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Lunes, abril 12, 2021. Edición 02.
Revista académica
Chispas
Literarias
Universidade Federal de Uberlândia
Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98
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Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98
Equipe Edição 2
Ana Claudia Macedo Camargos – UFU
Hillary Souza Silva – UFU
Júlia de Oliveira Marcelino – UFU
Nathalia Arantes Urzedo – UFU
Prof. Dra. Cintia Camargo Vianna – UFU (coordenadora)
Reitor: Valder Steffen Júnior
Vice-reitor: Carlos Henrique Martins da Silva
Instituto de Letras e Linguística (ILEEL)
Diretor: Ariel Novodvorski
Revista Eletrônica Chispas Literarias
Disponível em: https://issuu.com/revistachispasliterarias/docs/pdf_-_ed._1_-_chispas_literarias
https://chispasliterariasufu.blogspot.com/p/primeira-edicao-revista-chispas.html
https://chispasliterariasufu.blogspot.com/
revistachispasliterarias@gmail.com
@chispasliterariasufu
Créditos da imagem de capa: Robert Anash on Unsplash - https://unsplash.com/photos/McX3XuJrsUM
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Editorial
Chispas Literarias
Universidade Federal de Uberlândia
Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98
Tema: Produções em quarentena
A Revista Eletrônica Chispas Literarias é um projeto de extensão fei-
to por alunos da graduação em Letras da Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU) para alunos de todos os cursos de graduação da UFU e de
outras instituições de ensino. Nosso objetivo é dar visibilidade não so-
mente aos trabalhos acadêmicos dos alunos, como também às suas produ-
ções artísticas, como poesias, contos, fotografias, ilustrações e entrevistas.
Edição 2
La Revista Chispas Literarias nació en medio a la pandemia del Coronaví-
rus, en la asignatura Conto Hispanoamericano, con tres alumnas involucradas.
Después, siguió independiente de la asignatura, con el apoyo de otras dos co-
legas del Núcleo de Español, Nathalia y Julia. Sin su apoyo, esa segunda edici-
ón, la primera “oficial”, con llamada para publicación abierta, no sería posible.
Entonces, cuando pensamos en el tema, no encontramos otro mejor que ese
que nos permitió discutir producciones también hechas en ese período difícil,
y no solamente producciones académicas, sino que dar oportunidad también
para textos literarios, como poemas, cuentos, microcuentos, crónicas, etc., ya
que es algo que nos hace falta leer — y escribir — en la universidad. Por fin,
damos las gracias a todos nos confiaron sus textos e ilustraciones y que ahora
ustedes pueden conocer.
Muchas Gracias.
Equipo Editorial Revista Chispas Literarias
Abril/2021
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Chispas
Ficcionales
Seção dedicada à publicação de produções ficcionais dos alu-
nos, como poesias, contos, micro contos, crônicas, etc.
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Sumário
Daniel Robbin
Um breve monólgo de pandemia ............................ 8
Fernanda Garcia Cassiano
Frenetic dirty days: qual é a sua (minha) bati-
da? ............................................................................................... 9
Lucas Simonette
Réquiem da História ...................................................... 15
Lucas Rodrigo Uchôa de Oliveira
O peso do mundo em minha morada ................ 18
Marcello Borges
Construção ........................................................................... 19
Sombras da dor ................................................................ 20
Marcelo Queiroz Oliveira Júnior
Carta para mim ................................................................ 21
Rômulo Piloni
Quem é o sexo frágil? .................................................. 24
Olho vermelho .................................................................. 25
Silvio Tony De Santos Oliveira
Flagelo ................................................................................... 26
Wellington R. Fioruci
Condenados ......................................................................... 27
8
Um breve monólgo de pandemia
“Cada vez mais próximo do fundo do poço” – era o que eu pensava toda vez que a psicólo-
ga perguntava como eu tinha passado. Nunca cheguei a verbalizar. Depois que a pandemia
começou, nenhuma perspectiva de futuro. Tantas incertezas, tantos projetos deixados de
lado. Sempre gostei de escrever, ultimamente tenho deixado isso de lado. Aliás, tudo tem
ficado de lado. Tudo que se refere a mim mesmo. Sempre priorizando os outros, as vonta-
des dos outros, o que os outros querem ouvir. Cada vez mais cansado de ser o perfeito em
tudo. Preciso errar, preciso me dar a possibilidade, o luxo de errar. Não aguento mais essa
vida monótona, esse vício em trabalhar até dez da noite de domingo a domingo. Esse vício
que eu tenho em não ter vida social. Tudo que eu queria era respirar fundo, mas parece que
estou afogado no gelo, em um oceano putrefato e sem emoção. Um marasmo que toma
conta dos meus dias e das minhas noites. A única vontade que a pandemia me deu foi a de
não fazer nada. É como se houvesse uma luz no fim do túnel, mas estivesse tão distante de
mim quanto Marte está de nossos astronautas. Aliás, comecei a me questionar. De que serve
a astronomia? De que servem as artes? De que servem as pessoas? Se o vazio que sentimos
a cada noite estrelada de luar é contínuo, repetido, normalizado? Sentir um vazio pode, mas
e o ser vazio? Parece que estamos nos tornando grandes ocos de nada. A poesia, antes, ainda
me salvava, a poesia era o pão de cada dia, a pílula calmante em meio a um velejar naufragan-
te. Agora, de nada me serve. Quem sabe eu mude de ideia, quando sairmos desse buraco, se
sairmos. É como se um buraco negro, daqueles que você não acredita tão fácil que existem,
tivessem comido toda a felicidade que habitava em nós, toda a esperança, toda a vontade
de fazer diferente. Estamos imersos em um fazer igual para continuar igual e calar igual,
porque silenciar é consentir, e consentimos a dor que habita os corações dos inteligentes. A
sabedoria nos abre os olhos, nos fecha a mente. Mente, mente, intransigente. De que vale
mentir para nós mesmos? Dizer que está tudo bem, quando o que na verdade precisamos
é de um bom gole de uísque, um disco do Cazuza e uma pontada amarga de dor no cora-
ção. Dor, já que a cor está em falta ultimamente. Quem sabe um dia, quem sabe, um dia.
Daniel Abud Marques Robbin
Graduado em Letras – Português/Espanhol pela UFMS
– Campus do Pantanal. Professor de Língua Portu-
guesa e Literatura em Cursinho Pré-Vestibular. Reali-
za pesquisas nas áreas da Sociolinguística, da Dialeto-
logia e do Ensino de Literatura. Membro da Academia
Brasileira DeMolay de Letras e do Grupo de Pesquisa
Língua e Literatura na Fronteira, coordenado pela Pro-
fa. Dra. Rosangela Villa da Silva (CPAN – UFMS).
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Frenetic dirty days: qual é a sua (minha) batida?
	 No Quizur, você já encontrou um teste para saber qual música você é? Adoro respon-
der aos quizzes, mas confesso que só compartilho quando as respostas condizem com a reali-
dade do meu desejo. Quem nunca foi responder a um teste com tamanha expectativa pra, no
fim, descobrir que a cor da sua alma é a cor que você acha mais sem graça ou se desesperou
com uma resposta como: parabéns, você vai ter 4 filhos. APAVORANTE!
	 Uma vez, ouvi a Ana Maria Machado falando sobre inspiração... existe? Não existe?
Importa saber que não existe, se acreditar faz mais bem que mal? Ela comentou: “se existe,
sempre me encontra trabalhando”. Eu, imbuída por tudo que me falam com sonoridade sin-
cera, acreditei com concretude. Trabalho com afinco e lapido meus espinhos, diariamente,
em uma luta constante, mas, às vezes, de meias, cabelo preso e roupão felpudo, após sair de
um banho quente e cheirando a sabonete fresco, a maldita — e bendita — se cria como lam-
pejo em meu ouvido e me chama pra conversar. Tagarelar. Refletir. Eu me canso. Até que,
em algum momento, percebo que nem é comigo que eu estou falando e então me deixo falar.
Porque uma verdade, indubitável, é que gosto de falar com essas outras energias personifi-
cadas que habitam em mim, por diversas razões e todas elas originadas do amor: por mim,
pela vida, pela permissão de viver. E, aqui, venho eu, desesperada por não descobrir meus
enigmas por meio de um quiz.
	 Criador de tudo do mundo, se Eu sou tudo, por que não consigo saber de nada? Nada
além de saber que sou composta de água, oxigênio, desejo e paradoxo? Nada além de mani-
festação artística... a melodia do melodrama; tanto o do teatro épico, que sempre é desenca-
deado para um final feliz e resolutivo, quanto ao meloperfectplacesdrama, que a Lorde cantarola
no meu outro ouvido esquerdo, o meu preferido?
	 A arte é, realmente, uma forma genuína de despertar muitas coisas. Por isso, transfor-
má-la em profissão é uma atitude um tanto quanto perigosa. Prefiro entendê-la como um
estilo de vida. E é uma delícia. Juntar, agregar, fundir é o que tem de mais gostoso no mundo;
cultura; individualidade; história; humanidade; prazer.
	 Agora, mais do que nunca, é notório como a gente não vive sem arte. Estamos vivendo
sem muita coisa que achávamos que não saberíamos viver sem, mas o alimento diário, o que
alimenta incessantemente, além de alguma mistura perfeita como arroz, feijão e batata palha,
é a cultura. Alimenta o espírito e o espírito, tão abstrato e pecaminoso, se traduz através (no
sentido literal e único, de atravessar) dos nossos sentidos. A arte aguça o sensorial de forma
específica e abrangente. São diferentes os momentos em que colocamos, em evidência, algum
sentido delimitante do externo/interno e ouso falar sobre uma percepção extra-sensorial, o
aclamado e fundamental: sexto sentido. Quando falo, naturalmente, a minha atenção está em
minha boca e nas diversas funções que ela pode realizar, quando admiro as nuances do meu
olhar, vejo, assim como sinto minha sensibilidade em experimentar brisa e toque, meu arre-
pio é, existe. E tento, aqui, falar de presença e de atenção plena — coisas que se diferem de
uma rotina monótona, agora, eu criticando o método rotineiro é uma das formas de perceber
minha insanidade, sou uma grande defensora do presente, é importante beber água e sentir
gosto de água.
10
	 Percebo que ativo meus sensores em momentos diferentes e que, apesar de interliga-
dos, sempre vivo, com eles, um processo muito individual. Nesse período conturbado, e que
não posso mais chamar de novo, aprendi a escutar como nunca antes — a mim e aos outros.
Minha forma de expressão tem que ser sempre, no mínimo, ensaística.
	 Todo mundo associa música à lugares, coisas, pessoas, sentimentos, mesmo que in-
conscientemente, não é um privilégio meu, entendo. A música instiga o pensamento, ela ins-
tiga e direciona pensamentos, a arte direciona a sociedade. Mudo, então, minha perspectiva
sobre mim e me torno agente do presente. Porque nada é feito só por mim ou só por você,
tudo é a gente. Quando a gente fala sobre arte, a gente entende que a gente se alimenta de
arte, uma parte é composta de arte, a gente se entende melhor no nosso reflexo paro mundo,
porque a gente quer se conhecer, porque, talvez, o autoconhecimento seja o desejo secreto
de todo mundo. Olha só, se a gente se conhece a ponto de saber lidar com a gente, o que, no
mundo, poderia nos parar?
	 Se eu aprendo a lidar com as minhas características pecaminosas, para além de saber da
existência delas, o que eu não poderia fazer? Em que eu não poderia me transformar? Aí per-
cebo que uma das formas mais genuínas da gente se conhecer, é a partir de uma análise estrita
de como agimos no mundo (aprisionados nele). É culturalmente concebível a autodescrição,
falar sobre si: eu sou, eu sou, eu sou eu. Sabe, confesso outra coisa, esse clima muito auto
afirmativo (apesar de fazer essas coisas que jamais revelarei em voz alta) me dá uma queima-
ção estomacal e desalinha meu chakra do plexo solar... algo parecido com o que sinto quanto
escuto um coach falando coachinzações. Pensando sobre isso, analiso meus comportamentos
musicais também por diversão. Já entendi que eu não consigo fazer nada que não me divirta.
E é agora que Jung para na minha frente e fala: a estética, né, minha filha? É, Jung, é... meu
valor estético caminha lado a lado com as referências. E ninguém precisa fazer pesquisa pra
saber o quanto uma boa referência é fundamental. Se nada é novo, nada é tudo e tudo é nada,
procurar boas referências que saibam andar na corda bamba entre o sublime e o grotesco é a
única forma de reconhecer uma arte de boa qualidade que soe bem aos ouvidos.
	 Já teve quem disse algo parecido com o que estou pensando. O ‘quem’ é Fernando
Pessoa, meu poeta favorito e, ao mesmo tempo em que digitei, percebi que escrevi por pura
comoção... meu poeta favorito é Drummond, mas;
	 Já teve quem disse algo parecido com o que estou pensando, Fernando Pessoa, meu
segundo poeta favorito, em um poema sobre climas, pessoas, situações, ele fala sobre como
emoção é paisagem. Me tocou porque eu não sei definir emoção e definições ocupam um
espaço importante em minhas reflexões diárias, apesar de nem sempre as achar importantes.
Para mim, emoção é um sentimento que mistura muitos sentimentos, eu me sinto eufórica,
com diversas pitadas significativas. Ele explica isso com paisagens: o que um dia de sol, um
dia nublado ou uma tempestade significam pra gente? Eu nem preciso relatar sensações — e
ufa, porque, provavelmente, não conseguiria.
	 Isso me lembra signo linguístico, um experimento fonético que estudei no segundo
ano da graduação, sobre a fundamentação do significado e do significante, resumindo: em
uma pesquisa muito legal, foram feitos dois desenhos distintos, um curvilíneo e um angular,
parecido com uma estrela, então, escolheram dois nomes e pediram que pessoas escolhessem
qual nome seria de qual imagem, os nomes eram Maluma e Takete. É também de se esperar
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que Maluma se tornou o nome do desenho curvilíneo e, depois, bombou no Brasil cantando
Sim ou Não com a Anitta: hãhãm se quiser jogar, vem! Nunca duvidei do poder de dar nome
para as coisas, nome é sobre identidade e memória também. É por isso que a gente tem cara
de, e é; minha certidão de nascimento é minha memória estrita e a memória é um elemento
que se costuma chamar de identidade, seja ela individual ou coletiva, essencial para os mo-
mentos de febre e angústia. Tenho data e validade.
	 Mais cedo, escolhi usar um anel com uma ônix no meu dedo indicador, talvez porque
tenha combinado esteticamente com meu esmalte vermelho café, porque é forma de expres-
são. Escolher usar meu perfume cítrico e refrescante com combinação vívida e efervescente
de bergamota, cardamomo, tangerina, freesia e lavanda ao invés de meu perfume de flores
brancas exaltadas com um acorde negro — minha combinação underground, e a que mais me
representa — com notas brancas de flor de laranjeira, jasmim e tuberosa, que são entrelaça-
das às notas negras e misteriosas de vetiver e patchouli é forma de expressão. Na descrição
dizia: o lado chocante do chique. Transformo em lado chocante do bregafunkchic.
	 Lembro demais de tanta coisa. Me disseram que é inusitado escolher perfume pra
além da pirâmide olfativa, que, claramente, é a parte mais importante. Mas sério que reparar
na embalagem ou na história de criação não ocupa nenhum espaço na escolha de alguma ex-
pressão? Em que momento a humanidade se tornou tão desatenta aos detalhes fundamentais
para qualquer processo de simbolização?
	 Me compreendo em obras. Você sabe qual é a sua batida? Eu sei, pensar é exaustivo.
No meio da pausa, me olhei paro espelho e pensei: você é muito engraçada. Gosto de re-
presentar essa representação. Assim, mascaro a minha vontade de devorar e, quando vejo, já
estou colada em meu reflexo, frente a frente com minha íris cor de mel, talvez de Bracatinga?
Tem que ser um mel bem escuro, porque meus olhos são escuros. Tive que pesquisar. É um
mel não floral, de sabor peculiar, aparência muito escura e rico em minerais. Gostei. A flor é
originada em ambientes frios. Realmente, o tom álgido não condiz muito com a minha tropi-
calidade, mas não vou procurar outro, gostei da sonoridade de Bracatinga.
	 Escolhas não são resultado do acaso, e sim de um processo social e político. Assim
como importa pensar na política da escolha da Gal Gadot em Wonder Woman, assim como a
escolha da Isabelle Hupert para interpretar uma personagem que interpreta cenas clichês do
cinema francês em Les Fausses Confidences, é importante pensar na política que me faz gostar
do que eu gosto.
	 E que não restem dúvidas, não me simbolizo e me olho somente por luxuria, mas,
principalmente, porque adoro ser devorada por todos os sentidos e também em todos eles.
Me divirto.
	 É certo, texto não é fruto de uma geração espontânea. As experiências que constroem
a nossa subjetividade são materializadas no texto, pois se tratam de experiências diferentes.
A gente andou muito se perguntando sobre valor, valor capital do mercado, valor sensorial
artístico, mas qual o nosso valor? Questionar motivações vem sendo o apogeu do museu
memorial do isolamento mental, porque amar, porque estudar, porque pesquisar? É claro,
nem sempre, na vida, vão ter soluções para os nossos afetos, mas conto, aqui, uma história,
uma trajetória mental, sobre o aprisionamento literal. Busquei motivações que justificassem a
pesquisa, caímos sempre no mesmo limbo dos que produzem e consumem: a arte serve pra
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que? É certo, defendo e afirmo: para nada. É por isso que é tão instigante e tão interessante.
Quando a gente estuda arte, trabalhamos com um aspecto puramente humano, não é instin-
tivo, não é básico, não é necessário e, ainda assim, fazemos.
	 Um movimento interessante que levantou discussões, em minhas redes sociais, foi o
diálogo sobre o isolamento ter nos permitido perceber o quanto precisamos do consumo de
arte para viver com qualidade, muitos reconheceram e, apesar disso ter sido esquecido depois
de alguns meses, com bares e restaurantes lotados, ainda continuei me questionando: a arte
serve à que? As produções humanas são o que? Porque então produzir? Olhar no espelho,
se reconhecer, estudar as produções temporais e atemporais, naturalmente cotidianas e ao
mesmo tempo não?
	 Se eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio e me pergunto: o
que é minha literatura? O que quero com a literatura? Sim, assumo meu compromisso políti-
co/estético. A arte é um oásis no deserto do Real (reestruturando o título de um livro de um
de meus filósofos favoritos, Slavoj Žižek, e teórico que me sustenta em minhas pesquisas).
	 Nesse contexto pandêmico, estou aqui para refletir sobre a minha relação com a li-
teratura, se o discurso da necessidade do consumo artístico foi se desgastando e se tornou
insuficiente, é claro que existem várias respostas que podem explicar esse acontecimento. Me
atenho muito a um conceito que Žižek colocou e eu, particularmente, adotei – porque tem
uns conceitos que a gente adota, alguns exemplos que soam melhor pra gente e a gente repro-
duz. Fico me perguntando o que aconteceu nesse meio tempo sobre a percepção geral: nesse
contexto, a arte entrou como uma representação do Imaginário, assim, para tentar sustentar
o enlance com o Simbólico e não deixar a peteca do Real cair. É perceptível que parar para
pensar na cilada é enlouquecedor, nos problemas a nível político e social.
	 Percebi que ver a literatura como pesquisa é muito... audacioso, eu diria, algo parecido
com o estudo das Histórias das Ideias Literárias, que nos ajuda a entender a nossa forma no
mundo contextual, num mundo vivo que acontece, porque a sociedade é viva e a literatura é
tão viva quanto a sociedade. A literatura é língua em ação e estrutura da realidade se forman-
do a todo instante. Em cada nova leitura uma obra se amplifica.
	 E a produção e o consumo da literatura nunca serão uma coisa una — a gente não
pode restringir esse olhar de forma tão tecnicista. Porque não tem como negar que a gente
cria literatura e a literatura cria a gente, e se cria com a gente, tanto quanto a própria socieda-
de, codependemos desses fatores para existir.
	 Talvez isso nos faça perceber uma coisa interessante, nos ajuda a olhar vertentes da
pesquisa como uma forma de ajudar a delimitar e justificar o injustificável. A literatura tem
que ser vista como algo sério pela justificativa da sua própria existência e, talvez seja por isso,
inserir esses estudos sociais, individuais e plurais (que envolvem psicologia, filosofia, sociolo-
gia etc.) faz com que nosso estudo ande colado com a interpretação. A interpretação, claro,
é um perigo, porque até que ponto uma coisa que é válida pra mim não pode ser pra você,
quais são os limites da imaginação? E de onde vem a nossa imaginação?
	 As interpretações são resultados dos nossos processos individuais, das nossas crenças
que foram guiadas por um sistema simbólico, que é social. Porque pesquisar, ver o material
como análise, exige esse direcionamento de olhar; quando a gente lê como leitor, a gente
não tem exigências, quando pontuamos, efetivamente, um olhar de pesquisa sob um objeto,
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percebemos que a profundidade é imensa, não só pra fora, por conter cultura, informação;
articular a imaginação, mas por dentro porque a gente se descobre raiz. Como a lei hermética
da Correspondência, tudo que está acima está abaixo. E quando criamos essas raízes inter-
nas, fica cada vez mais difícil da ventania externa nos derrubar, a gente vai ganhando muitas
ferramentas.
	 Criamos hábitos nessa quarentena, eu aprendi que comtemplar minhas personas é
uma exigência e perceber as minhas modificações é quase um processo divino. Claro que esse
movimento, provavelmente, não me serve de grande coisa. Não vou fingir que não preferiria
estar desfilando com algum body colorido pela rua, jogando sinuca, flertando com alguém
ou, até mesmo, nas versões mais extraordinárias de diversão.
	 As circunstâncias não permitem. Há um tempo venho tentando deixar as queixas in-
solúveis em um espaço de apagamento da minha memória — planeta do supervacâneo... pra
lá também devem ir alguns eventos de vexame e constrangimento.
	 Defendo, sim, com muita veemência, e talvez até um pouco de violência simbólica, o
meu direito de inconsistência. E isso de nada tem a ver com presença, afeto e responsabilida-
de. Minha inconsistência paradoxal mora na ilógica dos meus pensamentos que são VIVOS.
Assim como a linguagem, assim como o desejo. Modificável, maleável, fluida, potente. Pre-
servo a mim.
	 Meu planejamento não é sentencioso, se eu me visto e não gosto, eu, com certeza, vou
mudar de roupa. Mas, talvez, o processo de criação seja iniciativo e não apenas resultado.
RESULTADO
RESULTA
DO
TODO
RE
SU
MO
E PALAVRAS-CHAVE: processo; procedência; proximidade; profundidade.
	 Neste recinto, a mudança é, sim, respeitada. Nem sempre compreendida. Nem sempre
graciosa. Mas não sejamos menos lascivos do que ela própria. Sejamos tanto quanto.
	 Memória nem sempre é escolha, vez ou outra me escapa um pensamento que eu já
queria ter esquecido, mas rememorar é, também, fonte de alegria, de sensações, e valores são
uma questão de perspectiva, como muita coisa é. Amo definições de maldade e de bondade.
Amo definições. Elas não servem para absolutamente nada, assim como a arte. Me sinto con-
templada no hemisfério mágico do fantástico onde o bem vence o mal.
