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Diálogos entre instalações e arte literária em Florencia Garramuño
Por Rosângela Lopes da Silva1
GARRAMUÑO, F. Frutos estranhos: sobre a inespecificidade na estética contemporânea. Trad. Carlos Nougué.
Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
A pesquisadora Florencia Garramuño é especialista em Literatura latino-americana pela
Universidade de Buenos Aires. É PhD em Romances, Linguagens e Literatura pela
Universidade de Princeton e realizou seu pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura
Contemporânea na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Suas pesquisas estão relacionadas
ao estudo dos limites cada vez mais tênues e diluídos da Literatura Contemporânea –
especialmente a brasileira e a argentina – desde o início dessa transformação nos anos 70 e 80.
Ao falar sobre o que chama de "Literatura fora de si" discorre sobre as mudanças
ocorridas quanto a especificidade do literário e as consequências disso para pensar a estética
contemporânea que tem sido submetida a uma série de redefinições e expansões por meio do
uso de diferentes meios e métodos. O ensaio Frutos estranho: sobre a inespecificidade na
estética contemporânea caminha para esse objetivo ao propor a ideia de campo expandido para
pensar a literatura contemporânea.
Esse caminhar é entrelaçado na relação estabelecida com uma instalação do artista
brasileiro Nuno Ramos exposta em 2010 no MAN do Rio de Janeiro intitulada Fruto Estranho
na qual foram entrecruzados inesperados e diferentes meios, disciplinas, misturas e métodos de
exposição. A realidade fragmentada dessa instalação aponta para a noção de não pertencimento
e fuga da especificidade do meio, do próprio, da propriedade; levando a ensaísta a usar tanto a
imagem presente no título "Fruto estranho" quanto a própria ideia de instalação para definir a
literatura contemporânea.
Como se sabe, esse termo foi incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de
60 e caracteriza-se por trazer para o espaço da arte - antes tão fechado, específico e limitado –
a possibilidade de organizar diferentes elementos em ambientes; utilizar vários tipos de
multimídia a provocar distintas sensações; possuir um caráter efêmero (breve) – só existir na
hora da exposição ou ainda oferecer a possibilidade de ser recriada em outros espaços; contestar
a arte tradicional. Assim como nas instalações, a ensaísta observa que a literatura
contemporânea ao entrecruzar diferentes tipos de textos, formas, meios, suportes e linguagens,
parece estar "fora de si", fora de um lugar ou de uma categoria própria, única, fechada, original
ou contida.
1 Mestranda em Literatura pela Universidadede Brasília - UnB
Forencia Garramuño problemitiza caracteriza a literatura contemporânea, inicialmente,
por meio das mudanças ocorridas no Romance; que cada vez mais foge ao seu lugar de origem
e passa a se definir por não se articular num lugar específico ou a sustentar-se numa identidade
que o proteja: o uso da primeira pessoa (a exposição da intimidade) – formas de "evitar a
moldura que o Romance – com R maiúsculo demandaria com seus momentos articuladores
explicativos" (p. 14); a aposta no entrecruzamento de vários meios ou suportes, ou melhor, a
'aposta no inespecífico' cada vez mais insistente Essa arte multimídia, ou como define a
ensaísta, "arte inespecífica" exige novas formas de narrar ao dialogar com outras artes;
ampliando o espaço do romance e questionando a ideia de autonomia do texto literário.
É interessante destacar o conceito de comunidade construído por meio dessa ideia de não
pertencimento da literatura contemporânea. A articulista cita Ranciere para tomar emprestada
a definição de "literatura ignorante' como peculiar a literatura contemporânea – a linha tênue
entre realidade e ficção, os fragmentos de narrativas de uma obra presentes em outra a mesclar
um significado próprio por meio dessa justaposição e retirar o sentido inicial passam a trazer
para o espaço literário o "sem sentido do mundo" como se a arte buscasse "refugiar-se na
ausência de sabedoria"( p. 23).
Diante dessa ignorância da arte resultante dessa mistura de meios e suportes diferentes, a
desconstrução das hierarquias entre autor e expectador, entre ação e contemplação propicia um
novo cenário de igualdade que se aproxima da forma como o ser contemporâneo, descentrado,
constrói a ideia de comunidade, uma vez que segundo Esposito (apud GARRAMUÑO, p.28)
'não é o próprio, mas o impróprio – ou mais drasticamente, o outro, o que caracteriza o comum'.
