A gravidez na adolescência ocorre em diferentes contextos sociais e culturais no Brasil. Estudo multicêntrico mostra que as taxas são maiores em Salvador e menores em Porto Alegre. Apesar da iniciação sexual precoce, o uso de contracepção é menor em Salvador. A gravidez na adolescência atinge mais os grupos de menor renda e escolaridade e está associada a relacionamentos com parceiros mais velhos. O principal desfecho é o nascimento do filho, mas o aborto também ocorre, especialmente entre as jovens
1. Juventude, sexualidade
e gravidez na
adolescência
Cristiane S. Cabral
Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ)
2. GRAVAD
Pesquisa Gravad
“Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens,
Sexualidade e Reprodução no Brasil”
Elaborada por Maria Luiza Heilborn (IMS/UERJ), Michel Bozon (INED,
Paris), Estela Aquino (MUSA/UFBA), Daniela Knauth (NUPACS/UFGRS)
Apoio: Fundação Ford; CNPq; CAPES
• Estudo em três cidades; combinação de estratégias qualitativas e
quantitativas;
• Objetivo principal: compreender o comportamento sexual e reprodutivo
dos jovens e suas conseqüências para as trajetórias biográficas e
sociais.
* Os principais resultados do inquérito encontram-se publicados no livro
“O aprendizado da sexualidade: reprodução e
trajetórias sociais de jovens brasileiros” (Rio de Janeiro:
Garamond/FIOCRUZ, 2006).
3. GRAVAD
Introdução
• Gravidez na adolescência: não é fenômeno novo
- Mas como e por que o fenômeno da “gravidez na adolescência” vem sendo
retratado como elemento perturbador do desenvolvimento ideal juvenil?
• Por que se torna um problema social? Destaque dois elementos:
- Queda da fecundidade exceto nesta faixa etária (permanece um padrão
mais jovem de fecundidade, diferente do encontrado em países desenvolvidos);
PNDS 2006: TFT 1,8 filhos por mulher;
- Novas expectativas sociais em relação à juventude, especialmente quanto às
mulheres (expectativas associadas ao aumento das taxas e duração de
escolaridade):
Trajetória “ideal”: escolarização preparação para mercado de trabalho
autonomia financeira Conseqüência: retardamento da saída da casa dos pais e
o adiamento da vida conjugal e reprodutiva
Elementos para o cenário:
gravidez ou experiência de parentalidade na juventude
=
acontecimento perturbador do desenvolvimento ideal dessa etapa da vida
4. GRAVAD
Quem são os jovens?
Entrevistados 4634 jovens: 47% homens e 53% mulheres
(Taxa de resposta de 85,2%)
– 49,1% dos rapazes e 32,1% das moças sem religião, embora 90% criados
em alguma (69,6% no catolicismo);
– 61% dos rapazes e 46% das moças trabalham ou estagiam;
– 43,2% rapazes e 44,1% moças freqüentam a escola;
• Grandes diferenças entre as 3 cidades (sociais, étnicas,
educacionais, culturais etc.)
Ex.: Escolaridade superior (mesmo incomp.): 35% PA, 26% Rio e 15% Salvador;
5. Como ocorre a gravidez
na adolescência em
cidades tão diferentes?
6. GRAVAD
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA SEGUNDO CIDADE
E SEXO
Sexo Porto Rio de
Alegre Janeiro Salvador
M
(29,5%) 29,1 32,2 37,8
H
(22,4%) 19,4 21,5 26,0
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
• Mulheres relatam mais gravidez na adolescência
• Em Porto Alegre valores mais baixos e em Salvador
mais altos
8. GRAVAD
Idade mediana na 1ª relação sexual
segundo cidade e sexo
Sexo PA RJ SAL
M 17,2 17,8 18,4
H 16,2 16,1 16,2
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
• IS masculina mais precoce e uniforme entre cidades e grupos
sociais
• Moças gaúchas se iniciam mais cedo em idade mais próxima
dos rapazes
• Em Salvador, IS feminina é mais tardia e mais distante da
masculina
9. GRAVAD
Uso de contracepção na iniciação sexual
segundo cidade e sexo
Sexo Porto Rio de Salvador
Alegre Janeiro
M 79,6 70,7 62,9
H 73,4 67,9 66,2
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
• Exame da proteção/contracepção no início da vida sexual: dimensão de
preparação e planejamento
• Mulheres relatam mais uso de contracepção/proteção que homens (exceto as
baianas)
• Uso mais freqüente em P. Alegre e Rio de Janeiro do que em Salvador
• Uso decai e muda o padrão (condom x pílula) com o decorrer do relacionamento
(“eu conheço ele/ela”)
10. GRAVAD
Uso de contracepção na iniciação sexual
segundo escolaridade e sexo
% 90 84
80 78 Fundamental
73 72 incompleto
69 68
70
60 57 Fundamental
54
50 completo
40 Médio completo
30
20
Superior inc/completo
10
0
Mulheres Homens
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
11. A gravidez na adolescência
ocorre em um cenário de
permissividade sexual?