	 O mistério pode até ser, sim, um desencadeador de fantasias maneiras, mas talvez o
maior entrave do Eu que é seja a impossibilidade do Eu que não é. Não se esconder é se
mostrar vulnerável aos maiores medos do mundo: abandono, solidão, insuficiência, morte
psíquica. O contrário. Voltar para casa é também abaixar armaduras que, por tantas vezes,
seguramos com muita força, há anos, e seguiremos segurando lá fora. Aqui, é terreno bem
cuidado, acarinhado e amaciado. Munido de amor. Tudo isso, aqui, em casa... e a gente anda
tanto em casa.
	 Algumas certezas ficam por aqui. A primeira é que estou com muita vontade de desfi-
14
lar usando novas composições de roupas, a segunda é que ir junto dos processos é mais fácil
que tentar nadar contra a maré — se a gente sabe que só vai cansar à toa e, no fim, perder — a
terceira é que, por mais que não faça sentido, não tem muito sentido o que a gente faz, e isso
torna as coisas mais leves.	
	 Enquanto isso, para os pesquisadores, a pesquisa continua, presos ao nosso sistema e
ao sistema deles. Eu tento, de coração, passar a perna no sistema, meu segredo é dar um jeito
de me inserir, cada vez mais, nele, para mudar as suas configurações.
	 Agora, não banquemos os revolucionários se já o somos, faremos o mínimo com o
principal objetivo geral: sobreviver e brotar.
Fernanda Garcia Cassiano
É aluna do Programa dePós-Graduação emLetras(PLE), da
Universidade Estadual de Maringá (UEM), é mestranda em
Estudos Literários na linha de pesquisa Literatura e Histori-
cidade e vinculada aos projetos de pesquisa: Lacanianismo,
literatura e cultura e Nada de errado em nossa etnia: tradi-
ção, cultura e identidade em literaturas de caráter pós-colo-
niais e decoloniais, ao projeto de extensão Outras Palavras
(POP) e sócia da Editora Trema Ltda. Graduada em Letras
com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas Corres-
pondentes, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
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Réquiem da História
	 Tadeu
	 Dr. Fausto: 3 min e 33 s	
	 Em busca do tempo perdido: 3 mim e 1 s
	 Esaú e Jacó: 2 mim e 45 s
	 Evita, ou Sabrina para os íntimos
	 Hoje não vi pinto. Sem pinto, sem comissão. Dona Teresa vai me infernizar. Velha
maldita. O Carlão, figura, gente finíssima. Termina rápido o serviço e, às vezes, esquece
mesmo do sexo. Paga para rememorar seus tempos de jogador. Conta, reconta as histórias.
E nunca tira o shortinho vermelho. Foi de zico, guria. Esse short e meu opala são meus filhos. Opalão
ganhei no bixo, o shorts... já contei? Ahhh... final
	
	 Carlão
	 Final do brasileiro de 1983. Flamengo e Santos. Carlão, beck experiente, provável des-
pedida do futebol. Joelho estourado. Chulapa comendo a bola. Maraca transbordando.
	 Carlos Alberto: Carlão! Tá dormindo, porra! Olha aqui, tamo fudido assim. Zico tá uma bereba
hoje e o Chulapa tá comendo a gente com farofa. Precisamos tirá-lo do jogo, tá entendendo. Provoca ele, se ele
não entrar, racha, fazê o quê.
	 Entrei com tudo, guria. Primeiro passei a mão na bunda dele e mandei um beijinho. Achei que o
negão ia me matar, nada. Tava liso demais. Não teve jeito, tive que rachar. E rachei. Vermelho. Chulapa
contundido. Mengão campeão. Antártica na taça. Punição de seis meses, joelho estourado,
aposentadoria.
	 Mas aí o Doutor me chamou pra uma volta. Era 1984, tava com Sócrates e Casão aqui em sampa.
Um PM chegou junto, achei que ia esquentar, rachei ele. Carlão na Veraneio. O delegado era carioca, me
liberou depois de uma foto com a rapaziada.
	 Tadeu (departamento de paisagismo urbano)
	 Porra, Tadeu. Que buceta é essa? Lendo escondido, de novo? Caralhooo...
	 Deixa eu ver essa merda. Irmãos Karamazov.
	 Tá confiscado essa porra. Cadê as plantas, Tadeu? O bosta do secretário tá vindo aí. O Suzete que
que que...
	 Seu Roberto, só tinha Doriana.
	 Esconde essa porra. Se o secretário vê isso, tamo fudido. Vão cortar nosso café. E sem café eu mato
um aqui. Tadeu, caraaaaalho que cê tá aí ainda?!
	....
	 Não interessa. Se vira. Não tem verba pra bosta do cavalo, vai sem bosta mesmo. Mas o jardim do
prefeito precisa sair, com ou sem bosta.
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	 Evita, ou Sabrina para os íntimos
	 Esse Carlão...
	 é mais um homem-pinto-comissão. Não, ele é um homem-sem-pinto-comissão. Gran-
de Carlão. Que charla, que manha.
	
	 Tadeu
	 Eneida: 2 mim 55 s
	 Carlão
	 ...Zico jogou o shorts na minha cara. Tavam me chapando. O herói do jogo. Haha Ah, mas eu guar-
dei o shorts, guardei mesmo.
	 Roberto
	 (Baita professor de Literatura.)
	 Evita, ou Sabrina para os íntimos
	 1984. Praça da Sé. Uma jovem com vasta cabeleira encaracolada gritava até suas ener-
gias se esvaírem. Na face, um feixe vermelho em contraste aos últimos expurgos das fardas
verdes. Mamãe, grande militante. Nas mãos, um livro, cuja mancha de sangue jamais saíra, 1984.
	 Flores...
	 Início de barulho. Uma cadeira lançada ao chão. Um trôpego, quase cai. Ohh, cuidado aí,
bonitão. Ébrio, ele se dirige à velha jukebox.
	 A plateia se divide entre os atônitos e aqueles que aproveitam o causo latente para es-
corregar um pouco mais as mãos bobas e não pagas.
	 Entre peitos, cervejas pisadas e cinzas de cigarro, um eco de vozes explode nas velhas
caixas de som...
	 A sobreposição condensa a afinada harmonia com a necessidade do cantar de Geral-
do-Roberto.
	 Iii, pronto, quem botou essa música?
	 Evita, a próxima a entrar no mastro, suspende a preparação.
	 Violão
	 Ahhhhhh aia aia laraiai laria laraiaaaaa laaaaa.....
	 Juntos: caminhando e cantando e seguindo a canção...
	 Alguém tasca um tapa na poupa glútea de Ketlhen que estava sugestivamente acom-
panhada. Estoura a fúria urbana. Agora tudo voa, que farra: garrafas, socos, peitos, risos...
amor... revolta.
	 Geraldo, com força: vemm vamos embora que esperar não é saber... VEM VAMOS EM-
BOOOORA.
	 As lágrimas embargam a performance ao vivo de Roberto.
	 Fim da música. Os brigões são gentilmente expelidos desse sacro espaço.
17
	 Geraldo e Roberto vim aqui só pra dizer.... porrra, companheiros. Lutamos tanto! quantos ca-
maradas caíram. Quanto resistiram nos porões, quanto ratos roeram a dignidade das companheiras. Quanto
medo, quanto luta....
	 A plateia dissolve-se... mas o discurso segue. Três olhares ainda são ouvidos.
	 Tanto medo... tanto sacrifício ... para voltarmos a isso... esse pulha, falsário. Esse fascista! Porra, os
milicos voltaram, caralho... lágrimas, e prenúncio do encerramento da palestra.
	 Prenúncio falso.
	 É preciso derrubar os milicos!!! Ahhhhhhh......
	 Cai desfalecido no sofá vermelho. Desolado. Êxtase e perfume de zona.
	 Um sujeito de pança e bigodes proeminentes se aproxima de Roberto. Carlos, o Car-
lão. Bigodes, camisa aberta, pelos em abundância. Um enorme sorriso afável. Senta-se e ofe-
rece um Hollywood, cigarro do sucesso. Entre as cortinas, já ao som de Beyoncé, o coração
de Evita parece estourar de euforia. No canto escuro, segurando uma cuba libre sem rum,
Tadeu tem a ligeira impressão de verter uma lágrima.
	 4 de novembro de 2019. O aparelho subversivo estava montado.
Lucas Simonette
30 anos. Professor de Literatura na educação básica. Mes-
trando do Programa de Pós-Graduação em Literatura Bra-
sileira USP. Na pesquisa, persegue-se o tema o patriarca-
do em contos de Guimarães Rosa. Foi finalista, por duas
vezes, do programa Nascente USP na categoria conto.
18
O peso do mundo em minha morada
	 Hoje foi um daqueles longos dias, aqueles que passam lentamente. Estive por horas
na cama, o corpo era um chumbo que pesava à vida, o peso do mundo sobre mim. A solidão
virou minha namorada, me fazendo afundar na escuridão profunda e extravagante. Minhas
expectativas eram baixas. Ontem demorei a dormir e me prometi que o hoje seria diferente,
mas nada mudou, sinto que me tranquei e sumi com a chave, como se não houvesse vida
afora.
	 O grande incômodo é que eu sei que há muito mais por lá, mas nada me agrada, o
noticiário me somatiza. Meu peito dói! O que será?
	 Lá no fundo, diante de tanta escuridão, há uma esperança, tem que ter uma esperança,
pois sem ela eu não serei nada, apenas um outro qualquer, uma cova feita às pressas de um
pobre coitado sem um último adeus.
	 Pouco me preocupo comigo, o que dói é olhar para os meus pais e dizer que tudo
vai ficar bem, quando na verdade as caixas de madeira procuram corpos frios para a terra
esquentar, triste é o fim. Enquanto isso aquele que nos desgoverna brinca e ri da nossa cara,
para ele, pouco a nossa vida importa, se pudesse tenho certeza que ele escarraria em nossos
caixões com todo o seu desrespeito e a sua ignorância.
	 Um dia, se eu vencer, vou contar esta história como um novo começo, espero que os
meus pais estejam junto a mim. Horas se passaram e eu continuo na cama, os pensamentos
ainda me pesam, meu peito ainda dói, decidi voltar a dormir, prometo que o amanhã será
diferente.
Lucas Rodrigo Uchôa de Oliveira
24 anos, residente em Santana-AP, é graduando do 10° se-
mestre do curso Bacharelado em Psicologia da Faculdade
Estácio de Macapá, também é acadêmico do 8° semestre de
Licenciatura em Letras Português da Universidade Federal
do Amapá – Campus Santana. Há pouco tempo iniciou sua
trajetória como cronista, seus textos abordam temas como
desigualdade social, crises existenciais, solidão, luto, res-
significação dos acontecimentos, resiliência, entre outros.
19
Construção
Estranho como se chega a mim
a sensação de querer ser mais,
explorar lugares desconhecidos na vida
e no meu coração.
Sinto uma emoção anestesiante que me faz adormecer
e esquecer do resto do mundo.
Vem conversar comigo, na noite de luar
a alegria de se entregar.
Como é misterioso o fracasso da independência total
de um ser que descobre no outro
novos caminhos.
Intrigante, talvez, como queira encarar,
o fato de que não podemos ser sozinhos
nessa vida de armadilhas amorosas.
Um mundo de emoções contagiosas
rebelando-se dia após dia contra o descaso.
Amar e amar faz parte
da arte de ser mais que ontem.
Mesmo na ilusão, dor angustiante de um amor errante,
se pode entender que amar
é essencial.
Mas no amor, nesse amor que totaliza-se e verbaliza-se
nos olhares alheios,
não podemos nos totalizar,
porque amar e amar
é uma obra sempre em construção
para que nem a vida nem o coração
queiram se acomodar.
20
Sombras da dor
Uma dor
Dias sombrios: escuridão, choro, dor.
Tudo é tão vazio, mas há uma exalação de medo
se espalhando como um vírus mortal
que a solidão deixou.
Brisas congelantes de tempo em tempo
atravessam minha alma, como uma lâmina
me cortando a vontade de viver
à beira de um rio de lamentos.
Dias sombrios.
A luz do sol não me atinge
não me renova,
não me anuncia o despertar.
Nessa escuridão, nesse choro, nessa dor
reside o fracasso insuportável
de um grande amor.
Marcello Medeiro Borges
ProfessorformadopelaUniversidadeFederaldoPará(UFPA).
Cidade: Santa Luzia do Pará
21
Carta para mim
Resolvi escrever para mim mesmo na busca de encontrar uma resposta para as milhares de
indagações que permeiam a minha mente neste período de distanciamento social, contudo, é
tão difícil organizar as ideias e as sintetizar em palavras. Talvez seja impossível.
Começarei tentando descrever um sentimento que está muito latente dentro de mim. Nesta
tarde, ao verificar meus contatos no aplicativo WhatsApp, deparei-me com a foto dele. É
estranho como apenas uma representação da figura da pessoa amada consegue nos abalar de
maneira tão profunda. Mas é mais estranho ainda como conseguimos cativar um sentimento
tão poderoso sem haver reciprocidade. Pergunto-me, constantemente, se essa minha capa-
cidade de criar laços tão profundos e perigosos é inata. Talvez seja um problema de fábrica,
uma voz fala. Mas, no fundo, meu subconsciente sabe que é um problema de carência. Está
tudo tão confuso que, na semana passada, busquei respostas nas cartas de tarô. Lembrei-me
de um tarólogo que meu amigo havia comentado certa vez. Pedi então o contato e mandei
mensagem, agendando uma consulta on-line para aquele mesmo dia.
No início da sessão, minhas pernas estavam agitadas — é como fico quando estou tenso,
angustiado e ansioso, ou, talvez, eu sofra da síndrome das pernas inquietas — SPI, li uma
reportagem sobre esse assunto outro dia.
O tarólogo tira as primeiras cartas e diz: — O jogo mostra que você precisa se afastar um
pouco da situação que te causa desconforto. De longe a gente enxerga melhor as situações
que nos envolvemos… assim, conseguimos encontrar melhores caminhos. Você precisa abrir
mão da ansiedade e da preocupação…. Está aparecendo muito isso aqui. Você parece ser
imediatista, isso atrapalha as coisas, cara… As experiências que tivemos no passado podem
nos ajudar a entender e agir diante do que temos hoje. Aí vai tendo um progresso… mas é
lento.
Tira novas cartas e continua: — Novamente aparece aqui que você precisa aprender a con-
trolar suas emoções… Muito impulso sem observações. A carta da chave sempre está apare-
cendo… Isso mostra que tudo depende de ti. A chave está nas suas mãos.
Neste momento, pensei como o universo pode colocar as chaves nas minhas mãos. Logo
eu, como as cartas bem caracterizaram, um ser imediatista, ansioso, cheio de preocupações
e frustrações de relações passadas, e com as emoções descontroladas, acrescento mais um
adjetivo, fantasioso. Contudo, respondi apenas: — Não entendi muito bem, como assim está
em minhas mãos?
Ele respondeu: — Suas ações que determinam o desfecho das situações. O tempo todo o
jogo está mostrando que você é o senhor da sua história. Isso parece meio óbvio, mas às ve-
zes, a gente não quer assumir essa responsabilidade, fica jogando na mão de outrem. Está em
suas mãos escolher entre os caminhos que lhe são dados o tempo todo.
Meus pensamentos ficaram mais confusos. Quero continuar jogando a responsabilidade no
outro, é mais fácil, menos doloroso, apesar de, no fundo, saber que não é o correto. Todavia,
sei também, que não tenho maturidade para escolher. Então uma voz, no meu íntimo, diz
“talvez seja o medo de errar, não imaturidade”. Mas digo para ele que entendi, mesmo não
entendendo ou não querendo entender, e peço para continuar o jogo.
22
Ele sorteou mais duas cartas e falou: — Há caminhos abertos aqui, prosperidade… Tanto no
amor quanto no trabalho…
Nesse instante, meu coração bateu mais forte e pensei “será que ele vai falar que meu amor
platônico, não é platônico?”, mas segui em silêncio enquanto ele tirava mais duas cartas.
Então continuou: — Pois… o que tenho para dizer é que você deve confiar, ainda que se
sinta desconfortável, no seu trabalho atual. Parece que há algo bom vindo… só cuidado com
os colegas invejosos que não se felicitam com as conquistas do outro…
Tira mais uma carta e diz: — Analise bem estas pessoas que você está conhecendo… Há
possibilidade de alguém trair você. Há uma energia masculina, um pouco dura, que não te
deixa seguir adiante em algumas coisas.... Tem ideia de quem seja?
Meus pensamentos não estavam alinhados, queria apenas saber sobre os caminhos abertos
no amor, que se dane a energia negativa dos que me cercam. Então respondi: — Não tenho
ideia, depois penso melhor sobre isso, não quero ser injusto com ninguém.
Ele tirou mais uma carta. Desta vez saiu a torre, então disse: — A carta da torre reafirma a
necessidade de se afastar um pouco para ver melhor a situação de outro ângulo…
Eu não aguentava mais aguardar para saber melhor sobre minha vida amorosa e resolvi inter-
rompê-lo e perguntar. Indaguei: — Posso tirar algumas dúvidas?
Ele balançou a cabeça, sinalizando que sim.
Então comecei a falar: — Para mim não ficou claro o assunto do amor. Estou conhecendo
uma pessoa (não quis dizer que saí com ele apenas uma vez, no início da quarentena, numa
tentativa de aliviar a tensão e o medo, era vergonhoso) e estou apegado. Porém, desde o últi-
mo encontro (tinha exatamente uns 3 dias) não nos falamos mais.
Ele com a expressão calma, responde: — O que você acha disso?
Minha vontade era falar “eu não acho nada, se eu quisesse encontrar a resposta dentro de
mim discutiria isso na terapia, não procuraria um cartomante”, mas me controlei e respondi:
— Não sei. O conheço há pouco tempo, ficamos de marcar algo essa semana, mas, devido à
chuva, acredito que não irá acontecer. Contudo, o que rolou no nosso último/primeiro en-
contro foi intenso, gostei bastante.
Ele tirou uma carta e disse: — Vamos lá… Alguém não está sendo desonesto em relação ao
que sente… E não parece que é você. O jogo mostr que você está envolvido de verdade, o
que é bom, mostra que você tem espontaneidade e entrega, mesmo ainda tendo alguns com-
portamentos um pouco imaturos… ciúmes e possessividade… cuidado porque isso afasta as
pessoas. Acredito que essa sumida dele foi boa para você analisar melhor as coisas…
Após uns segundos parado e em silêncio, tirou mais duas cartas: — Tem um relacionamento
promissor em sua direção… mas o nevoeiro da sua mente está impedindo você de ver as
coisas como elas são. Tem muita preocupação na sua cabeça…
Já impaciente, falei: — Esse relacionamento promissor é com ele?
Ele sorriu e falou: — Não posso te dar essa resposta… Isso você vai ter que observar… mas
está fácil… Sei que você é cheio de dúvidas, estou vendo muitas informações desconectadas.
Toda essa subjetividade nas informações bagunçaram mais ainda minhas ideias. Procurei o
tarô na tentativa de receber ajuda, mas está difícil. Insisti no assunto na esperança de receber
uma resposta concreta: — E no fim, esse sumiço da pessoa tem um significado, né isso?
23
Ele respondeu: — Tem sim. É um tempo para você analisar e decidir. E seja sincero consigo
mesmo… Quem sumiu tem uma incerteza com a sexualidade dele, e você sabe disso e isso
acaba ocasionando em você uma preocupação… ah! insegurança também. Afinal, ninguém
quer manter um relacionamento instável. Acabei falando demais.
Eu sorri, parece que agora eu tinha entendido a mensagem, e falei: — continue a falar de-
mais…
Ele respondeu: — Você ainda tem muitas dúvidas, eu sei. Explane sobre elas.
Falei: — Sobre o relacionamento promissor, fiz um jogo de tarô on-line, saiu justamente isso.
A diferença que no on-line informava que esse homem seria mais velho que eu e me ajudaria
a conquistar o que almejo na área profissional.
Ele respondeu: — Vamos lá, mais uma vez… Você acha que ele vai te ajudar a conquistar
seus objetivos? Fecha os olhos e se pergunte, você tem uma ótima intuição, confia nela. Mas
não precisa de pressão, deixa de ansiedade.
Eu, cada vez mais impaciente, respondi: — Entendi.
Ele falou: — Meu irmãozinho, o tarô não nos dá respostas prontas, ele nos dá caminhos.
Para finalizar, perguntei: — Mas você poderia pelo menos tentar ver se o homem do relacio-
namento promissor já está em minha vida?
Ele: — Está. Converse, especialmente com o homem que você está conhecendo, mas antes,
observe…
Acenei com a cabeça concordando com o que foi dito e encerrei a chamada de vídeo. Pare-
ce-me que a bagunça aumentou. Agora estou perdido por completo. Mas seguirei… Com a
certeza que não posso culpar o vento por toda essa bagunça. Eu deixei a janela aberta para ele
entrar, então é minha culpa. Preciso organizar toda desordem dentro de mim, e em seguida,
encontrarei as respostas que tanto almejo. Uma voz que ecoa dentro de mim diz “é essencial
olhar para dentro de si”.
Marcelo Queiroz Oliveira Júnior
Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Es-
tadual do Sudoeste da Bahia – UESB/Campus Jequié –
Bahia/Brasil. Departamento de Ciências Humanas e Letras
– DCHL. Integrante do Grupo Direito, Arte e Literatura
da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: marcelo-
queirozoliveirajunior@gmail.com.
24
Por definição, do latim fragilis, quase que por unanimidade, frágil é aquele(a) que necessita
de maiores cuidados, que é mais delicado(a), que apresenta pouca estabilidade. O oposto, o
contrário, o antônimo, se assim pode-se dizer, de forte, de sólido(a), de permanente. Ainda
que seja classificado como um adjetivo de dois gêneros, em sua pluralidade, quem é o sexo
frágil? Sem querer romper a dualidade do Humano, demasiado humano de Nietzsche (1878)
ou fundamenta-lo no termo schopenhaueriano herdado de Kant... longe disso, muito longe.
Seguindo o pensamento, ainda tão popular quanto certas canções de infância, a fragilidade
flerta o seu egocentrismo categórico e já dizia Erasmo Carlos
(...) “é uma mentira absurda e que a força está com elas”.
Ainda, sem antecipar qualquer análise ou induzir o caro leitor a qualquer observação prema-
tura, um estudo da Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA), demonstra que durante
momentos históricos em que ambos os sexos enfrentaram altos níveis de mortalidade, as
mulheres sobreviveram de 6 meses a 4 anos a mais que os homens. Como se pôde observar
durante a escravidão em Trindade e Tobago ainda no século 19, durante a epidemia de saram-
po na Irlanda de 1846 a 1882, durante a escassez de alimentos na Ucrânia na década de 1930.
E o que estamos observando agora? Na Pandemia do COVID-19, seja na China, na Itália,
nos EUA ou em outra parte do mundo, homens estão
morrendo mais que mulheres de COVID. E por quê? Seriam os genes? Seriam os hormônios?
O sistema imunológico, o comportamento humano? Isso faz com que os homens sejam mais
suscetíveis? Isso faz com que o homem se torne definitivamente o sexo frágil?
Na Itália e na China, as mortes do sexo masculino são mais que o dobro em relação às do
sexo feminino. Em Nova Iorque, 61% dos óbitos são de homens. Variáveis importantes
como idade e comorbidades, ou seja, presença de doenças crônicas, são importantes, mas não
explicam o viés sexual. Ao passo que a taxa de óbito de homens de 30-40 anos também tem
aumentado e apesar disso, são as mulheres que vivem mais, portanto, há muito mais mulheres
idosas no planeta.
