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Seja Bem Vindo!
Curso
Introdução à Educação
Carga horária: 60hs
2
Dicas importantes
• Nunca se esqueça de que o objetivo central é aprender o
conteúdo, e não apenas terminar o curso. Qualquer um termina, só
os determinados aprendem!
• Leia cada trecho do conteúdo com atenção redobrada, não se
deixando dominar pela pressa.
• Explore profundamente as ilustrações explicativas disponíveis,
pois saiba que elas têm uma função bem mais importante que
embelezar o texto, são fundamentais para exemplificar e melhorar
o entendimento sobre o conteúdo.
• Saiba que quanto mais aprofundaste seus conhecimentos mais
se diferenciará dos demais alunos dos cursos.
Todos têm acesso aos mesmos cursos, mas o aproveitamento
que cada aluno faz do seu momento de aprendizagem diferencia os
“alunos certificados” dos “alunos capacitados”.
• Busque complementar sua formação fora do ambiente virtual
onde faz o curso, buscando novas informações e leituras extras,
e quando necessário procurando executar atividades práticas que
não são possíveis de serem feitas durante o curso.
• Entenda que a aprendizagem não se faz apenas no momento
em que está realizando o curso, mas sim durante todo o dia-a-
dia. Ficar atento às coisas que estão à sua volta permite encontrar
elementos para reforçar aquilo que foi aprendido.
• Critique o que está aprendendo, verificando sempre a aplicação
do conteúdo no dia-a-dia. O aprendizado só tem sentido
quando pode efetivamente ser colocado em prática.
3
Conteúdo
Sobre a Educação do Olhar na Escola
Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e Não Vê
Prática educativa, Pedagogia e Didática
Educação, instrução e ensino
Educação escolar, Pedagogia e Didática
A Didática e a formação profissional do professor
Educação, o que é isso?
Educação Formal X Educação Informal
Educação como Produto X Educação como Processo
Educação Certa X Educação Errada
Educação como Meio X Educação como Fim
Educação como Prática Individual X Educação como
Prática Coletiva
Educação Autoritária X Educação Democrática
Educação Opressora X Educação Libertadora
Educação Reprodutivista X Educação Crítica
Como Melhorar a Comunicação Professor-Aluno
Novas Competências para Ensinar
Bibliografia/Links Recomendados
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Sobre a Educação do Olhar na Escola
1: A recepção muda tudo: Sobre a Educação do
Olhar na Escola
1.1 . Lições sobre o “Olhar”
(Obra de Giuseppe Arcimboldo[1])
“Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão.”
Edgar Morin
Ao iniciar este texto, apresentamos um desafio. Olhando para
o quadro acima, podemos afirmar que o que pensamos que
vemos é realmente o que vemos? É possível afirmar que não
há erro ou ilusão na interpretação do nosso olhar? O que
vemos no quadro acima? Será um recipiente de ferro (ou de
outro material) contendo legumes e hortaliças? Têm certeza?
5
Por favor, ponham esta página de ponta-cabeça e observem
novamente a figura. E então?
Como vocês puderam observar, o quadro acima reproduz um
recipiente com legumes e hortaliças, mas também reproduz a
figura de um homem – depende do ângulo de onde
observamos a figura, depende do ponto de vista do nosso
olhar.
Se olharmos mais uma vez para a figura, agora sabendo que
há a imagem de um homem, nosso olhar será imediatamente
atraído para os dois pontos que representam os olhos, e
deixaremos de ver os legumes e hortaliças ou de apenas vê-
los como parte de um conjunto de alimentos. Eles serão, a
partir desse novo olhar, partes constituintes de uma figura de
homem. Tudo isto porque o nosso olhar focaliza um ponto
especial – os olhos. Os legumes continuam ali, expostos ao
nosso olhar, mas não os registramos mais conscientemente.
Após as observações acima, é possível supor que:
nem tudo o que pensamos ver, realmente vemos;
nem sempre temos a consciência da visão de tudo o que
olhamos;
nem sempre vemos a totalidade do que é objeto
do nosso olhar;
nem sempre esgotamos nossas possibilidades
de olhar um objeto para criar conceitos sobre ele;
nem sempre refletimos sobre o nosso ato de
olhar.
Com esta constatação, concluímos que olhar é um ato nada
banal, na verdade, bastante complexo e, por isso mesmo,
necessitando ser analisado com profundidade.
Especialmente, se colocamos a questão no âmbito
educacional e, mais especificamente, no âmbito escolar.
6
Refletir sobre o olhar é a proposta que trazemos para este
momento. E dentro desta proposta, queremos considerar os
vários significados do olhar. Entre eles, os que apresentamos
a seguir:
Eu vi
o cheiro do boi.
Eu vi
cheiro de pasto
maduro, crestado, amarelado.
Trecho do poema “Evém boiada!”, de Cora Coralina[1]
De uma praia do Atlântico
Se o olhar visse curvo,
como se diz que é o espaço,
olhando a sudoeste
de meu atual terraço, (...)
João Cabral de Melo Neto[2]
Assim como os poetas citados, entendemos o olhar como um
modo de ver que vai além do olhar primário, do olhar que só
alcança as coisas imediatas e próximas. Entendemos que o
ato de olhar envolve também o resgate de lembranças
sinestésicas que estão guardadas em nosso interior. Assim,
olhar é também usar os olhos da alma, do desejo, do sonho,
da fantasia, da sensibilidade, porque olhar é ver com o “corpo
todo”. Assim pensamos porque acreditamos, como Lorca[3],
que “nos olhos se abrem / infinitas veredas”.
Mas que em momento algum se pense que estamos defendendo a idéia
de um olhar romântico, ingênuo, acrítico, pois se acreditamos no ato de
olhar que se volta para o interior, é porque consideramos que isto vai nos
ajudar a olhar criticamente para o exterior. Com um múltiplo olhar –
enriquecido pelos nossos diferentes sentidos – poderemos refletir melhor
sobre as coisas que nos são mostradas, poderemos observá-las sob
7
vários ângulos e, com isto, identificar as intenções que subjazem nas
exposições que ocorrem nos espaços sociais.
Mas como alcançar esta competência? Como desenvolver a
habilidade de ver criticamente e também com emoção? Só
há uma forma: educando o olhar. E para educá-lo,
precisamos, inicialmente, pensar sobre algumas questões, a
saber:
1. Como se realiza, cientificamente, o ato de olhar?
2. Como identificar, nas interações sociais, as intenções
implícitas no aparentemente inocente ato de expor imagens
ao nosso olhar?
3. Como relacionar, ao ato de olhar, as questões referentes
à estética e à ética?
4. Como desenvolver a capacidade de olhar?
5. Como levar todas estas reflexões para o cotidiano da
escola?
[1] CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias
mais. 4ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1991, p. 91.
[2] MELO NETO, João Cabral de. Museu de tudo e
depois (1967 – 1987). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988,
p. 264.
[3] LORCA, Federico García. Os olhos. In: Obra poética
completa. 3ª. ed. Brasília, DF: Editora Universidade de
Brasília, 1996, p. 591.
[1] Pintor italiano do séc. XVI (1527 – 1593).
1.2 . A Arte de Educar o Olhar
Como educar o olhar? Como torná-lo capaz de perceber
significados e construir relações? Como desenvolver a
8
capacidade de ver estética e eticamente as imagens que nos
circundam? Cultivando a arte de ver.
Pensemos, primeiramente, em desenvolver nossa “visão
divergente” que, em Pedagogia, conforme nos informa Yunes
e Agostini[1], “representa uma visão múltipla das coisas, uma
visão não bitolada ou enquadrada”. Uma visão que nos
capacita a usufruir esteticamente as imagens e a usar a
criatividade nas diferentes situações da vida.
Segundo os autores citados acima, a escola não estimula
nem desenvolve nas crianças a visão divergente.
Pelo contrário, leva-as para a ‘visão convergente’, a visão
domesticada, centrada, unilateral e massificada, típica do
adulto ‘normal’, ‘bem-adaptado’, conformista, conservador,
sem brilho, sem cor e sem caráter. (Yunes Agostine, 1998)
Embora não pretendamos, agora, discutir a relação olhar
crítico X escola, fica registrada a observação acima para
posterior retomada neste trabalho.
Pensemos agora sobre o nosso “olhar divergente”. Até que
ponto nós o temos cultivado? Até que ponto temos permitido
que nossos olhos se abram para “infinitas veredas”?
Ainda segundo Yunes e Agostini,
o ser humano é múltiplo, dispõe de várias maneiras de
perceber o real ou a vida. Os aspectos afetivos não estão
dissociados do intelecto e da inteligência (...)”. Uma das formas
de educar o olhar, portanto, é permitir que nossas emoções
participem da nossa visão cotidiana das coisas, ou seja,
exercitando cada vez mais a nossa “visão divergente.
E, para tanto, podemos nos valer das artes: literatura,
pintura, escultura, música, fotografia, dança, dramatização e
todas as outras artes que com elas se entrelaçam.
Segundo Costa[2], a arte penetra em nós através da porta da
sensibilidade, mantendo aberto esse canal com nossa
natureza mais instintiva e – por que não? – animal. A cada
9
emoção ou prazer que resulta do contato com o belo, nossos
sentidos se renovam e se apuram num processo infindável
de aprofundamento e recriação. A cada momento de arte,
nos tornamos mais aptos à captação da beleza do mundo e
de seus significados.
A arte se opõe ao mergulho no individualismo egoísta.
Trabalha o incrível paradoxo de, tendo suas raízes na
subjetividade e na interioridade, só se realizar em comunicação
com o outro e com o mundo. Exige eco e comunicação, exige
diálogo e controvérsia. Assim, mantém livres nossos canais de
comunicação com o outro, ao mesmo tempo em que aprimora
a consciência que temos de nós mesmos. É fonte inesgotável
de interpretação e sentido. Por mais que nos detenhamos em
sua observação, decifração e entendimento, mais nos
confrontaremos com novas aparências e significações. E
mesmo mantendo laços estreitos com seu tempo e seu espaço,
a arte atravessa a história e se apresenta virgem a novas
interpretações.(Costa, 1999)
Segundo De Masi[3] (2000), um dos momentos que
assinalaram a passagem da nossa condição de animal a
homem foi aquele em que, no nosso processo evolutivo,
pudemos conceituar o belo. Desde os primeiros desenhos
nas cavernas, o homem utilizou a capacidade estética para
registrar as suas impressões do mundo, diferenciando-se dos
outros animais, conquistando a sua condição humana e a
felicidade. Isto porque, segundo o autor, “entre todas as
formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais
do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”.
(De Masi, 2000)
Associando as idéias de Costa (1999) e de De Masi (2000),
entendemos que a arte nos humaniza e, ao mesmo tempo,
nos proporciona uma sensibilidade tão intensa que pode
despertar nossas emoções mais selvagens, criando
um feedback para múltiplas renovações do homem.
Educando o nosso olhar através da arte, estaremos sempre
ratificando a nossa condição humana.
Nosso olhar, entretanto, não é apenas estimulado por
imagens que produzem prazer estético ou só prazer estético.
10
Conforme já foi observado neste texto, vivemos um tempo de
saturação de imagens.
Somos, a todo momento, levados a enfrentar novos desafios,
que nos exigem uma visão mais crítica e abrangente dos
recursos que nos cercam, imprimindo uma nova ordem ao
tempo e ao espaço em que vivemos. (Caboclo[4], 1995).
São muitas as mídias que veiculam imagens e mensagens.
Precisamos aprender a olhá-las em suas especificidades,
interpretá-las criticamente e usufruir dos seus benefícios.
Segundo Kellner[5], precisamos desenvolver um alfabetismo
crítico em relação à mídia e construir competências para a
leitura crítica de imagens. Para ele,
Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar,
decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma
como elas são construídas e operam em nossas vidas quanto o
conteúdo que elas comunicam em situações concretas.
(Kellner, 1995)
Analisando as imagens e mensagens veiculadas pela
publicidade, Kellner considera que esta exerce uma ação
pedagógica sobre as pessoas, ensinando-lhes o que
precisam e devem desejar, pensar e fazer para alcançar o
prazer e a felicidade. Para ele, a publicidade veicula e inculca
nos indivíduos uma visão de mundo, uma ideologia de vida,
valores e comportamentos que aparentemente trazem
satisfação imediata.
Para neutralizar a influência ideológica da publicidade e
escapar dos apelos do consumo precisamos, segundo o
autor, desenvolver “competências emancipatórias”.
Precisamos, ainda, “compreender como os textos culturais
funcionam, como eles influenciam e moldam” nossos
comportamentos.
É importante frisar que não consideramos os indivíduos
totalmente desarmados para o “ataque” da mídia. Sabemos
que é grande o poder de influência das imagens e
mensagens veiculadas pela publicidade e pelos diferentes
veículos de comunicação, mas também acreditamos, como
11
Certeau[6] (1995), que é difícil estabelecer o grau de
influência que elas exercem sobre os indivíduos, uma vez
que não sabemos ao certo as maneiras de uso adotadas
pelos consumidores em relação aos produtos culturais
oferecidos. Estes conhecimentos, contudo, não nos isentam
de incentivar a reflexão e a conscientização acerca da
influência da mídia e das estratégias que podemos articular
para neutralizar essa influência.
Também é importante observar que vivemos em uma
sociedade do espetáculo, e que nessa sociedade todos os
assuntos são apresentados como se fizessem parte de um
show. Já não é fácil discernir o real do ficcional. Amor, morte,
guerra, futebol, tragédia, comédia, tudo faz parte de um
espetáculo cotidiano que não tem trégua. E nesse
espetáculo, muitas vezes perdemos a capacidade de
discernir criticamente os fatos. As coisas, segundo
Chiavenato[7] (1998), “passam a ser o que aparentam. E
aparentam ser pela imagem que transmitem”.
Muitas são as imagens e elas nos transmitem a ideologia da
mercadoria: tudo é consumível e deve ser consumido.
Segundo Lefebvre[8] (1991), essa ideologia “substitui o que
foi filosofia, moral, religião, estética”. Nada mais importa a
não ser realizar os desejos despertados pelas mensagens de
consumo. Consumo de objetos, de drogas, de sexo, de
ilusões e de vidas.
Como olhar para essas mercadorias, como assistir ao grande
espetáculo da sociedade (e participar dele!) e como usufruir
dos bens culturais sem perder a capacidade de fazer leituras
críticas sobre os fatos e, a partir delas, realizar intervenções
éticas?
Acreditamos que um caminho é não acreditar sempre no que
nos mostra o nosso olhar, seja sob que ângulo estejamos
“olhando” os fatos. É preciso sempre criar outros ângulos,
refletir sobre as imagens que observamos a partir desses
novos ângulos e entender que nada pode ser olhado
maniqueisticamente: o bem e o mal (e o que é bem para uns
nem sempre o é para todos) estão em todas as coisas e
precisamos saber usufruir de cada coisa aquilo que ela
12
apresenta de construtivo. Nesse sentido, o que primeiro
precisamos fazer é procurar conhecer tudo o que nos cerca,
desvendar seus mistérios, penetrar em suas fortalezas,
derrubar seus muros.
Começamos, neste trabalho, recordando o mecanismo do
olhar. Verificamos como esse mecanismo é aproveitado e
explorado pela propaganda e pela mídia. Refletimos sobre a
importância das Artes e da consciência crítica em nossas
vidas. Compreendemos que são múltiplos os meios de
veicular imagens e que, por isso, múltiplas devem ser
nossas estratégias de interpretação.
Não podemos esquecer, também, da importância que se
deve dar à observação dos diferentes modos de veicular
ideologias, valores, estética e ética utilizados pelo cinema,
pelo teatro, pelo rádio, pela televisão, pela internet, pelos
jornais, pelas revistas, pelas músicas, pelas crônicas, pelos
romances, pelos poemas, pelas charges, pelos quadrinhos,
pelos comerciais, pelas comidas, pelos livros didáticos, pelos
mapas e atlas, pelas disciplinas escolares, e ainda pelos
pregadores religiosos, pelos artistas, pelos educadores, pelos
políticos. Somente olhando-os de forma crítica é que
poderemos identificar o lugar onde eles se colocam para
veicular suas mensagens e que relação esses lugares e
essas mensagens estabelecem com os nossos conceitos de
gênero, raça, cidadania.
Por fim, precisamos descobrir as formas de desconstrução
das estratégias usadas por esses veículos e indivíduos, para
que possamos, quando necessário, enfraquecer seus
discursos e fortalecer discursos mais compatíveis com um
pensamento planetário de solidariedade e de valorização
humana.
13
1. 3. Como Promover e Praticar a Educação do Olhar e do
Pensar na Escola?
Segundo Coutinho[9] (1998),
Cada lugar tem a sua maneira própria de ser, de se constituir,
de apresentar e de se representar. A escola é um lugar como
outro qualquer e também tem suas feições. Mas uma de suas
características básicas é a de poder metamorfosear-se numa
porção de outros lugares. Assim, a sala de aula pode vir a ser
um palco de teatro ou uma sala de cinema. Tudo fica a
depender da capacidade criadora de professores e alunos.
A escola pode ser ainda outros lugares. O lugar da utilização
e da produção de vídeos; o lugar da leitura, análise e
produção de jornais, revistas, poemas, charges. A escola é o
espaço privilegiado para a reconstrução dos discursos e das
imagens veiculadas nos diferentes espaços sociais.
E mais. A escola é o lugar privilegiado para promover a
educação. E não podemos confundir educação com repasse
de informações. As informações estão em todos os lugares e
são tantas que a escola nem pode ter a pretensão de
transmiti-las. Não pode, principalmente, desperdiçar o tempo
e o espaço de que dispõe para educar. E educar, para nós,
corresponde ao conceito adotado por Morin[10] (1999):
Educar é estar mais atento às possibilidades do que aos
limites. Estimular o desejo de aprender, de ampliar as formas
de perceber, de sentir, de compreender, de comunicar-se.
