O Pedrão, um homem preguiçoso e arrogante, decide escrever um conto para um concurso literário para impressionar a Rosa Maria e conquistá-la de volta. Seu conto, que consiste em uma sequência de provérbios populares, acaba vencendo o concurso por divertir os jurados. No entanto, quando Pedrão tenta reconquistar Rosa Maria com sua nova "fama", ela o rejeita novamente, dizendo que aprecia seu trabalho mas não precisa gostar dele.
3. “Antes marido feio e laborioso que bonito e
preguiçoso”
Gato escaldado tem medo de água fria e Rosa Maria
embora acreditasse que águas passadas não movem
moinhos, não meteria a mão na cumbuca novamente.
Aquele malandro do atraente mas arrogante Pedrão
arrastava-lhe a asa, não largava do seu pé depois de um
namorico complicado nos tempos de escola. Mas nada
como um dia após o outro e ele ficara para trás, iletrado,
colecionando provérbios populares no barzinho, vivendo
às custas dos pais e ela se formara, era agora a
professorinha do lugarejo.
Pedrão queria Rosa Maria que se contentava com o
Hermínio do cartório. Quem ama o feio bonito lhe parece
e o fisicamente insonso funcionário era tido como
intelectual, fazia seus versos, discutia literatura com ela,
preenchia seu tempo vago. Iam tocando o burro da vida
sem tombar a carrocinha, num relacionamento chove não
4. molha...
Mas Pedrão não se conformava e insistia, não há rosas
sem espinhos e água mole em pedra dura tanto bate até
que fura, raciocinava ele. O problema era a tal de cultura
do franzino rival, ginasial completo. De grão em grão
Pedrão enchera o papo de ditados, citações e os usava
para tentar impressionar sua desencantada musa,
respostas pré fabricadas que nela entravam por um
ouvido e saiam pelo outro.
- Pedrão, entenda, estou bem com o Hermínio, nosso
caso passou, acabou!
- Nunca digas desta água não beberei, Rosinha...
- Desista!
- Quem espera sempre alcança...
A necessidade é a mãe das invenções e Pedrão dava
tratos à bola para descobrir um meio de impressionar
Rosa Maria, entrar no campo do adversário, a cultura. O
tempo passava e ele não queria dormir na estação e
perder o trem. Foi então que surgiu a grande chance:
5. - Ei, Rei dos Provérbios, olhe isso aqui! Na sua medida!
E o Zé do Bar lhe estendeu o jornalzinho da comarca.
Na última página leu algo que caiu como colírio em seus
olhos: 9º Concurso Nacional de Contos Livro de Graça
na Praça da Academia Mineira de Letras, cujo tema
“deverá estar relacionado com determinado ditado,
provérbio ou locução popular, à escolha de cada autor.”
- Mamão com açúcar, está no papo -exclamou radiante-
achei o caminho das pedras! Araruta também tem seu dia
de mingau!
E devorou a notícia, não sem uma certa dificuldade:
- Raios, é aí que a porca torce o rabo, muita burocracia,
um tal de envelope grande, envelope pequeno, correios,
caracteres, laudas... Vou tentar, cobra que não anda não
engole sapo. O tempo é curto mas antes tarde que nunca,
vou perguntar sobre a tal de lauda lá na tipografia.
- Lauda é mais ou menos essa folha aqui preenchida,
Pedrão, e aí diz no máximo 4 laudas, pode até ser uma só.
- Dos dois lados?
- Aí já não sei...
6. Pedrão já pensando em esticar as letras para encher
linguiça, ponderava: é concurso mineiro, turminha de
mão fechada, não tem prêmio em dinheiro mas a cavalo
dado não se olha os dentes, quem ganha fica conhecido e
a propaganda é a alma do bom negócio. É o que me
interessa, mais vale um gosto do que dez vinténs e com
fama de intelectual ganho Rosa Maria, dois coelhos com
uma só cajadada:
- É ganhar a fama e deitar na cama!
- Mas primeiro tem que ganhar, não ponha a carroça na
frente dos burros!
- A formiga sabe a folha que corta, conselho se fosse bom
era vendido, não seja derrotista, passarinho que
acompanha morcego amanhece de cabeça para baixo!
Não há provérbio que eu não conheça, já está no papo!