Mulheres e homens são diferentes biologicamente, enquanto elas têm duas cópias do cro-
mossomo X, eles apresentam um X e um Y, cheio de sequências repetitivas, um “Y-tóxico-
-lixo” talvez, que imprime as diferenças físicas e até certo ponto comportamentais, devido
sobretudo, a atuação dos hormônios sexuais. Enquanto as mulheres têm a dose dupla, os ho-
mens não possuem o backup. Elas saem na frente também, quando mencionamos o sistema
imunológico, o mais forte, por isso são mais suscetíveis a doenças autoimunes. Estes vieses
com que nos deparamos dia após dia nos fazem repensar. Quem é o sexo frágil?
Posso dizer por mim mesmo, cercado por inúmeros protótipos delas no meu círculo familiar,
são mais fortes que aroeira, como se diria em Goiás. Sejam elas, a esposa, a mãe, a irmã, a so-
gra, tias, amigas e até mesmo minha nonna falecida em 2020, aos 91 anos. O que posso real-
mente dizer? Talvez pudéssemos criar um neologismo somente a elas, uníssono, entre força e
fragilidade, na adjeção que irrompe a polarização. Todavia, se me permitem, provisoriamente
um trocadilho já resumiria, mulheres, melhores.
Quem é o sexo frágil?
25
Olho vermelho
O olho vermelho há muito tempo intriga a humanidade, não deliberadamente e de forma
única como se generaliza: “olho vermelho?! Ou é maconheiro ou está com conjuntivite”.
Não no ensejo da superficialidade, mas algo como um toque filosófico, algo com um toque
científico, algo com aquele toque popular, na tênue linha entre nossos corações. Afinal de
contas, de “médico e louco cada um tem um pouco” já diria o dito popular.
Olho (anatomia), olho (ação), olhar... algo um tanto poético e se os olhos não o fossem, tal-
vez não seriam eles contemplados por poemas, pensamentos e reflexões a cerca da humani-
dade. Mas quando falamos em olho vermelho, seja para a oftalmologia, seja para a população
em geral, um alerta se acende.
Olho vermelho como diagnóstico médico significa desde uma irritação e uma alergia, pas-
sando por uma conjuntivite, um hiposfagma, uma esclerite, até uma uveíte... um glaucoma
agudo ou um corpo estranho.... ou mesmo a temida endoftalmite... poderia ficar aqui listando
inúmeros outros diagnósticos diferenciais. Inclusive um mais recente, a conjuntivite acusada
pelo SARS-CoV-19. Esta que apesar de rara, pode ser fonte importante de contaminação.
Mas é o olho vermelho que também se emociona, na sua expressão diária. Chora tanto de
alegria, quanto de tristeza. Uma dicotomia mundana. Em tempos difíceis, os olhos, em sua
expressão mais que humana, humanitária, talvez, refletem muito além de nossas esperanças.
Estes mesmos olhos que choram de alegria pelas novas conquistas, que choram ao tocar a
imagem, ainda que distante, devido ao contingenciamento e ao isolamento social, do ente
querido, um choro de alegria e alívio, é o mesmo que chora de tristeza, de dor, que chora por
um sofrimento aquém do imaginado.
Enquanto estivermos firmes, nos propósitos jamais pensados por nossa geração, vislumbre,
repense e reflita o queres olhar adiante. Podemos sim chegar a um mundo melhor. Se estamos
ou não em um momento crítico da existência? Muitos outros enfrentamentos virão, sejam
os nucleares, sejam os climáticos, sejam étnicos ou tantos outros. Mas antes que seja tarde
demais, pare!
O nosso futuro está em nós mesmos, em nossos olhares. Afinal, que olho vermelho deseja
para você e para o futuro da humanidade?
Rômulo Piloni
Médico, em formação oftalmológica, ítalo-brasileiro e
amante das letras; natural de Anápolis - GO e residente do
Rio de Janeiro, membro da Academia Anapolina de Letras e
da União Literária Anapolina.
26
Flagelo
Do nascer ao pôr do sol,
tua saudade em meu peito faz morada.
Atrozes desalento e vazio
dilaceram-me o mais íntimo da alma.
Entre turvos pensamentos e imagens,
vasculho restos de alegria,
de um tempo em que teu sorriso
era a muleta com a qual sobrevivia.
Sem curso, sem destino, sem um porquê...
Passo os dias a te esperar.
Entre uma lágrima e um grito,
vejo a vida sufocar.
Em meio ao breu daquela noite,
o anjo negro, de mim, roubou-te.
Arrebatou -me os sonhos
e, com eles, meu eterno amor.
Na solidão do dilúculo,
migalhas de um choro sufocado.
Medra apenas consoladora esperança
de, em breve, reencontrarmo-nos.
Silvio Tony Santos De Oliveira
Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa pela Uni-
versidade Federal da Paraíba (2016) e desenvolve pesqui-
sas nas circunscrições da interface Literatura e Psicanálise.
Membro do grupo LIGEPSI – Grupo de pesquisa em Lite-
ratura, Gênero e Psicanálise.
27
Condenados
	 Agora que os pássaros arremetem livres para a imensidão azul, eu vejo. Agora que a
água percorre seu trajeto cristalino, eu ouço. Agora que o húmus impoluto germina a vida,
eu sinto. De que servem olhos, ouvidos e mãos boas para cultivarem egoísmo? De que serve
uma boca que só alimenta mentiras? Agora eu me lembro claramente o que dizia minha mãe
pela boca dos meus ancestrais: a Mãe Gaia não tem idioma, raça ou fronteira, acolhe a todos.
E só agora eu entendo que a sabedoria é orgânica e não de papel. Mas seus filhos cortaram
os laços com a mãe e a abandonaram, ou pior, a sacrificaram em troca de mais recursos, mais
e mais consumo. A sede desses filhos rebeldes não se sacia facilmente. E eles foram sugando
tanto a fonte que era impossível reconhecer o próprio rosto, ou porque as águas estavam
escuras ou porque não havia água alguma.
	 Faz apenas dois anos que a guerra começou, embora pareça que tenha existido des-
de sempre. Nenhum disparo e nenhuma bomba, nada queimou, a não ser os corpos pelas
ruas, nas valas comuns, despertando uma memória infeliz da humanidade. A guerra não
tinha fronteiras claras ou inimigo visível, as vítimas foram as mesmas de sempre, os mais
vulneráveis, entregues à própria sorte. Ao menos representam a maior cifra nos infinitos
cálculos que se fazem até hoje. Hoje são números, seus rostos já vão sendo esquecidos. Eu
não tenho dúvida de que os donos do poder teriam abandonado este planeta e fugido para
outro se vivêssemos no futuro distópico das ficções. Mas o presente é o pesadelo do qual
não acordamos totalmente. E é tão real que podemos ainda ouvir os ecos das ambulâncias,
os gritos de desespero em línguas que sequer reconhecemos, a não ser pelo fato de que a
gramática do sofrimento é universal. Como fechar uma ferida que não se enxerga? As sacadas
se solidarizaram por um tempo, regidas pela música, orquestrando uma esperança desejada,
mas mesmo estas se apagaram e se renderam com o tempo. As vozes que anunciavam a cura
tampouco se perpetuaram. Passamos a dançar com a morte à beira do precipício. Até que a
música parou. O inimigo possuía seus aliados e era silencioso. Às suas hordas sem rosto se
juntaram primeiro o negacionismo, o frio e o despreparo. Logo mais, soldados inestimáveis
e temidos como o medo e a ignorância. Por fim a ganância lançou seus cães de guerra. Mal
pudemos chorar as primeiras mortes. A cada dia, a cada hora, minuto a minuto se somavam
àquelas novas perdas outras vidas. Os cientistas corriam contra o tempo, este inimigo que
nos persegue enquanto foge. Aqueles que vestiam o uniforme branco, verde, azul, com más-
caras ou rosto nu, lutaram bravamente com suas próprias armas. Foram incansáveis. Eram os
pássaros que tentavam conter o incêndio na floresta. Da floresta quase nada restou. Muitos
deles não retornaram. O comércio parou quase totalmente, junto com a indústria, as escolas,
a arte. A terra por um momento não se fez mar, se fez deserto. O planeta em quarentena
voltou a respirar quando muitos perderam essa dádiva. Os que tentaram se impor à força dos
eventos, arriscando-se às ruas, pagaram um preço exorbitante, com a moeda mais valiosa que
podemos conceber. Dos mais velhos, as primeiras vítimas, temos pouca notícia. Somos um
mundo com muita memória e pouca sabedoria. Ou só nos damos conta disso agora diante do
irremediável. Sem nossas bússolas, andamos tateando o amanhã. É verdade que a vida seguiu
em frente, mas a paranoia vai junto, são companheiras que nunca se separam.
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	 Há algumas décadas uma canção profetizava o dia em que a terra iria parar, que nin-
guém sairia de casa, que todos abandonariam suas funções. Seria um pesadelo ou uma utopia?
A música era breve. Nós continuamos vivendo neste tempo fora do tempo, indefinidamente.
Resta a lição de Wells e seu vírus que destruiu os invasores de outro mundo. É nosso dever
traduzir aquela fábula, os corpos estranhos somos nós mesmos, habitantes desta imensa al-
deia global, invadindo, pilhando e empilhando as necessárias mas nunca suficientes vítimas
da ganância. A realidade também oferece suas lições a quem sabe ler com olhos libertos. O
sistema tem fome e parece nunca estar satisfeito. Por isso, desde então, vivemos numa eterna
vigília sem sonhos. Não precisamos olhar atrás para ver as sombras se projetando sobre o
presente. Com muito esforço, conseguimos nos distanciar. Até ensaiamos sorrisos e enseja-
mos pequenas reuniões. As lágrimas secaram há algum tempo, mas os sulcos na pele nos re-
cordam a importância da humildade. Do isolamento, veio a solidariedade, nada mais humano
que essa contradição. As pessoas, forçadas a conviver diariamente, reaprenderam uma língua
há muito esquecida. Agora que os filhos retornam para a mãe, ela não reconhece seu rosto,
são estranhos de volta ao lar. Felizmente o seio materno é farto e generoso. Esta terra ainda
permite uma segunda chance aos condenados.
Wellington Ricardo Fioruci
Sou de Assis-SP (1976), mas vivo no Paraná, onde ensino
literatura na UTFPR desde 1998. Publico amiúde ensaios
em periódicos acadêmicos e organizei em parceria dois li-
vros teóricos Vestígios de memória: diálogos entre literatu-
ra e história (2013) e Correspondências: literatura e cinema
(2015), ambos pela editora CRV (Curitiba). Além disso, fui
selecionado em 2014 pela Editora da UFF e Imprensa Ofi-
cial do Estado do Rio de Janeiro com um conto “O clube
dos esquecidos” para a coletânea Aquele Dia, Aquele Jogo
(2014) e, ainda neste ano, no Concurso de Crônicas de Ma-
riana (MG), recebi Menção Honrosa pelo texto “Dentes e
fuzis”. Fui vencedor do concurso organizado pela Univer-
sidade Federal de Lavras (UFLA), na categoria poesia, em
2016.
29
30
Chispas
Artísticas
Seção dedicada à publicação de fotografias e ilustrações de
todos os gêneros.
31
31
32
33
Vinícius Figueiredo Silva
É natural de Teófilo Otoni, município localizado no nor-
deste de Minas Gerais. Possui Graduação em Ciências Eco-
nômicas pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinho-
nha e Mucuri (UFVJM) e Mestrado em História Econômica
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e
atualmente, é pesquisador do Grupo de Estudos em Desen-
volvimento Econômico Brasileiro (GEDEB) e doutorando
no curso de Economia Política pela Universidade de Bra-
sília (UnB). Desde muito cedo, buscou retratar os dramas
da vida cotidiana através de seus desenhos e versos, muitos
deles presentes no livro “Tertúlia dos Vales”, lançado em
2018. Outro espaço onde são apresentados seus trabalhos
artísticos é a página do instagram @expofaces, criada em
2020.
34
Chispas
Académicas
Seção dedicada à publicação de textos acadêmicos, como en-
saios, artigos e resenhas.
35
Sumário
Cássia Cristina Gonçalves Simplício
O leitor de Dom Quixote de la Mancha no viés da Esté-
tica da Recepção¹ ................................................................................ 36
Douglas	Manoel	 Antonio	de	 Abreu	
Pestana	dos Santos
O mal estar docente em tempos pandêmicos: narrativas
na contemporaneidade ................................................................... 44
Lays Lins Albuquerque
Isaque da Silva Moraes
Cultura literária na escola: experiências no espaço digi-
tal .................................................................................................................. 54
Marcos Felipe Chiaretto
Fátima Elisabeth Denari
A pessoa idosa diante da Covid-19: tempos difíceis? ..... 64
Pedro Panhoca da Silva
Mais do que modismo mórbido: a importância de se re-
gistrar a pandemia em antologias literárias ..................... 74
Rafaela Araújo Jordão Rigaud Peixoto
La solitud pandémica: un término con sentido de vida
en construcción ..................................................................................... 84
Renata Pereira da Silva
Samuel Alves de Lima
A representação da infância no livro Contos de Aprendiz
.......................................................................................................................... 89
36
O leitor de Dom Quixote de la Mancha no viés
da Estética da Recepção¹
INTRODUÇÃO
	 A escolha deste tema para a confecção deste trabalho se deu pelo fato de a teoria está
relacionada com o meu objeto de pesquisa, assim pela facilidade de falar sobre algo que tenho
um pouco de domínio me pareceu mais tranquilo. E a escolha de Dom Quixote de La Man-
cha como suporte para relacionar a estética da recepção com a função do leitor, me pareceu
mais tranquila, pois já havia lido o texto literário anteriormente, assim foi fácil relacionar a
teoria com o texto.
	 Além disso, considero relevante o papel do leitor para o entendimento de uma obra. É
através dele que as obras literárias perpetuam e ultrapassam gerações. Além do mais, analisar
a compreensão do leitor é verificar como se deu o processo de leitura, quais são as acepções
do leitor, e sempre lembrando que existem vários tipos de leitores. Logo, várias possibilidades
de leitura.
	 Neste ensaio, irei abordar a questão da estética da recepção e a necessidade da ação do
leitor para a concretização da obra, uma vez que a leitura de uma obra literária não deve ser
apreciada baseando-se somente no tempo que o leitor dedica a ela, pois existe todo um traba-
lho, consciente ou inconsciente e um efeito a posteriori. A leitura deve nos introduzir a um
tempo próprio, distante da agitação do dia a dia, em que a fantasia tem livre curso e permite
imaginar outras possibilidades.
	 Assim sendo, o presente ensaio irá perpassar pelo contexto histórico da estética da
recepção, baseando-se em teóricos como Jauss, Iser, Zilberman; a fim de intercalar com a lei-
Cássia Cristina Gonçalves Simplício²
RESUMO: Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, vem sendo, desde a
sua primeira publicação em 1605, objeto de discussões e questionamentos, sobretudo, ao que
tange a inserção do leitor durante a leitura da narrativa. Sendo assim, este ensaio pretende
analisar e relacionar as interpretações das obras realizadas no decorrer no tempo embasando-
-se na teoria literária da Estética da Recepção, criada a partir da aula inaugural de Hans Robert
Jauss, em meados da década de 1960 sob o nome de A história da literatura como provocação à
ciência da literatura. Em 1970, Wolfgang Iser, outro teórico privilegiado neste trabalho, também
publica um texto inaugural, intitulado A estrutura apelativa dos textos.
Palavras-chave: Dom Quixote. Estética da Recepção. Leitor
¹ Trabalho referente à avaliação da disciplina Teoria literária: tradição e contemporaneidade, ofertada pelo
programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Uberlândia, ministrada pela
Professora Doutora Karla Fernandes Cipreste.
² Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. E-mail: cassia.simplicio@ufu.br.
37
tura de Dom Quixote de La Mancha para demonstrar como o leitor recebeu um papel de
destaque nos estudos literários. Dessa maneira, não se trata apenas de pensar na estética da
recepção, mas propor uma recepção estética que permita que o leitor assuma as ferramentas
da ficção para ampliar o seu modo de compreender um texto.
DESENVOLVIMENTO
	 Caminhos da estética da recepção
	 A partir da aula inaugural de Hans Robert Jauss, na Universität Konstanz, surge a Es-
tética da recepção. Em 1967, dá-se a publicação de sua aula, sob o nome de A história da lite-
ratura como provocação à ciência da literatura. Em 1970, Wolfgang Iser, outro teórico privilegiado
neste trabalho, também publica um texto inaugural, intitulado A estrutura apelativa dos textos.
	 Segundo a estética da recepção, a teoria da literatura deve ser fundada no reconheci-
mento da historicidade da arte. Para Jauss, as outras linhas teóricas não consideram a história
nas análises do texto literário. O teórico aponta que, na década de 1960, a hegemonia do
estruturalismo transformou a história da literatura em objeto não grato.
A história da literatura como provocação à teoria literária era funda-
mentalmente, em sua intenção, uma apologia da compreensão histórica
tendo por veículo a experiência estética – e isso em uma época na qual
o estruturalismo havia desacreditado o conhecimento histórico e come-
çava a expulsar o sujeito dos sistemas de explicação do mundo (JAUSS,
1994, p. 73).
	 Os pesquisadores da estética da recepção buscaram realizar um trabalho de reflexão
sobre o leitor, algo até então considerado revolucionário em um período cuja a sustentação
dos estudos baseava-se na autonomia dos textos, teoria defendida em diversos trabalhos do
New Cristicism. Assim sendo, a estética da recepção necessita da ação do leitor, pois depende
dele para a concretização que justifica a existência das criações literárias.
	 Dessa maneira, a função do leitor diante da obra literária seria perceber as sutilezas da
obra e preencher o “vazio” textual, cabendo ao leitor resgatar e atribuir significados ao texto.
Ainda segundo Jauss, um texto nunca é monológico ou atemporal, pois sempre ocorrerá a
atualização no ato da leitura.
	 A partir de então, podemos notar a relevância do papel dessa crítica na história literá-
ria, visto que as pesquisas sobre o papel do leitor obtiveram um aumento significativo ultra-
passando até mesmo a academia.
	 Vale ressaltar que os pesquisadores ligados a essa corrente crítica não foram os primei-
ros e únicos a tratarem sobre o leitor, a importância da estética da recepção se deve ao fato da
exclusividade, da sistematização e da abertura de reflexão em torno do leitor. Sartre em Que é
a literatura? (1989), já traz apontamentos e considerações acerca do leitor. Ao questionar sobre
os limites da literatura, com ênfase sobre o autor, Sartre, traz algumas observações sobre o
leitor que antecipam a discussão sobre sua atuação pela leitura, o que mais tarde também é
defendido por Iser.
38
	 No pilar da Estética da Recepção, destacam-se dois nomes: Jauss e Iser. Em aponta-
mentos gerais, pode-se dizer que Iser estava mais centrado em discutir a leitura como um
fenômeno individual. Já Jauss, aponta a leitura como um ato coletivo, buscando destacar a
necessidade de pensar a recepção em perspectiva histórica como base para compreender o
enaltecimento literário.
	 Para Jauss (1994), a história da literatura ao considerar apenas um cânone ou descrever
a vida e a obra de alguns autores em ordem cronológica não consegue atingir a historicidade
das obras, não observando o aspecto estético da criação literária, já que acreditava que os
critérios de recepção, efeito e a relevância da obra seria mais importante do que o resultado
das condições históricas e biográficas de sua origem.
A proposta da Estética da Recepção surge, portanto, com a preocu-
pação central de encontrar um método para a história da literatura e
da arte, capaz de abordá-la tanto em sua relação com o contexto geral
da história quanto em sua historicidade específica, i. e., tanto em rela-
ção à sociedade quanto na dinâmica interna de superação, transgres-
são e instauração de novos códigos estéticos. Como teoria conciliadora
das pesquisas marxistas e formalistas, a teoria proposta pela Escola de
Constança buscava não só resgatar a perspectiva histórica como incluir
em seu método uma fundamentação do juízo estético que o objeto
demanda. Para que tal conciliação fosse possível era necessário propor
um nexo literário a partir do qual a ciência da literatura se tornaria capaz
de compreender a obra tanto em sua história – ou seja, no interior da
história da literatura como sistema de gêneros e formas – quanto na
história, i.e., “em seu horizonte histórico de nascimento, função social
e efeito histórico” (JAUSS, 1994. p. 20)
	 Para Regina Zilberman (1989), a análise de Jauss leva-o a denunciar a petrificação da
literatura, cujo método estava preso aos padrões herdados do idealismo ou do positivismo do
século XIX. Assim sendo, somente a partir da superação dessas diretrizes que seria possível
promover uma nova teoria da literatura, “fundada no “inesgotável reconhecimento da histo-
ricidade” da arte, elemento decisivo para a compreensão de seu significado no conjunto da
vida social; não mais, portanto, na omissão da história” (ZILBERMAN, 1989, p. 9).
	 A estética da Recepção e o leitor de Dom Quixote de La Mancha
	 Em Dom Quixote de La Mancha, compreender o contexto histórico é parte essencial
para o entendimento da obra, já que a história se passa durante o século de ouro espanhol,
demarcado pelo nascimento do barroco, início da modernidade e do modelo aristotélico de-
marcada pela retomada e valorização da tradição.
	 Para Jauss, o leitor é uma figura histórica que respeita a história que lê, mas ao mesmo
tempo promove uma ruptura com as leituras feitas até o momento, alcançando a sua própria
interpretação. Para Zumthor, “a leitura literária não cessa de trapacear a leitura. Ao ato de ler
integra-se um desejo de restabelecer a unidade de performance, essa unidade perdida para
nós, de restituir a plenitude” (2014, p. 66).
39
	 Em Dom Quixote uma espécie de metamorfose entre o leitor e o autor tradicional, na
narrativa, o autor/narrador cria uma máscara de si mesmo e do leitor para poder participar
do romance. Os primeiros leitores da época da publicação do clássico estavam bem familiari-
zados com as novelas de cavalaria e percebiam uma relação entre estas novelas e o romance.
Porém, os leitores atuais concebem-na de modo peculiar e exige certa preocupação com a
contextualização.
	 Wolfgang Iser, considera o processo de leitura como dinâmico, uma vez que o efeito
produzido está ligado, por um lado, à materialidade do texto e, por outro, à subjetividade do
leitor. Ademais, o autor indica que não há um sentido estabelecido que poderia ser apreen-
dido por um leitor passivo, mas tampouco há liberdade para o leitor compreender algo que
não esteja no texto. Importante frisar que, a interação, defendida por Iser, fracassa quando o
leitor não consegue perceber a manipulação discursiva que alguns escritores realizam.
	 Outrossim, o conceito de “leitor implícito” se constrói, assim, nessa junção entre o
texto e o sujeito. Não se trata, portanto, de um leitor real, mas de um receptor que atua sobre
uma estrutura textual: “Este conceito de leitor implícito designa uma rede de estruturas pro-
pulsoras de respostas, que impele o leitor a ‘apreender’ (grasp) o texto” (ISER, 1996, p. 34).
Na obra de Cervantes, pode-se notar que o conceito proposto por Iser se faz presente e é de
extrema importância para a configuração da obra.
	 Segundo Compagnon (2003), a teoria protesta sempre contra o implícito: incômoda,
ela é o protervus (o protestante) da velha escolástica.
O que você chama de literatura? Que peso você atribui a suas proprie-
dades especiais ou a seu valor especial?, perguntará a teoria aos histo-
riadores. Uma vez reconhecido que os textos literários possuem traços
distintos, você os trata como documentos históricos, procurando neles
suas causas factuais: vida do autor, quadro social e cultural, intenções
atestadas, fontes. O paradoxo salta aos olhos: você explica pelo con-
texto de um objeto que lhe interessa precisamente poque escapa a esse
contexto e sobrevive a ele. (COMPAGNON, 2003, p. 22).