Apoiar o estado de prontidão para aprender dentro e fora da
escola, em todos os espaços do nosso cotidiano, em todas as
dimensões da vida,. estar atento a tudo, relacionando tudo,
integrando tudo. Conectar sempre o ensino com a pessoa do
aluno, com a vida do aluno, com a sua experiência.
Educar é procurar chegar ao aluno por todos os caminhos
possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela
representação (dramatizações, simulações), pela multimídia. É
partir de onde o aluno está, ajudando-o a ir do concreto ao
14
abstrato, do imediato para o contexto, do vivencial para o
intelectual, integrando o sensorial, o emocional e o racional. O
emocional é um componente fundamental da compreensão e
do ensino. (Morin, 1999)
Tendo como suporte as falas de Coutinho e Morin,
pretendemos enfatizar a importância da escola no processo
da educação do olhar, que – como já deve ter ficado evidente
– foi, em alguns momentos, a metáfora que usamos para
falar de uma educação escolar crítica, atenta, interligada aos
outros espaços educacionais, dispondo de professores aptos
a “utilizar pedagogicamente as tecnologias na formação de
cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas
linguagens do mundo atual e futuro”[11].
Como última sugestão para desenvolver um novo olhar sobre
a educação, trazemos a contribuição de Gadotti[12] , que
propõe a ecopedagogia:
A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar sobre a
educação, um olhar global, uma nova maneira de ser e de
estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana,
que busca sentido a cada momento, em cada ato, que ‘pensa a
prática’(Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas,
evitando a burocratização do olhar e do comportamento.
(Gadotti, 2000)
Não podemos nos conformar em ser ou em educar pessoas
para se tornarem indivíduos “bem-adaptados”, passivos,
manobráveis, burocratizados. Precisamos cultivar e
incentivar nossos alunos a cultivar não apenas a visão
divergente, como também, e principalmente, o espírito
divergente.
Não podemos também, e isto é fundamental, fazer o discurso
do olhar divergente e praticar o olhar convergente,
conformista, conservador e sem brilho, durante as nossas
15
ações cotidianas na escola. Precisamos mudar os ângulos do
nosso olhar em relação aos nossos colegas, aos nossos
alunos e ao nosso trabalho. Focalizar as fóveas não apenas
nos anjos ou apenas nos demônios, mas atentar para o que
fica relegado a uma visão periférica.
Talvez refletindo mais sobre a arte de ver e procurando
exercitá-la a todo o momento, não soframos mais aquela dor
sem explicação, aquela sensação de fracasso que muitas
vezes acompanham o nosso trabalho. Dor e sensação que
talvez sejam provocadas pelo registro inconsciente que
fazemos da decepção estampada nos rostos dos nossos
alunos. Um registro que as nossas fóveas não vêem, mas
que os nossos bastonetes conduzem para as profundezas da
nossa mente.
Para encerrar, plagiando Che Guevara, diríamos que é
necessário divergir, mas sem jamais perder a ternura. Que,
sem perder o prazer estético de produzir e admirar o belo,
sejamos sempre praticantes e defensores da ética em todas
as situações de interação com os homens e com a natureza.
1.4 . O que é Pensar?
Um texto que consideramos excelente para compreender a
importância de se pensar nos é o oferecido por Rubem Alves
e se intitula “As Receitas”(2000).
Quando eu era menino, na escola, as professoras nos
ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso
porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro,
diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado.
O que me disseram equivale a predizer que um homem será
grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz
um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça
16
do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as
tintas dançarem sobre a tela...
Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me
que esta era a pergunta que o professor de Filosofia havia
proposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por
ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido
sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se
tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do
pensamento. O pensamento é como a águia que só pode alçar
vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre
o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o
pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso
existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para
ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre
a terra firme. Mas somente as perguntas permitem entrar pelo
mar do desconhecido.
E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas,
para o impulso inicial do vôo, dependem de pés apoiados na
terra firme. Os pássaros, antes de saberem voar, têm que
aprender a caminhar sobre a terra firme.
Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as
gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro
momento da educação é a transmissão deste saber. Nas
palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se
ensina o que se sabe...”. E o mais curioso é que este
aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de
pensar.”(...) Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no
meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate,
cebola, coentro, cheiro verde, urucum, sal, pimenta, seguidos
de uma série de instruções sobre o que fazer. Não é coisa que
eu tenha inventado. Foi-me ensinado. Não precisei pensar.
Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse
computador que vive no corpo humano: só vai para a memória
aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor:
seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o
saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração
– à espera de que o teclado desejo de novo o chame do seu
lugar de esquecimento.
Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável
para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas
17
são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso
voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada
têm a dizer sobre mares desconhecidos. Muitas pessoas, de
tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em
tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem
diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas:
de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem –
fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o
passado critalizado em saber, mas um futuro que se abre como
vazio, um não saber que somente pode ser explorado com as
asas do pensamento. Compreende-se, então, que Barthes
tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que
se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se
sabe. (Alves, R., 2000: 77)
Ousando conversar com o texto, logo de início, Alves nos
mostra quão simplista e equivocado pode ser o discurso da
escola quando omite a importância do processo de
construção e prevê sucesso sem laboração. O processo de
pensar requer um exercício constante de investigação e
análise, portanto, que não está pronto, concretizado a priori.
Ele enfoca, também, a contradição do discurso que acaba
por nos induzir a erro de interpretação, quando nos fala que
não é por ser dono de uma casa que vende tintas que nos
tornaremos pintores, mas, sim, quando as idéias dançantes na
cabeça do pintor derem forma à tela, através da utilização das
tintas para expressá-las (Alves, R., 2000: 77)
levando-nos a perceber que nem sempre o óbvio é ou está
óbvio, pois, assim como acontece com as tintas, o mesmo se
dá em relação às demais idéias que compõem o imaginário
social, político, econômico, educacional..., pois são as
idéias – o bem mais precioso produzido pelos indivíduos -
que constroem o mundo que temos e, ainda, o que queremos
ter. Einstein já dizia que o importante não é dar boas
respostas, mas, sim, fazer grandes perguntas. A partir desse
pressuposto, cabe-nos pensar se estamos oferecendo
situações que levem o sujeito a pensar e expressar suas
idéias e conjecturas sobre os fatos e os dados apresentados,
no seu cotidiano, aprendendo a lê-lo criticamente,
18
questionando e propondo situações de superação de suas
problemáticas existenciais.
A seguir, nos propõe a crucial pergunta:
O que é pensar?”, dizendo que o professor de filosofia teve a
genial sensibilidade de não respondê-la, pois se o fizesse, teria
cortado as asas do pensamento, não permitindo que alçasse
vôo sobre os mares do desconhecido, exercitando o
pensamento (Alves, R., 2000: 78).
Cabe-nos perguntar, se estamos possibilitando o pensar
sobre as coisas, os objetos, os fatos e as situações ou se
estamos apenas propondo reproduções, transmitindo
informações já elaboradas, destituídas de sentido,
implicando, inclusive, a perda do significado original.
Se, por um lado, pensar requer que tenhamos
conhecimentos construídos anteriormente para nos dar
sustentação para caminhar, esses saberes não nos podem
aprisionar constituindo-se em verdades absolutas. Ao
contrário, eles devem propiciar que possamos reelaborar
permanentemente nossos pontos de vista, acompanhando a
“história do presente”, mas sem perder a dimensão do olhar
prospectivo (visão de futuro).
Por outro lado, pensamos por cadeia de idéias e associações
múltiplas, tentando estabelecer conexões de sentido, usando
alguns referenciais mais ou menos estáveis, aos quais
recorremos, de memória, para conhecer mais e melhor. Daí a
relevância do exemplo da moqueca do texto de Rubem Alves
que enfatiza a memória de “longa duração”, termo usado pela
professora pesquisadora Elvira Souza Lima para definir
aquela memória que, plena de sentido, é inesquecível, em
nada se confundindo com a memória de curta duração ou
memorização.
A “memória de sentido”, como decidimos denominá-la, não
se esgota em si mesma, servindo como base para a
redimensão do próprio pensamento.
19
Isto nos leva a afirmar que não é a quantidade de
informações “memorizadas” que determina a constituição do
conhecimento, mas a forma como lidamos com estas
informações – sendo águias ou tartarugas – como sugere
Rubem Alves.
Ainda bem que a história não pode parar o curso do tempo e
no tempo tudo pode se transformar, possibilitando a
existência de uma nova ordem, muitas das vezes mais
produtiva e que exige mais que perfeição milimétrica; mas
que acaba por proporcionar situações que nos permitem
privilegiar a criatividade, o talento, através da capacidade
ética de relacionamento interpessoal satisfatório, contribuindo
para a construção de um mundo melhor para se viver.
Isto nos remete à música cantada pela cantora Simone,
intitulada “Como Será o Amanhã?”, de Gonzaguinha, que nos
mostra a possibilidade de construir um espaço-tempo,
voltado para a superação das relações adversas existentes
no hoje, conhecendo, entendendo, pensando, refletindo e
avaliando as mesmas, buscando as razões que lhe deram
sustentação de existência no passado, para poder
compreender suas causas e efeitos, podendo sempre propor
novos caminhos, a serem trilhados por quem acredita no
amanhã, sabendo que estão sujeitas à transitoriedade dos
fatos, dos valores, das práticas.
Quando se acredita que o ser humano é capaz de sentir
felicidade e de demonstrá-la ao fazer as atividades mais
simples da vida, fica registrado, de modo inequívoco, que
possui um coração simples, puro e receptivo às coisas que
lhe possibilitam alçar vôos de imaginação, criar fantasias e
quem sabe, um dia, transformar seus sonhos, sua utopia, em
algo concreto, a partir de suas crenças em torná-los
realidade.
Em contrapartida, se fizermos como nos sugere a fábula do
elefantinho, que visão de homem e de mundo estaremos
querendo formar? Cabe-nos, aqui, pensar sobre a sua
mensagem.
20
Um treinador de circo consegue manter um elefante
aprisionado, porque usa um truque muito simples: quando o
animal ainda é ‘criança’, ele amarra uma de suas patas em um
tronco muito forte. Por mais que tente, o elefantinho não
consegue soltar-se. Aos poucos, vai se acostumando com a
idéia que o tronco é mais poderoso que ele. Quando adulto, e
dono de uma força descomunal, basta colocar uma corda no pé
do elefante e amarrá-la em um graveto que ele nem tenta
libertar-se, porque se lembra que já tentou muitas vezes e não
conseguiu. Assim como, desde criança, nos acostumamos com
o poder daquele tronco, não ousamos fazer nada. Sem saber
que basta um simples gesto de coragem para descobrir toda a
nossa liberdade.
(Paulo Coelho)
Será educar sinônimo de adestrar? Será educar sinônimo de
treinar? Ou de condicionar? Ou de subjugar? Algumas
práticas pedagógicas parecem acreditar que sim. Mas a
Pedagogia para o Amanhã insiste que não. Por ela apostar,
radicalmente, na ampliação permanente do olhar, define
educar como o processo dinâmico, contínuo, dialógico e
dialético de construção de conhecimentos pertinentes, plenos
de significado e sentidos, em constante transformação, no
tempo-espaço-histórico-social, em busca sempre do
aperfeiçoamento da existência humana.
Não é necessário que haja, apenas, uma grande quantidade
de informações para se fazer um indivíduo apto a
desenvolver sua própria aprendizagem. Não será, também,
trazendo-o preso a amarras, mesmo que já não se façam
fisicamente presentes, que vamos garantir sua melhor
performance. É indispensável que se comprometa consigo
mesmo, avaliando suas funções sociais e, com seriedade,
busque defender conceitos que lhe dêem condição de
exercer sua cidadania, comprometendo-se, íntegro e cônscio
da necessidade de sua participação social, frente à formação
de outros cidadãos.
21
Comungamos com Paulo Freire, quando nos afirma que o
que mais o seduz é a beleza da pessoa humana brigando
para ficar melhor.
Urge que nos conscientizemos da importância de sermos
docentes, mas não apenas docentes, mas principalmente
seres humanos, pois só assim poderemos facilitar a
aproximação dos demais, identificando-nos com eles,
ajudando-os a descobrir sua singularidade, oferecendo
situações de aprendizagem que superem a simples
transmissão de conhecimentos.
... É preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas
e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a
lutar. Porque o corpo não luta pela verdade pura, mas está
sempre pronto a viver e a morrer pelas coisas que ele ama. Na
sabedoria do corpo, a verdade é apenas um instrumento, um
brinquedo do desejo.
(Rubem Alves)
Devemos, pois, oferecer atividades em que possam falar e
ouvir a respeito das realidades próprias, próximas e
distantes, podendo lê-las e relê-las, através de suas falas e
silenciamentos, ou seja, da polifonia produzida pelos
diferentes parceiros que se inter-relacionam, de forma direta
ou indireta, lidando e criando saberes, em suas trocas de
experiências, em suas reflexões, compondo e propondo
novas questões que os levem a perceber a necessidade de
estar sempre presentes no processo dinâmico da construção
do conhecimento, pois sabemos que
O futuro não é uma coisa escondida na esquina.
O futuro a gente constrói no presente.”
(Paulo Freire)
22
Assim, o professor precisa ter:
a) humildade para estar aberto às questões do hoje (de
cunho os mais variados), às mudanças e novas propostas
que permitam entender o “aqui e agora”, através da certeza
do seu inacabamento e de suas possibilidades para propor e
tecer novos paradigmas, que ajudem a compor soluções
plausíveis, melhorando a qualidade de vida em sociedade e
criando, assim, um novo amanhã;
b) respeito por seu pares, nas relações ética e estética,
pelas descobertas científicas e tecnológicas (que compõem o
patrimônio da humanidade), bem como pelas diferentes
culturas, hábitos, costumes, valores, modos de se relacionar,
atitudes diferenciadas (nem melhores, nem piores umas das
outras), mas reconhecendo que são apenas diferentes entre
si e satisfatórias para aqueles que delas participam;
c) confiança na potencialidade de todo ser humano de
construir o seu próprio conhecimento, sabendo-se num
processo dinâmico de construção de saberes das mais
diferentes ordens, desde as pessoais até as coletivas, por se
entender um ser histórico, capaz de fazer história, uma
história que o antecede e que lhe vai suceder, crendo no seu
processo de aprendizagem desde o seu nascimento até o
momento de sua morte.
Portanto, deve ser e estar consciente da importância e da
necessidade de sua atuação para compor um novo amanhã,
comprometendo-se e fazendo parceria na construção de uma
sociedade mais justa e eqüânime de oportunidades de
realização a todos que nela convivem, indagando-se, a cada
momento,
Por que nossa educação é tão embrutecedora e cega, se
nossas crianças são tão ricas?
23
Por que a humanidade teme tanto a espontaneidade, se a
atitude espontânea conduz tão rapidamente ao crescimento
responsável?
Por que nos falta confiança no futuro, se forças sociais
intensas e construtivas podem ser liberadas no indivíduo
através da aceitação de alguns poucos princípios básicos?
(Carl R. Rogers)
Realmente, precisamos saber exercitar o pensamento.
Pensar e incentivar a pensar para poder contribuir para a
transformação e a libertação, pois cremos que alguns pontos,
assinalados por grandes teóricos da atualidade, poderão
iluminar nossas visões para compreender as práticas
vivenciadas na realidade da escola. Neste sentido, talvez
seja possível romper com os valores proclamados e propor
uma práxis pedagógica transformadora a partir dos valores
reais, ciente das lições deixadas por Perrenoud, Freire e
Toffler: “A vontade de aceitar desafio é uma questão de
sentido” (Perrenoud , 2000: 48).
... o futuro não é ‘conhecível’ no sentido de uma predição
exata. A vida está cheia de surpresas surrealistas... A
mudança acelerante... fica sujeita à obsolescência... As
estatísticas se aceleram. Novas tecnologias suplantam outras
mais velhas. Líderes políticos sobem e caem. Apesar de
tudo, à medida que avançamos para a terra desconhecida do
amanhã, é melhor ter um mapa geral e incompleto, sujeito a
revisões e correções do que não ter mapa algum...(Toffler,
1990: 20)
...São necessárias novas maneiras de pensar sobre as
mudanças que vêm alterando a face de nossa civilização ao
longo das últimas décadas, delineando assim um perfil mais
abrangente da nova sociedade que emerge das
transformações [sociais, econômicas, históricas, políticas], ou
seja, de uma sociedade radicalmente diferente, movida por
24
um novo sistema de criação de riqueza que transforma o
trabalho [e as relações ética e estéticas dentro da macro e
micros sociedades].
(Toffler, 1990: 33)
Ela seria tanto mais necessária porque é, como veremos, a
própria organização do trabalho pedagógico que produz o
fracasso escolar.... (Perrenoud, 2000: 17)
...O apoio pedagógico deveria evitar ou atenuar a
reprovação, fosse prevenindo suas dificuldades e fracassos,
fosse acompanhando alunos autorizados a progredir na
formação sem ter todos os conhecimentos requeridos. A
idéia de base era, então, romper com a indiferença às
diferenças, instaurando uma pedagogia que ainda não se
chamava ‘diferenciada’, mas que se considerava como uma
forma de discriminação positiva ou de educação
compensatória.
(Perrenoud, 2000: 35)
Ensinar é uma especificidade humana.
Ensinar exige segurança, competência profissional e
generosidade.
Ensinar exige comprometimento.
Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de
intervenção no mundo.
Ensinar exige liberdade e autoridade.
Ensinar exige tomada consciente de decisões.
Ensinar exige saber escutar.
25
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.
Ensinar exige querer bem aos educandos.