- E se ganhar vai é gastar dinheiro, leia aí embaixo, eles
tiram o corpo fora, não pagam nem cafezinho!
- E você acha que vou lá? Basta ter meu nome nos
jornais, é melhor dormir sem ceia que acordar com
dívidas!
7. E com esforço incomum começou a colocar no papel
toda sua pretensa sabedoria, certo do direito que dá a
César o que é de César e se o rival passava por ser um
grande perfume em pequeno frasco, ele, fortão, ganhando
o concurso seria um balde inteiro, cheio até a borda!
Por uma semana deixou até de jogar a sagrada sinuca
vespertina, mas não se faz omelete sem quebrar ovos,
suspirou filosoficamente o já autodenominado
intelectual... Emendou uma série de provérbios sem
maiores recheios mas dando-lhes uma sequência,
formando um continho e depois de muito penar
conseguiu preencher duas das tais laudas, espaço 2, pediu
para uma tia corrigir e se deu por satisfeito, sentenciando:
panela que muito se mexe ou sai insosso ou salgado.
Envelope grande, envelope pequeno, pseudônimo de
Trovador da Mantiqueira, conseguiu o carimbo dos
Correios no último minuto do derradeiro dia para entrega
dos originais. Depois sentou-se na indolência de seu dia a
dia e esperou ser comunicado da vitória, afinal o sol
8. nasceu para todos e não seria uma nuvenzinha chamada
Hermínio que ofuscaria o grande astro-rei Pedrão...
A sorte é como o raio, nunca se sabe onde vai cair e a
ingenuidade do texto mesclada com a petulância de
ganhador por antecipação que no resumidíssimo
currículo avisara que não compareceria à premiação,
acabou divertindo a comissão julgadora, que talvez
cansada de ler textos empolados, acabaram por concordar
que afinal aquela obra sem qualquer sofisticação
vernácula preenchia o que dela se esperava: distraia,
divertia e sem dúvidas era um documento representativo
da sabedoria popular. E como besteira pouca é bobagem,
acabaram dando ao Pedrão o que era de César.
Telegrama da Academia, notícias em jornais e até uma
entrevista com foto de terno, gravata e mão no queixo no
semanário da comarca. Pedrão, o laureado escritor,
deitou-se na cama da fama e esperou que Rosa Maria o
procurasse, seria magnânimo com ela, afinal, perdoar é
9. uma virtude dos fortes e depois de algum charminho a
aceitaria de volta. Durante a gloriosa semana que se
seguiu participou de algumas festas e reuniões onde ela
também se encontrava e só a cumprimentou com a
cabeça, respeitosamente e mantendo a distância. Queria
que a jacaré sentisse que a lagoa estava secando.
Empinou o nariz e esperou, esperou, mas ela
aparentemente desconhecia a parte que deveria cumprir
no plano unilateral. Depois soube que ela estava usando
seu texto na escola, exaltando os alunos a desenvolverem
a escrita e até colocara sua entrevista no quadro de
recortes.
Presunçoso, acreditou entender o porquê dela não se
aproximar: vergonha, timidez, afinal, agora ele era um
intelectual famoso. Resolveu dar uma colher de chá para
a professorinha que deveria estar sedenta de beber de sua
sabedoria, acercou-se dela na saída da escola e certo do
sucesso, foi direto:
-E ai, Rosa Maria, andei pensando, acho que já é tempo
10. de acertarmos os ponteiros, vamos juntar os trapos?
Rosa Maria boquiaberta com o que ouviu, esbugalhou os
olhos, deu uma sacudidela na cabeça e disparou:
- Tá maluco Pedrão? Já falamos sobre isso, é assunto
morto e enterrado! Estou com o Hermínio, ele me faz
companhia, tem boa cultura, é um bom homem!
Pedrão, desconsertado com a inesperada recusa, caindo
do cavalo ainda balbuciou:
- Mas eu também escrevo, você gostou do meu conto, eu
sei, tem até usado na escola!
E o “Rei dos Provérbios” e das rápidas respostas pré
fabricadas, ficou mudo ao assistir Rosa Maria parir ali
mesmo, de bate-pronto, uma inédita e definitiva pérola:
- E por acaso para saborear um copo de leite é preciso
gostar da vaca?
fim