Os trabalhos de Estranhos jardins de papel, criados a partir de fotografias ou ilustrações antigas, sobrepõem-se, amontoam-se e exibem-se obsessivamente, como num sonho. A quinta residência de artes visuais da Zé dos Bois resultou em três obras anónimas, criadas a partir de uma produção lenta e complexa onde os artistas diluíram as suas singularidades. A exposição Jaz aqui, na pequena praia extrema revela-se através da história do processo coletivo que de
Nas áreas abrangidas pelas novas barragens
do Sabor e Tua a Fundação EDP e
a EDP estão a desenvolver projetos inovadores
para inverter a desertificação das
zonas rurais, ajudando a criar atividades
sustentáveis ao nível da produção, gestão
e comercialização.
Com um investimento de 6,6 milhões
de euros foram criadas 111 empresas, com
186 novos postos de trabalho.
1. Tiragem: 45640
País: Portugal
Period.: Semanal
Âmbito: Informação Geral
Pág: 30
Cores: Preto e Branco
Área: 26,33 x 31,39 cm²
Corte: 1 de 3ID: 49377013 23-08-2013 | Ípsilon
Exposições
Mulheres fatais
e outras que tais
Uma visita ao museu
surrealista através
da colagem.
Luísa Soares de Oliveira
Estranhos jardins de papel/
Queer paper gardens
De Maria Lusitano e Paula Roush.
Lisboa. Museu da Electricidade — Sala
Cinzeiro 8. Av. Brasília. 3ª a Dom., das 10h às
18h. Até 8/09.
Instalação.
mmmmm
São duas artistas que, como é cada
vez mais habitual acontecer, vivem
fora de portas, neste caso na Grã-
Bretanha: Maria Lusitano e Paula
Roush, que expõem juntas desde
2009, optaram por razões
profissionais (um doutoramento
para a primeira, um trabalho como
docente universitária para a
segunda) por deixar o país, o que
não significa que abandonem a
apresentação periódica do seu
trabalho em instituições
portuguesas. Se Lusitano nos
habituou ao seu trabalho em vídeo,
sempre com uma componente
narrativa intensa e ancorado nas
memórias próprias ou históricas,
de Paula Roush conhecíamos o seu
gosto pelo livro de artista, uma
prática que, nos últimos dois ou
três anos, tem interessado cada vez
mais adeptos entre as jovens
gerações de artistas. Nesta
exposição, intitulada Estranhos
jardins de papel, encontramos estas
duas disciplinas aliadas à
componente educativa que é agora
tão presente na vida das duas: a
mostra inclui ateliers criativos
destinados ao público, que pode
experimentar o processo da
colagem, o mesmo que está na
base do trabalho aqui exposto.
A sala do Cinzeiro 8, no Museu da
Electricidade, possui as dimensões
que habitualmente associamos a
uma galeria, mais do que a um
museu. Por isso, os trabalhos, todos
sobre papel, com base em imagens
antigas retiradas de alguma revista
ilustrada ou de álbuns de
fotografias de desconhecida
proveniência, quando não de
desenhos a tinta sobre papel,
podem ser vistos com cuidado, e
inclusive ser objecto de uma
montagem onde as peças se
sobrepõem, amontoam e exibem
obsessivamente. Como num sonho.
A comparação não é
involuntária. Lusitano e Roush
procuraram antecedentes ilustres
na colagem, nomeadamente Max
Ernst e Valentina Penrose, dois
artistas surrealistas que praticaram
a colagem e a criação de novelas
em imagens, e a associação
inusitada de formas e motivos para
despertar a imaginação, como era
caro aos seguidores de Breton. Max
Ernst, primeiro, logo desde 1921
mas sobretudo a partir de 1929,
quando publica La Femme 100
Têtes, criou peças onde a figura
feminina surge na ambiguidade dos
estereótipos associados pela
cultura burguesa à imagem da
mulher, simultaneamente Eva e
Lilith; este projecto seria mais tarde
desenvolvido em Une semaine de
bonté, de 1934, obra a que as
autoras de Estranhos jardins de
papel se referem mais
especificamente. Quanto a Penrose,
que foi casada com o poeta e pintor
britânico do mesmo nome,
publicou (entre outros) Dons des
féminines em 1951, adoptando o
mesmo tipo de colagem de Ernst
mas atribuindo ao seu trabalho
uma visão feminista que estava
ausente das obras e das vidas dos
surrealistas da época.