(Freire,1999: 8/9)
A questão da formação dos professores é, inevitavelmente,
levantada. A seu respeito, pode-se arriscar pelo menos uma
hipótese: se não incorpora a preparação à transferência em
seus próprios dispositivos, como poderia pretender favorecer,
nos futuros professores, as práticas pedagógicas
‘transferogênicas’? (Perrenoud, 2000: 70)
A substituição do trabalho bruto pela informação ou pelo
conhecimento, na realidade, é o que está por trás dos
problemas atuais... Portanto, o conhecimento é a chave do
crescimento humano no século XXI. (Toffler 1990: 33)
O choque do futuro olha para o processo de mudança – a
maneira pela qual a mudança afeta as pessoas e as
organizações. A quebra do paradigma existente deverá se
concentrar nas direções destas mudanças que ainda virão
para saber quem irá formá-las e como.(Toffler, 1990: 19)
O choque do futuro, como definição, baseia-se na
desorientação e tensão provocada ao se tentar lidar com um
número demasiado de mudanças num tempo demasiado
curto – argumentando que a aceleração da história leva a
conseqüências próprias, independentes das reais direções
da mudança. A simples aceleração dos eventos e das fases
de reação produz seus próprios efeitos, quer as mudanças
sejam consideradas boas, quer más. (Toffler, 1990: 19)
26
Afirmava, também, que os indivíduos, as organizações e até
as nações podem ficar sobrecarregadas de mudanças
demasiado cedo, levando à desorientação e a um colapso
em sua capacidade de tomar decisões de adaptação
inteligentes. Podiam, em suma, sofrer do choque do futuro.
(Toffler, 1990: 19)
1.5 - Para Pensar a Escola
Escola é... o lugar onde se faz amigos. Não se trata só de
prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...
Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, gente que
estuda, gente que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é
gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é
gente. E a escola será cada vez melhor, na medida em que
cada ser se comporta como colega, como amigo. Nada de ilha
cercada de gente por todos os lados. Nada de ser como tijolo
que forma parede indiferente, frio, só. Importantante na escola
não é só estudar, é também criar laços de amizade, é criar
ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela. Ora,
é lógico... em uma assim vai ser fácil estudar, crescer, fazer
amigos, educar e ser feliz. (Paulo Freire, 1999)
Não é o espaço escolar, mas o espaço da vida, onde nos
lembra Brandão (1981) o “viver o fazer faz o saber”. Da
mesma forma, Iván Illich (1974) ao se questionar sobre a
serventia da escola na América Latina, fazia questão de
assinalar a existência de “processos educativos no interior dos
processos políticos e sociais” (Illich, I., 1974: 12), não sendo
estes, portanto, uma primazia da escola.Todavia, podemos
dizer que é através da escola que a humanidade começou a
desenvolver uma teoria da educação, ou seja, uma
“pedagogia”, à qual o ato de educar deve estar sujeito. É
possível afirmar, assim, que com a chegada da pedagogia e
da chamada “educação formal”, vieram as regras, a
organização do conhecimento, as divisões do saber e os
27
métodos tradicionais de ensino; entretanto, é indiscutível
também, que através da mesma, a educação passou a ser,
como nunca antes na história da humanidade, objeto de
estudo e reflexão. Desse modo, a escola foi criada com a
promessa de sistematizar o ensino e favorecer a transmissão
cultural. O antagonismo que a acompanha desde o seu
nascimento, no entanto, é o de constituir-se de um lado “num
espaço de democratização e formação individual e ao mesmo
tempo de transmissão de valores coletivos e consciência
social” (Puiggrós, A., 1998: 10). Todavia, esta contradição, ao
oposto de diminuir-lhe a importância, apenas ampliou a
necessidade de que a educação escolarizada fosse encarada
como um direito universal. Análise da escola - sede da
educação formal - não apenas, enquanto, um espaço de
produção e divulgação de saber, mas também, enquanto um
espaço de troca e intercâmbio de relações, isto é, de
aprendizagem social. Embora a face relacional da escola
seja um tanto esquecida, quando refletimos sobre o que seja
a mesma, não há como priorizar um lado em relação ao
outro. A valorização das relações interpessoais e de um
clima emocional positivo, em termos de respeito e liberdade,
são tão fundamentais quanto os conteúdos trabalhados em
sala de aula, para o desenvolvimento do educando. O
entendimento de que o conhecimento é, simultaneamente,
processo e produto de uma construção cognitiva, social e
emocional nos possibilita entender a importância do ambiente
escolar, já que o mesmo pode ser favorecido ou
desencorajado, dependendo dos pressupostos
sociopedagógicos adotados no próprio projeto pedagógico da
instituição escolar e a forma como são postos em prática
pelos profissionais competentes.Como esclarece Soares
(1999), a escola pode ser considerada como
um texto escrito por várias mãos e sua leitura pressupõe a
compreensão não apenas de suas conexões com a
sociedade, mas também das suas relações internas, ou seja,
da rede de relações desenvolvidas entre os alunos, pais,
28
professores e comunidade escolar em geral. (Soares, K.,
1999: 6)
Nesse sentido, não há como ignorar os conflitos e tensões
resultantes do relacionamento entre os diferentes membros
da escola. De um lado, temos os alunos que reclamam das
obrigações, das normas rígidas, dos controles, da alienação
da escola em relação ao seu mundo; de outro, temos os
professores que reclamam dos salários, da inquietude dos
alunos, da falta de infra-estrutura; de um outro lado, ainda, os
demais funcionários da escola, que também têm suas
demandas e reclamações, principalmente, no que se refere
às questões de ordem política e salarial; e, por fim, os pais
dos alunos, cujas preocupações e insatisfações, na maioria
das vezes negligenciadas, também influenciam nesse
processo. Boa parte dos conflitos em jogo na instituição
escolar dizem respeito ao conflito entre as diferentes culturas
envolvidas.
1.6 - Uma Reflexão Final
Harvey (1993), ao analisar as características da pós-
modernidade, aponta para o caráter fragmentário e instável
das verdades e dos discursos produzidos na sociedade (que
se baseia na produção e na exploração de espetáculos e
imagens da mídia que globalizam a cultura e a economia).
Entender os efeitos dessa globalização e o modo como ela
interfere no cotidiano da sociedade é um caminho para
entender os descaminhos da escola.
Chiavenato (1998) considera que:
29
A globalização é um processo que age sobre o homem. As
suas conseqüências sociais e econômicas estão
transformando o modo de vida da humanidade. Valores
éticos e morais, conceitos políticos e sociais, o uso da ciência
e das artes, enfim, a cultura criada pela humanidade em
milênios está sendo modificada, substituída e, de alguma
forma, afetada radicalmente. (Chiaveneto, 1998)
Os reflexos dessa modificação estão presentes nas relações
sociais, no modo como o homem interage com o ambiente,
com seus semelhantes e consigo mesmo, promovendo
desigualdades sociais, intolerâncias raciais, de gênero e de
crenças, assim como uma devastação planetária.
Por isso, segundo Gadotti (2000), é preciso pensar em outra
forma de globalização, “uma globalização da solidariedade,
um mundialismo sustentado na unidade política de um
mundo considerado como uma comunidade humana única,
uma ética de governabilidade mundial”. Para tanto, é preciso
pensar em planetaridade e em uma educação para o futuro
que privilegie a solidariedade planetária e o respeito ao
homem em sua totalidade.
Uma educação que, para ser autêntica, deve respeitar a
CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE[13]. Essa carta, em
quinze artigos, traça um caminho novo para o homem e para
a Terra, e em seu artigo 11 torna claro o pensamento que
norteia este trabalho:
Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no
conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e
globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da
intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na
transmissão dos conhecimentos. (Gadotti,2000)
30
A última frase desse artigo é particularmente esclarecedora
quanto à importância de conhecermos a teoria das
inteligências múltiplas e de as aplicarmos nas relações
educativas desenvolvidas na escola.
Continuando nossa reflexão, não poderíamos deixar de
recorrer a Morin (2000), para dizer, com suas palavras, como
deve ser visto o homem, ou seja:
O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. (...)traz
em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma
infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no
real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na
transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios
embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis.
Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas,
impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de
desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de
astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos
de lucidez, tormentas dementes...
(Morin, 2000)
Contudo, parecendo desconhecer tais características
humanas, os pais e a escola, segundo Korczak (1997),
apropriam-se de um paradigma social de inteligência e “lutam
contra todas as formas não habituais de inteligência”. Sobre
as crianças, perguntam se são ou não inteligentes, quando a
pergunta correta deveria ser como, de que modo são
inteligentes.
Retornando ao texto de Saramago, valemo-nos de outro
trecho para concluir esta reflexão inicial.
Assim como seus personagens, podemos travar o
diálogo[14] que se segue:
31
Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a
conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz,
Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos
que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.
Porém, enquanto educadores, é nosso dever articular
estratégias de superação dessa “cegueira”. É tempo de ver.
E, para tanto, vamos recorrer a Howard Gardner (1994)
através de sua Teoria sobre as Múltiplas Inteligências para
olhar os nossos alunos e, vendo-os, vermo-nos também
como seres capazes de reverter o quadro que o cartunista
espanhol Quino, através de suas personagens, apresenta
sobre a escola:
Cabe a que perguntar: a que escola Mafalda está se
referindo?. E Felipe? Tantas caras e bocas nos levam a ter
que refletir sobre a construção existentes no imaginário social
sobre a escola que se tem e a que se quer: a educação que
se tem e a que se quer, pois a composição desse quadro de
referência irá nos possibilitar olhar para a realidade, usando
os olhos de ver, de perscrutar, de teorizar sobre a própria
realidade vivida.
Mas sejamos rápidos nessa mudança de olhar, sejamos
rápidos na transformação, pois, segundo Bartolomeu
Campos Queirós[1],
32
O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do tamanho
da eternidade ele vai devorando tudo, sem piedade. O tempo
não tem pena. Mastiga rios, árvores, crepúsculos. Tritura os
dias, as noites, o sol, a lua, as estrelas. Ele é o dono de tudo.
Pacientemente, ele engole todas as coisas, degustando
nuvens, chuvas, terras, lavouras. Ele consome as histórias e
saboreia os amores. Nada fica para depois do tempo. As
madrugadas, os sonhos, as decisões duram pouco na boca
do tempo. Sua garganta traga as estações, os milênios, o
ocidente, o oriente, tudo sem retorno.
E isso nos vem apontar a própria provisoridade das verdades
absolutas que, ao sabor do passar do tempo, novos quadros
nos apresenta, em sua constituição, em suas relações, em
suas manifestações e animações, devendo ter em mente a
sua capacidade de mutação processual, dinâmica, cotidiana,
devendo nos colocar frente aos acontecimentos do nosso
tempo, buscando olhar com olhos de ver.
[1] QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Por parte de pai. Belo
Horizonte: RHJ, 1995. pp. 71-72.
[1] YUNES, Márcio Jabur e AGOSTINI, João Carlos. Técnica
ou poética, eis a questão! São Paulo: Moderna, 1998.
[2] COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da
percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna, 1999.
(Coleção polêmica).
[3] DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro:
Sextante, 2000.
[4] CABOCLO, Eliana T. de A. Freitas e TRINDADE, Maria de
Lourdes de Araújo. Multiplicidade: cada identidade uma
constelação. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA. Salto para o futuro: Reflexões sobre a educação
no próximo milênio. Brasília, DF: Ministério da Educação e do
Desporto, SEED, 1998.
[5] KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em
direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz
33
Tadeu da.(org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1995. pp. 104-131.
[6] CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas, SP:
Papirus, 1995. (Coleção Travessia do século).
[7] CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada e sociedade
de consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica).
[8] LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno.
São Paulo: Ática, 1991.
[9] COUTINHO, Laura. Sala de aula/sala de cinema. In:
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o
futuro: TV e informática na educação. Brasília, DF: Ministério
da Educação e do Desporto, SEED, 1998.
[10] MORIN, José Manoel. Mudar a forma de aprender e
ensinar com a internet. In: op. cit.
[11] SAMPAIO, Marisa Narciso e LEITE, Lígia
Silva. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000.
[12] GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo:
Petrópolis, 2000.
[13] Adotada no I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade,
Convento de Arrábida, Portugal, 2 a 6 de novembro de 1994,
e transcrita no livro “Pedagogia da Terra”, de Moacir Gadotti,
de onde retiramos o artigo comentado.
[14] É interessante observar o modo peculiar como
Saramago pontua seus textos, especialmente a forma como
constrói diálogos. Diferentemente das regras gramaticais
vigentes na língua portuguesa, o autor marca as falas das
personagens apenas pelo uso de vírgulas e de letras
maiúsculas.
Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e
Não Vê
34
Seus gestos e sua postura em sala de aula dizem muito e
podem ajudá-lo a lecionar — ou arruinar a exposição de
um assunto. Veja como atuar corretamente.
35
Ah, as maravilhas da comunicação sem palavras. Certamente você
conhece colegas que usam diversos truques para chamar a atenção
dos alunos. Alguns dão um tapinha na mesa. Outros acendem e
apagam as luzes da sala rapidamente. Outros fazem aquele "hum-
hum" com a garganta. Existem os que mudam completamente o
ambiente de uma sala de aula apenas com um olhar.
Você certamente conhece vários truques como esses. Lembro de
uma professora que era capaz de dobrar o indicador para trás até
que ele ficasse quase a 90° do dorso da mão. E era dessa
maneira que a educadora reforçava alguns pontos. Escrevia algo
no quadro e pressionava o dedo ali, contra a lousa. Toda vez que
nós, alunos, víamos aquele dedo para trás, numa posição
antinatural, sentíamos um friozinho no estômago, mas
prestávamos mais atenção, tanto ao dedo, quanto à matéria que
ela estava apontando.
E também, lógico, tem o caso do professor que usava o apoio de
giz (aquela madeira que fica embaixo do quadro-negro) como
apoio de si mesmo. Ele chegava, pousava a mão direita sobre o
apoio, cruzava as pernas e começava a falar...até o dia em que,
finalmente, a madeira não agüentou o peso, quebrou e o pobre
educador levou um tombo magistral.
Tais exemplos são apenas a ponta de toda uma comunicação
que passamos aos outros e, na maioria das vezes, nem nos
damos conta. Acompanhe.
Espaço, a fronteira inicial _
Para alguns professores, a sala de aula limita-se a 2 metros à
frente do quadro-negro. A partir daí, é território dos alunos,
conforme afirma um Tratado de Tordesilhas imaginário auto-
aplicado.
Outros, circulam pela sala, encostam-se na parede do fundo e de
lá dão suas aulas. Os alunos têm duas opções: ou permanecem
voltados para o quadro-negro, só ouvindo o que o educador tem
a dizer, ou torcem-se para visualizar o professor.
36
E há ainda aqueles que caminham entre as fileiras de alunos
como um militar em revista à tropa.
Todos esses são estilos que podem ser melhorados, conforme a
situação. Algumas dicas:
37
-> Crie âncoras visuais para seus
alunos. Desde o primeiro dia de aula, defina determinado canto
para assuntos leves e piadas, outro canto para falar sobre a
matéria, um canto para interação direta com os alunos. Você não
precisa dizer nada para eles, apenas se movimentar para aquele
ponto da sala de aula toda vez que desejar tomar uma ação
específica. Assim, sempre que os alunos o virem caminhando
para a posição descontraída já começarão a relaxar, e sempre
que você for para o local da interação já começarão a imaginar
algumas questões. Caso você tenha pouco espaço disponível em
sua sala de aula, pode substituir esses "cantos" por gestos, como
abrir os braços de certa maneira seguido de um "Bom.
Perguntas?". Com o passar do tempo, você não precisará falar
mais nada, basta o gesto.
-> De vez em quando, mude a disposição das carteiras ou dos
alunos. O simples fato de sentar em outro lugar já muda toda a
38
perspectiva do aluno em sua aula. Ele passa a prestar atenção a
novas coisas, vê a matéria de maneira diferente. Isso também
ajuda sua turma a se conhecer melhor, ajudando a acabar com
as panelinhas.
-> Circule pela sala de aula, com movimentos calmos e
tranqüilos. Cuidado para não ficar muito tempo parado ao lado de
um mesmo aluno. Geralmente, como os intervalos entre as filas
de carteiras são apertados, sua proximidade física pode
incomodar. Assim, ande entre duas fileiras um dia, entre outras
duas em outra ocasião, e assim por diante.
-> Pense na sala como um todo. Você dá aula tanto para o
pessoal da primeira fila como para a turma do fundão. Faça
contato visual com alunos que sentam em locais diferentes, na
hora de mostrar algo, faça-o tanto à altura de sua cabeça, para
que o pessoal de trás veja, como um pouco abaixo da altura de
seu peito, para o pessoal das três primeiras carteiras.
Erros a serem evitados:
Eis aqui algumas posturas que devem ser evitadas durante suas
aulas:
Ficar parado em um ponto, apoiando-se de lado. A mensagem
oculta que esse professor passa é “estou chateado e preferia
estar em outro lugar”. Solução: quando estiver parado,
mantenha seu peso uniformemente equilibrado e os quadris
nivelados.
Encostado em uma estante ou parede. A mensagem que passa
diz “Estou cansado demais para ficar em pé”, ou “não quero
nem me incomodar em dar essa aula”. Solução: evite apoiar-
se, ou o faça por períodos muito curtos.
Sentado à mesa onde se encontram suas anotações. O que tal
educador diz é: não preciso fazer nenhum esforço aqui, pois
sou mais importante que vocês. Solução: a não ser em
determinados momentos (como chamada e correção de
provas), fique em pé.
39
Como os outros o vêem
Na hora de se vestir, cuidado com o básico. Que é preciso
manter suas roupas em ordem e não usar acessórios
exagerados, isso ninguém discute. Mas é preciso ampliar um
pouco essa regra para incluir o bom senso. Existem
professoras que dão aula em faculdades e usam minissaias.
Depois querem que os alunos prestem atenção às aulas.
40
O cuidado com acessórios exagerados inclui também o que
não é visto, mas ouvido e sentido. Perfumes muito ativos
devem ser barrados, assim como sapatos que rangem ou cujo
salto faça "toc-toc-toc" a cada passo que você dá. E outra
vantagem inerente a sapatos silenciosos: os alunos não
escutarão você chegando na sala.
Separe tempo para exercícios físicos no mínimo três vezes por
semana. Além de aumentar sua capacidade pulmonar e
cardíaca, fazendo com que você se expresse melhor em sala
de aula, os exercícios aumentam sua disposição. Há poucas
coisas piores do que assistir uma aula de um professor com
cara de ontem.