Diante disso, a noção de comunidade está relacionada a esse não pertencimento, o sair de si
mesmo, que desapropria a especificidade – a presença em ausência propicia o pensar a
comunidade como imagem mais que se refere a "fluxos contingentes de amizades, leituras e
mútuas inspirações transnacionais (p. 24) que extrapolam os espaços fixos e fechados das
tradições nacionais.
Um outro aspecto interessante apresentado nessa obra é a questão do passo da prosa na
poesia contemporânea, especificamente, no poema em prosa. Fazendo uso da ideia de
"expanded field" (campo expansivo) proposto por Rosalind Krauss ao falar de um novo tipo de
escultura que só podiam continuar a ser considerados como esculturas se o campo se
expandisse, a ensaísta sugere que o mesmo precisa acontecer com a literatura. Para tanto propõe
a análise dos textos Monodrama, de Carlito Azevedo e El eco de mi madre, de Tamara
Kameszain com vista em observar o passo da prosa como espécie de manifestação das tensões
entre prosa e poesia a questionar a forma, a subjetividade singular e a quebra dos versos da
literatura tradicional - O passo de prosa expande o campo poético tanto dentro do próprio texto
(a continuidade dos versos que podem se configurar de um canto da margem ao outro fugindo
à centralização, ou ter a sintaxe rompida de maneira descontínua; ou ainda se estender às notas
de rodapé ou à orelha do livro) quanto no diálogos com o real da subjetivação de um eu cujas
emoções e afetos se estendem ao coletivo por meio do diálogo com outros textos; conflitos
extratextuais, escritores, diferentes linguagens e línguas; propiciando emoção ainda que o
sentimentalismo não seja inerente a obra é capaz de levar o leitor a sair de si mesmo e se
aproximar desse outro representando na escrita.
Esse livro apresenta ainda inúmeras outras discussões interessantes que propiciam o
refletir sobre a arte literária contemporânea e essa ideia de não pertencimento. Optando por
partir do geral para o particular, as ideias de literatura fora de si, literatura inespecífica, fruto
estranho, identidades fragmentadas e descentralizadas, comunidades a extrapolar o limite de
propriedade, o passe de prosa na poesia contemporânea, são exemplificados e problematizados
por meio da análise de textos de autores brasileiros e argentinos. Constitui, assim, uma obra
agradável e significativa.

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  • 1. Diálogos entre instalações e arte literária em Florencia Garramuño Por Rosângela Lopes da Silva1 GARRAMUÑO, F. Frutos estranhos: sobre a inespecificidade na estética contemporânea. Trad. Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. A pesquisadora Florencia Garramuño é especialista em Literatura latino-americana pela Universidade de Buenos Aires. É PhD em Romances, Linguagens e Literatura pela Universidade de Princeton e realizou seu pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Suas pesquisas estão relacionadas ao estudo dos limites cada vez mais tênues e diluídos da Literatura Contemporânea – especialmente a brasileira e a argentina – desde o início dessa transformação nos anos 70 e 80. Ao falar sobre o que chama de "Literatura fora de si" discorre sobre as mudanças ocorridas quanto a especificidade do literário e as consequências disso para pensar a estética contemporânea que tem sido submetida a uma série de redefinições e expansões por meio do uso de diferentes meios e métodos. O ensaio Frutos estranho: sobre a inespecificidade na estética contemporânea caminha para esse objetivo ao propor a ideia de campo expandido para pensar a literatura contemporânea. Esse caminhar é entrelaçado na relação estabelecida com uma instalação do artista brasileiro Nuno Ramos exposta em 2010 no MAN do Rio de Janeiro intitulada Fruto Estranho na qual foram entrecruzados inesperados e diferentes meios, disciplinas, misturas e métodos de exposição. A realidade fragmentada dessa instalação aponta para a noção de não pertencimento e fuga da especificidade do meio, do próprio, da propriedade; levando a ensaísta a usar tanto a imagem presente no título "Fruto estranho" quanto a própria ideia de instalação para definir a literatura contemporânea. Como se sabe, esse termo foi incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de 60 e caracteriza-se por trazer para o espaço da arte - antes tão fechado, específico e limitado – a possibilidade de organizar diferentes elementos em ambientes; utilizar vários tipos de multimídia a provocar distintas sensações; possuir um caráter efêmero (breve) – só existir na hora da exposição ou ainda oferecer a possibilidade de ser recriada em outros espaços; contestar a arte tradicional. Assim como nas instalações, a ensaísta observa que a literatura contemporânea ao entrecruzar diferentes tipos de textos, formas, meios, suportes e linguagens, parece estar "fora de si", fora de um lugar ou de uma categoria própria, única, fechada, original ou contida. 1 Mestranda em Literatura pela Universidadede Brasília - UnB