As colagens sobre papel das
artistas, e também o vídeo ou os
livros que mostram, relevam desta
última obra: afinal, o filme, vídeo
ou não, procede de um processo
fundamental de editing que mais
não é do que a colagem de
sequências díspares para a
obtenção de um resultado final
significante. Imagens de mulheres
cristalizadas pelo cinema,
relevando da dupla acepção que
citámos acima, entre a femme fatale
e a jovem ingénua, sucedem-se em
dupla sequência rápida,
acentuando o princípio da colagem
surrealista, que também é
reforçado pela presença de uma
colecção de cadeiras díspares, em
ruína, onde o espectador é
implicitamente convidado a sentar-
se. Noutras situações, trata-se
nitidamente de fotografias pessoais
que foram trabalhadas pelas
artistas com vista à obtenção dessa
abertura difícil para um universo
outro que o Surrealismo procurava.
E não falta uma nota de humor,
sempre presente em qualquer
exposição de um surrealista em
meados do século XX: um lobo de
peluche vestido de calças e casaco
está sentado em cima de uma das
mesas da exposição.
Pressinto que as artistas se
divertiram a realizar estas obras. É
impossível não as ver com um
sorriso, muito mais do que com a
surpresa ou o escândalo que as
suas antepassadas suscitavam na
época em que foram criadas. É que
a colagem surrealista possui um
tempo histórico preciso. Não se
trata aqui de assumir a pertença a
um movimento que teve a sua
época e o seu contexto, e que é
hoje irrecuperável. Lusitano e
Roush sabem-no. A sua proposta é
outra: a de actualizar a liberdade
de criação artística de Ernst e
Penrose, uma liberdade que
passava também pela escolha de
uma técnica que não pertencia às
ilustres pintura ou escultura. De
resto, o livro, como meio de
difusão artística, também estava
longe do peso do museu ou da
galeria de arte. É interessante notar
que, em termos de mercado, as
coisas não mudaram assim tanto
nestes quase 100 anos que nos
afastam de Max Ernst; nem o
trabalho sobre papel, nem o vídeo,
nem o livro de artista atingem as
cotações de outras técnicas. O que
mudou, mesmo, ou pelo menos
começou a mudar
significativamente, foi a condição
da mulher, e a distância cada vez
maior que nos separa, a nós
mulheres, das imagens originais
que inspiraram as artistas.
À beira da
catástrofe
Resultante de uma
residência artística de três
meses com 17 artistas, a
nova exposição colectiva
da ZDB suspende autorias
e assinaturas, para se
materializar como doloroso
e frágil gesto de resistência.
José Marmeleira
Jaz aqui, na pequena
praia extrema
De Alexandre Rendeiro, David
Guéniot, Lúcia Prancha, Gustavo
Sumpta, Sílvia Prudêncio,
Yonamine, entre outros.
Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca,
59. Tel.: 213430205. 4ª a 6ª das 18h às 23h;
Sáb. das 15h às 23h. Até 28.09.
Escultura, Instalação, Outros.