Cuidado com seu estilo. Assim que os alunos o virem pela
primeira vez, vão formar um conceito de você para o resto do
ano. Então, escolha suas roupas conforme a mensagem que
deseja passar. Jeans e camiseta são a marca de uma aula
descontraída, com muita participação dos alunos. Um tailler
elegante representa o sucesso que aquela educadora
alcançou, mas também que pode-se esperar uma aula um
pouco mais rígida. Professores homens, nessa área, têm mais
sorte. Para mudar de um visual totalmente catedrático e de
imposição para alguém próximo aos alunos, basta tirar o paletó
e dobrar as mangas da camisa.
É recomendável expor o seu rosto, não escondê-lo atrás de
óculos escuros, barba, cabelos. Você não tem nada a
esconder.
O stress que deforma
Respiração curta, que quase não oferece fôlego para frases mais
longas. Músculos do pescoço retesados, ombros encolhidos.
Gestos curtos, rápidos, feitos à altura da cintura. Sem dúvida,
estamos diante de um professor com estress que, como se vê,
prejudica a aula mais do que se percebe. Nessa situação, tentar
um sorriso, dar a aula na mesma entonação de sempre, não
adianta. Os alunos percebem que algo não está bem com o
professor através daqueles sinais que ele não controla. Algumas
dicas para impedir que o stress estrague suas aulas.
41
Levante quinze minutos mais cedo para que sua manhã seja
menos apressada.
Evite marcar compromissos demais para um dia. Seja realista.
Você não vai conseguir dar quatro aulas, levar a turma ao
museu, corrigir as provas e ir ao dentista no mesmo dia.
Aprenda a dizer não a projetos e atividades da comunidade se
você não tem tempo disponível.
Tenha certeza de conseguir uma boa noite de sono.
Relaxe nos fins de semana.
Foque no que está acontecendo hoje em vez de se preocupar
apenas com o amanhã.
Estabeleça uma distância emocional do seu trabalho. Ensinar é
uma profissão em que o trabalho nunca acaba, e pode
facilmente ocupar todos os momentos disponíveis da sua
vida. Dê-se permissão para trabalhar um razoável número de
horas por dia e tenha tempo para você, sua família e amigos.
Passe confiança
42
43
A pessoa autoconfiante apresenta uma postura ereta, calma e
aberta, com as mãos pendendo ao lado do corpo, ou no colo.
Pode cruzar os braços e as pernas, mas sempre de maneira
relaxada.
A expressão facial também é relaxada, mostrando sinceridade,
confiança e receptividade. A pessoa autoconfiante cumprimenta
os outros com um sorriso verdadeiro. As mensagens da
linguagem corporal apenas costumam ser percebidas no nível
subconsciente, mas são muito significativas em relacionamentos
entre pessoas.
Os movimentos são constantes, controlados e relaxados. Uma
pessoa autoconfiante tem a tendência de se inclinar na direção
de seu interlocutor, mas ainda mantendo a cabeça ereta numa
postura receptiva em vez de ameaçadora.
Os gestos são apropriados para a conversação, sem
maneirismos excessivos ou impertinentes.
O contato visual é direto e regular, mostrando atenção e
interesse.
Uma dica para melhorar sua postura: ao assistir um filme ou
televisão, tente descobrir o que está acontecendo sem prestar
atenção no som. Interprete o relacionamento entre as pessoas
simplesmente por suas expressões, movimentos e gestos. Você
ficará surpreso com o quanto será capaz de deduzir.
Saúde também conta
Além da postura que o ajuda a ensinar, existe aquela que evita
problemas no futuro. Seu corpo pode começar a reclamar mais
cedo do que imagina. Má postura ao sentar ou caminhar pode
causar desde dores até invalidez após alguns anos. Então, a
primeira regra é não se permitir ficar muito tempo em uma
mesma posição. Se estiver há mais de uma hora sentado,
levante-se. Se estiver há mais de uma hora parado, em pé, ande
um pouco. Acompanhe outras dicas:
44
Quando estiver sentado, procure não ficar com os ombros
caídos. O encosto reto da cadeira ajuda a manter a coluna
ereta, evitando dores nas costas.
Nunca suba escadas com a coluna inclinada para a frente.
Suba com a coluna ereta e o pé completamente apoiado no
chão.
Para erguer qualquer objeto do chão, o correto é flexionar os
joelhos e manter a coluna ereta; o peso deve ficar o mais
próximo possível do tronco.
Não durma de bruço. Prefira dormir de lado ou de barriga para
cima.
Não carregue, em nenhuma hipótese, peso na cabeça. O ideal
é dividir o peso proporcionalmente para os dois lados do corpo.
Preste bastante atenção às condições do piso antes de carregar
qualquer peso, para evitar tropeções, escorregões e torções.
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46
NETO, Brasílio Andrade. A aula que você dá enão vê. Profissão
Mestre. Curitiba, n.40, p.14-17.
Prática educativa, Pedagogia e Didática
Iniciamos nosso estudo de Didática situando-a no conjunto dos
conhecimentos pedagógicos e esclarecendo seu papel na
formação profissional para o exercício do magistério. Do mesmo
modo que o professor, na fase inicial de cada aula, deve propor e
examinar com os alunos os objetivos, conteúdos e atividades que
serão desenvolvidos, preparando-os para o estudo da disciplina,
este texto também contém o delineamento dos temas, indicando
objetivos a alcançar no processo de assimilação consciente de
conhecimentos e habilidades.
Este texto tem como objetivos compreender a Didática como um
dos ramos de estudo da Pedagogia, justificar a subordinação do
processo didático a finalidades educacionais e indicar os
conhecimentos teóricos e práticos necessários para orientar a
ação pedagógico-didática na escola.
Consideraremos, em primeiro lugar, que o processo de ensino —
objeto de estudo da Didática — não pode ser tratado como
atividade restrita ao espaço da sala de aula. O trabalho docente é
uma das modalidades específicas da prática educativa mais
ampla que ocorre na sociedade. Para compreendermos a
importância do ensino na formação humana, é preciso considerá-
lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em
sociedade. A ciência que investiga a teoria e a prática da
educação nos seus vínculos com a prática social global é a
Pedagogia. Sendo a Didática uma disciplina que estuda os
objetivos, os conteúdos, os meios e as condições do processo de
ensino tendo em vista finalidades educacionais, que são sempre
sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma
disciplina pedagógica.
Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais, políticos,
econômicos, psicológicos, para descrever e explicar o fenômeno
educativo, a Pedagogia recorre à contribuição de outras ciências
como a Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a
Economia. Esses estudos acabam por convergir na Didática, uma
vez que esta reúne em seu campo de conhecimentos objetivos e
47
modos de ação pedagógica na escola. Além disso, sendo a
educação uma prática social que acontece numa grande
variedade de instituições e atividades humanas (na família, na
escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e
sindicais, nos meios de comunicação de massa etc.), podemos
falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política etc. e,
também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se
disciplinas propriamente pedagógicas tais como a Teoria da
Educação, Teoria da Escola, Organização Escolar, destacando-
se a Didática como Teoria do Ensino.
Nesse conjunto de estudos indispensáveis à formação teórica e
prática dos professores, a Didática ocupa um lugar especial. Com
efeito, a atividade principal do profissional do magistério é o
ensino, que consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a
aprendizagem escolar dos alunos. É em função da condução do
processo de ensinar, de suas finalidades, modos e condições,
que se mobilizam os conhecimentos pedagógicos gerais e
específicos.
Neste texto serão tratados os seguintes temas:
1- Prática educativa e sociedade;
2- Educação, instrução e ensino;
3- Educação Escolar, Pedagogia e Didática;
4- Didática e a formação profissional dos professores.
Prática educativa e sociedade
O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais
global pelo qual os membros da sociedade são preparados para
a participação na vida social. A educação — ou seja, a prática
educativa — é um fenômeno social e universal, sendo uma
atividade humana necessária à existência e funcionamento de
todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação
dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades
físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e
48
transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há
sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem
sociedade. A prática educativa não é apenas uma exigência da
vida em sociedade, mas também o processo de prover os
indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os
tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em função
de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade.
Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre
os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas
influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa
e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se
manifestam através de conhecimentos, experiências, valores,
crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por
muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos,
assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido
amplo, a educação compreende os processos formativos que
ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos
de modo necessário e inevitável pelo simples fato de
existirem socialmente;neste sentido, a prática educativa existe
numa grande variedade de instituições e atividades sociais
decorrentes da organização econômica, política e legal de uma
sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência
humana. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições
específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de
instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e
planificada, embora sem separar-se daqueles processos
formativos gerais.
Os estudos que tratam das diversas modalidades de educação
costumam caracterizar as influências educativas como não-
intencionais e intencionais. A educação não-intencional refere-se
às influências do contexto social e do meio ambiente sobre os
indivíduos. Tais influências, também denominadas de educação
informal, correspondem a processos de aquisição de
conhecimentos, experiências, idéias, valores, práticas, que não
estão ligados especificamente a uma instituição e nem são
intencionais e conscientes. São situações e experiências, por
assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora
influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas
econômicas e políticas de organização da sociedade, das
relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos
49
grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da
sociedade.
A educação intencional refere-se a influências em que há
intenções e objetivos definidos conscientemente, como é o caso
da educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade,
uma consciência por parte do educador quanto aos objetivos e
tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, o professor, ou os
adultos em geral — estes, muitas vezes, invisíveis atrás de um
canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do
computador etc. Há métodos, técnicas, lugares e condições
específicas prévias criadas deliberadamente para suscitar idéias,
conhecimentos, valores, atitudes, comportamentos. São muitas
as formas de educação intencional e, conforme o objetivo
pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não-
formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do
sistema escolar convencional (como é o caso de movimentos
sociais organizados, dos meios de comunicação de massa etc.) e
da educação formal que se realiza nas escolas ou outras
agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos,
empresas) implicando ações de ensino com objetivos
pedagógicos explícitos, sistematização, procedimentos didáticos.
Cumpre acentuar, no entanto, que a educação propriamente
escolar se destaca entre as demais formas de educação
intencional por ser suporte e requisito delas.
Com efeito, é a escolarização básica que possibilita aos
indivíduos aproveitar e interpretar, consciente e criticamente,
outras influências educativas. É impossível, na sociedade atual,
com o progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, e com
o peso cada vez maior de outras influências educativas
(mormente os meios de comunicação de massa), a participação
efetiva dos indivíduos e grupos nas decisões que permeiam a
sociedade sem a educação intencional e sistematizada provida
pela educação escolar.
As formas que assume a prática educativa, sejam não-
intencionais ou intencionais, formais ou não-formais, escolares ou
extra-escolares, se interpenetram. O processo educativo, onde
quer que se dê, é sempre contextualizado social e politicamente;
há uma subordinação à sociedade que lhe faz exigências,
determina objetivos e lhe provê condições e meios de ação.
50
Vejamos mais de perto como se estabelecem os vínculos entre
sociedade e educação.
Conforme dissemos, a educação é um fenômeno social. Isso
significa que ela é parte integrante das relações sociais,
econômicas, políticas e culturais de uma determinada sociedade.
Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta
dividida em classes e grupos sociais com interesses distintos e
antagônicos; esse fato repercute tanto na organização econômica
e política quanto na prática educativa. Assim, as finalidades e
meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmica das
relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente
determinados.
Que significa a expressão “a educação é socialmente
determinada”? Significa que a prática educativa, e especialmente
os objetivos e conteúdos do ensino e o trabalho docente, estão
determinados por fins e exigências sociais, políticas e
ideológicas. Com efeito, a prática educativa que ocorre em várias
instâncias da sociedade — assim como os acontecimentos da
vida cotidiana, os fatos políticos e econômicos etc. — é
determinada por valores, normas e particularidades da estrutura
social a que está subordinada. A estrutura social e as formas
sociais pelas quais a sociedade se organiza são uma decorrência
do fato de que, desde o início da sua existência, os homens
vivem em grupos; sua vida está na dependência da vida de
outros membros do grupo social, ou seja, a história humana, a
história da sua vida e a história da sociedade se constituem e se
desenvolvem na dinâmica das relações sociais. Este fato é
fundamental para se compreender que a organização da
sociedade, a existência das classes sociais, o papel da educação
estão implicados nas formas que as relações sociais vão
assumindo pela ação prática concreta dos homens.
Desde o início da história da humanidade, os indivíduos e grupos
travam relações recíprocas diante da necessidade de
trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência.
Essas relações vão passando por transformações, criando novas
necessidades, novas formas de organização do trabalho e,
especificamente, uma divisão do trabalho conforme sexo, idade,
ocupações, de modo a existir uma distribuição das atividades
entre os envolvidos no processo de trabalho. Na história da
51
sociedade, nem sempre houve uma distribuição por igual dos
produtos do trabalho, tanto materiais quanto espirituais. Com
isso, vai surgindo nas relações sociais a desigualdade econômica
e de classes. Nas formas primitivas de relações sociais, os
indivíduos têm igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas
etapas seguintes da história da sociedade, cada vez mais se
acentua a distribuição desigual dos indivíduos em distintas
atividades, bem como do produto dessas atividades. A divisão do
trabalho vai fazendo com que os indivíduos passem a ocupar
diferentes lugares na atividade produtiva. Na sociedade
escravista, os meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo)
são propriedades dos donos de terras; na sociedade feudal, os
trabalhadores (servos) são obrigados a trabalhar gratuitamente
as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos. Séculos mais
tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma divisão entre os
proprietários privados dos meios de produção (empresas,
máquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) e os que
vendem a sua força de trabalho para obter os meios da sua
subsistência, os trabalhadores que vivem do salário.
As relações sociais no capitalismo são, assim, fortemente
marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde
capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e
antagônicos no processo de produção. A classe social
proprietária dos meios de produção retira seus lucros da
exploração do trabalho da classe trabalhadora. Esta, à qual
pertencem cerca de 70% da população brasileira, é obrigada a
trocar sua capacidade de trabalho por um salário que não cobre
as suas necessidades vitais e fica privada também da satisfação
de suas necessidades espirituais e culturais. A alienação
econômica dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores,
que é ao mesmo tempo uma alienação espiritual, determina
desigualdade social e conseqüências decisivas nas condições de
vida da grande maioria da população trabalhadora. Este é o traço
fundamental do sistema de organização das relações sociais em
nossa sociedade.
A desigualdade entre os homens, que na origem é uma
desigualdade econômica no seio das relações entre as classes
sociais, determina não apenas as condições materiais de vida e
de trabalho dos indivíduos, mas também a diferenciação no
acesso à cultura espiritual, à educação. Com efeito, a classe
52
social dominante retém os meios de produção material como
também os meios de produção cultural e da sua difusão,
tendendo a colocá-la a serviço dos seus interesses. Assim, a
educação que os trabalhadores recebem visa principalmente
prepará-los para trabalho físico, para atitudes conformistas,
devendo contentar-se com uma escolarização deficiente. Além
disso, a minoria dominante dispõe de meios de difundir a sua
própria concepção de mundo (idéias, valores, práticas sobre a
vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para justificar, ao seu
modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a sociedade
capitalista. Tais idéias, valores e práticas, apresentados pela
minoria dominante como representativos dos interesses de todas
as classes sociais, são o que se costuma denominar
de ideologia. O sistema educativo, incluindo as escolas, as
igrejas, as agências de formação profissional, os meios de
comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse
da ideologia dominante.
A prática educativa, portanto, é parte integrante da dinâmica das
relações sociais, das formas da organização social. Suas
finalidades e processos são determinados por interesses
antagônicos das classes sociais. No trabalho docente, sendo
manifestação da prática educativa, estão presentes interesses de
toda ordem — sociais, políticos, econômicos, culturais — que
precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é
preciso compreender, também, que as relações sociais existentes
na nossa sociedade não são estáticas, imutáveis, estabelecidas
para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez que se constituem
pela ação humana na vida social. Isso significa que as relações
sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a
integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a
minoria dominante que põe em prática os seus interesses.
Também as classes trabalhadoras podem elaborar e organizar
concretamente os seus interesses e formular objetivos e meios
do processo educativo alinhados com as lutas pela transformação
do sistema de relações sociais vigente. O que devemos ter em
mente é que uma educação voltada para os interesses
majoritários da sociedade efetivamente se defronta com limites
impostos pelas relações de poder no seio da sociedade. Por isso
mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente
implica a luta pela modificação dessas relações de poder.
53
Fizemos essas considerações para mostrar que a prática
educativa, a vida cotidiana, as relações professor-alunos, os
objetivos da educação, o trabalho docente, nossa percepção do
aluno estão carregados de significados sociais que se constituem
na dinâmica das relações entre classes, entre raças, entre grupos
religiosos, entre homens e mulheres, jovens e adultos. São os
seres humanos que, na diversidade das relações recíprocas que
travam em vários contextos, dão significado às coisas, às
pessoas, às idéias; é socialmente que se formam idéias,
opiniões, ideologias. Este fato é fundamental para compreender
como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se
organiza e como encaminha a prática educativa através dos seus
conflitos e suas contradições. Para quem lida com a educação
tendo em vista a formação humana dos indivíduos vivendo em
contextos sociais determinados, é imprescindível que desenvolva
a capacidade de descobrir as relações sociais reais implicadas
em cada acontecimento, em cada situação real da sua vida e da
sua profissão, em cada matéria que ensina como também nos
discursos, nos meios de comunicação de massa, nas relações
cotidianas na família e no trabalho.
O campo específico de atuação profissional e política do
professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos
alunos um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o
desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de
pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas
representam uma significativa contribuição para a formação de
cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas
lutas pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais
se diversificam as formas de educação extra-escolar e quanto
mais a minoria dominante refina os meios de difusão da ideologia
burguesa, tanto mais a educação escolar adquire importância,
principalmente para as classes trabalhadoras.