	 Compagnon vai contra o que é proposto por Iser enfatizando que, por trás de uma
suposta liberdade, há a obrigação de o leitor seguir aquilo que lhe é prescrito pelo livro. Isso
levaria, para o crítico francês, a uma “pergunta espinhosa”: “como se encontram, se defron-
tam praticamente o leitor implícito (conceitual, fenomenológico) e os leitores empíricos e
históricos?” (COMPAGNON, 2003, p. 153).
	 Em oposição a uma concepção restrita de literatura e leitor, são muitas as obras e são
muitos os leitores. Podemos pensá-los com o instrumental de uma crítica que está tão distan-
te deles? Ou, modificando a questão de Compagnon indicada anteriormente: como lidamos
com o leitor empírico em relação ao leitor conceitual.
A leitura [fechada, objetiva, descompromissada, como pregada pelo
New Cristicism], e geral, fracassa diante do texto: Richards é um dos
raros críticos que ousaram fazer esse diagnóstico catastrófico. A cons-
tatação desse estado de fato não o levou, no entanto, à renúncia. Para
a teoria literária, nascida do estruturalismo e marcada pela vontade de
descrever o funcionamento neutro do texto, o leitor empírico foi igual-
mente intruso [...] O leitor é, então, uma função do texto, como o que
40
Riffatterre denominava o arquileitor, leitor omnisciente ao qual ne-
nhum leitor real poderia identificar-se, em virtude de suas faculdades
interpretativas limitadas. (COMPAGNON, 2003, p. 142).
	 A obra que imortalizou Cervantes tem sido suporte das mais diversas leituras, pare-
cendo nunca se findar. Mario Vargas Llosa chama a atenção para o fato de que o texto evolui
com o passar do tempo e se recria a si mesmo em função das estéticas e dos valores que cada
cultura privilegia. Desde que haja leitores que não se assustem com a reputação dos autores,
sempre se poderá tentar uma outra leitura.
	 Se a leitura e os leitores têm posição de destaque na primeira parte da obra, na segun-
da tornam-se, ao lado das aventuras, a própria matéria a ser narrada. Se o Quixote de 1605
mantém relação intertextual com os livros de cavalaria, na continuação, de 1615, a intertextu-
alidade se constrói a partir do texto e dos leitores da primeira parte.
[...] a inclusão do leitor marca uma distinção fundamental entre as duas
partes, trazendo para o contexto da obra a problematização da prática
da leitura. Ou seja, na primeira parte Dom Quixote olha o mundo a
partir da óptica de suas leituras, confiante de que a realidade se recobre
por uma rede de similitudes entre o lido e o vivido, enquanto na segun-
da parte, numa transposição paradoxal, são os próprios leitores/ per-
sonagens que se surpreendem com as coincidências entre o que leram
na primeira parte e o que vivem na segunda, a partir do contato direto
com o cavaleiro e seu escudeiro. A inclusão da primeira parte na segun-
da corresponde, portanto, a um afunilamento do universo das referên-
cias literárias, fazendo com que o texto se defronte consigo mesmo,
questionando as relações entre a verdade poética e a verdade histórica.
(VIEIRA, 1998, p. 81-2)
	 Ao interagir com o leitor, logo de início da novela, podemos verificar um tom grossei-
ro do narrador com quem o lê que é invocado como “Desocupado leitor”, por fim ao realizar
um diálogo o tanto quanto lúdico, dramático e irônico, notamos que a intenção inicial do nar-
rador é de agradar o leitor. Intenção está declarada pelo próprio “autor”, num momento de
desabafo, quando reclama que os leitores não dão atenção às novelas, passando por elas com
rapidez ou enfado. “Ao satisfazer seu gosto, se vê obrigado a deixar de lado as digressões, o
que lhe impede de exercer sua criatividade” (CERVANTES, 2004, p. 877). Assim, o próprio
autor revela a preocupação com coma recepção de sua obra.
	 Lajolo (2001), salienta que para uma obra existir, deverá a mesma ter relação entre
autor que escreve e leitor que lê. Nesse caminho, há toda uma estrutura que se interpõe entre
leitor e obra. Cervantes ao chamar o leitor de “Caríssimo leitor” faz uso de sarcasmo para fa-
lar de sua obra: “Y así el estéril y mal cultivado ingenio mío, sino la história de um hijo seco”.
	 Jauss, ao resgatar uma perspectiva histórica para a recepção, considera que devem ser
valoradas as obras que romperam o “horizonte de expectativa”. Com isso, ele define em sua
teoria uma determinada concepção de literatura e, por consequentemente, de leitor privile-
giado.
	 Segundo Blanchot (1987), o “leitor” é aquele para quem a obra é dita de novo, não re-
dita numa repetição continua, mas mantida em sua decisão de fala nova, inicial. Ao nomear o
“lector suave”, Cervantes trata o leitor com tom de futilidade, mas para inseri-los no romance
41
como figuras participantes ou personagens do processo composicional.
	 Além disso, o fato de o narrador não querer lembrar o nome do fidalgo, com a in-
tenção de mostrar e ocultar as informações do fidalgo, o que provoca uma desconfiança do
leitor que questionará se os fatos são verdadeiros ou não, uma vez que o narrador não apenas
conta, mas julga os personagens.
	 Os apontamentos realizados por Iser não considera o texto como um produto acaba-
do, diante do qual o leitor se coloca para extrair um sentido único. Assim, sua teoria apresenta
uma concepção mais dinâmica de texto, se opondo a concepção de Roman Ingarden, para
quem “a obra literária poder sofrer transformações sem perder a sua identidade” (INGAR-
DEN, 1979, p.389). Entretanto, não significa que a teoria de Iser, ao pressupor um leitor
implícito capaz de responder adequadamente às lacunas do texto, fosse totalmente oposta à
noção “elitista e normativa” de Ingarden, que reconhece a ação da leitura sobre o texto.
Ingarden nunca reflete sobre sua própria necessidade emocional de
proteger a obra de arte das massas de leitores que a usam para seus
próprios fins menos nobres. Contra essa visão do texto e do leitor nor-
mativa, elitista e “sem dinamismo”, Iser sustenta seu conceito de uma
interação dinâmica entre texto e leitor [...]. Mais importante, no entanto,
são as semelhanças essenciais no conceito de leitor e de leitura tanto de
Ingarden quanto de Iser. Iser substitui o conceito clássico de complexi-
dade harmoniosa do texto de Ingarden por um conceito moderno. Na
sua visão, a concretização do texto permite ambiguidades, perspectivas
múltiplas e até mesmo fragmentação. No entanto, sua compreensão
da atividade do leitor é tão ahistórica, abstrata e normativa quanto a
de Ingarden: o leitor, ou seja, a construção do leitor ideal, sempre será
estimulada através do texto para servir a um processo de crescimento
próprio sempre aberto, amplo e enriquecedor (BARNOUW, 1979, p.
1208).
	 A análise da recepção visa ao efeito produzido no leitor, seja individual ou coletivo e
sua resposta ao texto considerando o estímulo como bem afirma Compagnon,
Como Ingarden, o texto literário é caracterizado por sua incompletude
e a literatura se realiza na leitura [...] O objeto literário autêntico é a
própria interação do texto com o leitor [...] O leitor implícito propõe
um modelo ao leitor real; define um ponto de vista que permite que ao
leitor real compor o sentido do texto (COMPAGNON, 2003, p. 150-
151).
	 Em Dom Quixote, temos uma personagem cercada de livros de cavalaria, totalmente
influenciada por eles. Mesmo sem um levantamento exaustivo das aparições dos livros ao
longo de toda a narrativa, observa-se que este objeto está presente nos momentos mais mar-
cantes. São exemplos o expurgo da biblioteca do fidalgo (CERVANTES, 1978, cap. VI, p.
43), a leitura da “Novela do curioso impertinente” (idem, cap XXXIII, p. 190), ou o episódio
em que o cavaleiro observa o trabalho de correção e impressão do Quixote de Avellaneda em
uma gráfica de Barcelona (idem, cap. LXII, p. 565).
	 Dom Quixote enlouquece porque lê. A leitura das novelas de cavalaria é o que o move
para todas as aventuras. A leitura provoca sua ação. Alonso Quijano de tanto ler livros de ca-
valaria transmuta a ficção em realidade. Dom Quixote, não menos diferente, sonha tornar-se
42
através do que já vivenciou, em personagem de livro,
Quem duvida que lá para o futuro, quando sair à luz a verdadeira histó-
ria dos meus famosos feitos, o sábio que os escrever há de pôr, quando
chegar à narração desta minha primeira aventura tão de madrugada, as
seguintes frases: [...] (CERVANTES, 1978, cap. II, P. 32)
	 Cervantes explora amplamente a função metalinguística para elaborar reflexões críti-
cas a respeito de sua e de outras criações literárias e artísticas, sobretudo, as novelas de cavala-
ria. Na segunda parte, a reflexão sobre as tarefas das personagens, “gira em torno da própria
obra, seja acerca da primeira parte, seja sobre o falso Quixote”. (VIEIRA, 1998, p.88).
	Em O demônio da teoria, temos a definição de leitor, partindo dos pressupostos de Iser,
assim, o leitor é um espirito aberto, liberal generoso, disposto a fazer o jogo do texto, mas não
deixando de lado um leitor ideal: extremamente parecido com o crítico, familiarizado com os
clássicos, mas curioso em relação aos modernos.
	 Em Dom Quixote, percebemos que as personagens se posicionam e se comportam
como se fossem pessoas reais, desestabilizando qualquer certeza que o leitor possa ter sobre
o estatuto de ficção do texto literário. Lajolo (2006, p. 03) pondera que, quando as persona-
gens discutem seu estatuto de ficção, “o espaço ficcional pode ganhar foros de realidade que
conduzem o seu leitor a pisar devagarinho nos estreitos limites de fantasia e realidade, autor
e narrador, ficção e história, personagem e pessoa”, justamente o que Borges indica como
magia parcial do Quixote, ou seja, que “Cervantes se compraz em confundir o objetivo e o
subjetivo, o mundo do leitor e o mundo do livro” e também que “tais inversões sugerem que
se as personagens de uma ficção podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores ou
espectadores, podemos ser fictícios”.
	 Por fim, após algumas decepções o grande herói sucumbe à realidade e é obrigado a
admitir que tudo não passou de loucura. Em seus últimos dias, declara ser Alonso Quijano, o
Bom. Estando já curado, torna-se inimigo das novelas de cavalaria, ciente da impossibilidade
de existirem cavaleiros andantes. Mas, sem sombras de dúvida, o que se perpetuou para seus
leitores, reais ou fictícios, foi a grande aventura pelo universo da leitura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
	 Ao longo deste ensaio, busquei trazer algumas reflexões que obtive ao longo da disci-
plina teoria literária; tradição e contemporaneidade, sobretudo, as que tange sobre a estética
da recepção, confesso que essa a aula que mais aguardava ao longo do semestre. Comumente,
a escrita de Cervantes destaca-se pelo tratamento que recebe no que diz respeito à leitura,
personagem principal em Dom Quixote.
	 Sem dúvidas a narrativa cervantina apropria-se de sua estrutura para a construção de
sentido da obra, para que só assim possa ser formados leitores mais atentos, críticos e capazes
de apreciar a mesma obra sob diferentes aspectos.
	 Por conseguinte, analisar o leitor deste clássico, é pensar no repertório sociocultural
que ele já traz consigo para que ele possa refletir sobre a obra literária. A experiência da lei-
tura assim como toda experiência humana, é dual, ambígua, dividida; mas não significa que
não devo me posicionar.
43
	 Para Petit (2013), falar um pouco do papel da leitura na construção de si mesmo, na
elaboração da subjetividade. Assim, concluo que o ato de leitura é uma ferramenta de poder.
É através dele que se teme uma identificação, na qual o leitor pode ser aspirado pela imagem
fascinante que lhe é oferecida e construir pontes com suas próprias palavras.
REFERÊNCIAS
BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita, v. 3: a ausência do livro (o neutro, o fragmentário).
Trad. João Moura Jr. São Paulo: Escura, 2010.
BORGES, J. L. Magias parciales del Quijote. In: _______. Obras completas. Buenos Aires:
Emecé Editores, 1974, p. 667-669.
CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Dom Quixote. Trad. De Viscondes de Castilho e Aze-
vedo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
_______. Don Quijote de la Mancha. Edición del IV centenario. Real Academia Española, Aso-
ciación de Academias de la Lengua Española. Alfaguara, 2004.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2003.
LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001. p.7 - 48.
________. Do Intertexto ao Hipertexto: as paisagens da travessia. Disponível em: https://
meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/a-importancia-literatura-infanto-juvenil-no-
-fundamental-ii.htm. Acesso em 25/12/ 2020
PETIT, Michèle. Leituras: do espaço intimo ao espaço público. Trad. Celina Olga de Souza.
São Paulo: Ed. 34, 2013.
VIEIRA, M. A. C. O dito pelo não-dito: paradoxos de Dom Quixote. São Paulo: EDUSP-
-Fapesp, 1998. (Ensaios de Cultura, 14).
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich.
São Paulo: Cosac Naify, 2014.
44
O mal estar docente em tempos pandêmicos:
narrativas na contemporaneidade
1 INTRODUÇÃO
	 Mais que um profissional responsável pela transmissão de conteúdos prontos e fecha-
dos, o docente se apresenta como um mediador de conhecimentos e facilitador de proces-
sos de aprendizagem. Carlos Marcelo (2009) disserta sobre a identidade docente traduzindo
como construção do próprio sujeito a partir da reflexão de sua ação contextual:
Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos¹
RESUMO: Este artigo tem como objetivo compreender os impactos causados na abrup-
ta inserção docente na utilização de inúmeras tecnologias digitais em tempos de Covid-19.
Na contemporaneidade o uso de plataformas digitais obteve notória participação no supor-
te dos professores para a realização das suas aulas de maneira remota. Assim, pretende-se
compreender, na perspectiva de (MARCELO, 2009) e (SOUZA, TAMANINI E SANTOS,
2020), como o profissional docente tem se relacionado com inúmeras tecnologias e quais
os impactos sociais e psicológicos decorrem deste processo. Para tanto, esta pesquisa de or-
dem qualitativa, foram entrevistados três professores de realidades variadas para que em sua
própria percepção narrem os desafios encontrados, os recursos utilizados e suas condições
emocionais durante a realização das aulas remotas. Pode-se constatar que há um esforço con-
junto dos professores para dar continuidade ao percurso educacional dos alunos, embora as
soluções não sejam completamente adequadas nesta realidade incerta, sendo considerado um
momento que tecnologia ou a ausência dela tem gerado várias condições de adoecimento.
Palavras-chave: Tecnologias Digitais; Mal estar docente; Isolamento Social; Aulas Remotas
¹ Membro da Rede Nacional da Ciência para a Educação- CPe Membro da Associação Brasileira de Au-
toimunidade Docente Pesquisador em Educação e Neurociência aplicada ABEPEE- Associação Brasileira
de Pesquisadores em Educação Especial UNESP Associado(a) na categoria de Profissional, Nº de matrícula
15713, da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) USP, filiada no Brasil, à Fede-
ração das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e no exterior, à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações
Latino Americanas e do Caribe de Neurociências Student Membership International Society for Telemedici-
ne and eHealth -EUA e Membro da ABTms - Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde.
“...um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experi-
ências, uma noção que coincide com a ideia de que o desenvolvimento
dos professores nunca para e é visto como uma aprendizagem ao
longo da vida. Desse ponto de vista, a formação da identidade profis-
sional não é a resposta à pergunta quem sou eu neste momento? mas
sim a resposta à pergunta o que quero vir a ser?” (MARCELO, 2009,
p. 112-113).
45
	 A partir da construção identitária da profissionalidade a partir das experiências circun-
dantes, entende-se o professor como ator importante de comunicação entre o espaço escolar,
seus sujeitos e o mundo. Além de sua função em sala de aula, o professor se constitui, como
afirma Paulo Freire (2001), agente social de transformação e “humanização dos sujeitos”,
onde cada indivíduo pode afirmar como o próprio Freire se descrevia: “não nasci... vim me
tornando” (FREIRE, 2001, p. 87).
	 Vale ressaltar neste texto, como as percepções sobre o professor mudaram com o pas-
sar dos anos quando lembra-se que o professor de cinquenta anos atrás, nos ambientes civis
(no mercado, posto de saúde, parque etc.) dificilmente ouvia-se um aluno o chamar por seu
nome ou por outra caracterização específica: sempre com muito respeito ao se portar diante
deles cumprimentava-se: “Olá, professor!” Em qualquer lugar que esteja, o professor será
reconhecido como tal.
	 A profissionalidade docente se concretiza no encontro da teoria e da prática, da pro-
fissão e da vida cotidiana, das realidades institucionais e da personalidade e individual, das
responsabilidades na formação dos discentes e na preocupação por sua própria formação
permanente.
	 Marcelo (2009), afirmando a construção da identidade docente diante da intersubjeti-
vidade do lugar em que se existe e a partir das funções que assume, recorda que
“...é preciso entender o conceito de identidade docente como uma re-
alidade que evolui e se desenvolve, tanto pessoal como coletivamente.
A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se desenvolve
durante a vida. A identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, e
sim um fenômeno relacional. [...] A identidade profissional não é uma
identidade estável, inerente ou fixa. É resultado de um complexo e di-
nâmico equilíbrio onde a própria imagem como profissional tem que
se harmonizar com uma variedade de papéis que os professores sentem
que devem desempenhar”. (MARCELO, 2009, p. 112).
	 O professor, dentro da história social e cultural, se apresenta como “ponte” entre os
saberes, os indivíduos, potencialidades e dificuldades.
	 Este artigo justifica-se por relevante contextualização da profissionalidade docente em
sua função social no atual momento histórico, compreendido diversamente como “era da
informação”, “era da interatividade”, “era digital” entre outras terminologias coadjuvantes.
Como caracterização fundamental, podemos afirmar que este tempo atual é “marcado por
transformações vertiginosas em todas as suas esferas - social, econômica, política, cultural,
educacional, pautadas na conectividade, ubiquidade, interatividade, comunicação multidire-
cional, informação em tempo real, descentralização e democratização da informação e das
comunicações” (SOUZA, TAMANINI E SANTOS, 2020, p. 2), que influenciam no modo
de compreensão acerca dos indivíduos e instituições inseridos nesta realidade, bem como do
próprio mundo ao qual são sujeitos históricos responsáveis por sua construção.
	 Além de uma característica da cultura historicamente construída, os processos que já
eram marcados pela virtualização das relações, têm se intensificado ainda mais ultimamente
devido ao isolamento social recomendado, medida tomada devido ao surto pandêmico do
novo “Coronavírus” (COVID-19). Tal crescimento acontece, de modo especial, nos proces-
46
sos educacionais, que antes tomavam das tecnologias digitais alguns meios e soluções e, nos
últimos meses, se viram “reféns” das tecnologias e aparatos eletrônicos, realizando aulas e
todas as demais atividades educativas à distância a partir dos espaços virtuais.
	 Se antes as tecnologias poderiam ser facultativas e secundárias na educação, agora
estão sendo obrigatórias e, junto com a própria atividade docente- discente, se coloca como
elemento fundamental para a concretização do processo ensino- aprendizagem.
Emerge-se o entendimento contemporãneo de que o professor não é o único dententor do
saber, assim é válido acreditar que o chamado processo de ensino e apredizagem aconteça de
forma bilateral (aluno-professor-professor-aluno), acrescidos da presença da tecnologia que
em tempos pandemicos fora uma das poucoas e mais assertivas soluções para continuar a se
fazer educação no mundo. Em conformidade com o exposto é indubitável o reconhecimento
da assertiva que Santos, 2020 nos propõe:
“O ensino remoto tem deixado suas marcas... Para o bem e para o mal.
Para o bem porque, em muitos casos, permite encontros afetuosos e
boas dinâmicas curriculares emergem em alguns espaços, rotinas de
estudo e encontros com a turma são garantidos no contexto da pan-
demia. Para o mal porque repetem modelos massivos e subutilizam
os potencias da cibercultura na educação, causando tédio, desânimo e
muita exaustão física e mental de professores e alunos. Adoecimentos
físicos e mentais já são relatados em rede. Além de causar traumas e
reatividade a qualquer educação mediada por tecnologias. Para o nosso
campo de estudos e atuação, a reatividade que essa dinâmica vem cau-
sando compromete sobremaneira a inovação responsável no campo da
educação na cibercultura” (SANTOS, 2020, s.p.).
	 É mister pensar aqui a relação educação e tecnologias digitais para o futuro, a fim de
que estejam em sintonia pedagógica, tendo em vista a construção de sujeitos críticos e atentos
às necessidades do seu tempo. Nesta perspectiva se colocam questões como: os professores,
alunos e famílias estavam preparados para o ensino remoto? As adaptações de metodologia
e conteúdo foram realizadas adequadamente? Quais problemas se colocam diante da dificul-
dade dos acessos aos meios digitais? Que impactos causaram e causarão na educação? Como
se sentem os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem nesse tempo de aulas
remotas, especialmente os docentes?
2 A PESQUISA: METODOLOGIA
	 Este artigo segue preceitos metodológicos de caráter qualitativo, e baseou-se na defi-
nição de Denzin e Lincoln (2006) quando conceituam tal tipo de pesquisa, a partir da abor-
dagem interpretativa do mundo, procurando compreender os fenômenos propostos a partir
das significações que os próprios sujeitos participantes da pesquisa dão a eles. A atenção para
a abordagem e modo de análise se voltou para os depoimentos dos sujeitos docentes envol-
vidos e os significados presentes direta ou indiretamente nas suas narrativas.
	 Como objetivo central, buscamos investigar, a partir da diversidade de identidade do-
cente, os impactos e condições que o uso das tecnologias teve no trabalho docente, as adap-
tações que precisaram ser realizadas, os meios dispostos que tiveram das instituições para que
47
	 as mesmas acontecessem e as condições e impactos pessoais/psicológicas provocados
pela atual situação educacional e a atividade docente. A pergunta que baseou a pesquisa foi:
quais as condições de trabalho, adaptações necessárias, desafios profissionais e impactos psi-
cológicos da educação no período pandêmico?
	 A sondagem foi executada para realização de um trabalho para uma disciplina do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Ibirapuera por dois estudantes
mestrandos. Como metodologia de pesquisa, optou-se por um questionário breve, com 5
questões abertas, abrangendo a identificação pessoal e profissional, os recursos utilizados
na docência durante as aulas remotas por conta da pandemia, as necessárias adaptações, os
demais desafios e os impactos pessoais/psicológicos desta experiência de ensino totalmente
virtualizado.
	 Em relação as ínumeras váriaves impeditivas para a coleta dos dados, o questionário
foi unicamente enviado via e-mail e WhatsApp para 3 docentes do Município de São Paulo,
sendo 1 de cada rede de ensino: municipal, estadual e privada. A pesquisa foi realizada com
devolução dos dados entre 2 e 5 de outubro de 2020.
	 Responderam o questionário 1 docente de cada rede de ensino, a saber: municipal,
estadual e privada. A idade dos docentes se coloca entre 25 e 50 anos e o tempo de docência
entre 5 e 20 anos.
	 Separou-se o perfil específico de cada docente: Professor A: 25 anos, 5 anos de profissão,
docente do Ensino Fundamental II, e Ensino Médio da rede privada no Município São Paulo; Professor
B: 42 anos, 10 anos de profissão, docente do Ensino Fundamental I e II, da rede municipal de São Paulo;
Professor C: 50 anos, 20 anos de profissão, docente do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, da rede
estadual de São Paulo.