12. GRAVAD
Tipo de relacionamento com parceiro/a
da 1ª relação sexual segundo sexo
% 90
75
Namorado/a
60
45 Marido/esposa,
companheiro/a
30
Relação eventual (ficar)
15
Prostituição
0
Mulheres Homens
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
13. GRAVAD
Diferença de idade entre parceiros na
1ª relação sexual segundo sexo
% 60
Parceiro/a mais
50 novo/a
40 Mesma idade (+/- 1
ano)
30
Parceiro/a mais velho
20 (2-4 anos)
10 Parceiro/a muito mais
velho (5 anos e +)
0
Mulheres Homens
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
14. GRAVAD
Quando aconteceu a 1ª relação sexual,
o entrevistado queria...
% 60
que acontecesse logo
50
40
que acontecesse mais
30
tarde
20
não pensava muito no
10
assunto
0
Mulheres Homens
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
15. GRAVAD
Principal motivo para ter a 1ª relação sexual:
% 60 Curiosidade
52
50
Tesão
39
40
Amor
30
22 21
20 18 Medo perder o/a
14 parceiro/a
12
10 7 6 Vontade de
2 perder a
0 virgindade
Mulheres Homens
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
16. A gravidez na
adolescência se distribui
do mesmo modo entre
diferentes grupos sociais?
17. GRAVAD
Gravidez na adolescência
por escolaridade e renda segundo sexo
VARIÁVEIS MULHERES HOMENS
SÓCIO-ECONÔMICAS % %
Renda familiar per capita
Muito Baixa 53,8 40,3
Baixa 39,3 32,1
Intermediária 26,1 15,9
Alta 9,7 12,9
Escolaridade
Fund. Incompleto 64,8 36,1
Fund. Completo 43,8 25,7
Médio completo 21,2 14,1
Superior incompleto/completo 5,1 7,4
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
18. Contexto relacional da gravidez
• Mulheres engravidam de parceiros mais velhos (36% de 2
a 4 anos e 38% 5 anos e mais) em relacionamento de
namoro (86%);
• Homens têm menos histórias de gravidez, na maioria com
parceiras da mesma idade (48%) ou mais novas (27%)
em relacionamentos eventuais;
• A maioria não pretendia engravidar mas apenas um terço
estava em uso de algum tipo de proteção
19. Distribuição percentual dos jovens de 18 a 24 anos com pelo
menos uma gravidez, segundo tipo de parceria no primeiro
episódio reprodutivo e grupo etário à época, por sexo
Parceiro da IS* Outro Fixo Parceiro eventual
Até 19 56,3 41,4 2,5
Mulheres
(n=682)
20 e + 24,1 71,8 4,1
(n=174)
Até 19 21,0 64,8 14,2
Homens
(n=377)
20 e + 10,6 80,6 8,8
(n=171)
0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0
%
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
21. GRAVAD
Filho ou aborto?
• O principal desfecho para as mulheres é o
nascimento de um filho (74%), mas o aborto se
coloca como alternativa, especialmente em
Salvador.