Vê-se que a responsabilidade social da escola e dos professores
é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida
e de sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e
quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos
conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à
compreensão da realidade social e à atividade prática na
profissão, na política, nos movimentos sociais. Tal como a
educação, também o ensino é determinado socialmente. Ao
54
mesmo tempo em que cumpre objetivos e exigências da
sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a
constituem, o ensino cria condições metodológicas e
organizativas para o processo de transmissão e assimilação de
conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais e
processos mentais dos alunos tendo em vista o entendimento
crítico dos problemas sociais.
Educação, instrução e ensino
Antes de prosseguirmos nossas considerações, convém
esclarecer o significado dos termos educação, instrução e ensino.
Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de
desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a
formação de qualidades humanas — físicas, morais, intelectuais,
estéticas — tendo em vista a orientação da atividade humana na
sua relação com o meio social, num determinado contexto de
relações sociais. A educação corresponde, pois, a toda
modalidade de influências e inter-relações que convergem para a
formação de traços de personalidade social e do caráter,
implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de
agir, que se traduzem em convicções ideológicas, morais,
políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da
vida prática. Nesse sentido, educação é instituição social que se
ordena no sistema educacional de um país, num determinado
momento histórico; é um produto, significando os resultados
obtidos da ação educativa conforme propósitos sociais e políticos
pretendidos; é processo por consistir de transformações
sucessivas tanto no sentido histórico quanto no de
desenvolvimento da personalidade.
A instrução se refere à formação intelectual, formação e
desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o
domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados.
O ensino corresponde a ações, meios e condições para
realização da instrução; contém, pois, a instrução.
Há uma relação de subordinação da instrução à educação, uma
vez que o processo e o resultado da instrução são orientados
para o desenvolvimento das qualidades específicas da
personalidade. Portanto, a instrução, mediante o ensino, tem
resultados formativos quando converge para o objetivo educativo,
isto é, quando os conhecimentos, habilidades e capacidades
55
propiciados pelo ensino se tornam princípios reguladores da ação
humana, em convicções e atitudes reais frente à realidade. Há,
pois, uma unidade entre educação e instrução, embora sejam
processos diferentes; pode-se instruir sem educar, e educar sem
instruir; conhecer os conteúdos de uma matéria, conhecer os
princípios morais e normas de conduta não leva necessariamente
a praticá-los, isto é, a transformá-los em convicções e atitudes
efetivas frente aos problemas e desafios da realidade. Ou seja, o
objetivo educativo não é um resultado natural e colateral do
ensino, devendo-se supor por parte do educador um propósito
intencional e explícito de orientar a instrução e o ensino para
objetivos educativos. Cumpre acentuar, entretanto, que o ensino
é o principal meio e fator da educação — ainda que não o único
— e, por isso, destaca-se como campo principal da instrução e
educação. Neste sentido, quando mencionamos o
termo educação escolar, referimos-nos a ensino.
Conforme estudaremos adiante, a educação é o objeto de estudo
da Pedagogia, colocando a ação educativa como objeto de
reflexão, visando descrever e explicar sua natureza, seus
determinantes, seus processos e modos de atuar. O processo
pedagógico orienta a educação para as suas finalidades
específicas, determinadas socialmente, mediante a teoria e a
metodologia da educação e instrução. O trabalho docente — isto
é, a efetivação da tarefa de ensinar — é uma modalidade de
trabalho pedagógico e dele se ocupa a Didática.
Educação escolar, Pedagogia e Didática
Como vimos, a atividade educativa acontece nas mais variadas
esferas da vida social (nas famílias, nos grupos sociais, nas
instituições educacionais ou assistenciais, nas associações
profissionais, sindicais e comunitárias, nas igrejas, nas empresas,
nos meios de comunicação de massa etc.) e assume diferentes
formas de organização. A educação escolar constitui-se num
sistema de instrução e ensino com propósitos intencionais,
práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligado
intimamente às demais práticas sociais. Pela educação escolar
democratizam-se os conhecimentos, sendo na escola que os
trabalhadores continuam tendo a oportunidade de prover
escolarização formal aos seus filhos, adquirindo conhecimentos
científicos e formando a capacidade de pensar criticamente os
problemas e desafios postos pela realidade social.
56
O processo educativo que se desenvolve na escola pela
instrução e ensino consiste na assimilação de conhecimentos e
experiências acumulados pelas gerações anteriores no decurso
do desenvolvimento histórico-social. Entretanto, o processo
educativo está condicionado pelas relações sociais em cujo
interior se desenvolve; e as condições sociais, políticas e
econômicas aí existentes influenciam decisivamente o processo
de ensino e aprendizagem. As finalidades educativas
subordinam-se, pois, as escolhas feitas frente a interesses de
classe determinados pela forma de organização das relações
sociais. Por isso, a prática educativa requer uma direção de
sentido para a formação humana dos indivíduos e processos que
assegurem a atividade prática que lhes corresponde. Em outras
palavras, para tornar efetivo o processo educativo, é preciso dar-
lhe uma orientação sobre as finalidades e meios da sua
realização, conforme opções que se façam quanto ao tipo de
homem que se deseja formar e ao tipo de sociedade a que se
aspira. Esta tarefa pertence à Pedagogia como teoria e prática do
processo educativo.
A Pedagogia é um campo de conhecimentos que investiga a
natureza das finalidades da educação numa detenninada
sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos
indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida
social. Uma vez que a prática educativa é o processo pelo qual
são assimilados conhecimentos e experiências acumulados pela
prática social da humanidade, cabe à Pedagogia assegurá-lo,
orientando-o para finalidades sociais e políticas, e criando um
conjunto de condições metodológicas e organizativas para
viabilizá-lo.
O caráter pedagógico da prática educativa se verifica como ação
consciente, intencional e planejada no processo de formação
humana, através de objetivos e meios estabelecidos por critérios
socialmente determinados e que indicam o tipo de homem a
formar, para qual sociedade, com que propósitos. Vincula-se,
pois, a opções sociais e políticas referentes ao papel da
educação num deteminado sistema de relações sociais. A partir
daí a Pedagogia pode dirigir e orientar a formulação de objetivos
e meios do processo educativo.
57
Podemos, agora, explicitar as relações entre educação escolar,
Pedagogia e ensino: a educação escolar, manifestação peculiar
do processo educativo global; a Pedagogia como determinação
do rumo desse processo em suas finalidades e meios de ação; o
ensino como campo específico da instrução e educação escolar.
Podemos dizer que o processo de ensino-aprendizagem é,
fundamentalmente, um trabalho pedagógico no qual se conjugam
fatores externos e internos. De um lado, atuam na formulação
humana como direção consciente e planejada, através
objetivos/conteúdos/métodos e formas de organização propostos
pela escola e pelos professores; de outro, essa influência externa
depende de fatores internos, tais como as condições físicas,
psíquicas e sócio-culturais dos alunos.
A Pedagogia, sendo ciência da e para a educação, estuda a
educação, a instrução e o ensino. Para tanto se compõe de
ramos de estudo próprios como a Teoria da Educação, a
Didática, a Organização Escolar e a História da Educação e da
Pedagogia. Ao mesmo tempo, busca em outras ciências os
conhecimentos teóricos e práticos que concorrem para o
esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas a
Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da
Educação, Biologia da Educação, Economia da Educação e
outras.
O conjunto desses estudos permite aos futuros professores uma
compreensão global do fenômeno educativo, especialmente de
suas manifestações no ámbito escolar. Essa compreensão diz
respeito a aspectos sócio-políticos da escola na dinâmica das
relações sociais; dimensões filosóficas da educação (natureza,
significado e finalidades, em conexão com a totalidade da vida
humana); relações entre a prática escolar e a sociedade no
sentido de explicitar objetivos político-pedagógicos em condições
históricas e sociais determinadas e as condições concretas do
ensino; o processo do desenvolvimento humano e o processo da
cognição; bases científicas para seleção e organização dos
conteúdos, dos métodos e formas de organização do ensino;
articulação entre a mediação escolar de
objetivos/conteúdos/métodos e os processos internos atinentes
ao ensino e à aprendizagem.
58
A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela
investiga os fundamentos, condições e modos de realização da
instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos sócio-
políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar
conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os
vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o
desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. A Didática
está intimamente ligada à Teoria da Educação e à Teoria da
Organização Escolar e, de modo muito especial, vincula-se à
Teoria do Conhecimento e à Psicologia da Educação.
A Didática e as metodologias específicas das matérias de ensino
formam uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A
Didática trata da teoria geral do ensino. As metodologias
específicas, integrando o campo da Didática, ocupam-se dos
conteúdos e métodos próprios de cada matéria na sua relação
com fins educacionais. A Didática, com base em seus vínculos
com a Pedagogia, generaliza processos e procedimentos obtidos
na investigação das matérias específicas, das ciências que dão
embasamento ao ensino e à aprendizagem e das situações
concretas da prática docente. Com isso, pode generalizar para
todas as matérias, sem prejuízo das peculiaridades
metodológicas de cada uma, o que é comum e fundamental no
processo educativo escolar.
Há também estreita ligação da Didática com os demais campos
do conhecimento pedagógico. A Filosofia e a História da
Educação ajudam a reflexão em torno das teorias educacionais,
indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes
externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos
da prática educativa.
A Didática e a formação profissional do
professor
A formação profissional do professor é realizada nos cursos de
Habilitação ao Magistério em nível superior. Compõe-se de um
conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos
objetivos e conteúdos devem confluir para uma unidade teórico-
metodológica do curso. A formação profissional é um processo
pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-
59
científica e técnica do professor para dirigir competentemente o
processo de ensino.
A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a
formação teórico-científica, incluindo a formação acadêmica
específica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e
a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da
Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria
Pedagogia que contribuem para o esclarecimento do fenômeno
educativo no contexto histórico-social; a formação técnico-
prática visando à preparação profissional específica para a
docência, incluindo a Didática, as metodologias específicas das
matérias, a Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e
outras.
A organização dos conteúdos da formação do professor em
aspectos teóricos e práticos de modo algum significa considerá-
los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As
disciplinas teórico-científicas são necessariamente referidas à
prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados
no âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de
formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e
dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do
mesmo modo, os conteúdos das disciplinas específicas precisam
ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de
formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio de
técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao
mesmo tempo em que fornecem à teoria os problemas e desafios
da prática. A formação profissional do professor implica, pois,
uma contínua interpenetração entre teoria e prática, a teoria
vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática e a
ação prática orientada teoricamente.
Nesse entendimento, a Didática se caracteriza como mediação
entre as bases teórico-científicas da educação escolar e a prática
docente. Ela opera como que uma ponte entre o "o quê" e o
"como" do processo pedagógico escolar. A teoria pedagógica
orienta a ação educativa escolar mediante objetivos, conteúdos e
tarefas da formação cultural e científica, tendo em vista
exigências sociais concretas; por sua vez, a ação educativa
somente pode realizar-se pela atividade prática do professor, de
modo que as situações didáticas concretas requerem o "como"
60
da intervenção pedagógica. Este papel de síntese entre a teoria
pedagógica e a prática educativa real assegura a interpenetração
e interdependência entre fins e meios da educação escolar e,
nessas condições, a Didática pode constituir-se em teoria do
ensino. O processo didático efetiva a mediação escolar de
objetivos, conteúdos e métodos das matérias de ensino. Em
função disso, a Didática descreve e explica os nexos, relações e
ligações entre o ensino e a aprendizagem; investiga os fatores
co-determinantes desses processos; indica princípios, condições
e meios de direção do ensino, tendo em vista a aprendizagem,
que são comuns ao ensino das diferentes disciplinas de
conteúdos específicos. Para isso recorre às contribuições das
ciências auxiliares da Educação e das próprias metodologias
específicas. É, pois uma matéria de estudo que integra e articula
conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas de
formação acadêmica, formação pedagógica e formação técnico-
prática, provendo o que é comum, básico e indispensável para o
ensino de todas as demais disciplinas de conteúdo.
A formação profissional para o magistério requer, assim, uma
sólida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o
desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende
de vocação natural ou somente da experiência prática,
descartando-se a teoria. É verdade que muitos professores
manifestam especial tendência e gosto pela profissão, assim
como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no
desempenho profissional. Entretanto, o domínio das bases
teórico-científicas e técnicas, e sua articulação com as exigências
concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de
modo que o docente ganhe base para pensar sua prática e
aprimore sempre mais a qualidade do seu trabalho.
Entre os conteúdos básicos da Didática figuram os objetivos e
tarefas do ensino na nossa sociedade. A Didática se baseia numa
concepção de homem e sociedade e, portanto, subordina-se a
propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação
escolar a serem estabelecidos em função da realidade social
brasileira.
O processo de ensino é uma atividade conjunta de professores e
alunos, organizado sob a direção do professor, com a finalidade
de prover as condições e meios pelos quais os alunos assimilam
61
ativamente conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções.
Este é o objeto de estudo da Didática.
Sugestões para estudo
Perguntas para o trabalho independente do aluno
1) Por que a educação é um fenômeno e um processo social?
2) Explicar as relações entre a definição de educação em sentido
mais amplo e em sentido estrito.
3) Podemos falar que nas associações civis, nas associações de
bairro, nos movimentos sociais etc., ocorre uma ação
pedagógica?
4) Que significa afirmar que o ensino tem um caráter
pedagógico?
5) Dar uma definição de educação com suas próprias palavras.
6) Explicar a afirmação: "Não há fato da vida social que possa ser
explicado por si mesmo".
7) Qual é a finalidade social do ensino? Qual o papel do
professor?
8) Quais as relações entre Pedagogia e Didática?
9) Por que se afirma que a Didática é o eixo da formação
profissional?
LIBÂNEO, José Carlos. DIDÁTICA. São Paulo: Cortez, 1994.
Educação, o que é isso?
Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.
(Guimarães Rosa)
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  • 1. 1 Seja Bem Vindo! Curso Introdução à Educação Carga horária: 60hs
  • 2. 2 Dicas importantes • Nunca se esqueça de que o objetivo central é aprender o conteúdo, e não apenas terminar o curso. Qualquer um termina, só os determinados aprendem! • Leia cada trecho do conteúdo com atenção redobrada, não se deixando dominar pela pressa. • Explore profundamente as ilustrações explicativas disponíveis, pois saiba que elas têm uma função bem mais importante que embelezar o texto, são fundamentais para exemplificar e melhorar o entendimento sobre o conteúdo. • Saiba que quanto mais aprofundaste seus conhecimentos mais se diferenciará dos demais alunos dos cursos. Todos têm acesso aos mesmos cursos, mas o aproveitamento que cada aluno faz do seu momento de aprendizagem diferencia os “alunos certificados” dos “alunos capacitados”. • Busque complementar sua formação fora do ambiente virtual onde faz o curso, buscando novas informações e leituras extras, e quando necessário procurando executar atividades práticas que não são possíveis de serem feitas durante o curso. • Entenda que a aprendizagem não se faz apenas no momento em que está realizando o curso, mas sim durante todo o dia-a- dia. Ficar atento às coisas que estão à sua volta permite encontrar elementos para reforçar aquilo que foi aprendido. • Critique o que está aprendendo, verificando sempre a aplicação do conteúdo no dia-a-dia. O aprendizado só tem sentido quando pode efetivamente ser colocado em prática.
  • 3. 3 Conteúdo Sobre a Educação do Olhar na Escola Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e Não Vê Prática educativa, Pedagogia e Didática Educação, instrução e ensino Educação escolar, Pedagogia e Didática A Didática e a formação profissional do professor Educação, o que é isso? Educação Formal X Educação Informal Educação como Produto X Educação como Processo Educação Certa X Educação Errada Educação como Meio X Educação como Fim Educação como Prática Individual X Educação como Prática Coletiva Educação Autoritária X Educação Democrática Educação Opressora X Educação Libertadora Educação Reprodutivista X Educação Crítica Como Melhorar a Comunicação Professor-Aluno Novas Competências para Ensinar Bibliografia/Links Recomendados
  • 4. 4 Sobre a Educação do Olhar na Escola 1: A recepção muda tudo: Sobre a Educação do Olhar na Escola 1.1 . Lições sobre o “Olhar” (Obra de Giuseppe Arcimboldo[1]) “Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão.” Edgar Morin Ao iniciar este texto, apresentamos um desafio. Olhando para o quadro acima, podemos afirmar que o que pensamos que vemos é realmente o que vemos? É possível afirmar que não há erro ou ilusão na interpretação do nosso olhar? O que vemos no quadro acima? Será um recipiente de ferro (ou de outro material) contendo legumes e hortaliças? Têm certeza?
  • 5. 5 Por favor, ponham esta página de ponta-cabeça e observem novamente a figura. E então? Como vocês puderam observar, o quadro acima reproduz um recipiente com legumes e hortaliças, mas também reproduz a figura de um homem – depende do ângulo de onde observamos a figura, depende do ponto de vista do nosso olhar. Se olharmos mais uma vez para a figura, agora sabendo que há a imagem de um homem, nosso olhar será imediatamente atraído para os dois pontos que representam os olhos, e deixaremos de ver os legumes e hortaliças ou de apenas vê- los como parte de um conjunto de alimentos. Eles serão, a partir desse novo olhar, partes constituintes de uma figura de homem. Tudo isto porque o nosso olhar focaliza um ponto especial – os olhos. Os legumes continuam ali, expostos ao nosso olhar, mas não os registramos mais conscientemente. Após as observações acima, é possível supor que: nem tudo o que pensamos ver, realmente vemos; nem sempre temos a consciência da visão de tudo o que olhamos; nem sempre vemos a totalidade do que é objeto do nosso olhar; nem sempre esgotamos nossas possibilidades de olhar um objeto para criar conceitos sobre ele; nem sempre refletimos sobre o nosso ato de olhar. Com esta constatação, concluímos que olhar é um ato nada banal, na verdade, bastante complexo e, por isso mesmo, necessitando ser analisado com profundidade. Especialmente, se colocamos a questão no âmbito educacional e, mais especificamente, no âmbito escolar.