	 Para a análise dos dados obtidos, o estudo guiou-se pelo método e definição de Wethe-
rell, Taylor e Yates (2001) diante da “análise do conteúdo” como modo de ler e compreender
os textos e as “falas” (tendências praxiológicas) presentes, investigando o uso da linguagem
em seus contextos sociais. Trata-se da consideração dos conteúdos dos discursos associado a
questões sociais ou culturais. A partir das narrativas dos docentes divididas em temas especí-
ficos apresentadas na pergunta de pesquisa, analisou-se os resultados.
	 A partir da análise verificou-se de forma generalista os recortes das falas, através da
participação de docentes recém profissionalizados, com experiência mediana e com maior
experiência profissional, bem como advindos da diversidade de redes e etapas escolares.
3 NARRATIVAS DOCENTES
	 A partir das considerações elencadas pelos próprios docentes, se pode traçar uma aná-
lise a partir das temáticas elencadas nas próprias questões e apresentadas já apresentadas no
texto.
	 Quanto aos recursos utilizados, os entrevistados mostraram diferentes formas de uti-
lização. No entanto, todos eles se mostram preocupados com o chamado “novo normal”
formato de aplicação e execução das aulas. Os principais meios citados foram vídeo-aulas,
grupos de WhatsApp, tutoriais do YouTube (para exposição de conteúdo do livro didático
ou maquetes e outras formas tradicionais), ferramentas do Google (Classroom, Meets, Docs,
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Ed 2. chispas literarias

  • 1. 1 Lunes, abril 12, 2021. Edición 02. Revista académica Chispas Literarias Universidade Federal de Uberlândia Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98
  • 2. 2 Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98 Equipe Edição 2 Ana Claudia Macedo Camargos – UFU Hillary Souza Silva – UFU Júlia de Oliveira Marcelino – UFU Nathalia Arantes Urzedo – UFU Prof. Dra. Cintia Camargo Vianna – UFU (coordenadora) Reitor: Valder Steffen Júnior Vice-reitor: Carlos Henrique Martins da Silva Instituto de Letras e Linguística (ILEEL) Diretor: Ariel Novodvorski Revista Eletrônica Chispas Literarias Disponível em: https://issuu.com/revistachispasliterarias/docs/pdf_-_ed._1_-_chispas_literarias https://chispasliterariasufu.blogspot.com/p/primeira-edicao-revista-chispas.html https://chispasliterariasufu.blogspot.com/ revistachispasliterarias@gmail.com @chispasliterariasufu Créditos da imagem de capa: Robert Anash on Unsplash - https://unsplash.com/photos/McX3XuJrsUM
  • 3. 3
  • 4. 4 Editorial Chispas Literarias Universidade Federal de Uberlândia Chispas ficcionales - pg. 6 Chispas artísticas - pg. 30 Chispas académicas - pg. 34 Entrevista - pg. 98 Tema: Produções em quarentena A Revista Eletrônica Chispas Literarias é um projeto de extensão fei- to por alunos da graduação em Letras da Universidade Federal de Uber- lândia (UFU) para alunos de todos os cursos de graduação da UFU e de outras instituições de ensino. Nosso objetivo é dar visibilidade não so- mente aos trabalhos acadêmicos dos alunos, como também às suas produ- ções artísticas, como poesias, contos, fotografias, ilustrações e entrevistas. Edição 2 La Revista Chispas Literarias nació en medio a la pandemia del Coronaví- rus, en la asignatura Conto Hispanoamericano, con tres alumnas involucradas. Después, siguió independiente de la asignatura, con el apoyo de otras dos co- legas del Núcleo de Español, Nathalia y Julia. Sin su apoyo, esa segunda edici- ón, la primera “oficial”, con llamada para publicación abierta, no sería posible. Entonces, cuando pensamos en el tema, no encontramos otro mejor que ese que nos permitió discutir producciones también hechas en ese período difícil, y no solamente producciones académicas, sino que dar oportunidad también para textos literarios, como poemas, cuentos, microcuentos, crónicas, etc., ya que es algo que nos hace falta leer — y escribir — en la universidad. Por fin, damos las gracias a todos nos confiaron sus textos e ilustraciones y que ahora ustedes pueden conocer. Muchas Gracias. Equipo Editorial Revista Chispas Literarias Abril/2021
  • 5. 5
  • 6. 6 Chispas Ficcionales Seção dedicada à publicação de produções ficcionais dos alu- nos, como poesias, contos, micro contos, crônicas, etc.
  • 7. 7 Sumário Daniel Robbin Um breve monólgo de pandemia ............................ 8 Fernanda Garcia Cassiano Frenetic dirty days: qual é a sua (minha) bati- da? ............................................................................................... 9 Lucas Simonette Réquiem da História ...................................................... 15 Lucas Rodrigo Uchôa de Oliveira O peso do mundo em minha morada ................ 18 Marcello Borges Construção ........................................................................... 19 Sombras da dor ................................................................ 20 Marcelo Queiroz Oliveira Júnior Carta para mim ................................................................ 21 Rômulo Piloni Quem é o sexo frágil? .................................................. 24 Olho vermelho .................................................................. 25 Silvio Tony De Santos Oliveira Flagelo ................................................................................... 26 Wellington R. Fioruci Condenados ......................................................................... 27
  • 8. 8 Um breve monólgo de pandemia “Cada vez mais próximo do fundo do poço” – era o que eu pensava toda vez que a psicólo- ga perguntava como eu tinha passado. Nunca cheguei a verbalizar. Depois que a pandemia começou, nenhuma perspectiva de futuro. Tantas incertezas, tantos projetos deixados de lado. Sempre gostei de escrever, ultimamente tenho deixado isso de lado. Aliás, tudo tem ficado de lado. Tudo que se refere a mim mesmo. Sempre priorizando os outros, as vonta- des dos outros, o que os outros querem ouvir. Cada vez mais cansado de ser o perfeito em tudo. Preciso errar, preciso me dar a possibilidade, o luxo de errar. Não aguento mais essa vida monótona, esse vício em trabalhar até dez da noite de domingo a domingo. Esse vício que eu tenho em não ter vida social. Tudo que eu queria era respirar fundo, mas parece que estou afogado no gelo, em um oceano putrefato e sem emoção. Um marasmo que toma conta dos meus dias e das minhas noites. A única vontade que a pandemia me deu foi a de não fazer nada. É como se houvesse uma luz no fim do túnel, mas estivesse tão distante de mim quanto Marte está de nossos astronautas. Aliás, comecei a me questionar. De que serve a astronomia? De que servem as artes? De que servem as pessoas? Se o vazio que sentimos a cada noite estrelada de luar é contínuo, repetido, normalizado? Sentir um vazio pode, mas e o ser vazio? Parece que estamos nos tornando grandes ocos de nada. A poesia, antes, ainda me salvava, a poesia era o pão de cada dia, a pílula calmante em meio a um velejar naufragan- te. Agora, de nada me serve. Quem sabe eu mude de ideia, quando sairmos desse buraco, se sairmos. É como se um buraco negro, daqueles que você não acredita tão fácil que existem, tivessem comido toda a felicidade que habitava em nós, toda a esperança, toda a vontade de fazer diferente. Estamos imersos em um fazer igual para continuar igual e calar igual, porque silenciar é consentir, e consentimos a dor que habita os corações dos inteligentes. A sabedoria nos abre os olhos, nos fecha a mente. Mente, mente, intransigente. De que vale mentir para nós mesmos? Dizer que está tudo bem, quando o que na verdade precisamos é de um bom gole de uísque, um disco do Cazuza e uma pontada amarga de dor no cora- ção. Dor, já que a cor está em falta ultimamente. Quem sabe um dia, quem sabe, um dia. Daniel Abud Marques Robbin Graduado em Letras – Português/Espanhol pela UFMS – Campus do Pantanal. Professor de Língua Portu- guesa e Literatura em Cursinho Pré-Vestibular. Reali- za pesquisas nas áreas da Sociolinguística, da Dialeto- logia e do Ensino de Literatura. Membro da Academia Brasileira DeMolay de Letras e do Grupo de Pesquisa Língua e Literatura na Fronteira, coordenado pela Pro- fa. Dra. Rosangela Villa da Silva (CPAN – UFMS).
  • 9. 9 Frenetic dirty days: qual é a sua (minha) batida? No Quizur, você já encontrou um teste para saber qual música você é? Adoro respon- der aos quizzes, mas confesso que só compartilho quando as respostas condizem com a reali- dade do meu desejo. Quem nunca foi responder a um teste com tamanha expectativa pra, no fim, descobrir que a cor da sua alma é a cor que você acha mais sem graça ou se desesperou com uma resposta como: parabéns, você vai ter 4 filhos. APAVORANTE! Uma vez, ouvi a Ana Maria Machado falando sobre inspiração... existe? Não existe? Importa saber que não existe, se acreditar faz mais bem que mal? Ela comentou: “se existe, sempre me encontra trabalhando”. Eu, imbuída por tudo que me falam com sonoridade sin- cera, acreditei com concretude. Trabalho com afinco e lapido meus espinhos, diariamente, em uma luta constante, mas, às vezes, de meias, cabelo preso e roupão felpudo, após sair de um banho quente e cheirando a sabonete fresco, a maldita — e bendita — se cria como lam- pejo em meu ouvido e me chama pra conversar. Tagarelar. Refletir. Eu me canso. Até que, em algum momento, percebo que nem é comigo que eu estou falando e então me deixo falar. Porque uma verdade, indubitável, é que gosto de falar com essas outras energias personifi- cadas que habitam em mim, por diversas razões e todas elas originadas do amor: por mim, pela vida, pela permissão de viver. E, aqui, venho eu, desesperada por não descobrir meus enigmas por meio de um quiz. Criador de tudo do mundo, se Eu sou tudo, por que não consigo saber de nada? Nada além de saber que sou composta de água, oxigênio, desejo e paradoxo? Nada além de mani- festação artística... a melodia do melodrama; tanto o do teatro épico, que sempre é desenca- deado para um final feliz e resolutivo, quanto ao meloperfectplacesdrama, que a Lorde cantarola no meu outro ouvido esquerdo, o meu preferido? A arte é, realmente, uma forma genuína de despertar muitas coisas. Por isso, transfor- má-la em profissão é uma atitude um tanto quanto perigosa. Prefiro entendê-la como um estilo de vida. E é uma delícia. Juntar, agregar, fundir é o que tem de mais gostoso no mundo; cultura; individualidade; história; humanidade; prazer. Agora, mais do que nunca, é notório como a gente não vive sem arte. Estamos vivendo sem muita coisa que achávamos que não saberíamos viver sem, mas o alimento diário, o que alimenta incessantemente, além de alguma mistura perfeita como arroz, feijão e batata palha, é a cultura. Alimenta o espírito e o espírito, tão abstrato e pecaminoso, se traduz através (no sentido literal e único, de atravessar) dos nossos sentidos. A arte aguça o sensorial de forma específica e abrangente. São diferentes os momentos em que colocamos, em evidência, algum sentido delimitante do externo/interno e ouso falar sobre uma percepção extra-sensorial, o aclamado e fundamental: sexto sentido. Quando falo, naturalmente, a minha atenção está em minha boca e nas diversas funções que ela pode realizar, quando admiro as nuances do meu olhar, vejo, assim como sinto minha sensibilidade em experimentar brisa e toque, meu arre- pio é, existe. E tento, aqui, falar de presença e de atenção plena — coisas que se diferem de uma rotina monótona, agora, eu criticando o método rotineiro é uma das formas de perceber minha insanidade, sou uma grande defensora do presente, é importante beber água e sentir gosto de água.
  • 10. 10 Percebo que ativo meus sensores em momentos diferentes e que, apesar de interliga- dos, sempre vivo, com eles, um processo muito individual. Nesse período conturbado, e que não posso mais chamar de novo, aprendi a escutar como nunca antes — a mim e aos outros. Minha forma de expressão tem que ser sempre, no mínimo, ensaística. Todo mundo associa música à lugares, coisas, pessoas, sentimentos, mesmo que in- conscientemente, não é um privilégio meu, entendo. A música instiga o pensamento, ela ins- tiga e direciona pensamentos, a arte direciona a sociedade. Mudo, então, minha perspectiva sobre mim e me torno agente do presente. Porque nada é feito só por mim ou só por você, tudo é a gente. Quando a gente fala sobre arte, a gente entende que a gente se alimenta de arte, uma parte é composta de arte, a gente se entende melhor no nosso reflexo paro mundo, porque a gente quer se conhecer, porque, talvez, o autoconhecimento seja o desejo secreto de todo mundo. Olha só, se a gente se conhece a ponto de saber lidar com a gente, o que, no mundo, poderia nos parar? Se eu aprendo a lidar com as minhas características pecaminosas, para além de saber da existência delas, o que eu não poderia fazer? Em que eu não poderia me transformar? Aí per- cebo que uma das formas mais genuínas da gente se conhecer, é a partir de uma análise estrita de como agimos no mundo (aprisionados nele). É culturalmente concebível a autodescrição, falar sobre si: eu sou, eu sou, eu sou eu. Sabe, confesso outra coisa, esse clima muito auto afirmativo (apesar de fazer essas coisas que jamais revelarei em voz alta) me dá uma queima- ção estomacal e desalinha meu chakra do plexo solar... algo parecido com o que sinto quanto escuto um coach falando coachinzações. Pensando sobre isso, analiso meus comportamentos musicais também por diversão. Já entendi que eu não consigo fazer nada que não me divirta. E é agora que Jung para na minha frente e fala: a estética, né, minha filha? É, Jung, é... meu valor estético caminha lado a lado com as referências. E ninguém precisa fazer pesquisa pra saber o quanto uma boa referência é fundamental. Se nada é novo, nada é tudo e tudo é nada, procurar boas referências que saibam andar na corda bamba entre o sublime e o grotesco é a única forma de reconhecer uma arte de boa qualidade que soe bem aos ouvidos. Já teve quem disse algo parecido com o que estou pensando. O ‘quem’ é Fernando Pessoa, meu poeta favorito e, ao mesmo tempo em que digitei, percebi que escrevi por pura comoção... meu poeta favorito é Drummond, mas; Já teve quem disse algo parecido com o que estou pensando, Fernando Pessoa, meu segundo poeta favorito, em um poema sobre climas, pessoas, situações, ele fala sobre como emoção é paisagem. Me tocou porque eu não sei definir emoção e definições ocupam um espaço importante em minhas reflexões diárias, apesar de nem sempre as achar importantes. Para mim, emoção é um sentimento que mistura muitos sentimentos, eu me sinto eufórica, com diversas pitadas significativas. Ele explica isso com paisagens: o que um dia de sol, um dia nublado ou uma tempestade significam pra gente? Eu nem preciso relatar sensações — e ufa, porque, provavelmente, não conseguiria. Isso me lembra signo linguístico, um experimento fonético que estudei no segundo ano da graduação, sobre a fundamentação do significado e do significante, resumindo: em uma pesquisa muito legal, foram feitos dois desenhos distintos, um curvilíneo e um angular, parecido com uma estrela, então, escolheram dois nomes e pediram que pessoas escolhessem qual nome seria de qual imagem, os nomes eram Maluma e Takete. É também de se esperar
  • 11. 11 que Maluma se tornou o nome do desenho curvilíneo e, depois, bombou no Brasil cantando Sim ou Não com a Anitta: hãhãm se quiser jogar, vem! Nunca duvidei do poder de dar nome para as coisas, nome é sobre identidade e memória também. É por isso que a gente tem cara de, e é; minha certidão de nascimento é minha memória estrita e a memória é um elemento que se costuma chamar de identidade, seja ela individual ou coletiva, essencial para os mo- mentos de febre e angústia. Tenho data e validade. Mais cedo, escolhi usar um anel com uma ônix no meu dedo indicador, talvez porque tenha combinado esteticamente com meu esmalte vermelho café, porque é forma de expres- são. Escolher usar meu perfume cítrico e refrescante com combinação vívida e efervescente de bergamota, cardamomo, tangerina, freesia e lavanda ao invés de meu perfume de flores brancas exaltadas com um acorde negro — minha combinação underground, e a que mais me representa — com notas brancas de flor de laranjeira, jasmim e tuberosa, que são entrelaça- das às notas negras e misteriosas de vetiver e patchouli é forma de expressão. Na descrição dizia: o lado chocante do chique. Transformo em lado chocante do bregafunkchic. Lembro demais de tanta coisa. Me disseram que é inusitado escolher perfume pra além da pirâmide olfativa, que, claramente, é a parte mais importante. Mas sério que reparar na embalagem ou na história de criação não ocupa nenhum espaço na escolha de alguma ex- pressão? Em que momento a humanidade se tornou tão desatenta aos detalhes fundamentais para qualquer processo de simbolização? Me compreendo em obras. Você sabe qual é a sua batida? Eu sei, pensar é exaustivo. No meio da pausa, me olhei paro espelho e pensei: você é muito engraçada. Gosto de re- presentar essa representação. Assim, mascaro a minha vontade de devorar e, quando vejo, já estou colada em meu reflexo, frente a frente com minha íris cor de mel, talvez de Bracatinga? Tem que ser um mel bem escuro, porque meus olhos são escuros. Tive que pesquisar. É um mel não floral, de sabor peculiar, aparência muito escura e rico em minerais. Gostei. A flor é originada em ambientes frios. Realmente, o tom álgido não condiz muito com a minha tropi- calidade, mas não vou procurar outro, gostei da sonoridade de Bracatinga. Escolhas não são resultado do acaso, e sim de um processo social e político. Assim como importa pensar na política da escolha da Gal Gadot em Wonder Woman, assim como a escolha da Isabelle Hupert para interpretar uma personagem que interpreta cenas clichês do cinema francês em Les Fausses Confidences, é importante pensar na política que me faz gostar do que eu gosto. E que não restem dúvidas, não me simbolizo e me olho somente por luxuria, mas, principalmente, porque adoro ser devorada por todos os sentidos e também em todos eles. Me divirto. É certo, texto não é fruto de uma geração espontânea. As experiências que constroem a nossa subjetividade são materializadas no texto, pois se tratam de experiências diferentes. A gente andou muito se perguntando sobre valor, valor capital do mercado, valor sensorial artístico, mas qual o nosso valor? Questionar motivações vem sendo o apogeu do museu memorial do isolamento mental, porque amar, porque estudar, porque pesquisar? É claro, nem sempre, na vida, vão ter soluções para os nossos afetos, mas conto, aqui, uma história, uma trajetória mental, sobre o aprisionamento literal. Busquei motivações que justificassem a pesquisa, caímos sempre no mesmo limbo dos que produzem e consumem: a arte serve pra
  • 12. 12 que? É certo, defendo e afirmo: para nada. É por isso que é tão instigante e tão interessante. Quando a gente estuda arte, trabalhamos com um aspecto puramente humano, não é instin- tivo, não é básico, não é necessário e, ainda assim, fazemos. Um movimento interessante que levantou discussões, em minhas redes sociais, foi o diálogo sobre o isolamento ter nos permitido perceber o quanto precisamos do consumo de arte para viver com qualidade, muitos reconheceram e, apesar disso ter sido esquecido depois de alguns meses, com bares e restaurantes lotados, ainda continuei me questionando: a arte serve à que? As produções humanas são o que? Porque então produzir? Olhar no espelho, se reconhecer, estudar as produções temporais e atemporais, naturalmente cotidianas e ao mesmo tempo não? Se eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio e me pergunto: o que é minha literatura? O que quero com a literatura? Sim, assumo meu compromisso políti- co/estético. A arte é um oásis no deserto do Real (reestruturando o título de um livro de um de meus filósofos favoritos, Slavoj Žižek, e teórico que me sustenta em minhas pesquisas). Nesse contexto pandêmico, estou aqui para refletir sobre a minha relação com a li- teratura, se o discurso da necessidade do consumo artístico foi se desgastando e se tornou insuficiente, é claro que existem várias respostas que podem explicar esse acontecimento. Me atenho muito a um conceito que Žižek colocou e eu, particularmente, adotei – porque tem uns conceitos que a gente adota, alguns exemplos que soam melhor pra gente e a gente repro- duz. Fico me perguntando o que aconteceu nesse meio tempo sobre a percepção geral: nesse contexto, a arte entrou como uma representação do Imaginário, assim, para tentar sustentar o enlance com o Simbólico e não deixar a peteca do Real cair. É perceptível que parar para pensar na cilada é enlouquecedor, nos problemas a nível político e social. Percebi que ver a literatura como pesquisa é muito... audacioso, eu diria, algo parecido com o estudo das Histórias das Ideias Literárias, que nos ajuda a entender a nossa forma no mundo contextual, num mundo vivo que acontece, porque a sociedade é viva e a literatura é tão viva quanto a sociedade. A literatura é língua em ação e estrutura da realidade se forman- do a todo instante. Em cada nova leitura uma obra se amplifica. E a produção e o consumo da literatura nunca serão uma coisa una — a gente não pode restringir esse olhar de forma tão tecnicista. Porque não tem como negar que a gente cria literatura e a literatura cria a gente, e se cria com a gente, tanto quanto a própria socieda- de, codependemos desses fatores para existir. Talvez isso nos faça perceber uma coisa interessante, nos ajuda a olhar vertentes da pesquisa como uma forma de ajudar a delimitar e justificar o injustificável. A literatura tem que ser vista como algo sério pela justificativa da sua própria existência e, talvez seja por isso, inserir esses estudos sociais, individuais e plurais (que envolvem psicologia, filosofia, sociolo- gia etc.) faz com que nosso estudo ande colado com a interpretação. A interpretação, claro, é um perigo, porque até que ponto uma coisa que é válida pra mim não pode ser pra você, quais são os limites da imaginação? E de onde vem a nossa imaginação? As interpretações são resultados dos nossos processos individuais, das nossas crenças que foram guiadas por um sistema simbólico, que é social. Porque pesquisar, ver o material como análise, exige esse direcionamento de olhar; quando a gente lê como leitor, a gente não tem exigências, quando pontuamos, efetivamente, um olhar de pesquisa sob um objeto,
  • 13. 13 percebemos que a profundidade é imensa, não só pra fora, por conter cultura, informação; articular a imaginação, mas por dentro porque a gente se descobre raiz. Como a lei hermética da Correspondência, tudo que está acima está abaixo. E quando criamos essas raízes inter- nas, fica cada vez mais difícil da ventania externa nos derrubar, a gente vai ganhando muitas ferramentas. Criamos hábitos nessa quarentena, eu aprendi que comtemplar minhas personas é uma exigência e perceber as minhas modificações é quase um processo divino. Claro que esse movimento, provavelmente, não me serve de grande coisa. Não vou fingir que não preferiria estar desfilando com algum body colorido pela rua, jogando sinuca, flertando com alguém ou, até mesmo, nas versões mais extraordinárias de diversão. As circunstâncias não permitem. Há um tempo venho tentando deixar as queixas in- solúveis em um espaço de apagamento da minha memória — planeta do supervacâneo... pra lá também devem ir alguns eventos de vexame e constrangimento. Defendo, sim, com muita veemência, e talvez até um pouco de violência simbólica, o meu direito de inconsistência. E isso de nada tem a ver com presença, afeto e responsabilida- de. Minha inconsistência paradoxal mora na ilógica dos meus pensamentos que são VIVOS. Assim como a linguagem, assim como o desejo. Modificável, maleável, fluida, potente. Pre- servo a mim. Meu planejamento não é sentencioso, se eu me visto e não gosto, eu, com certeza, vou mudar de roupa. Mas, talvez, o processo de criação seja iniciativo e não apenas resultado. RESULTADO RESULTA DO TODO RE SU MO E PALAVRAS-CHAVE: processo; procedência; proximidade; profundidade. Neste recinto, a mudança é, sim, respeitada. Nem sempre compreendida. Nem sempre graciosa. Mas não sejamos menos lascivos do que ela própria. Sejamos tanto quanto. Memória nem sempre é escolha, vez ou outra me escapa um pensamento que eu já queria ter esquecido, mas rememorar é, também, fonte de alegria, de sensações, e valores são uma questão de perspectiva, como muita coisa é. Amo definições de maldade e de bondade. Amo definições. Elas não servem para absolutamente nada, assim como a arte. Me sinto con- templada no hemisfério mágico do fantástico onde o bem vence o mal. O mistério pode até ser, sim, um desencadeador de fantasias maneiras, mas talvez o maior entrave do Eu que é seja a impossibilidade do Eu que não é. Não se esconder é se mostrar vulnerável aos maiores medos do mundo: abandono, solidão, insuficiência, morte psíquica. O contrário. Voltar para casa é também abaixar armaduras que, por tantas vezes, seguramos com muita força, há anos, e seguiremos segurando lá fora. Aqui, é terreno bem cuidado, acarinhado e amaciado. Munido de amor. Tudo isso, aqui, em casa... e a gente anda tanto em casa. Algumas certezas ficam por aqui. A primeira é que estou com muita vontade de desfi-
  • 14. 14 lar usando novas composições de roupas, a segunda é que ir junto dos processos é mais fácil que tentar nadar contra a maré — se a gente sabe que só vai cansar à toa e, no fim, perder — a terceira é que, por mais que não faça sentido, não tem muito sentido o que a gente faz, e isso torna as coisas mais leves. Enquanto isso, para os pesquisadores, a pesquisa continua, presos ao nosso sistema e ao sistema deles. Eu tento, de coração, passar a perna no sistema, meu segredo é dar um jeito de me inserir, cada vez mais, nele, para mudar as suas configurações. Agora, não banquemos os revolucionários se já o somos, faremos o mínimo com o principal objetivo geral: sobreviver e brotar. Fernanda Garcia Cassiano É aluna do Programa dePós-Graduação emLetras(PLE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), é mestranda em Estudos Literários na linha de pesquisa Literatura e Histori- cidade e vinculada aos projetos de pesquisa: Lacanianismo, literatura e cultura e Nada de errado em nossa etnia: tradi- ção, cultura e identidade em literaturas de caráter pós-colo- niais e decoloniais, ao projeto de extensão Outras Palavras (POP) e sócia da Editora Trema Ltda. Graduada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas Corres- pondentes, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
  • 15. 15 Réquiem da História Tadeu Dr. Fausto: 3 min e 33 s Em busca do tempo perdido: 3 mim e 1 s Esaú e Jacó: 2 mim e 45 s Evita, ou Sabrina para os íntimos Hoje não vi pinto. Sem pinto, sem comissão. Dona Teresa vai me infernizar. Velha maldita. O Carlão, figura, gente finíssima. Termina rápido o serviço e, às vezes, esquece mesmo do sexo. Paga para rememorar seus tempos de jogador. Conta, reconta as histórias. E nunca tira o shortinho vermelho. Foi de zico, guria. Esse short e meu opala são meus filhos. Opalão ganhei no bixo, o shorts... já contei? Ahhh... final Carlão Final do brasileiro de 1983. Flamengo e Santos. Carlão, beck experiente, provável des- pedida do futebol. Joelho estourado. Chulapa comendo a bola. Maraca transbordando. Carlos Alberto: Carlão! Tá dormindo, porra! Olha aqui, tamo fudido assim. Zico tá uma bereba hoje e o Chulapa tá comendo a gente com farofa. Precisamos tirá-lo do jogo, tá entendendo. Provoca ele, se ele não entrar, racha, fazê o quê. Entrei com tudo, guria. Primeiro passei a mão na bunda dele e mandei um beijinho. Achei que o negão ia me matar, nada. Tava liso demais. Não teve jeito, tive que rachar. E rachei. Vermelho. Chulapa contundido. Mengão campeão. Antártica na taça. Punição de seis meses, joelho estourado, aposentadoria. Mas aí o Doutor me chamou pra uma volta. Era 1984, tava com Sócrates e Casão aqui em sampa. Um PM chegou junto, achei que ia esquentar, rachei ele. Carlão na Veraneio. O delegado era carioca, me liberou depois de uma foto com a rapaziada. Tadeu (departamento de paisagismo urbano) Porra, Tadeu. Que buceta é essa? Lendo escondido, de novo? Caralhooo... Deixa eu ver essa merda. Irmãos Karamazov. Tá confiscado essa porra. Cadê as plantas, Tadeu? O bosta do secretário tá vindo aí. O Suzete que que que... Seu Roberto, só tinha Doriana. Esconde essa porra. Se o secretário vê isso, tamo fudido. Vão cortar nosso café. E sem café eu mato um aqui. Tadeu, caraaaaalho que cê tá aí ainda?! .... Não interessa. Se vira. Não tem verba pra bosta do cavalo, vai sem bosta mesmo. Mas o jardim do prefeito precisa sair, com ou sem bosta.