  • 2. Forencia Garramuño problemitiza caracteriza a literatura contemporânea, inicialmente, por meio das mudanças ocorridas no Romance; que cada vez mais foge ao seu lugar de origem e passa a se definir por não se articular num lugar específico ou a sustentar-se numa identidade que o proteja: o uso da primeira pessoa (a exposição da intimidade) – formas de "evitar a moldura que o Romance – com R maiúsculo demandaria com seus momentos articuladores explicativos" (p. 14); a aposta no entrecruzamento de vários meios ou suportes, ou melhor, a 'aposta no inespecífico' cada vez mais insistente Essa arte multimídia, ou como define a ensaísta, "arte inespecífica" exige novas formas de narrar ao dialogar com outras artes; ampliando o espaço do romance e questionando a ideia de autonomia do texto literário. É interessante destacar o conceito de comunidade construído por meio dessa ideia de não pertencimento da literatura contemporânea. A articulista cita Ranciere para tomar emprestada a definição de "literatura ignorante' como peculiar a literatura contemporânea – a linha tênue entre realidade e ficção, os fragmentos de narrativas de uma obra presentes em outra a mesclar um significado próprio por meio dessa justaposição e retirar o sentido inicial passam a trazer para o espaço literário o "sem sentido do mundo" como se a arte buscasse "refugiar-se na ausência de sabedoria"( p. 23). Diante dessa ignorância da arte resultante dessa mistura de meios e suportes diferentes, a desconstrução das hierarquias entre autor e expectador, entre ação e contemplação propicia um novo cenário de igualdade que se aproxima da forma como o ser contemporâneo, descentrado, constrói a ideia de comunidade, uma vez que segundo Esposito (apud GARRAMUÑO, p.28) 'não é o próprio, mas o impróprio – ou mais drasticamente, o outro, o que caracteriza o comum'. Diante disso, a noção de comunidade está relacionada a esse não pertencimento, o sair de si mesmo, que desapropria a especificidade – a presença em ausência propicia o pensar a comunidade como imagem mais que se refere a "fluxos contingentes de amizades, leituras e mútuas inspirações transnacionais (p. 24) que extrapolam os espaços fixos e fechados das tradições nacionais. Um outro aspecto interessante apresentado nessa obra é a questão do passo da prosa na poesia contemporânea, especificamente, no poema em prosa. Fazendo uso da ideia de "expanded field" (campo expansivo) proposto por Rosalind Krauss ao falar de um novo tipo de escultura que só podiam continuar a ser considerados como esculturas se o campo se expandisse, a ensaísta sugere que o mesmo precisa acontecer com a literatura. Para tanto propõe a análise dos textos Monodrama, de Carlito Azevedo e El eco de mi madre, de Tamara Kameszain com vista em observar o passo da prosa como espécie de manifestação das tensões entre prosa e poesia a questionar a forma, a subjetividade singular e a quebra dos versos da
  • 3. literatura tradicional - O passo de prosa expande o campo poético tanto dentro do próprio texto (a continuidade dos versos que podem se configurar de um canto da margem ao outro fugindo à centralização, ou ter a sintaxe rompida de maneira descontínua; ou ainda se estender às notas de rodapé ou à orelha do livro) quanto no diálogos com o real da subjetivação de um eu cujas emoções e afetos se estendem ao coletivo por meio do diálogo com outros textos; conflitos extratextuais, escritores, diferentes linguagens e línguas; propiciando emoção ainda que o sentimentalismo não seja inerente a obra é capaz de levar o leitor a sair de si mesmo e se aproximar desse outro representando na escrita. Esse livro apresenta ainda inúmeras outras discussões interessantes que propiciam o refletir sobre a arte literária contemporânea e essa ideia de não pertencimento. Optando por partir do geral para o particular, as ideias de literatura fora de si, literatura inespecífica, fruto estranho, identidades fragmentadas e descentralizadas, comunidades a extrapolar o limite de propriedade, o passe de prosa na poesia contemporânea, são exemplificados e problematizados por meio da análise de textos de autores brasileiros e argentinos. Constitui, assim, uma obra agradável e significativa.