MMMmm
Não faltam sensações
desagradáveis na exposição
colectiva que transformou as
fundações da Galeria Zé dois Bois
(ZDB). A dureza do entulho sob os
pés. O pó do cimento que vai
cobrindo as pernas. O medo da
queda (está escuro). Convidando a
uma deambulação cautelosa, só as
obras iluminam certas áreas ou
passagens. A projeção de uma luz é
interrompida, a um ritmo regular,
por um objecto (uma peneira?),
Os trabalhos de Estranhos jardins de papel, criados a partir de fotografias ou ilustrações antigas,
sobrepõem-se, amontoam-se e exibem-se obsessivamente, como num sonho
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ícone da violência, mas limita-se a
exprimir a bestialidade e o
desespero anónimos.
Diante da transitoriedade que os
trabalhos carregam (parecem estar
sempre a beira de desabar sobre o
entulho, e este sobre a sala
esvaziada), Jaz aqui, na pequena
praia extrema pode ser confundida
com uma exposição pessimista,
quase catastrófica. Valerá a pena
hoje continuar a fazer arte? De que
modo pode esta ser um trabalho
anónimo e, assim, desarmar a
mercantilização ou a mediatização
que lhe estão associadas? Os
artistas que passaram pela ZDB não
oferecem quaisquer respostas, mas
aquilo que fizeram nos dois pisos
traduz um doloroso gesto de
resistência.
Porém, não há qualquer intenção
lúdica. Não se propõe um jogo ao
espectador mais informado. As
obras revelam-se antes na relação
que se desenha entre os dois pisos
da galeria. No primeiro, só restam
vigas de madeira, toscas, nuas, que
assinalam a presença da
construção humana, e sustêm
aquilo que descobrimos no piso
superior: as obras sobre o entulho,
frágeis, frugais ou inacabadas. A
luz suspensa pelo movimento do
desentendimentos) que resultou
em três obras anónimas.
Pode ser um exercício
interessante tentar descobrir
marcas autorais ou formas de fazer
nas instalações. Alguns nomes
integraram a anterior colectiva da
ZDB (Tem calma o teu pais esta a
desaparecer) e, tal como nessa
ocasião, repete-se a presença de
dispositivos pré-cinemáticos.
Advinha-se, por isso, aqui e ali, a
preponderância de certos artistas.
câmaras obscuras criam, sobre as
duas faces da mesma superfície,
imagens de uma caveira e de um
rosto mumificado. Um colosso
segura nas mãos a sua própria
cabeça, como se tivesse acabado
de a arrancar.
São estas as peças de Jaz aqui, na
pequena praia extrema (o título é
retirado de A Mensagem, de
Fernando Pessoa). Apenas três,
escondidas nas galerias
escurecidas e tornadas “devolutas”
da ZDB. Mas é na sua história
pretérita, no processo, que a
exposição se desvela. Tudo
começou durante a quinta
residência de artes visuais da Rua
da Barroca, com o labor de 17
artistas que compunham um
conjunto heterogéneo de
sensibilidades, interesses e
práticas. Com efeito, não se
divisam parentescos óbvios entre
os universos de Patrícia Almeida e
Lúcia Prancha, ou de Yonamine e
Sílvia Prudêncio (todos
participantes), pelo que se pode
imaginar a pluralidade de questões
debatidas durante e no fim da
residência. Ora, foi exactamente
para “capturar” a energia desse
quotidiano que os artistas
aceitaram diluir as suas
singularidades numa experiência
colectiva, abolindo autorias e
assinaturas. Não fizeram cadavre
exquis nem dividiram o trabalho,
mas entregaram-se a uma
produção lenta, complexa
(porventura até marcada por
objecto concorre com uma
sombra. Espreitamos as câmaras
obscuras e a caveira transforma-se
no rosto de um homem
mumificado. Menos “interactiva”,
a escultura espera-nos na última
sala e não há perigo de a deitarmos
ao chão. É um ídolo enorme,
discretamente iluminado, feito de
barro que exige manutenção
devido à ameaça constante da
humidade. Não representa deuses
ou deusas, nem pretende ser um
Os artistas desta quinta residência da Zé dos Bois aceitaram diluir as suas singularidades numa
experiência colectiva: da sua produção lenta, complexa, resultaram três obras anónimas