  • 6. 6 Refletir sobre o olhar é a proposta que trazemos para este momento. E dentro desta proposta, queremos considerar os vários significados do olhar. Entre eles, os que apresentamos a seguir: Eu vi o cheiro do boi. Eu vi cheiro de pasto maduro, crestado, amarelado. Trecho do poema “Evém boiada!”, de Cora Coralina[1] De uma praia do Atlântico Se o olhar visse curvo, como se diz que é o espaço, olhando a sudoeste de meu atual terraço, (...) João Cabral de Melo Neto[2] Assim como os poetas citados, entendemos o olhar como um modo de ver que vai além do olhar primário, do olhar que só alcança as coisas imediatas e próximas. Entendemos que o ato de olhar envolve também o resgate de lembranças sinestésicas que estão guardadas em nosso interior. Assim, olhar é também usar os olhos da alma, do desejo, do sonho, da fantasia, da sensibilidade, porque olhar é ver com o “corpo todo”. Assim pensamos porque acreditamos, como Lorca[3], que “nos olhos se abrem / infinitas veredas”. Mas que em momento algum se pense que estamos defendendo a idéia de um olhar romântico, ingênuo, acrítico, pois se acreditamos no ato de olhar que se volta para o interior, é porque consideramos que isto vai nos ajudar a olhar criticamente para o exterior. Com um múltiplo olhar – enriquecido pelos nossos diferentes sentidos – poderemos refletir melhor sobre as coisas que nos são mostradas, poderemos observá-las sob
  • 7. 7 vários ângulos e, com isto, identificar as intenções que subjazem nas exposições que ocorrem nos espaços sociais. Mas como alcançar esta competência? Como desenvolver a habilidade de ver criticamente e também com emoção? Só há uma forma: educando o olhar. E para educá-lo, precisamos, inicialmente, pensar sobre algumas questões, a saber: 1. Como se realiza, cientificamente, o ato de olhar? 2. Como identificar, nas interações sociais, as intenções implícitas no aparentemente inocente ato de expor imagens ao nosso olhar? 3. Como relacionar, ao ato de olhar, as questões referentes à estética e à ética? 4. Como desenvolver a capacidade de olhar? 5. Como levar todas estas reflexões para o cotidiano da escola? [1] CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 4ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1991, p. 91. [2] MELO NETO, João Cabral de. Museu de tudo e depois (1967 – 1987). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 264. [3] LORCA, Federico García. Os olhos. In: Obra poética completa. 3ª. ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 591. [1] Pintor italiano do séc. XVI (1527 – 1593). 1.2 . A Arte de Educar o Olhar Como educar o olhar? Como torná-lo capaz de perceber significados e construir relações? Como desenvolver a
  • 8. 8 capacidade de ver estética e eticamente as imagens que nos circundam? Cultivando a arte de ver. Pensemos, primeiramente, em desenvolver nossa “visão divergente” que, em Pedagogia, conforme nos informa Yunes e Agostini[1], “representa uma visão múltipla das coisas, uma visão não bitolada ou enquadrada”. Uma visão que nos capacita a usufruir esteticamente as imagens e a usar a criatividade nas diferentes situações da vida. Segundo os autores citados acima, a escola não estimula nem desenvolve nas crianças a visão divergente. Pelo contrário, leva-as para a ‘visão convergente’, a visão domesticada, centrada, unilateral e massificada, típica do adulto ‘normal’, ‘bem-adaptado’, conformista, conservador, sem brilho, sem cor e sem caráter. (Yunes Agostine, 1998) Embora não pretendamos, agora, discutir a relação olhar crítico X escola, fica registrada a observação acima para posterior retomada neste trabalho. Pensemos agora sobre o nosso “olhar divergente”. Até que ponto nós o temos cultivado? Até que ponto temos permitido que nossos olhos se abram para “infinitas veredas”? Ainda segundo Yunes e Agostini, o ser humano é múltiplo, dispõe de várias maneiras de perceber o real ou a vida. Os aspectos afetivos não estão dissociados do intelecto e da inteligência (...)”. Uma das formas de educar o olhar, portanto, é permitir que nossas emoções participem da nossa visão cotidiana das coisas, ou seja, exercitando cada vez mais a nossa “visão divergente. E, para tanto, podemos nos valer das artes: literatura, pintura, escultura, música, fotografia, dança, dramatização e todas as outras artes que com elas se entrelaçam. Segundo Costa[2], a arte penetra em nós através da porta da sensibilidade, mantendo aberto esse canal com nossa natureza mais instintiva e – por que não? – animal. A cada
  • 9. 9 emoção ou prazer que resulta do contato com o belo, nossos sentidos se renovam e se apuram num processo infindável de aprofundamento e recriação. A cada momento de arte, nos tornamos mais aptos à captação da beleza do mundo e de seus significados. A arte se opõe ao mergulho no individualismo egoísta. Trabalha o incrível paradoxo de, tendo suas raízes na subjetividade e na interioridade, só se realizar em comunicação com o outro e com o mundo. Exige eco e comunicação, exige diálogo e controvérsia. Assim, mantém livres nossos canais de comunicação com o outro, ao mesmo tempo em que aprimora a consciência que temos de nós mesmos. É fonte inesgotável de interpretação e sentido. Por mais que nos detenhamos em sua observação, decifração e entendimento, mais nos confrontaremos com novas aparências e significações. E mesmo mantendo laços estreitos com seu tempo e seu espaço, a arte atravessa a história e se apresenta virgem a novas interpretações.(Costa, 1999) Segundo De Masi[3] (2000), um dos momentos que assinalaram a passagem da nossa condição de animal a homem foi aquele em que, no nosso processo evolutivo, pudemos conceituar o belo. Desde os primeiros desenhos nas cavernas, o homem utilizou a capacidade estética para registrar as suas impressões do mundo, diferenciando-se dos outros animais, conquistando a sua condição humana e a felicidade. Isto porque, segundo o autor, “entre todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”. (De Masi, 2000) Associando as idéias de Costa (1999) e de De Masi (2000), entendemos que a arte nos humaniza e, ao mesmo tempo, nos proporciona uma sensibilidade tão intensa que pode despertar nossas emoções mais selvagens, criando um feedback para múltiplas renovações do homem. Educando o nosso olhar através da arte, estaremos sempre ratificando a nossa condição humana. Nosso olhar, entretanto, não é apenas estimulado por imagens que produzem prazer estético ou só prazer estético.
  • 10. 10 Conforme já foi observado neste texto, vivemos um tempo de saturação de imagens. Somos, a todo momento, levados a enfrentar novos desafios, que nos exigem uma visão mais crítica e abrangente dos recursos que nos cercam, imprimindo uma nova ordem ao tempo e ao espaço em que vivemos. (Caboclo[4], 1995). São muitas as mídias que veiculam imagens e mensagens. Precisamos aprender a olhá-las em suas especificidades, interpretá-las criticamente e usufruir dos seus benefícios. Segundo Kellner[5], precisamos desenvolver um alfabetismo crítico em relação à mídia e construir competências para a leitura crítica de imagens. Para ele, Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas. (Kellner, 1995) Analisando as imagens e mensagens veiculadas pela publicidade, Kellner considera que esta exerce uma ação pedagógica sobre as pessoas, ensinando-lhes o que precisam e devem desejar, pensar e fazer para alcançar o prazer e a felicidade. Para ele, a publicidade veicula e inculca nos indivíduos uma visão de mundo, uma ideologia de vida, valores e comportamentos que aparentemente trazem satisfação imediata. Para neutralizar a influência ideológica da publicidade e escapar dos apelos do consumo precisamos, segundo o autor, desenvolver “competências emancipatórias”. Precisamos, ainda, “compreender como os textos culturais funcionam, como eles influenciam e moldam” nossos comportamentos. É importante frisar que não consideramos os indivíduos totalmente desarmados para o “ataque” da mídia. Sabemos que é grande o poder de influência das imagens e mensagens veiculadas pela publicidade e pelos diferentes veículos de comunicação, mas também acreditamos, como
  • 11. 11 Certeau[6] (1995), que é difícil estabelecer o grau de influência que elas exercem sobre os indivíduos, uma vez que não sabemos ao certo as maneiras de uso adotadas pelos consumidores em relação aos produtos culturais oferecidos. Estes conhecimentos, contudo, não nos isentam de incentivar a reflexão e a conscientização acerca da influência da mídia e das estratégias que podemos articular para neutralizar essa influência. Também é importante observar que vivemos em uma sociedade do espetáculo, e que nessa sociedade todos os assuntos são apresentados como se fizessem parte de um show. Já não é fácil discernir o real do ficcional. Amor, morte, guerra, futebol, tragédia, comédia, tudo faz parte de um espetáculo cotidiano que não tem trégua. E nesse espetáculo, muitas vezes perdemos a capacidade de discernir criticamente os fatos. As coisas, segundo Chiavenato[7] (1998), “passam a ser o que aparentam. E aparentam ser pela imagem que transmitem”. Muitas são as imagens e elas nos transmitem a ideologia da mercadoria: tudo é consumível e deve ser consumido. Segundo Lefebvre[8] (1991), essa ideologia “substitui o que foi filosofia, moral, religião, estética”. Nada mais importa a não ser realizar os desejos despertados pelas mensagens de consumo. Consumo de objetos, de drogas, de sexo, de ilusões e de vidas. Como olhar para essas mercadorias, como assistir ao grande espetáculo da sociedade (e participar dele!) e como usufruir dos bens culturais sem perder a capacidade de fazer leituras críticas sobre os fatos e, a partir delas, realizar intervenções éticas? Acreditamos que um caminho é não acreditar sempre no que nos mostra o nosso olhar, seja sob que ângulo estejamos “olhando” os fatos. É preciso sempre criar outros ângulos, refletir sobre as imagens que observamos a partir desses novos ângulos e entender que nada pode ser olhado maniqueisticamente: o bem e o mal (e o que é bem para uns nem sempre o é para todos) estão em todas as coisas e precisamos saber usufruir de cada coisa aquilo que ela
  • 12. 12 apresenta de construtivo. Nesse sentido, o que primeiro precisamos fazer é procurar conhecer tudo o que nos cerca, desvendar seus mistérios, penetrar em suas fortalezas, derrubar seus muros. Começamos, neste trabalho, recordando o mecanismo do olhar. Verificamos como esse mecanismo é aproveitado e explorado pela propaganda e pela mídia. Refletimos sobre a importância das Artes e da consciência crítica em nossas vidas. Compreendemos que são múltiplos os meios de veicular imagens e que, por isso, múltiplas devem ser nossas estratégias de interpretação. Não podemos esquecer, também, da importância que se deve dar à observação dos diferentes modos de veicular ideologias, valores, estética e ética utilizados pelo cinema, pelo teatro, pelo rádio, pela televisão, pela internet, pelos jornais, pelas revistas, pelas músicas, pelas crônicas, pelos romances, pelos poemas, pelas charges, pelos quadrinhos, pelos comerciais, pelas comidas, pelos livros didáticos, pelos mapas e atlas, pelas disciplinas escolares, e ainda pelos pregadores religiosos, pelos artistas, pelos educadores, pelos políticos. Somente olhando-os de forma crítica é que poderemos identificar o lugar onde eles se colocam para veicular suas mensagens e que relação esses lugares e essas mensagens estabelecem com os nossos conceitos de gênero, raça, cidadania. Por fim, precisamos descobrir as formas de desconstrução das estratégias usadas por esses veículos e indivíduos, para que possamos, quando necessário, enfraquecer seus discursos e fortalecer discursos mais compatíveis com um pensamento planetário de solidariedade e de valorização humana.
  • 13. 13 1. 3. Como Promover e Praticar a Educação do Olhar e do Pensar na Escola? Segundo Coutinho[9] (1998), Cada lugar tem a sua maneira própria de ser, de se constituir, de apresentar e de se representar. A escola é um lugar como outro qualquer e também tem suas feições. Mas uma de suas características básicas é a de poder metamorfosear-se numa porção de outros lugares. Assim, a sala de aula pode vir a ser um palco de teatro ou uma sala de cinema. Tudo fica a depender da capacidade criadora de professores e alunos. A escola pode ser ainda outros lugares. O lugar da utilização e da produção de vídeos; o lugar da leitura, análise e produção de jornais, revistas, poemas, charges. A escola é o espaço privilegiado para a reconstrução dos discursos e das imagens veiculadas nos diferentes espaços sociais. E mais. A escola é o lugar privilegiado para promover a educação. E não podemos confundir educação com repasse de informações. As informações estão em todos os lugares e são tantas que a escola nem pode ter a pretensão de transmiti-las. Não pode, principalmente, desperdiçar o tempo e o espaço de que dispõe para educar. E educar, para nós, corresponde ao conceito adotado por Morin[10] (1999): Educar é estar mais atento às possibilidades do que aos limites. Estimular o desejo de aprender, de ampliar as formas de perceber, de sentir, de compreender, de comunicar-se. Apoiar o estado de prontidão para aprender dentro e fora da escola, em todos os espaços do nosso cotidiano, em todas as dimensões da vida,. estar atento a tudo, relacionando tudo, integrando tudo. Conectar sempre o ensino com a pessoa do aluno, com a vida do aluno, com a sua experiência. Educar é procurar chegar ao aluno por todos os caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações), pela multimídia. É partir de onde o aluno está, ajudando-o a ir do concreto ao
  • 14. 14 abstrato, do imediato para o contexto, do vivencial para o intelectual, integrando o sensorial, o emocional e o racional. O emocional é um componente fundamental da compreensão e do ensino. (Morin, 1999) Tendo como suporte as falas de Coutinho e Morin, pretendemos enfatizar a importância da escola no processo da educação do olhar, que – como já deve ter ficado evidente – foi, em alguns momentos, a metáfora que usamos para falar de uma educação escolar crítica, atenta, interligada aos outros espaços educacionais, dispondo de professores aptos a “utilizar pedagogicamente as tecnologias na formação de cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas linguagens do mundo atual e futuro”[11]. Como última sugestão para desenvolver um novo olhar sobre a educação, trazemos a contribuição de Gadotti[12] , que propõe a ecopedagogia: A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar sobre a educação, um olhar global, uma nova maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido a cada momento, em cada ato, que ‘pensa a prática’(Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do olhar e do comportamento. (Gadotti, 2000) Não podemos nos conformar em ser ou em educar pessoas para se tornarem indivíduos “bem-adaptados”, passivos, manobráveis, burocratizados. Precisamos cultivar e incentivar nossos alunos a cultivar não apenas a visão divergente, como também, e principalmente, o espírito divergente. Não podemos também, e isto é fundamental, fazer o discurso do olhar divergente e praticar o olhar convergente, conformista, conservador e sem brilho, durante as nossas
  • 15. 15 ações cotidianas na escola. Precisamos mudar os ângulos do nosso olhar em relação aos nossos colegas, aos nossos alunos e ao nosso trabalho. Focalizar as fóveas não apenas nos anjos ou apenas nos demônios, mas atentar para o que fica relegado a uma visão periférica. Talvez refletindo mais sobre a arte de ver e procurando exercitá-la a todo o momento, não soframos mais aquela dor sem explicação, aquela sensação de fracasso que muitas vezes acompanham o nosso trabalho. Dor e sensação que talvez sejam provocadas pelo registro inconsciente que fazemos da decepção estampada nos rostos dos nossos alunos. Um registro que as nossas fóveas não vêem, mas que os nossos bastonetes conduzem para as profundezas da nossa mente. Para encerrar, plagiando Che Guevara, diríamos que é necessário divergir, mas sem jamais perder a ternura. Que, sem perder o prazer estético de produzir e admirar o belo, sejamos sempre praticantes e defensores da ética em todas as situações de interação com os homens e com a natureza. 1.4 . O que é Pensar? Um texto que consideramos excelente para compreender a importância de se pensar nos é o oferecido por Rubem Alves e se intitula “As Receitas”(2000). Quando eu era menino, na escola, as professoras nos ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça
  • 16. 16 do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançarem sobre a tela... Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era a pergunta que o professor de Filosofia havia proposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só pode alçar vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas permitem entrar pelo mar do desconhecido. E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem de pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saberem voar, têm que aprender a caminhar sobre a terra firme. Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão deste saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe...”. E o mais curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar.”(...) Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer. Não é coisa que eu tenha inventado. Foi-me ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração – à espera de que o teclado desejo de novo o chame do seu lugar de esquecimento. Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas
  • 17. 17 são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o passado critalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se, então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se sabe. (Alves, R., 2000: 77) Ousando conversar com o texto, logo de início, Alves nos mostra quão simplista e equivocado pode ser o discurso da escola quando omite a importância do processo de construção e prevê sucesso sem laboração. O processo de pensar requer um exercício constante de investigação e análise, portanto, que não está pronto, concretizado a priori. Ele enfoca, também, a contradição do discurso que acaba por nos induzir a erro de interpretação, quando nos fala que não é por ser dono de uma casa que vende tintas que nos tornaremos pintores, mas, sim, quando as idéias dançantes na cabeça do pintor derem forma à tela, através da utilização das tintas para expressá-las (Alves, R., 2000: 77) levando-nos a perceber que nem sempre o óbvio é ou está óbvio, pois, assim como acontece com as tintas, o mesmo se dá em relação às demais idéias que compõem o imaginário social, político, econômico, educacional..., pois são as idéias – o bem mais precioso produzido pelos indivíduos - que constroem o mundo que temos e, ainda, o que queremos ter. Einstein já dizia que o importante não é dar boas respostas, mas, sim, fazer grandes perguntas. A partir desse pressuposto, cabe-nos pensar se estamos oferecendo situações que levem o sujeito a pensar e expressar suas idéias e conjecturas sobre os fatos e os dados apresentados, no seu cotidiano, aprendendo a lê-lo criticamente,
  • 18. 18 questionando e propondo situações de superação de suas problemáticas existenciais. A seguir, nos propõe a crucial pergunta: O que é pensar?”, dizendo que o professor de filosofia teve a genial sensibilidade de não respondê-la, pois se o fizesse, teria cortado as asas do pensamento, não permitindo que alçasse vôo sobre os mares do desconhecido, exercitando o pensamento (Alves, R., 2000: 78). Cabe-nos perguntar, se estamos possibilitando o pensar sobre as coisas, os objetos, os fatos e as situações ou se estamos apenas propondo reproduções, transmitindo informações já elaboradas, destituídas de sentido, implicando, inclusive, a perda do significado original. Se, por um lado, pensar requer que tenhamos conhecimentos construídos anteriormente para nos dar sustentação para caminhar, esses saberes não nos podem aprisionar constituindo-se em verdades absolutas. Ao contrário, eles devem propiciar que possamos reelaborar permanentemente nossos pontos de vista, acompanhando a “história do presente”, mas sem perder a dimensão do olhar prospectivo (visão de futuro). Por outro lado, pensamos por cadeia de idéias e associações múltiplas, tentando estabelecer conexões de sentido, usando alguns referenciais mais ou menos estáveis, aos quais recorremos, de memória, para conhecer mais e melhor. Daí a relevância do exemplo da moqueca do texto de Rubem Alves que enfatiza a memória de “longa duração”, termo usado pela professora pesquisadora Elvira Souza Lima para definir aquela memória que, plena de sentido, é inesquecível, em nada se confundindo com a memória de curta duração ou memorização. A “memória de sentido”, como decidimos denominá-la, não se esgota em si mesma, servindo como base para a redimensão do próprio pensamento.