22. Trajetória escolar e resultado da 1ª gravidez na
adolescência, por sexo %
C / rru p ção
inte 86,8 1 3,2
(n= 209)
Mulheres
S / rru p ção
inte 71 ,6 28,4
(n= 76)
R e gu lar 58,7 41 ,3
p = 0,0083 (n= 26)
C / rru p ção
inte 55,4 44,6
Homens
(n= 1 00)
S / rru p ção
inte 36,3 63,7
(n= 54)
p = 0,061 5 R e gu lar 1 3,5 86,5
(n= 1 3)
F ilh o Ab orto p rovocad o
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
Dados completos em: ALMEIDA, Maria da Conceição (2008). Gravidez na Adolescência e Escolaridade: um estudo em três capitais
brasileiras. (Tese de Doutorado em Saúde Coletiva). Salvador, Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia.
24. Situação de estudo e trabalho
no primeiro ano após o nascimento do 1º filho
na adolescência
Repercussões Mulheres Homens
Estudo
Não estudava e continuou assim 42,4 48,7
Continuou estudando 14,1 25,9
Parou temporariamente de estudar 25,0 8,8
Parou definitivamente de estudar 17,3 15,8
Outra 1,1 0,8
Trabalho
Não trabalhava e se manteve assim 62,6 14,1
Parou de trabalhar 6,6 3,5
Permaneceu trabalhando 13,7 65,7
Começou a trabalhar 16,7 15,8
Outra 0,5 1,0
Fonte: Pesquisa Gravad, 2002
População: Jovens de 18 a 24 anos, Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Brasil.
25. GRAVAD
Educação, projetos de vida e reprodução
• Jovens que permanecem na escola e têm trajetória
regular têm menos chance de engravidar e se engravidam
recorrem mais ao aborto;
• Moças de origem social mais pobre que estudam mais
engravidam menos e também recorrem mais ao aborto,
mas em condições mais inseguras;
• Parte das que tem filhos na adolescência interrompem os
estudos temporaria ou definitivamente; porém 40% já se
encontravam fora da escola e a maternidade parece se
colocar como projeto possível de gratificação e
reconhecimento social;
26. Socialização para a sexualidade e a
reprodução: papel da escola
• A escola cumpre um papel muito
importante na transmissão de
informações científicas sobre a
sexualidade e da reprodução.
• Dificuldades dos professores
para lidar com esses temas,
evitando tratar das emoções;
• Qualificação dos educadores;
27. Projeto
IMS – REDEH – SME/RJ
4. Produção de material
didático pedagógico
específico;
5. Treinamento de
professores (ensino
fundamental);
6. Etnografias em escolas;
7. Entrevistas em
profundidade
28. GRAVAD
Educação em sexualidade:
• Abordagem aberta na educação sexual promovida nas escolas,
que além de informações técnico-científicas contemple
aspectos relacionais de gênero e a dimensão afetiva da
sexualidade;
• Considerando a magnitude da repetência e da evasão escolar,
sobretudo na adolescência, a educação sexual nas escolas
deve ser pautada segundo critérios etários e não de
escolaridade;
• Importância da qualificação dos educadores...
29. GRAVAD
Juventude e sexualidade - Desafios científicos e políticos:
Desnaturalizar a gravidez na adolescência e inscrevê-la nos marcos
dos direitos sexuais e reprodutivos
Mudança de costumes sexuais no Brasil: sexualidade feminina pré-
conjugal (virgindade deixa de ter valor central);
Experimentação sexual: permitida somente aos rapazes com parceiras
específicas exercida pelas moças e em contextos de namoro;
Permanece interdição nas conversas sobre sexualidade dentro da
família;
Na escola não se trata abertamente o tema da contracepção;
Educação em sexualidade continua não sendo prioritária;
Responsabilidade contraceptiva e reprodutiva: as mulheres continuam
sendo culpabilizadas por engravidar; os homens, absolvidos ou
esquecidos de sua participação no evento;
30. GRAVAD
Palavras finais...
• A assunção da sexualidade juvenil como legítima para os dois
sexos, bem como um debate aberto sobre as recentes
transformações, poderiam concorrer para a constituição de um
cenário que propicie melhor preparação e reflexão dos jovens a
respeito da entrada na vida sexual.
• Argumentar a favor da legitimidade do exercício da sexualidade na
juventude implica reconhecer e dar importância a esta dimensão
como constitutiva da construção da autonomia dos jovens. Esta
perspectiva se alinha inteiramente à concepção da juventude como
uma fase de aquisição crescente de habilidades em diferentes
esferas sociais, dentre elas a da sexualidade.