  • 16. 16 Evita, ou Sabrina para os íntimos Esse Carlão... é mais um homem-pinto-comissão. Não, ele é um homem-sem-pinto-comissão. Gran- de Carlão. Que charla, que manha. Tadeu Eneida: 2 mim 55 s Carlão ...Zico jogou o shorts na minha cara. Tavam me chapando. O herói do jogo. Haha Ah, mas eu guar- dei o shorts, guardei mesmo. Roberto (Baita professor de Literatura.) Evita, ou Sabrina para os íntimos 1984. Praça da Sé. Uma jovem com vasta cabeleira encaracolada gritava até suas ener- gias se esvaírem. Na face, um feixe vermelho em contraste aos últimos expurgos das fardas verdes. Mamãe, grande militante. Nas mãos, um livro, cuja mancha de sangue jamais saíra, 1984. Flores... Início de barulho. Uma cadeira lançada ao chão. Um trôpego, quase cai. Ohh, cuidado aí, bonitão. Ébrio, ele se dirige à velha jukebox. A plateia se divide entre os atônitos e aqueles que aproveitam o causo latente para es- corregar um pouco mais as mãos bobas e não pagas. Entre peitos, cervejas pisadas e cinzas de cigarro, um eco de vozes explode nas velhas caixas de som... A sobreposição condensa a afinada harmonia com a necessidade do cantar de Geral- do-Roberto. Iii, pronto, quem botou essa música? Evita, a próxima a entrar no mastro, suspende a preparação. Violão Ahhhhhh aia aia laraiai laria laraiaaaaa laaaaa..... Juntos: caminhando e cantando e seguindo a canção... Alguém tasca um tapa na poupa glútea de Ketlhen que estava sugestivamente acom- panhada. Estoura a fúria urbana. Agora tudo voa, que farra: garrafas, socos, peitos, risos... amor... revolta. Geraldo, com força: vemm vamos embora que esperar não é saber... VEM VAMOS EM- BOOOORA. As lágrimas embargam a performance ao vivo de Roberto. Fim da música. Os brigões são gentilmente expelidos desse sacro espaço.
  • 17. 17 Geraldo e Roberto vim aqui só pra dizer.... porrra, companheiros. Lutamos tanto! quantos ca- maradas caíram. Quanto resistiram nos porões, quanto ratos roeram a dignidade das companheiras. Quanto medo, quanto luta.... A plateia dissolve-se... mas o discurso segue. Três olhares ainda são ouvidos. Tanto medo... tanto sacrifício ... para voltarmos a isso... esse pulha, falsário. Esse fascista! Porra, os milicos voltaram, caralho... lágrimas, e prenúncio do encerramento da palestra. Prenúncio falso. É preciso derrubar os milicos!!! Ahhhhhhh...... Cai desfalecido no sofá vermelho. Desolado. Êxtase e perfume de zona. Um sujeito de pança e bigodes proeminentes se aproxima de Roberto. Carlos, o Car- lão. Bigodes, camisa aberta, pelos em abundância. Um enorme sorriso afável. Senta-se e ofe- rece um Hollywood, cigarro do sucesso. Entre as cortinas, já ao som de Beyoncé, o coração de Evita parece estourar de euforia. No canto escuro, segurando uma cuba libre sem rum, Tadeu tem a ligeira impressão de verter uma lágrima. 4 de novembro de 2019. O aparelho subversivo estava montado. Lucas Simonette 30 anos. Professor de Literatura na educação básica. Mes- trando do Programa de Pós-Graduação em Literatura Bra- sileira USP. Na pesquisa, persegue-se o tema o patriarca- do em contos de Guimarães Rosa. Foi finalista, por duas vezes, do programa Nascente USP na categoria conto.
  • 18. 18 O peso do mundo em minha morada Hoje foi um daqueles longos dias, aqueles que passam lentamente. Estive por horas na cama, o corpo era um chumbo que pesava à vida, o peso do mundo sobre mim. A solidão virou minha namorada, me fazendo afundar na escuridão profunda e extravagante. Minhas expectativas eram baixas. Ontem demorei a dormir e me prometi que o hoje seria diferente, mas nada mudou, sinto que me tranquei e sumi com a chave, como se não houvesse vida afora. O grande incômodo é que eu sei que há muito mais por lá, mas nada me agrada, o noticiário me somatiza. Meu peito dói! O que será? Lá no fundo, diante de tanta escuridão, há uma esperança, tem que ter uma esperança, pois sem ela eu não serei nada, apenas um outro qualquer, uma cova feita às pressas de um pobre coitado sem um último adeus. Pouco me preocupo comigo, o que dói é olhar para os meus pais e dizer que tudo vai ficar bem, quando na verdade as caixas de madeira procuram corpos frios para a terra esquentar, triste é o fim. Enquanto isso aquele que nos desgoverna brinca e ri da nossa cara, para ele, pouco a nossa vida importa, se pudesse tenho certeza que ele escarraria em nossos caixões com todo o seu desrespeito e a sua ignorância. Um dia, se eu vencer, vou contar esta história como um novo começo, espero que os meus pais estejam junto a mim. Horas se passaram e eu continuo na cama, os pensamentos ainda me pesam, meu peito ainda dói, decidi voltar a dormir, prometo que o amanhã será diferente. Lucas Rodrigo Uchôa de Oliveira 24 anos, residente em Santana-AP, é graduando do 10° se- mestre do curso Bacharelado em Psicologia da Faculdade Estácio de Macapá, também é acadêmico do 8° semestre de Licenciatura em Letras Português da Universidade Federal do Amapá – Campus Santana. Há pouco tempo iniciou sua trajetória como cronista, seus textos abordam temas como desigualdade social, crises existenciais, solidão, luto, res- significação dos acontecimentos, resiliência, entre outros.
  • 19. 19 Construção Estranho como se chega a mim a sensação de querer ser mais, explorar lugares desconhecidos na vida e no meu coração. Sinto uma emoção anestesiante que me faz adormecer e esquecer do resto do mundo. Vem conversar comigo, na noite de luar a alegria de se entregar. Como é misterioso o fracasso da independência total de um ser que descobre no outro novos caminhos. Intrigante, talvez, como queira encarar, o fato de que não podemos ser sozinhos nessa vida de armadilhas amorosas. Um mundo de emoções contagiosas rebelando-se dia após dia contra o descaso. Amar e amar faz parte da arte de ser mais que ontem. Mesmo na ilusão, dor angustiante de um amor errante, se pode entender que amar é essencial. Mas no amor, nesse amor que totaliza-se e verbaliza-se nos olhares alheios, não podemos nos totalizar, porque amar e amar é uma obra sempre em construção para que nem a vida nem o coração queiram se acomodar.
  • 20. 20 Sombras da dor Uma dor Dias sombrios: escuridão, choro, dor. Tudo é tão vazio, mas há uma exalação de medo se espalhando como um vírus mortal que a solidão deixou. Brisas congelantes de tempo em tempo atravessam minha alma, como uma lâmina me cortando a vontade de viver à beira de um rio de lamentos. Dias sombrios. A luz do sol não me atinge não me renova, não me anuncia o despertar. Nessa escuridão, nesse choro, nessa dor reside o fracasso insuportável de um grande amor. Marcello Medeiro Borges ProfessorformadopelaUniversidadeFederaldoPará(UFPA). Cidade: Santa Luzia do Pará
  • 21. 21 Carta para mim Resolvi escrever para mim mesmo na busca de encontrar uma resposta para as milhares de indagações que permeiam a minha mente neste período de distanciamento social, contudo, é tão difícil organizar as ideias e as sintetizar em palavras. Talvez seja impossível. Começarei tentando descrever um sentimento que está muito latente dentro de mim. Nesta tarde, ao verificar meus contatos no aplicativo WhatsApp, deparei-me com a foto dele. É estranho como apenas uma representação da figura da pessoa amada consegue nos abalar de maneira tão profunda. Mas é mais estranho ainda como conseguimos cativar um sentimento tão poderoso sem haver reciprocidade. Pergunto-me, constantemente, se essa minha capa- cidade de criar laços tão profundos e perigosos é inata. Talvez seja um problema de fábrica, uma voz fala. Mas, no fundo, meu subconsciente sabe que é um problema de carência. Está tudo tão confuso que, na semana passada, busquei respostas nas cartas de tarô. Lembrei-me de um tarólogo que meu amigo havia comentado certa vez. Pedi então o contato e mandei mensagem, agendando uma consulta on-line para aquele mesmo dia. No início da sessão, minhas pernas estavam agitadas — é como fico quando estou tenso, angustiado e ansioso, ou, talvez, eu sofra da síndrome das pernas inquietas — SPI, li uma reportagem sobre esse assunto outro dia. O tarólogo tira as primeiras cartas e diz: — O jogo mostra que você precisa se afastar um pouco da situação que te causa desconforto. De longe a gente enxerga melhor as situações que nos envolvemos… assim, conseguimos encontrar melhores caminhos. Você precisa abrir mão da ansiedade e da preocupação…. Está aparecendo muito isso aqui. Você parece ser imediatista, isso atrapalha as coisas, cara… As experiências que tivemos no passado podem nos ajudar a entender e agir diante do que temos hoje. Aí vai tendo um progresso… mas é lento. Tira novas cartas e continua: — Novamente aparece aqui que você precisa aprender a con- trolar suas emoções… Muito impulso sem observações. A carta da chave sempre está apare- cendo… Isso mostra que tudo depende de ti. A chave está nas suas mãos. Neste momento, pensei como o universo pode colocar as chaves nas minhas mãos. Logo eu, como as cartas bem caracterizaram, um ser imediatista, ansioso, cheio de preocupações e frustrações de relações passadas, e com as emoções descontroladas, acrescento mais um adjetivo, fantasioso. Contudo, respondi apenas: — Não entendi muito bem, como assim está em minhas mãos? Ele respondeu: — Suas ações que determinam o desfecho das situações. O tempo todo o jogo está mostrando que você é o senhor da sua história. Isso parece meio óbvio, mas às ve- zes, a gente não quer assumir essa responsabilidade, fica jogando na mão de outrem. Está em suas mãos escolher entre os caminhos que lhe são dados o tempo todo. Meus pensamentos ficaram mais confusos. Quero continuar jogando a responsabilidade no outro, é mais fácil, menos doloroso, apesar de, no fundo, saber que não é o correto. Todavia, sei também, que não tenho maturidade para escolher. Então uma voz, no meu íntimo, diz “talvez seja o medo de errar, não imaturidade”. Mas digo para ele que entendi, mesmo não entendendo ou não querendo entender, e peço para continuar o jogo.
  • 22. 22 Ele sorteou mais duas cartas e falou: — Há caminhos abertos aqui, prosperidade… Tanto no amor quanto no trabalho… Nesse instante, meu coração bateu mais forte e pensei “será que ele vai falar que meu amor platônico, não é platônico?”, mas segui em silêncio enquanto ele tirava mais duas cartas. Então continuou: — Pois… o que tenho para dizer é que você deve confiar, ainda que se sinta desconfortável, no seu trabalho atual. Parece que há algo bom vindo… só cuidado com os colegas invejosos que não se felicitam com as conquistas do outro… Tira mais uma carta e diz: — Analise bem estas pessoas que você está conhecendo… Há possibilidade de alguém trair você. Há uma energia masculina, um pouco dura, que não te deixa seguir adiante em algumas coisas.... Tem ideia de quem seja? Meus pensamentos não estavam alinhados, queria apenas saber sobre os caminhos abertos no amor, que se dane a energia negativa dos que me cercam. Então respondi: — Não tenho ideia, depois penso melhor sobre isso, não quero ser injusto com ninguém. Ele tirou mais uma carta. Desta vez saiu a torre, então disse: — A carta da torre reafirma a necessidade de se afastar um pouco para ver melhor a situação de outro ângulo… Eu não aguentava mais aguardar para saber melhor sobre minha vida amorosa e resolvi inter- rompê-lo e perguntar. Indaguei: — Posso tirar algumas dúvidas? Ele balançou a cabeça, sinalizando que sim. Então comecei a falar: — Para mim não ficou claro o assunto do amor. Estou conhecendo uma pessoa (não quis dizer que saí com ele apenas uma vez, no início da quarentena, numa tentativa de aliviar a tensão e o medo, era vergonhoso) e estou apegado. Porém, desde o últi- mo encontro (tinha exatamente uns 3 dias) não nos falamos mais. Ele com a expressão calma, responde: — O que você acha disso? Minha vontade era falar “eu não acho nada, se eu quisesse encontrar a resposta dentro de mim discutiria isso na terapia, não procuraria um cartomante”, mas me controlei e respondi: — Não sei. O conheço há pouco tempo, ficamos de marcar algo essa semana, mas, devido à chuva, acredito que não irá acontecer. Contudo, o que rolou no nosso último/primeiro en- contro foi intenso, gostei bastante. Ele tirou uma carta e disse: — Vamos lá… Alguém não está sendo desonesto em relação ao que sente… E não parece que é você. O jogo mostr que você está envolvido de verdade, o que é bom, mostra que você tem espontaneidade e entrega, mesmo ainda tendo alguns com- portamentos um pouco imaturos… ciúmes e possessividade… cuidado porque isso afasta as pessoas. Acredito que essa sumida dele foi boa para você analisar melhor as coisas… Após uns segundos parado e em silêncio, tirou mais duas cartas: — Tem um relacionamento promissor em sua direção… mas o nevoeiro da sua mente está impedindo você de ver as coisas como elas são. Tem muita preocupação na sua cabeça… Já impaciente, falei: — Esse relacionamento promissor é com ele? Ele sorriu e falou: — Não posso te dar essa resposta… Isso você vai ter que observar… mas está fácil… Sei que você é cheio de dúvidas, estou vendo muitas informações desconectadas. Toda essa subjetividade nas informações bagunçaram mais ainda minhas ideias. Procurei o tarô na tentativa de receber ajuda, mas está difícil. Insisti no assunto na esperança de receber uma resposta concreta: — E no fim, esse sumiço da pessoa tem um significado, né isso?
  • 23. 23 Ele respondeu: — Tem sim. É um tempo para você analisar e decidir. E seja sincero consigo mesmo… Quem sumiu tem uma incerteza com a sexualidade dele, e você sabe disso e isso acaba ocasionando em você uma preocupação… ah! insegurança também. Afinal, ninguém quer manter um relacionamento instável. Acabei falando demais. Eu sorri, parece que agora eu tinha entendido a mensagem, e falei: — continue a falar de- mais… Ele respondeu: — Você ainda tem muitas dúvidas, eu sei. Explane sobre elas. Falei: — Sobre o relacionamento promissor, fiz um jogo de tarô on-line, saiu justamente isso. A diferença que no on-line informava que esse homem seria mais velho que eu e me ajudaria a conquistar o que almejo na área profissional. Ele respondeu: — Vamos lá, mais uma vez… Você acha que ele vai te ajudar a conquistar seus objetivos? Fecha os olhos e se pergunte, você tem uma ótima intuição, confia nela. Mas não precisa de pressão, deixa de ansiedade. Eu, cada vez mais impaciente, respondi: — Entendi. Ele falou: — Meu irmãozinho, o tarô não nos dá respostas prontas, ele nos dá caminhos. Para finalizar, perguntei: — Mas você poderia pelo menos tentar ver se o homem do relacio- namento promissor já está em minha vida? Ele: — Está. Converse, especialmente com o homem que você está conhecendo, mas antes, observe… Acenei com a cabeça concordando com o que foi dito e encerrei a chamada de vídeo. Pare- ce-me que a bagunça aumentou. Agora estou perdido por completo. Mas seguirei… Com a certeza que não posso culpar o vento por toda essa bagunça. Eu deixei a janela aberta para ele entrar, então é minha culpa. Preciso organizar toda desordem dentro de mim, e em seguida, encontrarei as respostas que tanto almejo. Uma voz que ecoa dentro de mim diz “é essencial olhar para dentro de si”. Marcelo Queiroz Oliveira Júnior Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Es- tadual do Sudoeste da Bahia – UESB/Campus Jequié – Bahia/Brasil. Departamento de Ciências Humanas e Letras – DCHL. Integrante do Grupo Direito, Arte e Literatura da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: marcelo- queirozoliveirajunior@gmail.com.
  • 24. 24 Por definição, do latim fragilis, quase que por unanimidade, frágil é aquele(a) que necessita de maiores cuidados, que é mais delicado(a), que apresenta pouca estabilidade. O oposto, o contrário, o antônimo, se assim pode-se dizer, de forte, de sólido(a), de permanente. Ainda que seja classificado como um adjetivo de dois gêneros, em sua pluralidade, quem é o sexo frágil? Sem querer romper a dualidade do Humano, demasiado humano de Nietzsche (1878) ou fundamenta-lo no termo schopenhaueriano herdado de Kant... longe disso, muito longe. Seguindo o pensamento, ainda tão popular quanto certas canções de infância, a fragilidade flerta o seu egocentrismo categórico e já dizia Erasmo Carlos (...) “é uma mentira absurda e que a força está com elas”. Ainda, sem antecipar qualquer análise ou induzir o caro leitor a qualquer observação prema- tura, um estudo da Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA), demonstra que durante momentos históricos em que ambos os sexos enfrentaram altos níveis de mortalidade, as mulheres sobreviveram de 6 meses a 4 anos a mais que os homens. Como se pôde observar durante a escravidão em Trindade e Tobago ainda no século 19, durante a epidemia de saram- po na Irlanda de 1846 a 1882, durante a escassez de alimentos na Ucrânia na década de 1930. E o que estamos observando agora? Na Pandemia do COVID-19, seja na China, na Itália, nos EUA ou em outra parte do mundo, homens estão morrendo mais que mulheres de COVID. E por quê? Seriam os genes? Seriam os hormônios? O sistema imunológico, o comportamento humano? Isso faz com que os homens sejam mais suscetíveis? Isso faz com que o homem se torne definitivamente o sexo frágil? Na Itália e na China, as mortes do sexo masculino são mais que o dobro em relação às do sexo feminino. Em Nova Iorque, 61% dos óbitos são de homens. Variáveis importantes como idade e comorbidades, ou seja, presença de doenças crônicas, são importantes, mas não explicam o viés sexual. Ao passo que a taxa de óbito de homens de 30-40 anos também tem aumentado e apesar disso, são as mulheres que vivem mais, portanto, há muito mais mulheres idosas no planeta. Mulheres e homens são diferentes biologicamente, enquanto elas têm duas cópias do cro- mossomo X, eles apresentam um X e um Y, cheio de sequências repetitivas, um “Y-tóxico- -lixo” talvez, que imprime as diferenças físicas e até certo ponto comportamentais, devido sobretudo, a atuação dos hormônios sexuais. Enquanto as mulheres têm a dose dupla, os ho- mens não possuem o backup. Elas saem na frente também, quando mencionamos o sistema imunológico, o mais forte, por isso são mais suscetíveis a doenças autoimunes. Estes vieses com que nos deparamos dia após dia nos fazem repensar. Quem é o sexo frágil? Posso dizer por mim mesmo, cercado por inúmeros protótipos delas no meu círculo familiar, são mais fortes que aroeira, como se diria em Goiás. Sejam elas, a esposa, a mãe, a irmã, a so- gra, tias, amigas e até mesmo minha nonna falecida em 2020, aos 91 anos. O que posso real- mente dizer? Talvez pudéssemos criar um neologismo somente a elas, uníssono, entre força e fragilidade, na adjeção que irrompe a polarização. Todavia, se me permitem, provisoriamente um trocadilho já resumiria, mulheres, melhores. Quem é o sexo frágil?