  • 19. 19 Isto nos leva a afirmar que não é a quantidade de informações “memorizadas” que determina a constituição do conhecimento, mas a forma como lidamos com estas informações – sendo águias ou tartarugas – como sugere Rubem Alves. Ainda bem que a história não pode parar o curso do tempo e no tempo tudo pode se transformar, possibilitando a existência de uma nova ordem, muitas das vezes mais produtiva e que exige mais que perfeição milimétrica; mas que acaba por proporcionar situações que nos permitem privilegiar a criatividade, o talento, através da capacidade ética de relacionamento interpessoal satisfatório, contribuindo para a construção de um mundo melhor para se viver. Isto nos remete à música cantada pela cantora Simone, intitulada “Como Será o Amanhã?”, de Gonzaguinha, que nos mostra a possibilidade de construir um espaço-tempo, voltado para a superação das relações adversas existentes no hoje, conhecendo, entendendo, pensando, refletindo e avaliando as mesmas, buscando as razões que lhe deram sustentação de existência no passado, para poder compreender suas causas e efeitos, podendo sempre propor novos caminhos, a serem trilhados por quem acredita no amanhã, sabendo que estão sujeitas à transitoriedade dos fatos, dos valores, das práticas. Quando se acredita que o ser humano é capaz de sentir felicidade e de demonstrá-la ao fazer as atividades mais simples da vida, fica registrado, de modo inequívoco, que possui um coração simples, puro e receptivo às coisas que lhe possibilitam alçar vôos de imaginação, criar fantasias e quem sabe, um dia, transformar seus sonhos, sua utopia, em algo concreto, a partir de suas crenças em torná-los realidade. Em contrapartida, se fizermos como nos sugere a fábula do elefantinho, que visão de homem e de mundo estaremos querendo formar? Cabe-nos, aqui, pensar sobre a sua mensagem.
  • 20. 20 Um treinador de circo consegue manter um elefante aprisionado, porque usa um truque muito simples: quando o animal ainda é ‘criança’, ele amarra uma de suas patas em um tronco muito forte. Por mais que tente, o elefantinho não consegue soltar-se. Aos poucos, vai se acostumando com a idéia que o tronco é mais poderoso que ele. Quando adulto, e dono de uma força descomunal, basta colocar uma corda no pé do elefante e amarrá-la em um graveto que ele nem tenta libertar-se, porque se lembra que já tentou muitas vezes e não conseguiu. Assim como, desde criança, nos acostumamos com o poder daquele tronco, não ousamos fazer nada. Sem saber que basta um simples gesto de coragem para descobrir toda a nossa liberdade. (Paulo Coelho) Será educar sinônimo de adestrar? Será educar sinônimo de treinar? Ou de condicionar? Ou de subjugar? Algumas práticas pedagógicas parecem acreditar que sim. Mas a Pedagogia para o Amanhã insiste que não. Por ela apostar, radicalmente, na ampliação permanente do olhar, define educar como o processo dinâmico, contínuo, dialógico e dialético de construção de conhecimentos pertinentes, plenos de significado e sentidos, em constante transformação, no tempo-espaço-histórico-social, em busca sempre do aperfeiçoamento da existência humana. Não é necessário que haja, apenas, uma grande quantidade de informações para se fazer um indivíduo apto a desenvolver sua própria aprendizagem. Não será, também, trazendo-o preso a amarras, mesmo que já não se façam fisicamente presentes, que vamos garantir sua melhor performance. É indispensável que se comprometa consigo mesmo, avaliando suas funções sociais e, com seriedade, busque defender conceitos que lhe dêem condição de exercer sua cidadania, comprometendo-se, íntegro e cônscio da necessidade de sua participação social, frente à formação de outros cidadãos.
  • 21. 21 Comungamos com Paulo Freire, quando nos afirma que o que mais o seduz é a beleza da pessoa humana brigando para ficar melhor. Urge que nos conscientizemos da importância de sermos docentes, mas não apenas docentes, mas principalmente seres humanos, pois só assim poderemos facilitar a aproximação dos demais, identificando-nos com eles, ajudando-os a descobrir sua singularidade, oferecendo situações de aprendizagem que superem a simples transmissão de conhecimentos. ... É preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a lutar. Porque o corpo não luta pela verdade pura, mas está sempre pronto a viver e a morrer pelas coisas que ele ama. Na sabedoria do corpo, a verdade é apenas um instrumento, um brinquedo do desejo. (Rubem Alves) Devemos, pois, oferecer atividades em que possam falar e ouvir a respeito das realidades próprias, próximas e distantes, podendo lê-las e relê-las, através de suas falas e silenciamentos, ou seja, da polifonia produzida pelos diferentes parceiros que se inter-relacionam, de forma direta ou indireta, lidando e criando saberes, em suas trocas de experiências, em suas reflexões, compondo e propondo novas questões que os levem a perceber a necessidade de estar sempre presentes no processo dinâmico da construção do conhecimento, pois sabemos que O futuro não é uma coisa escondida na esquina. O futuro a gente constrói no presente.” (Paulo Freire)
  • 22. 22 Assim, o professor precisa ter: a) humildade para estar aberto às questões do hoje (de cunho os mais variados), às mudanças e novas propostas que permitam entender o “aqui e agora”, através da certeza do seu inacabamento e de suas possibilidades para propor e tecer novos paradigmas, que ajudem a compor soluções plausíveis, melhorando a qualidade de vida em sociedade e criando, assim, um novo amanhã; b) respeito por seu pares, nas relações ética e estética, pelas descobertas científicas e tecnológicas (que compõem o patrimônio da humanidade), bem como pelas diferentes culturas, hábitos, costumes, valores, modos de se relacionar, atitudes diferenciadas (nem melhores, nem piores umas das outras), mas reconhecendo que são apenas diferentes entre si e satisfatórias para aqueles que delas participam; c) confiança na potencialidade de todo ser humano de construir o seu próprio conhecimento, sabendo-se num processo dinâmico de construção de saberes das mais diferentes ordens, desde as pessoais até as coletivas, por se entender um ser histórico, capaz de fazer história, uma história que o antecede e que lhe vai suceder, crendo no seu processo de aprendizagem desde o seu nascimento até o momento de sua morte. Portanto, deve ser e estar consciente da importância e da necessidade de sua atuação para compor um novo amanhã, comprometendo-se e fazendo parceria na construção de uma sociedade mais justa e eqüânime de oportunidades de realização a todos que nela convivem, indagando-se, a cada momento, Por que nossa educação é tão embrutecedora e cega, se nossas crianças são tão ricas?
  • 23. 23 Por que a humanidade teme tanto a espontaneidade, se a atitude espontânea conduz tão rapidamente ao crescimento responsável? Por que nos falta confiança no futuro, se forças sociais intensas e construtivas podem ser liberadas no indivíduo através da aceitação de alguns poucos princípios básicos? (Carl R. Rogers) Realmente, precisamos saber exercitar o pensamento. Pensar e incentivar a pensar para poder contribuir para a transformação e a libertação, pois cremos que alguns pontos, assinalados por grandes teóricos da atualidade, poderão iluminar nossas visões para compreender as práticas vivenciadas na realidade da escola. Neste sentido, talvez seja possível romper com os valores proclamados e propor uma práxis pedagógica transformadora a partir dos valores reais, ciente das lições deixadas por Perrenoud, Freire e Toffler: “A vontade de aceitar desafio é uma questão de sentido” (Perrenoud , 2000: 48). ... o futuro não é ‘conhecível’ no sentido de uma predição exata. A vida está cheia de surpresas surrealistas... A mudança acelerante... fica sujeita à obsolescência... As estatísticas se aceleram. Novas tecnologias suplantam outras mais velhas. Líderes políticos sobem e caem. Apesar de tudo, à medida que avançamos para a terra desconhecida do amanhã, é melhor ter um mapa geral e incompleto, sujeito a revisões e correções do que não ter mapa algum...(Toffler, 1990: 20) ...São necessárias novas maneiras de pensar sobre as mudanças que vêm alterando a face de nossa civilização ao longo das últimas décadas, delineando assim um perfil mais abrangente da nova sociedade que emerge das transformações [sociais, econômicas, históricas, políticas], ou seja, de uma sociedade radicalmente diferente, movida por
  • 24. 24 um novo sistema de criação de riqueza que transforma o trabalho [e as relações ética e estéticas dentro da macro e micros sociedades]. (Toffler, 1990: 33) Ela seria tanto mais necessária porque é, como veremos, a própria organização do trabalho pedagógico que produz o fracasso escolar.... (Perrenoud, 2000: 17) ...O apoio pedagógico deveria evitar ou atenuar a reprovação, fosse prevenindo suas dificuldades e fracassos, fosse acompanhando alunos autorizados a progredir na formação sem ter todos os conhecimentos requeridos. A idéia de base era, então, romper com a indiferença às diferenças, instaurando uma pedagogia que ainda não se chamava ‘diferenciada’, mas que se considerava como uma forma de discriminação positiva ou de educação compensatória. (Perrenoud, 2000: 35) Ensinar é uma especificidade humana. Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. Ensinar exige comprometimento. Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Ensinar exige liberdade e autoridade. Ensinar exige tomada consciente de decisões. Ensinar exige saber escutar.
  • 25. 25 Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. Ensinar exige disponibilidade para o diálogo. Ensinar exige querer bem aos educandos. (Freire,1999: 8/9) A questão da formação dos professores é, inevitavelmente, levantada. A seu respeito, pode-se arriscar pelo menos uma hipótese: se não incorpora a preparação à transferência em seus próprios dispositivos, como poderia pretender favorecer, nos futuros professores, as práticas pedagógicas ‘transferogênicas’? (Perrenoud, 2000: 70) A substituição do trabalho bruto pela informação ou pelo conhecimento, na realidade, é o que está por trás dos problemas atuais... Portanto, o conhecimento é a chave do crescimento humano no século XXI. (Toffler 1990: 33) O choque do futuro olha para o processo de mudança – a maneira pela qual a mudança afeta as pessoas e as organizações. A quebra do paradigma existente deverá se concentrar nas direções destas mudanças que ainda virão para saber quem irá formá-las e como.(Toffler, 1990: 19) O choque do futuro, como definição, baseia-se na desorientação e tensão provocada ao se tentar lidar com um número demasiado de mudanças num tempo demasiado curto – argumentando que a aceleração da história leva a conseqüências próprias, independentes das reais direções da mudança. A simples aceleração dos eventos e das fases de reação produz seus próprios efeitos, quer as mudanças sejam consideradas boas, quer más. (Toffler, 1990: 19)
  • 26. 26 Afirmava, também, que os indivíduos, as organizações e até as nações podem ficar sobrecarregadas de mudanças demasiado cedo, levando à desorientação e a um colapso em sua capacidade de tomar decisões de adaptação inteligentes. Podiam, em suma, sofrer do choque do futuro. (Toffler, 1990: 19) 1.5 - Para Pensar a Escola Escola é... o lugar onde se faz amigos. Não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, gente que estuda, gente que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor, na medida em que cada ser se comporta como colega, como amigo. Nada de ilha cercada de gente por todos os lados. Nada de ser como tijolo que forma parede indiferente, frio, só. Importantante na escola não é só estudar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela. Ora, é lógico... em uma assim vai ser fácil estudar, crescer, fazer amigos, educar e ser feliz. (Paulo Freire, 1999) Não é o espaço escolar, mas o espaço da vida, onde nos lembra Brandão (1981) o “viver o fazer faz o saber”. Da mesma forma, Iván Illich (1974) ao se questionar sobre a serventia da escola na América Latina, fazia questão de assinalar a existência de “processos educativos no interior dos processos políticos e sociais” (Illich, I., 1974: 12), não sendo estes, portanto, uma primazia da escola.Todavia, podemos dizer que é através da escola que a humanidade começou a desenvolver uma teoria da educação, ou seja, uma “pedagogia”, à qual o ato de educar deve estar sujeito. É possível afirmar, assim, que com a chegada da pedagogia e da chamada “educação formal”, vieram as regras, a organização do conhecimento, as divisões do saber e os
  • 27. 27 métodos tradicionais de ensino; entretanto, é indiscutível também, que através da mesma, a educação passou a ser, como nunca antes na história da humanidade, objeto de estudo e reflexão. Desse modo, a escola foi criada com a promessa de sistematizar o ensino e favorecer a transmissão cultural. O antagonismo que a acompanha desde o seu nascimento, no entanto, é o de constituir-se de um lado “num espaço de democratização e formação individual e ao mesmo tempo de transmissão de valores coletivos e consciência social” (Puiggrós, A., 1998: 10). Todavia, esta contradição, ao oposto de diminuir-lhe a importância, apenas ampliou a necessidade de que a educação escolarizada fosse encarada como um direito universal. Análise da escola - sede da educação formal - não apenas, enquanto, um espaço de produção e divulgação de saber, mas também, enquanto um espaço de troca e intercâmbio de relações, isto é, de aprendizagem social. Embora a face relacional da escola seja um tanto esquecida, quando refletimos sobre o que seja a mesma, não há como priorizar um lado em relação ao outro. A valorização das relações interpessoais e de um clima emocional positivo, em termos de respeito e liberdade, são tão fundamentais quanto os conteúdos trabalhados em sala de aula, para o desenvolvimento do educando. O entendimento de que o conhecimento é, simultaneamente, processo e produto de uma construção cognitiva, social e emocional nos possibilita entender a importância do ambiente escolar, já que o mesmo pode ser favorecido ou desencorajado, dependendo dos pressupostos sociopedagógicos adotados no próprio projeto pedagógico da instituição escolar e a forma como são postos em prática pelos profissionais competentes.Como esclarece Soares (1999), a escola pode ser considerada como um texto escrito por várias mãos e sua leitura pressupõe a compreensão não apenas de suas conexões com a sociedade, mas também das suas relações internas, ou seja, da rede de relações desenvolvidas entre os alunos, pais,
  • 28. 28 professores e comunidade escolar em geral. (Soares, K., 1999: 6) Nesse sentido, não há como ignorar os conflitos e tensões resultantes do relacionamento entre os diferentes membros da escola. De um lado, temos os alunos que reclamam das obrigações, das normas rígidas, dos controles, da alienação da escola em relação ao seu mundo; de outro, temos os professores que reclamam dos salários, da inquietude dos alunos, da falta de infra-estrutura; de um outro lado, ainda, os demais funcionários da escola, que também têm suas demandas e reclamações, principalmente, no que se refere às questões de ordem política e salarial; e, por fim, os pais dos alunos, cujas preocupações e insatisfações, na maioria das vezes negligenciadas, também influenciam nesse processo. Boa parte dos conflitos em jogo na instituição escolar dizem respeito ao conflito entre as diferentes culturas envolvidas. 1.6 - Uma Reflexão Final Harvey (1993), ao analisar as características da pós- modernidade, aponta para o caráter fragmentário e instável das verdades e dos discursos produzidos na sociedade (que se baseia na produção e na exploração de espetáculos e imagens da mídia que globalizam a cultura e a economia). Entender os efeitos dessa globalização e o modo como ela interfere no cotidiano da sociedade é um caminho para entender os descaminhos da escola. Chiavenato (1998) considera que:
  • 29. 29 A globalização é um processo que age sobre o homem. As suas conseqüências sociais e econômicas estão transformando o modo de vida da humanidade. Valores éticos e morais, conceitos políticos e sociais, o uso da ciência e das artes, enfim, a cultura criada pela humanidade em milênios está sendo modificada, substituída e, de alguma forma, afetada radicalmente. (Chiaveneto, 1998) Os reflexos dessa modificação estão presentes nas relações sociais, no modo como o homem interage com o ambiente, com seus semelhantes e consigo mesmo, promovendo desigualdades sociais, intolerâncias raciais, de gênero e de crenças, assim como uma devastação planetária. Por isso, segundo Gadotti (2000), é preciso pensar em outra forma de globalização, “uma globalização da solidariedade, um mundialismo sustentado na unidade política de um mundo considerado como uma comunidade humana única, uma ética de governabilidade mundial”. Para tanto, é preciso pensar em planetaridade e em uma educação para o futuro que privilegie a solidariedade planetária e o respeito ao homem em sua totalidade. Uma educação que, para ser autêntica, deve respeitar a CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE[13]. Essa carta, em quinze artigos, traça um caminho novo para o homem e para a Terra, e em seu artigo 11 torna claro o pensamento que norteia este trabalho: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos. (Gadotti,2000)
  • 30. 30 A última frase desse artigo é particularmente esclarecedora quanto à importância de conhecermos a teoria das inteligências múltiplas e de as aplicarmos nas relações educativas desenvolvidas na escola. Continuando nossa reflexão, não poderíamos deixar de recorrer a Morin (2000), para dizer, com suas palavras, como deve ser visto o homem, ou seja: O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. (...)traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos de lucidez, tormentas dementes... (Morin, 2000) Contudo, parecendo desconhecer tais características humanas, os pais e a escola, segundo Korczak (1997), apropriam-se de um paradigma social de inteligência e “lutam contra todas as formas não habituais de inteligência”. Sobre as crianças, perguntam se são ou não inteligentes, quando a pergunta correta deveria ser como, de que modo são inteligentes. Retornando ao texto de Saramago, valemo-nos de outro trecho para concluir esta reflexão inicial. Assim como seus personagens, podemos travar o diálogo[14] que se segue:
  • 31. 31 Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. Porém, enquanto educadores, é nosso dever articular estratégias de superação dessa “cegueira”. É tempo de ver. E, para tanto, vamos recorrer a Howard Gardner (1994) através de sua Teoria sobre as Múltiplas Inteligências para olhar os nossos alunos e, vendo-os, vermo-nos também como seres capazes de reverter o quadro que o cartunista espanhol Quino, através de suas personagens, apresenta sobre a escola: Cabe a que perguntar: a que escola Mafalda está se referindo?. E Felipe? Tantas caras e bocas nos levam a ter que refletir sobre a construção existentes no imaginário social sobre a escola que se tem e a que se quer: a educação que se tem e a que se quer, pois a composição desse quadro de referência irá nos possibilitar olhar para a realidade, usando os olhos de ver, de perscrutar, de teorizar sobre a própria realidade vivida. Mas sejamos rápidos nessa mudança de olhar, sejamos rápidos na transformação, pois, segundo Bartolomeu Campos Queirós[1],
  • 32. 32 O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do tamanho da eternidade ele vai devorando tudo, sem piedade. O tempo não tem pena. Mastiga rios, árvores, crepúsculos. Tritura os dias, as noites, o sol, a lua, as estrelas. Ele é o dono de tudo. Pacientemente, ele engole todas as coisas, degustando nuvens, chuvas, terras, lavouras. Ele consome as histórias e saboreia os amores. Nada fica para depois do tempo. As madrugadas, os sonhos, as decisões duram pouco na boca do tempo. Sua garganta traga as estações, os milênios, o ocidente, o oriente, tudo sem retorno. E isso nos vem apontar a própria provisoridade das verdades absolutas que, ao sabor do passar do tempo, novos quadros nos apresenta, em sua constituição, em suas relações, em suas manifestações e animações, devendo ter em mente a sua capacidade de mutação processual, dinâmica, cotidiana, devendo nos colocar frente aos acontecimentos do nosso tempo, buscando olhar com olhos de ver. [1] QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Por parte de pai. Belo Horizonte: RHJ, 1995. pp. 71-72. [1] YUNES, Márcio Jabur e AGOSTINI, João Carlos. Técnica ou poética, eis a questão! São Paulo: Moderna, 1998. [2] COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna, 1999. (Coleção polêmica). [3] DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. [4] CABOCLO, Eliana T. de A. Freitas e TRINDADE, Maria de Lourdes de Araújo. Multiplicidade: cada identidade uma constelação. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o futuro: Reflexões sobre a educação no próximo milênio. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. [5] KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz
  • 33. 33 Tadeu da.(org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. pp. 104-131. [6] CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 1995. (Coleção Travessia do século). [7] CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada e sociedade de consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica). [8] LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. [9] COUTINHO, Laura. Sala de aula/sala de cinema. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o futuro: TV e informática na educação. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. [10] MORIN, José Manoel. Mudar a forma de aprender e ensinar com a internet. In: op. cit. [11] SAMPAIO, Marisa Narciso e LEITE, Lígia Silva. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. [12] GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Petrópolis, 2000. [13] Adotada no I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2 a 6 de novembro de 1994, e transcrita no livro “Pedagogia da Terra”, de Moacir Gadotti, de onde retiramos o artigo comentado. [14] É interessante observar o modo peculiar como Saramago pontua seus textos, especialmente a forma como constrói diálogos. Diferentemente das regras gramaticais vigentes na língua portuguesa, o autor marca as falas das personagens apenas pelo uso de vírgulas e de letras maiúsculas. Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e Não Vê
  • 34. 34 Seus gestos e sua postura em sala de aula dizem muito e podem ajudá-lo a lecionar — ou arruinar a exposição de um assunto. Veja como atuar corretamente.
