar e Tabajara,que foram vistos sempre
como auxiliares do sucesso da empresa colonial na Capitania de Pernambuco.
Assim, muito das ações e interesses desses grupos e indivíduos foram esvaziados
pela narrativa histórica.
No contato com o colonizador, a flexibilidade dos grupos indígenas Tupi, na
capitania de Pernambuco no esquema de alianças e disputas tornou-se, no período
colonial, um sintoma que traduziu a capacidade destes de se adaptar ao contato e
criar formas de se relacionar, e ainda sobreviver nessa nova sociedade.
Os aldeamentos podem ser entendidos como um veículo estratégico de
controle dos grupos indígenas. E como produto da dinâmica dessa instituição,
emergiu a figura do “índio aldeado/aliado”, que se utilizava da condição de aldeado
para proporcionar as comunidades indígenas um espaço de sobrevivência, e
interação com a estrutura social colonial.
39
40. O acesso à cultura material dos europeus, através das trocas, trouxe
facilidades e agilidades aos homens indígenas no trabalho, nas matas e na caça.
Os lideres religiosos foram considerados amaldiçoados pela igreja cristã, que
através de sua missão cruzadística também amaldiçoou seus ritos e costumes.
Diante desse quadro podemos perceber que no contexto do contato o índio
ressignificou e reconstruiu a sua cultura, essa metamorfose de identificação étnica
pode ser considerada como uma estratégia do indígena de se firmar etnicamente, e
ao mesmo tempo se caracteriza por ser uma maneira de sobrevivência na
sociedade colonial. Partindo desta idéia, este trabalho não entende a cultura
indígena como algo que se perdeu ou se fundiu simplesmente, mas também como
algo que assumiu novas formas e funções numa nova estrutura social montada,
pois segundo Wachtel “As culturas não são entidades abstratas, só vivem
sustentadas por grupos humanos, adaptados a um meio geográfico, comprometido
numa história”.29
A cultura é uma produção humana, e sendo tal não é algo dado, posto,
imutável, mas algo que está sujeito a ser reinventado, recomposto, revestido de
significados, sendo esta dinâmica evidenciada, por exemplo, nos aldeamentos,
onde se criou uma nova cultura, que não era européia nem indígena.
29
WATCHEL, Nathan. A aculturação. p.114 LE GOFF, Jaques.Historia: novos problemas. Rio de
Janeiro.Francisco Alves. 1995.
40
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