  • 25. 25 Olho vermelho O olho vermelho há muito tempo intriga a humanidade, não deliberadamente e de forma única como se generaliza: “olho vermelho?! Ou é maconheiro ou está com conjuntivite”. Não no ensejo da superficialidade, mas algo como um toque filosófico, algo com um toque científico, algo com aquele toque popular, na tênue linha entre nossos corações. Afinal de contas, de “médico e louco cada um tem um pouco” já diria o dito popular. Olho (anatomia), olho (ação), olhar... algo um tanto poético e se os olhos não o fossem, tal- vez não seriam eles contemplados por poemas, pensamentos e reflexões a cerca da humani- dade. Mas quando falamos em olho vermelho, seja para a oftalmologia, seja para a população em geral, um alerta se acende. Olho vermelho como diagnóstico médico significa desde uma irritação e uma alergia, pas- sando por uma conjuntivite, um hiposfagma, uma esclerite, até uma uveíte... um glaucoma agudo ou um corpo estranho.... ou mesmo a temida endoftalmite... poderia ficar aqui listando inúmeros outros diagnósticos diferenciais. Inclusive um mais recente, a conjuntivite acusada pelo SARS-CoV-19. Esta que apesar de rara, pode ser fonte importante de contaminação. Mas é o olho vermelho que também se emociona, na sua expressão diária. Chora tanto de alegria, quanto de tristeza. Uma dicotomia mundana. Em tempos difíceis, os olhos, em sua expressão mais que humana, humanitária, talvez, refletem muito além de nossas esperanças. Estes mesmos olhos que choram de alegria pelas novas conquistas, que choram ao tocar a imagem, ainda que distante, devido ao contingenciamento e ao isolamento social, do ente querido, um choro de alegria e alívio, é o mesmo que chora de tristeza, de dor, que chora por um sofrimento aquém do imaginado. Enquanto estivermos firmes, nos propósitos jamais pensados por nossa geração, vislumbre, repense e reflita o queres olhar adiante. Podemos sim chegar a um mundo melhor. Se estamos ou não em um momento crítico da existência? Muitos outros enfrentamentos virão, sejam os nucleares, sejam os climáticos, sejam étnicos ou tantos outros. Mas antes que seja tarde demais, pare! O nosso futuro está em nós mesmos, em nossos olhares. Afinal, que olho vermelho deseja para você e para o futuro da humanidade? Rômulo Piloni Médico, em formação oftalmológica, ítalo-brasileiro e amante das letras; natural de Anápolis - GO e residente do Rio de Janeiro, membro da Academia Anapolina de Letras e da União Literária Anapolina.
  • 26. 26 Flagelo Do nascer ao pôr do sol, tua saudade em meu peito faz morada. Atrozes desalento e vazio dilaceram-me o mais íntimo da alma. Entre turvos pensamentos e imagens, vasculho restos de alegria, de um tempo em que teu sorriso era a muleta com a qual sobrevivia. Sem curso, sem destino, sem um porquê... Passo os dias a te esperar. Entre uma lágrima e um grito, vejo a vida sufocar. Em meio ao breu daquela noite, o anjo negro, de mim, roubou-te. Arrebatou -me os sonhos e, com eles, meu eterno amor. Na solidão do dilúculo, migalhas de um choro sufocado. Medra apenas consoladora esperança de, em breve, reencontrarmo-nos. Silvio Tony Santos De Oliveira Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa pela Uni- versidade Federal da Paraíba (2016) e desenvolve pesqui- sas nas circunscrições da interface Literatura e Psicanálise. Membro do grupo LIGEPSI – Grupo de pesquisa em Lite- ratura, Gênero e Psicanálise.
  • 27. 27 Condenados Agora que os pássaros arremetem livres para a imensidão azul, eu vejo. Agora que a água percorre seu trajeto cristalino, eu ouço. Agora que o húmus impoluto germina a vida, eu sinto. De que servem olhos, ouvidos e mãos boas para cultivarem egoísmo? De que serve uma boca que só alimenta mentiras? Agora eu me lembro claramente o que dizia minha mãe pela boca dos meus ancestrais: a Mãe Gaia não tem idioma, raça ou fronteira, acolhe a todos. E só agora eu entendo que a sabedoria é orgânica e não de papel. Mas seus filhos cortaram os laços com a mãe e a abandonaram, ou pior, a sacrificaram em troca de mais recursos, mais e mais consumo. A sede desses filhos rebeldes não se sacia facilmente. E eles foram sugando tanto a fonte que era impossível reconhecer o próprio rosto, ou porque as águas estavam escuras ou porque não havia água alguma. Faz apenas dois anos que a guerra começou, embora pareça que tenha existido des- de sempre. Nenhum disparo e nenhuma bomba, nada queimou, a não ser os corpos pelas ruas, nas valas comuns, despertando uma memória infeliz da humanidade. A guerra não tinha fronteiras claras ou inimigo visível, as vítimas foram as mesmas de sempre, os mais vulneráveis, entregues à própria sorte. Ao menos representam a maior cifra nos infinitos cálculos que se fazem até hoje. Hoje são números, seus rostos já vão sendo esquecidos. Eu não tenho dúvida de que os donos do poder teriam abandonado este planeta e fugido para outro se vivêssemos no futuro distópico das ficções. Mas o presente é o pesadelo do qual não acordamos totalmente. E é tão real que podemos ainda ouvir os ecos das ambulâncias, os gritos de desespero em línguas que sequer reconhecemos, a não ser pelo fato de que a gramática do sofrimento é universal. Como fechar uma ferida que não se enxerga? As sacadas se solidarizaram por um tempo, regidas pela música, orquestrando uma esperança desejada, mas mesmo estas se apagaram e se renderam com o tempo. As vozes que anunciavam a cura tampouco se perpetuaram. Passamos a dançar com a morte à beira do precipício. Até que a música parou. O inimigo possuía seus aliados e era silencioso. Às suas hordas sem rosto se juntaram primeiro o negacionismo, o frio e o despreparo. Logo mais, soldados inestimáveis e temidos como o medo e a ignorância. Por fim a ganância lançou seus cães de guerra. Mal pudemos chorar as primeiras mortes. A cada dia, a cada hora, minuto a minuto se somavam àquelas novas perdas outras vidas. Os cientistas corriam contra o tempo, este inimigo que nos persegue enquanto foge. Aqueles que vestiam o uniforme branco, verde, azul, com más- caras ou rosto nu, lutaram bravamente com suas próprias armas. Foram incansáveis. Eram os pássaros que tentavam conter o incêndio na floresta. Da floresta quase nada restou. Muitos deles não retornaram. O comércio parou quase totalmente, junto com a indústria, as escolas, a arte. A terra por um momento não se fez mar, se fez deserto. O planeta em quarentena voltou a respirar quando muitos perderam essa dádiva. Os que tentaram se impor à força dos eventos, arriscando-se às ruas, pagaram um preço exorbitante, com a moeda mais valiosa que podemos conceber. Dos mais velhos, as primeiras vítimas, temos pouca notícia. Somos um mundo com muita memória e pouca sabedoria. Ou só nos damos conta disso agora diante do irremediável. Sem nossas bússolas, andamos tateando o amanhã. É verdade que a vida seguiu em frente, mas a paranoia vai junto, são companheiras que nunca se separam.
  • 28. 28 Há algumas décadas uma canção profetizava o dia em que a terra iria parar, que nin- guém sairia de casa, que todos abandonariam suas funções. Seria um pesadelo ou uma utopia? A música era breve. Nós continuamos vivendo neste tempo fora do tempo, indefinidamente. Resta a lição de Wells e seu vírus que destruiu os invasores de outro mundo. É nosso dever traduzir aquela fábula, os corpos estranhos somos nós mesmos, habitantes desta imensa al- deia global, invadindo, pilhando e empilhando as necessárias mas nunca suficientes vítimas da ganância. A realidade também oferece suas lições a quem sabe ler com olhos libertos. O sistema tem fome e parece nunca estar satisfeito. Por isso, desde então, vivemos numa eterna vigília sem sonhos. Não precisamos olhar atrás para ver as sombras se projetando sobre o presente. Com muito esforço, conseguimos nos distanciar. Até ensaiamos sorrisos e enseja- mos pequenas reuniões. As lágrimas secaram há algum tempo, mas os sulcos na pele nos re- cordam a importância da humildade. Do isolamento, veio a solidariedade, nada mais humano que essa contradição. As pessoas, forçadas a conviver diariamente, reaprenderam uma língua há muito esquecida. Agora que os filhos retornam para a mãe, ela não reconhece seu rosto, são estranhos de volta ao lar. Felizmente o seio materno é farto e generoso. Esta terra ainda permite uma segunda chance aos condenados. Wellington Ricardo Fioruci Sou de Assis-SP (1976), mas vivo no Paraná, onde ensino literatura na UTFPR desde 1998. Publico amiúde ensaios em periódicos acadêmicos e organizei em parceria dois li- vros teóricos Vestígios de memória: diálogos entre literatu- ra e história (2013) e Correspondências: literatura e cinema (2015), ambos pela editora CRV (Curitiba). Além disso, fui selecionado em 2014 pela Editora da UFF e Imprensa Ofi- cial do Estado do Rio de Janeiro com um conto “O clube dos esquecidos” para a coletânea Aquele Dia, Aquele Jogo (2014) e, ainda neste ano, no Concurso de Crônicas de Ma- riana (MG), recebi Menção Honrosa pelo texto “Dentes e fuzis”. Fui vencedor do concurso organizado pela Univer- sidade Federal de Lavras (UFLA), na categoria poesia, em 2016.
  • 29. 29
  • 30. 30 Chispas Artísticas Seção dedicada à publicação de fotografias e ilustrações de todos os gêneros.
  • 31. 31 31
  • 32. 32
  • 33. 33 Vinícius Figueiredo Silva É natural de Teófilo Otoni, município localizado no nor- deste de Minas Gerais. Possui Graduação em Ciências Eco- nômicas pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinho- nha e Mucuri (UFVJM) e Mestrado em História Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atualmente, é pesquisador do Grupo de Estudos em Desen- volvimento Econômico Brasileiro (GEDEB) e doutorando no curso de Economia Política pela Universidade de Bra- sília (UnB). Desde muito cedo, buscou retratar os dramas da vida cotidiana através de seus desenhos e versos, muitos deles presentes no livro “Tertúlia dos Vales”, lançado em 2018. Outro espaço onde são apresentados seus trabalhos artísticos é a página do instagram @expofaces, criada em 2020.
  • 34. 34 Chispas Académicas Seção dedicada à publicação de textos acadêmicos, como en- saios, artigos e resenhas.
  • 35. 35 Sumário Cássia Cristina Gonçalves Simplício O leitor de Dom Quixote de la Mancha no viés da Esté- tica da Recepção¹ ................................................................................ 36 Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos O mal estar docente em tempos pandêmicos: narrativas na contemporaneidade ................................................................... 44 Lays Lins Albuquerque Isaque da Silva Moraes Cultura literária na escola: experiências no espaço digi- tal .................................................................................................................. 54 Marcos Felipe Chiaretto Fátima Elisabeth Denari A pessoa idosa diante da Covid-19: tempos difíceis? ..... 64 Pedro Panhoca da Silva Mais do que modismo mórbido: a importância de se re- gistrar a pandemia em antologias literárias ..................... 74 Rafaela Araújo Jordão Rigaud Peixoto La solitud pandémica: un término con sentido de vida en construcción ..................................................................................... 84 Renata Pereira da Silva Samuel Alves de Lima A representação da infância no livro Contos de Aprendiz .......................................................................................................................... 89
  • 36. 36 O leitor de Dom Quixote de la Mancha no viés da Estética da Recepção¹ INTRODUÇÃO A escolha deste tema para a confecção deste trabalho se deu pelo fato de a teoria está relacionada com o meu objeto de pesquisa, assim pela facilidade de falar sobre algo que tenho um pouco de domínio me pareceu mais tranquilo. E a escolha de Dom Quixote de La Man- cha como suporte para relacionar a estética da recepção com a função do leitor, me pareceu mais tranquila, pois já havia lido o texto literário anteriormente, assim foi fácil relacionar a teoria com o texto. Além disso, considero relevante o papel do leitor para o entendimento de uma obra. É através dele que as obras literárias perpetuam e ultrapassam gerações. Além do mais, analisar a compreensão do leitor é verificar como se deu o processo de leitura, quais são as acepções do leitor, e sempre lembrando que existem vários tipos de leitores. Logo, várias possibilidades de leitura. Neste ensaio, irei abordar a questão da estética da recepção e a necessidade da ação do leitor para a concretização da obra, uma vez que a leitura de uma obra literária não deve ser apreciada baseando-se somente no tempo que o leitor dedica a ela, pois existe todo um traba- lho, consciente ou inconsciente e um efeito a posteriori. A leitura deve nos introduzir a um tempo próprio, distante da agitação do dia a dia, em que a fantasia tem livre curso e permite imaginar outras possibilidades. Assim sendo, o presente ensaio irá perpassar pelo contexto histórico da estética da recepção, baseando-se em teóricos como Jauss, Iser, Zilberman; a fim de intercalar com a lei- Cássia Cristina Gonçalves Simplício² RESUMO: Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, vem sendo, desde a sua primeira publicação em 1605, objeto de discussões e questionamentos, sobretudo, ao que tange a inserção do leitor durante a leitura da narrativa. Sendo assim, este ensaio pretende analisar e relacionar as interpretações das obras realizadas no decorrer no tempo embasando- -se na teoria literária da Estética da Recepção, criada a partir da aula inaugural de Hans Robert Jauss, em meados da década de 1960 sob o nome de A história da literatura como provocação à ciência da literatura. Em 1970, Wolfgang Iser, outro teórico privilegiado neste trabalho, também publica um texto inaugural, intitulado A estrutura apelativa dos textos. Palavras-chave: Dom Quixote. Estética da Recepção. Leitor ¹ Trabalho referente à avaliação da disciplina Teoria literária: tradição e contemporaneidade, ofertada pelo programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Uberlândia, ministrada pela Professora Doutora Karla Fernandes Cipreste. ² Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. E-mail: cassia.simplicio@ufu.br.
  • 37. 37 tura de Dom Quixote de La Mancha para demonstrar como o leitor recebeu um papel de destaque nos estudos literários. Dessa maneira, não se trata apenas de pensar na estética da recepção, mas propor uma recepção estética que permita que o leitor assuma as ferramentas da ficção para ampliar o seu modo de compreender um texto. DESENVOLVIMENTO Caminhos da estética da recepção A partir da aula inaugural de Hans Robert Jauss, na Universität Konstanz, surge a Es- tética da recepção. Em 1967, dá-se a publicação de sua aula, sob o nome de A história da lite- ratura como provocação à ciência da literatura. Em 1970, Wolfgang Iser, outro teórico privilegiado neste trabalho, também publica um texto inaugural, intitulado A estrutura apelativa dos textos. Segundo a estética da recepção, a teoria da literatura deve ser fundada no reconheci- mento da historicidade da arte. Para Jauss, as outras linhas teóricas não consideram a história nas análises do texto literário. O teórico aponta que, na década de 1960, a hegemonia do estruturalismo transformou a história da literatura em objeto não grato. A história da literatura como provocação à teoria literária era funda- mentalmente, em sua intenção, uma apologia da compreensão histórica tendo por veículo a experiência estética – e isso em uma época na qual o estruturalismo havia desacreditado o conhecimento histórico e come- çava a expulsar o sujeito dos sistemas de explicação do mundo (JAUSS, 1994, p. 73). Os pesquisadores da estética da recepção buscaram realizar um trabalho de reflexão sobre o leitor, algo até então considerado revolucionário em um período cuja a sustentação dos estudos baseava-se na autonomia dos textos, teoria defendida em diversos trabalhos do New Cristicism. Assim sendo, a estética da recepção necessita da ação do leitor, pois depende dele para a concretização que justifica a existência das criações literárias. Dessa maneira, a função do leitor diante da obra literária seria perceber as sutilezas da obra e preencher o “vazio” textual, cabendo ao leitor resgatar e atribuir significados ao texto. Ainda segundo Jauss, um texto nunca é monológico ou atemporal, pois sempre ocorrerá a atualização no ato da leitura. A partir de então, podemos notar a relevância do papel dessa crítica na história literá- ria, visto que as pesquisas sobre o papel do leitor obtiveram um aumento significativo ultra- passando até mesmo a academia. Vale ressaltar que os pesquisadores ligados a essa corrente crítica não foram os primei- ros e únicos a tratarem sobre o leitor, a importância da estética da recepção se deve ao fato da exclusividade, da sistematização e da abertura de reflexão em torno do leitor. Sartre em Que é a literatura? (1989), já traz apontamentos e considerações acerca do leitor. Ao questionar sobre os limites da literatura, com ênfase sobre o autor, Sartre, traz algumas observações sobre o leitor que antecipam a discussão sobre sua atuação pela leitura, o que mais tarde também é defendido por Iser.
  • 38. 38 No pilar da Estética da Recepção, destacam-se dois nomes: Jauss e Iser. Em aponta- mentos gerais, pode-se dizer que Iser estava mais centrado em discutir a leitura como um fenômeno individual. Já Jauss, aponta a leitura como um ato coletivo, buscando destacar a necessidade de pensar a recepção em perspectiva histórica como base para compreender o enaltecimento literário. Para Jauss (1994), a história da literatura ao considerar apenas um cânone ou descrever a vida e a obra de alguns autores em ordem cronológica não consegue atingir a historicidade das obras, não observando o aspecto estético da criação literária, já que acreditava que os critérios de recepção, efeito e a relevância da obra seria mais importante do que o resultado das condições históricas e biográficas de sua origem. A proposta da Estética da Recepção surge, portanto, com a preocu- pação central de encontrar um método para a história da literatura e da arte, capaz de abordá-la tanto em sua relação com o contexto geral da história quanto em sua historicidade específica, i. e., tanto em rela- ção à sociedade quanto na dinâmica interna de superação, transgres- são e instauração de novos códigos estéticos. Como teoria conciliadora das pesquisas marxistas e formalistas, a teoria proposta pela Escola de Constança buscava não só resgatar a perspectiva histórica como incluir em seu método uma fundamentação do juízo estético que o objeto demanda. Para que tal conciliação fosse possível era necessário propor um nexo literário a partir do qual a ciência da literatura se tornaria capaz de compreender a obra tanto em sua história – ou seja, no interior da história da literatura como sistema de gêneros e formas – quanto na história, i.e., “em seu horizonte histórico de nascimento, função social e efeito histórico” (JAUSS, 1994. p. 20) Para Regina Zilberman (1989), a análise de Jauss leva-o a denunciar a petrificação da literatura, cujo método estava preso aos padrões herdados do idealismo ou do positivismo do século XIX. Assim sendo, somente a partir da superação dessas diretrizes que seria possível promover uma nova teoria da literatura, “fundada no “inesgotável reconhecimento da histo- ricidade” da arte, elemento decisivo para a compreensão de seu significado no conjunto da vida social; não mais, portanto, na omissão da história” (ZILBERMAN, 1989, p. 9). A estética da Recepção e o leitor de Dom Quixote de La Mancha Em Dom Quixote de La Mancha, compreender o contexto histórico é parte essencial para o entendimento da obra, já que a história se passa durante o século de ouro espanhol, demarcado pelo nascimento do barroco, início da modernidade e do modelo aristotélico de- marcada pela retomada e valorização da tradição. Para Jauss, o leitor é uma figura histórica que respeita a história que lê, mas ao mesmo tempo promove uma ruptura com as leituras feitas até o momento, alcançando a sua própria interpretação. Para Zumthor, “a leitura literária não cessa de trapacear a leitura. Ao ato de ler integra-se um desejo de restabelecer a unidade de performance, essa unidade perdida para nós, de restituir a plenitude” (2014, p. 66).
  • 39. 39 Em Dom Quixote uma espécie de metamorfose entre o leitor e o autor tradicional, na narrativa, o autor/narrador cria uma máscara de si mesmo e do leitor para poder participar do romance. Os primeiros leitores da época da publicação do clássico estavam bem familiari- zados com as novelas de cavalaria e percebiam uma relação entre estas novelas e o romance. Porém, os leitores atuais concebem-na de modo peculiar e exige certa preocupação com a contextualização. Wolfgang Iser, considera o processo de leitura como dinâmico, uma vez que o efeito produzido está ligado, por um lado, à materialidade do texto e, por outro, à subjetividade do leitor. Ademais, o autor indica que não há um sentido estabelecido que poderia ser apreen- dido por um leitor passivo, mas tampouco há liberdade para o leitor compreender algo que não esteja no texto. Importante frisar que, a interação, defendida por Iser, fracassa quando o leitor não consegue perceber a manipulação discursiva que alguns escritores realizam. Outrossim, o conceito de “leitor implícito” se constrói, assim, nessa junção entre o texto e o sujeito. Não se trata, portanto, de um leitor real, mas de um receptor que atua sobre uma estrutura textual: “Este conceito de leitor implícito designa uma rede de estruturas pro- pulsoras de respostas, que impele o leitor a ‘apreender’ (grasp) o texto” (ISER, 1996, p. 34). Na obra de Cervantes, pode-se notar que o conceito proposto por Iser se faz presente e é de extrema importância para a configuração da obra. Segundo Compagnon (2003), a teoria protesta sempre contra o implícito: incômoda, ela é o protervus (o protestante) da velha escolástica. O que você chama de literatura? Que peso você atribui a suas proprie- dades especiais ou a seu valor especial?, perguntará a teoria aos histo- riadores. Uma vez reconhecido que os textos literários possuem traços distintos, você os trata como documentos históricos, procurando neles suas causas factuais: vida do autor, quadro social e cultural, intenções atestadas, fontes. O paradoxo salta aos olhos: você explica pelo con- texto de um objeto que lhe interessa precisamente poque escapa a esse contexto e sobrevive a ele. (COMPAGNON, 2003, p. 22). Compagnon vai contra o que é proposto por Iser enfatizando que, por trás de uma suposta liberdade, há a obrigação de o leitor seguir aquilo que lhe é prescrito pelo livro. Isso levaria, para o crítico francês, a uma “pergunta espinhosa”: “como se encontram, se defron- tam praticamente o leitor implícito (conceitual, fenomenológico) e os leitores empíricos e históricos?” (COMPAGNON, 2003, p. 153). Em oposição a uma concepção restrita de literatura e leitor, são muitas as obras e são muitos os leitores. Podemos pensá-los com o instrumental de uma crítica que está tão distan- te deles? Ou, modificando a questão de Compagnon indicada anteriormente: como lidamos com o leitor empírico em relação ao leitor conceitual. A leitura [fechada, objetiva, descompromissada, como pregada pelo New Cristicism], e geral, fracassa diante do texto: Richards é um dos raros críticos que ousaram fazer esse diagnóstico catastrófico. A cons- tatação desse estado de fato não o levou, no entanto, à renúncia. Para a teoria literária, nascida do estruturalismo e marcada pela vontade de descrever o funcionamento neutro do texto, o leitor empírico foi igual- mente intruso [...] O leitor é, então, uma função do texto, como o que
  • 40. 40 Riffatterre denominava o arquileitor, leitor omnisciente ao qual ne- nhum leitor real poderia identificar-se, em virtude de suas faculdades interpretativas limitadas. (COMPAGNON, 2003, p. 142). A obra que imortalizou Cervantes tem sido suporte das mais diversas leituras, pare- cendo nunca se findar. Mario Vargas Llosa chama a atenção para o fato de que o texto evolui com o passar do tempo e se recria a si mesmo em função das estéticas e dos valores que cada cultura privilegia. Desde que haja leitores que não se assustem com a reputação dos autores, sempre se poderá tentar uma outra leitura. Se a leitura e os leitores têm posição de destaque na primeira parte da obra, na segun- da tornam-se, ao lado das aventuras, a própria matéria a ser narrada. Se o Quixote de 1605 mantém relação intertextual com os livros de cavalaria, na continuação, de 1615, a intertextu- alidade se constrói a partir do texto e dos leitores da primeira parte. [...] a inclusão do leitor marca uma distinção fundamental entre as duas partes, trazendo para o contexto da obra a problematização da prática da leitura. Ou seja, na primeira parte Dom Quixote olha o mundo a partir da óptica de suas leituras, confiante de que a realidade se recobre por uma rede de similitudes entre o lido e o vivido, enquanto na segun- da parte, numa transposição paradoxal, são os próprios leitores/ per- sonagens que se surpreendem com as coincidências entre o que leram na primeira parte e o que vivem na segunda, a partir do contato direto com o cavaleiro e seu escudeiro. A inclusão da primeira parte na segun- da corresponde, portanto, a um afunilamento do universo das referên- cias literárias, fazendo com que o texto se defronte consigo mesmo, questionando as relações entre a verdade poética e a verdade histórica. (VIEIRA, 1998, p. 81-2) Ao interagir com o leitor, logo de início da novela, podemos verificar um tom grossei- ro do narrador com quem o lê que é invocado como “Desocupado leitor”, por fim ao realizar um diálogo o tanto quanto lúdico, dramático e irônico, notamos que a intenção inicial do nar- rador é de agradar o leitor. Intenção está declarada pelo próprio “autor”, num momento de desabafo, quando reclama que os leitores não dão atenção às novelas, passando por elas com rapidez ou enfado. “Ao satisfazer seu gosto, se vê obrigado a deixar de lado as digressões, o que lhe impede de exercer sua criatividade” (CERVANTES, 2004, p. 877). Assim, o próprio autor revela a preocupação com coma recepção de sua obra. Lajolo (2001), salienta que para uma obra existir, deverá a mesma ter relação entre autor que escreve e leitor que lê. Nesse caminho, há toda uma estrutura que se interpõe entre leitor e obra. Cervantes ao chamar o leitor de “Caríssimo leitor” faz uso de sarcasmo para fa- lar de sua obra: “Y así el estéril y mal cultivado ingenio mío, sino la história de um hijo seco”. Jauss, ao resgatar uma perspectiva histórica para a recepção, considera que devem ser valoradas as obras que romperam o “horizonte de expectativa”. Com isso, ele define em sua teoria uma determinada concepção de literatura e, por consequentemente, de leitor privile- giado. Segundo Blanchot (1987), o “leitor” é aquele para quem a obra é dita de novo, não re- dita numa repetição continua, mas mantida em sua decisão de fala nova, inicial. Ao nomear o “lector suave”, Cervantes trata o leitor com tom de futilidade, mas para inseri-los no romance
  • 41. 41 como figuras participantes ou personagens do processo composicional. Além disso, o fato de o narrador não querer lembrar o nome do fidalgo, com a in- tenção de mostrar e ocultar as informações do fidalgo, o que provoca uma desconfiança do leitor que questionará se os fatos são verdadeiros ou não, uma vez que o narrador não apenas conta, mas julga os personagens. Os apontamentos realizados por Iser não considera o texto como um produto acaba- do, diante do qual o leitor se coloca para extrair um sentido único. Assim, sua teoria apresenta uma concepção mais dinâmica de texto, se opondo a concepção de Roman Ingarden, para quem “a obra literária poder sofrer transformações sem perder a sua identidade” (INGAR- DEN, 1979, p.389). Entretanto, não significa que a teoria de Iser, ao pressupor um leitor implícito capaz de responder adequadamente às lacunas do texto, fosse totalmente oposta à noção “elitista e normativa” de Ingarden, que reconhece a ação da leitura sobre o texto. Ingarden nunca reflete sobre sua própria necessidade emocional de proteger a obra de arte das massas de leitores que a usam para seus próprios fins menos nobres. Contra essa visão do texto e do leitor nor- mativa, elitista e “sem dinamismo”, Iser sustenta seu conceito de uma interação dinâmica entre texto e leitor [...]. Mais importante, no entanto, são as semelhanças essenciais no conceito de leitor e de leitura tanto de Ingarden quanto de Iser. Iser substitui o conceito clássico de complexi- dade harmoniosa do texto de Ingarden por um conceito moderno. Na sua visão, a concretização do texto permite ambiguidades, perspectivas múltiplas e até mesmo fragmentação. No entanto, sua compreensão da atividade do leitor é tão ahistórica, abstrata e normativa quanto a de Ingarden: o leitor, ou seja, a construção do leitor ideal, sempre será estimulada através do texto para servir a um processo de crescimento próprio sempre aberto, amplo e enriquecedor (BARNOUW, 1979, p. 1208). A análise da recepção visa ao efeito produzido no leitor, seja individual ou coletivo e sua resposta ao texto considerando o estímulo como bem afirma Compagnon, Como Ingarden, o texto literário é caracterizado por sua incompletude e a literatura se realiza na leitura [...] O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor [...] O leitor implícito propõe um modelo ao leitor real; define um ponto de vista que permite que ao leitor real compor o sentido do texto (COMPAGNON, 2003, p. 150- 151). Em Dom Quixote, temos uma personagem cercada de livros de cavalaria, totalmente influenciada por eles. Mesmo sem um levantamento exaustivo das aparições dos livros ao longo de toda a narrativa, observa-se que este objeto está presente nos momentos mais mar- cantes. São exemplos o expurgo da biblioteca do fidalgo (CERVANTES, 1978, cap. VI, p. 43), a leitura da “Novela do curioso impertinente” (idem, cap XXXIII, p. 190), ou o episódio em que o cavaleiro observa o trabalho de correção e impressão do Quixote de Avellaneda em uma gráfica de Barcelona (idem, cap. LXII, p. 565). Dom Quixote enlouquece porque lê. A leitura das novelas de cavalaria é o que o move para todas as aventuras. A leitura provoca sua ação. Alonso Quijano de tanto ler livros de ca- valaria transmuta a ficção em realidade. Dom Quixote, não menos diferente, sonha tornar-se
  • 42. 42 através do que já vivenciou, em personagem de livro, Quem duvida que lá para o futuro, quando sair à luz a verdadeira histó- ria dos meus famosos feitos, o sábio que os escrever há de pôr, quando chegar à narração desta minha primeira aventura tão de madrugada, as seguintes frases: [...] (CERVANTES, 1978, cap. II, P. 32) Cervantes explora amplamente a função metalinguística para elaborar reflexões críti- cas a respeito de sua e de outras criações literárias e artísticas, sobretudo, as novelas de cavala- ria. Na segunda parte, a reflexão sobre as tarefas das personagens, “gira em torno da própria obra, seja acerca da primeira parte, seja sobre o falso Quixote”. (VIEIRA, 1998, p.88). Em O demônio da teoria, temos a definição de leitor, partindo dos pressupostos de Iser, assim, o leitor é um espirito aberto, liberal generoso, disposto a fazer o jogo do texto, mas não deixando de lado um leitor ideal: extremamente parecido com o crítico, familiarizado com os clássicos, mas curioso em relação aos modernos. Em Dom Quixote, percebemos que as personagens se posicionam e se comportam como se fossem pessoas reais, desestabilizando qualquer certeza que o leitor possa ter sobre o estatuto de ficção do texto literário. Lajolo (2006, p. 03) pondera que, quando as persona- gens discutem seu estatuto de ficção, “o espaço ficcional pode ganhar foros de realidade que conduzem o seu leitor a pisar devagarinho nos estreitos limites de fantasia e realidade, autor e narrador, ficção e história, personagem e pessoa”, justamente o que Borges indica como magia parcial do Quixote, ou seja, que “Cervantes se compraz em confundir o objetivo e o subjetivo, o mundo do leitor e o mundo do livro” e também que “tais inversões sugerem que se as personagens de uma ficção podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores ou espectadores, podemos ser fictícios”. Por fim, após algumas decepções o grande herói sucumbe à realidade e é obrigado a admitir que tudo não passou de loucura. Em seus últimos dias, declara ser Alonso Quijano, o Bom. Estando já curado, torna-se inimigo das novelas de cavalaria, ciente da impossibilidade de existirem cavaleiros andantes. Mas, sem sombras de dúvida, o que se perpetuou para seus leitores, reais ou fictícios, foi a grande aventura pelo universo da leitura. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste ensaio, busquei trazer algumas reflexões que obtive ao longo da disci- plina teoria literária; tradição e contemporaneidade, sobretudo, as que tange sobre a estética da recepção, confesso que essa a aula que mais aguardava ao longo do semestre. Comumente, a escrita de Cervantes destaca-se pelo tratamento que recebe no que diz respeito à leitura, personagem principal em Dom Quixote. Sem dúvidas a narrativa cervantina apropria-se de sua estrutura para a construção de sentido da obra, para que só assim possa ser formados leitores mais atentos, críticos e capazes de apreciar a mesma obra sob diferentes aspectos. Por conseguinte, analisar o leitor deste clássico, é pensar no repertório sociocultural que ele já traz consigo para que ele possa refletir sobre a obra literária. A experiência da lei- tura assim como toda experiência humana, é dual, ambígua, dividida; mas não significa que não devo me posicionar.
  • 43. 43 Para Petit (2013), falar um pouco do papel da leitura na construção de si mesmo, na elaboração da subjetividade. Assim, concluo que o ato de leitura é uma ferramenta de poder. É através dele que se teme uma identificação, na qual o leitor pode ser aspirado pela imagem fascinante que lhe é oferecida e construir pontes com suas próprias palavras. REFERÊNCIAS BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita, v. 3: a ausência do livro (o neutro, o fragmentário). Trad. João Moura Jr. São Paulo: Escura, 2010. BORGES, J. L. Magias parciales del Quijote. In: _______. Obras completas. Buenos Aires: Emecé Editores, 1974, p. 667-669. CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Dom Quixote. Trad. De Viscondes de Castilho e Aze- vedo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. _______. Don Quijote de la Mancha. Edición del IV centenario. Real Academia Española, Aso- ciación de Academias de la Lengua Española. Alfaguara, 2004. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001. p.7 - 48. ________. Do Intertexto ao Hipertexto: as paisagens da travessia. Disponível em: https:// meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/a-importancia-literatura-infanto-juvenil-no- -fundamental-ii.htm. Acesso em 25/12/ 2020 PETIT, Michèle. Leituras: do espaço intimo ao espaço público. Trad. Celina Olga de Souza. São Paulo: Ed. 34, 2013. VIEIRA, M. A. C. O dito pelo não-dito: paradoxos de Dom Quixote. São Paulo: EDUSP- -Fapesp, 1998. (Ensaios de Cultura, 14). ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
  • 44. 44 O mal estar docente em tempos pandêmicos: narrativas na contemporaneidade 1 INTRODUÇÃO Mais que um profissional responsável pela transmissão de conteúdos prontos e fecha- dos, o docente se apresenta como um mediador de conhecimentos e facilitador de proces- sos de aprendizagem. Carlos Marcelo (2009) disserta sobre a identidade docente traduzindo como construção do próprio sujeito a partir da reflexão de sua ação contextual: Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos¹ RESUMO: Este artigo tem como objetivo compreender os impactos causados na abrup- ta inserção docente na utilização de inúmeras tecnologias digitais em tempos de Covid-19. Na contemporaneidade o uso de plataformas digitais obteve notória participação no supor- te dos professores para a realização das suas aulas de maneira remota. Assim, pretende-se compreender, na perspectiva de (MARCELO, 2009) e (SOUZA, TAMANINI E SANTOS, 2020), como o profissional docente tem se relacionado com inúmeras tecnologias e quais os impactos sociais e psicológicos decorrem deste processo. Para tanto, esta pesquisa de or- dem qualitativa, foram entrevistados três professores de realidades variadas para que em sua própria percepção narrem os desafios encontrados, os recursos utilizados e suas condições emocionais durante a realização das aulas remotas. Pode-se constatar que há um esforço con- junto dos professores para dar continuidade ao percurso educacional dos alunos, embora as soluções não sejam completamente adequadas nesta realidade incerta, sendo considerado um momento que tecnologia ou a ausência dela tem gerado várias condições de adoecimento. Palavras-chave: Tecnologias Digitais; Mal estar docente; Isolamento Social; Aulas Remotas ¹ Membro da Rede Nacional da Ciência para a Educação- CPe Membro da Associação Brasileira de Au- toimunidade Docente Pesquisador em Educação e Neurociência aplicada ABEPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial UNESP Associado(a) na categoria de Profissional, Nº de matrícula 15713, da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) USP, filiada no Brasil, à Fede- ração das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e no exterior, à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações Latino Americanas e do Caribe de Neurociências Student Membership International Society for Telemedici- ne and eHealth -EUA e Membro da ABTms - Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde. “...um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experi- ências, uma noção que coincide com a ideia de que o desenvolvimento dos professores nunca para e é visto como uma aprendizagem ao longo da vida. Desse ponto de vista, a formação da identidade profis- sional não é a resposta à pergunta quem sou eu neste momento? mas sim a resposta à pergunta o que quero vir a ser?” (MARCELO, 2009, p. 112-113).
  • 45. 45 A partir da construção identitária da profissionalidade a partir das experiências circun- dantes, entende-se o professor como ator importante de comunicação entre o espaço escolar, seus sujeitos e o mundo. Além de sua função em sala de aula, o professor se constitui, como afirma Paulo Freire (2001), agente social de transformação e “humanização dos sujeitos”, onde cada indivíduo pode afirmar como o próprio Freire se descrevia: “não nasci... vim me tornando” (FREIRE, 2001, p. 87). Vale ressaltar neste texto, como as percepções sobre o professor mudaram com o pas- sar dos anos quando lembra-se que o professor de cinquenta anos atrás, nos ambientes civis (no mercado, posto de saúde, parque etc.) dificilmente ouvia-se um aluno o chamar por seu nome ou por outra caracterização específica: sempre com muito respeito ao se portar diante deles cumprimentava-se: “Olá, professor!” Em qualquer lugar que esteja, o professor será reconhecido como tal. A profissionalidade docente se concretiza no encontro da teoria e da prática, da pro- fissão e da vida cotidiana, das realidades institucionais e da personalidade e individual, das responsabilidades na formação dos discentes e na preocupação por sua própria formação permanente. Marcelo (2009), afirmando a construção da identidade docente diante da intersubjeti- vidade do lugar em que se existe e a partir das funções que assume, recorda que “...é preciso entender o conceito de identidade docente como uma re- alidade que evolui e se desenvolve, tanto pessoal como coletivamente. A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se desenvolve durante a vida. A identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, e sim um fenômeno relacional. [...] A identidade profissional não é uma identidade estável, inerente ou fixa. É resultado de um complexo e di- nâmico equilíbrio onde a própria imagem como profissional tem que se harmonizar com uma variedade de papéis que os professores sentem que devem desempenhar”. (MARCELO, 2009, p. 112). O professor, dentro da história social e cultural, se apresenta como “ponte” entre os saberes, os indivíduos, potencialidades e dificuldades. Este artigo justifica-se por relevante contextualização da profissionalidade docente em sua função social no atual momento histórico, compreendido diversamente como “era da informação”, “era da interatividade”, “era digital” entre outras terminologias coadjuvantes. Como caracterização fundamental, podemos afirmar que este tempo atual é “marcado por transformações vertiginosas em todas as suas esferas - social, econômica, política, cultural, educacional, pautadas na conectividade, ubiquidade, interatividade, comunicação multidire- cional, informação em tempo real, descentralização e democratização da informação e das comunicações” (SOUZA, TAMANINI E SANTOS, 2020, p. 2), que influenciam no modo de compreensão acerca dos indivíduos e instituições inseridos nesta realidade, bem como do próprio mundo ao qual são sujeitos históricos responsáveis por sua construção. Além de uma característica da cultura historicamente construída, os processos que já eram marcados pela virtualização das relações, têm se intensificado ainda mais ultimamente devido ao isolamento social recomendado, medida tomada devido ao surto pandêmico do novo “Coronavírus” (COVID-19). Tal crescimento acontece, de modo especial, nos proces-
  • 46. 46 sos educacionais, que antes tomavam das tecnologias digitais alguns meios e soluções e, nos últimos meses, se viram “reféns” das tecnologias e aparatos eletrônicos, realizando aulas e todas as demais atividades educativas à distância a partir dos espaços virtuais. Se antes as tecnologias poderiam ser facultativas e secundárias na educação, agora estão sendo obrigatórias e, junto com a própria atividade docente- discente, se coloca como elemento fundamental para a concretização do processo ensino- aprendizagem. Emerge-se o entendimento contemporãneo de que o professor não é o único dententor do saber, assim é válido acreditar que o chamado processo de ensino e apredizagem aconteça de forma bilateral (aluno-professor-professor-aluno), acrescidos da presença da tecnologia que em tempos pandemicos fora uma das poucoas e mais assertivas soluções para continuar a se fazer educação no mundo. Em conformidade com o exposto é indubitável o reconhecimento da assertiva que Santos, 2020 nos propõe: “O ensino remoto tem deixado suas marcas... Para o bem e para o mal. Para o bem porque, em muitos casos, permite encontros afetuosos e boas dinâmicas curriculares emergem em alguns espaços, rotinas de estudo e encontros com a turma são garantidos no contexto da pan- demia. Para o mal porque repetem modelos massivos e subutilizam os potencias da cibercultura na educação, causando tédio, desânimo e muita exaustão física e mental de professores e alunos. Adoecimentos físicos e mentais já são relatados em rede. Além de causar traumas e reatividade a qualquer educação mediada por tecnologias. Para o nosso campo de estudos e atuação, a reatividade que essa dinâmica vem cau- sando compromete sobremaneira a inovação responsável no campo da educação na cibercultura” (SANTOS, 2020, s.p.). É mister pensar aqui a relação educação e tecnologias digitais para o futuro, a fim de que estejam em sintonia pedagógica, tendo em vista a construção de sujeitos críticos e atentos às necessidades do seu tempo. Nesta perspectiva se colocam questões como: os professores, alunos e famílias estavam preparados para o ensino remoto? As adaptações de metodologia e conteúdo foram realizadas adequadamente? Quais problemas se colocam diante da dificul- dade dos acessos aos meios digitais? Que impactos causaram e causarão na educação? Como se sentem os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem nesse tempo de aulas remotas, especialmente os docentes? 2 A PESQUISA: METODOLOGIA Este artigo segue preceitos metodológicos de caráter qualitativo, e baseou-se na defi- nição de Denzin e Lincoln (2006) quando conceituam tal tipo de pesquisa, a partir da abor- dagem interpretativa do mundo, procurando compreender os fenômenos propostos a partir das significações que os próprios sujeitos participantes da pesquisa dão a eles. A atenção para a abordagem e modo de análise se voltou para os depoimentos dos sujeitos docentes envol- vidos e os significados presentes direta ou indiretamente nas suas narrativas. Como objetivo central, buscamos investigar, a partir da diversidade de identidade do- cente, os impactos e condições que o uso das tecnologias teve no trabalho docente, as adap- tações que precisaram ser realizadas, os meios dispostos que tiveram das instituições para que
  • 47. 47 as mesmas acontecessem e as condições e impactos pessoais/psicológicas provocados pela atual situação educacional e a atividade docente. A pergunta que baseou a pesquisa foi: quais as condições de trabalho, adaptações necessárias, desafios profissionais e impactos psi- cológicos da educação no período pandêmico? A sondagem foi executada para realização de um trabalho para uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Ibirapuera por dois estudantes mestrandos. Como metodologia de pesquisa, optou-se por um questionário breve, com 5 questões abertas, abrangendo a identificação pessoal e profissional, os recursos utilizados na docência durante as aulas remotas por conta da pandemia, as necessárias adaptações, os demais desafios e os impactos pessoais/psicológicos desta experiência de ensino totalmente virtualizado. Em relação as ínumeras váriaves impeditivas para a coleta dos dados, o questionário foi unicamente enviado via e-mail e WhatsApp para 3 docentes do Município de São Paulo, sendo 1 de cada rede de ensino: municipal, estadual e privada. A pesquisa foi realizada com devolução dos dados entre 2 e 5 de outubro de 2020. Responderam o questionário 1 docente de cada rede de ensino, a saber: municipal, estadual e privada. A idade dos docentes se coloca entre 25 e 50 anos e o tempo de docência entre 5 e 20 anos. Separou-se o perfil específico de cada docente: Professor A: 25 anos, 5 anos de profissão, docente do Ensino Fundamental II, e Ensino Médio da rede privada no Município São Paulo; Professor B: 42 anos, 10 anos de profissão, docente do Ensino Fundamental I e II, da rede municipal de São Paulo; Professor C: 50 anos, 20 anos de profissão, docente do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, da rede estadual de São Paulo. Para a análise dos dados obtidos, o estudo guiou-se pelo método e definição de Wethe- rell, Taylor e Yates (2001) diante da “análise do conteúdo” como modo de ler e compreender os textos e as “falas” (tendências praxiológicas) presentes, investigando o uso da linguagem em seus contextos sociais. Trata-se da consideração dos conteúdos dos discursos associado a questões sociais ou culturais. A partir das narrativas dos docentes divididas em temas especí- ficos apresentadas na pergunta de pesquisa, analisou-se os resultados. A partir da análise verificou-se de forma generalista os recortes das falas, através da participação de docentes recém profissionalizados, com experiência mediana e com maior experiência profissional, bem como advindos da diversidade de redes e etapas escolares. 3 NARRATIVAS DOCENTES A partir das considerações elencadas pelos próprios docentes, se pode traçar uma aná- lise a partir das temáticas elencadas nas próprias questões e apresentadas já apresentadas no texto. Quanto aos recursos utilizados, os entrevistados mostraram diferentes formas de uti- lização. No entanto, todos eles se mostram preocupados com o chamado “novo normal” formato de aplicação e execução das aulas. Os principais meios citados foram vídeo-aulas, grupos de WhatsApp, tutoriais do YouTube (para exposição de conteúdo do livro didático ou maquetes e outras formas tradicionais), ferramentas do Google (Classroom, Meets, Docs,