  • 35. 35 Ah, as maravilhas da comunicação sem palavras. Certamente você conhece colegas que usam diversos truques para chamar a atenção dos alunos. Alguns dão um tapinha na mesa. Outros acendem e apagam as luzes da sala rapidamente. Outros fazem aquele "hum- hum" com a garganta. Existem os que mudam completamente o ambiente de uma sala de aula apenas com um olhar. Você certamente conhece vários truques como esses. Lembro de uma professora que era capaz de dobrar o indicador para trás até que ele ficasse quase a 90° do dorso da mão. E era dessa maneira que a educadora reforçava alguns pontos. Escrevia algo no quadro e pressionava o dedo ali, contra a lousa. Toda vez que nós, alunos, víamos aquele dedo para trás, numa posição antinatural, sentíamos um friozinho no estômago, mas prestávamos mais atenção, tanto ao dedo, quanto à matéria que ela estava apontando. E também, lógico, tem o caso do professor que usava o apoio de giz (aquela madeira que fica embaixo do quadro-negro) como apoio de si mesmo. Ele chegava, pousava a mão direita sobre o apoio, cruzava as pernas e começava a falar...até o dia em que, finalmente, a madeira não agüentou o peso, quebrou e o pobre educador levou um tombo magistral. Tais exemplos são apenas a ponta de toda uma comunicação que passamos aos outros e, na maioria das vezes, nem nos damos conta. Acompanhe. Espaço, a fronteira inicial _ Para alguns professores, a sala de aula limita-se a 2 metros à frente do quadro-negro. A partir daí, é território dos alunos, conforme afirma um Tratado de Tordesilhas imaginário auto- aplicado. Outros, circulam pela sala, encostam-se na parede do fundo e de lá dão suas aulas. Os alunos têm duas opções: ou permanecem voltados para o quadro-negro, só ouvindo o que o educador tem a dizer, ou torcem-se para visualizar o professor.
  • 36. 36 E há ainda aqueles que caminham entre as fileiras de alunos como um militar em revista à tropa. Todos esses são estilos que podem ser melhorados, conforme a situação. Algumas dicas:
  • 37. 37 -> Crie âncoras visuais para seus alunos. Desde o primeiro dia de aula, defina determinado canto para assuntos leves e piadas, outro canto para falar sobre a matéria, um canto para interação direta com os alunos. Você não precisa dizer nada para eles, apenas se movimentar para aquele ponto da sala de aula toda vez que desejar tomar uma ação específica. Assim, sempre que os alunos o virem caminhando para a posição descontraída já começarão a relaxar, e sempre que você for para o local da interação já começarão a imaginar algumas questões. Caso você tenha pouco espaço disponível em sua sala de aula, pode substituir esses "cantos" por gestos, como abrir os braços de certa maneira seguido de um "Bom. Perguntas?". Com o passar do tempo, você não precisará falar mais nada, basta o gesto. -> De vez em quando, mude a disposição das carteiras ou dos alunos. O simples fato de sentar em outro lugar já muda toda a
  • 38. 38 perspectiva do aluno em sua aula. Ele passa a prestar atenção a novas coisas, vê a matéria de maneira diferente. Isso também ajuda sua turma a se conhecer melhor, ajudando a acabar com as panelinhas. -> Circule pela sala de aula, com movimentos calmos e tranqüilos. Cuidado para não ficar muito tempo parado ao lado de um mesmo aluno. Geralmente, como os intervalos entre as filas de carteiras são apertados, sua proximidade física pode incomodar. Assim, ande entre duas fileiras um dia, entre outras duas em outra ocasião, e assim por diante. -> Pense na sala como um todo. Você dá aula tanto para o pessoal da primeira fila como para a turma do fundão. Faça contato visual com alunos que sentam em locais diferentes, na hora de mostrar algo, faça-o tanto à altura de sua cabeça, para que o pessoal de trás veja, como um pouco abaixo da altura de seu peito, para o pessoal das três primeiras carteiras. Erros a serem evitados: Eis aqui algumas posturas que devem ser evitadas durante suas aulas: Ficar parado em um ponto, apoiando-se de lado. A mensagem oculta que esse professor passa é “estou chateado e preferia estar em outro lugar”. Solução: quando estiver parado, mantenha seu peso uniformemente equilibrado e os quadris nivelados. Encostado em uma estante ou parede. A mensagem que passa diz “Estou cansado demais para ficar em pé”, ou “não quero nem me incomodar em dar essa aula”. Solução: evite apoiar- se, ou o faça por períodos muito curtos. Sentado à mesa onde se encontram suas anotações. O que tal educador diz é: não preciso fazer nenhum esforço aqui, pois sou mais importante que vocês. Solução: a não ser em determinados momentos (como chamada e correção de provas), fique em pé.
  • 39. 39 Como os outros o vêem Na hora de se vestir, cuidado com o básico. Que é preciso manter suas roupas em ordem e não usar acessórios exagerados, isso ninguém discute. Mas é preciso ampliar um pouco essa regra para incluir o bom senso. Existem professoras que dão aula em faculdades e usam minissaias. Depois querem que os alunos prestem atenção às aulas.
  • 40. 40 O cuidado com acessórios exagerados inclui também o que não é visto, mas ouvido e sentido. Perfumes muito ativos devem ser barrados, assim como sapatos que rangem ou cujo salto faça "toc-toc-toc" a cada passo que você dá. E outra vantagem inerente a sapatos silenciosos: os alunos não escutarão você chegando na sala. Separe tempo para exercícios físicos no mínimo três vezes por semana. Além de aumentar sua capacidade pulmonar e cardíaca, fazendo com que você se expresse melhor em sala de aula, os exercícios aumentam sua disposição. Há poucas coisas piores do que assistir uma aula de um professor com cara de ontem. Cuidado com seu estilo. Assim que os alunos o virem pela primeira vez, vão formar um conceito de você para o resto do ano. Então, escolha suas roupas conforme a mensagem que deseja passar. Jeans e camiseta são a marca de uma aula descontraída, com muita participação dos alunos. Um tailler elegante representa o sucesso que aquela educadora alcançou, mas também que pode-se esperar uma aula um pouco mais rígida. Professores homens, nessa área, têm mais sorte. Para mudar de um visual totalmente catedrático e de imposição para alguém próximo aos alunos, basta tirar o paletó e dobrar as mangas da camisa. É recomendável expor o seu rosto, não escondê-lo atrás de óculos escuros, barba, cabelos. Você não tem nada a esconder. O stress que deforma Respiração curta, que quase não oferece fôlego para frases mais longas. Músculos do pescoço retesados, ombros encolhidos. Gestos curtos, rápidos, feitos à altura da cintura. Sem dúvida, estamos diante de um professor com estress que, como se vê, prejudica a aula mais do que se percebe. Nessa situação, tentar um sorriso, dar a aula na mesma entonação de sempre, não adianta. Os alunos percebem que algo não está bem com o professor através daqueles sinais que ele não controla. Algumas dicas para impedir que o stress estrague suas aulas.
  • 41. 41 Levante quinze minutos mais cedo para que sua manhã seja menos apressada. Evite marcar compromissos demais para um dia. Seja realista. Você não vai conseguir dar quatro aulas, levar a turma ao museu, corrigir as provas e ir ao dentista no mesmo dia. Aprenda a dizer não a projetos e atividades da comunidade se você não tem tempo disponível. Tenha certeza de conseguir uma boa noite de sono. Relaxe nos fins de semana. Foque no que está acontecendo hoje em vez de se preocupar apenas com o amanhã. Estabeleça uma distância emocional do seu trabalho. Ensinar é uma profissão em que o trabalho nunca acaba, e pode facilmente ocupar todos os momentos disponíveis da sua vida. Dê-se permissão para trabalhar um razoável número de horas por dia e tenha tempo para você, sua família e amigos. Passe confiança
  • 42. 42
  • 43. 43 A pessoa autoconfiante apresenta uma postura ereta, calma e aberta, com as mãos pendendo ao lado do corpo, ou no colo. Pode cruzar os braços e as pernas, mas sempre de maneira relaxada. A expressão facial também é relaxada, mostrando sinceridade, confiança e receptividade. A pessoa autoconfiante cumprimenta os outros com um sorriso verdadeiro. As mensagens da linguagem corporal apenas costumam ser percebidas no nível subconsciente, mas são muito significativas em relacionamentos entre pessoas. Os movimentos são constantes, controlados e relaxados. Uma pessoa autoconfiante tem a tendência de se inclinar na direção de seu interlocutor, mas ainda mantendo a cabeça ereta numa postura receptiva em vez de ameaçadora. Os gestos são apropriados para a conversação, sem maneirismos excessivos ou impertinentes. O contato visual é direto e regular, mostrando atenção e interesse. Uma dica para melhorar sua postura: ao assistir um filme ou televisão, tente descobrir o que está acontecendo sem prestar atenção no som. Interprete o relacionamento entre as pessoas simplesmente por suas expressões, movimentos e gestos. Você ficará surpreso com o quanto será capaz de deduzir. Saúde também conta Além da postura que o ajuda a ensinar, existe aquela que evita problemas no futuro. Seu corpo pode começar a reclamar mais cedo do que imagina. Má postura ao sentar ou caminhar pode causar desde dores até invalidez após alguns anos. Então, a primeira regra é não se permitir ficar muito tempo em uma mesma posição. Se estiver há mais de uma hora sentado, levante-se. Se estiver há mais de uma hora parado, em pé, ande um pouco. Acompanhe outras dicas:
  • 44. 44 Quando estiver sentado, procure não ficar com os ombros caídos. O encosto reto da cadeira ajuda a manter a coluna ereta, evitando dores nas costas. Nunca suba escadas com a coluna inclinada para a frente. Suba com a coluna ereta e o pé completamente apoiado no chão. Para erguer qualquer objeto do chão, o correto é flexionar os joelhos e manter a coluna ereta; o peso deve ficar o mais próximo possível do tronco. Não durma de bruço. Prefira dormir de lado ou de barriga para cima. Não carregue, em nenhuma hipótese, peso na cabeça. O ideal é dividir o peso proporcionalmente para os dois lados do corpo. Preste bastante atenção às condições do piso antes de carregar qualquer peso, para evitar tropeções, escorregões e torções.
  • 45. 45
  • 46. 46 NETO, Brasílio Andrade. A aula que você dá enão vê. Profissão Mestre. Curitiba, n.40, p.14-17. Prática educativa, Pedagogia e Didática Iniciamos nosso estudo de Didática situando-a no conjunto dos conhecimentos pedagógicos e esclarecendo seu papel na formação profissional para o exercício do magistério. Do mesmo modo que o professor, na fase inicial de cada aula, deve propor e examinar com os alunos os objetivos, conteúdos e atividades que serão desenvolvidos, preparando-os para o estudo da disciplina, este texto também contém o delineamento dos temas, indicando objetivos a alcançar no processo de assimilação consciente de conhecimentos e habilidades. Este texto tem como objetivos compreender a Didática como um dos ramos de estudo da Pedagogia, justificar a subordinação do processo didático a finalidades educacionais e indicar os conhecimentos teóricos e práticos necessários para orientar a ação pedagógico-didática na escola. Consideraremos, em primeiro lugar, que o processo de ensino — objeto de estudo da Didática — não pode ser tratado como atividade restrita ao espaço da sala de aula. O trabalho docente é uma das modalidades específicas da prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Para compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso considerá- lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade. A ciência que investiga a teoria e a prática da educação nos seus vínculos com a prática social global é a Pedagogia. Sendo a Didática uma disciplina que estuda os objetivos, os conteúdos, os meios e as condições do processo de ensino tendo em vista finalidades educacionais, que são sempre sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma disciplina pedagógica. Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais, políticos, econômicos, psicológicos, para descrever e explicar o fenômeno educativo, a Pedagogia recorre à contribuição de outras ciências como a Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Economia. Esses estudos acabam por convergir na Didática, uma vez que esta reúne em seu campo de conhecimentos objetivos e
  • 47. 47 modos de ação pedagógica na escola. Além disso, sendo a educação uma prática social que acontece numa grande variedade de instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação de massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se disciplinas propriamente pedagógicas tais como a Teoria da Educação, Teoria da Escola, Organização Escolar, destacando- se a Didática como Teoria do Ensino. Nesse conjunto de estudos indispensáveis à formação teórica e prática dos professores, a Didática ocupa um lugar especial. Com efeito, a atividade principal do profissional do magistério é o ensino, que consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a aprendizagem escolar dos alunos. É em função da condução do processo de ensinar, de suas finalidades, modos e condições, que se mobilizam os conhecimentos pedagógicos gerais e específicos. Neste texto serão tratados os seguintes temas: 1- Prática educativa e sociedade; 2- Educação, instrução e ensino; 3- Educação Escolar, Pedagogia e Didática; 4- Didática e a formação profissional dos professores. Prática educativa e sociedade O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social. A educação — ou seja, a prática educativa — é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e
  • 48. 48 transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade. Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam através de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente;neste sentido, a prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da organização econômica, política e legal de uma sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência humana. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais. Os estudos que tratam das diversas modalidades de educação costumam caracterizar as influências educativas como não- intencionais e intencionais. A educação não-intencional refere-se às influências do contexto social e do meio ambiente sobre os indivíduos. Tais influências, também denominadas de educação informal, correspondem a processos de aquisição de conhecimentos, experiências, idéias, valores, práticas, que não estão ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e conscientes. São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos
  • 49. 49 grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade. A educação intencional refere-se a influências em que há intenções e objetivos definidos conscientemente, como é o caso da educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade, uma consciência por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, o professor, ou os adultos em geral — estes, muitas vezes, invisíveis atrás de um canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do computador etc. Há métodos, técnicas, lugares e condições específicas prévias criadas deliberadamente para suscitar idéias, conhecimentos, valores, atitudes, comportamentos. São muitas as formas de educação intencional e, conforme o objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não- formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados, dos meios de comunicação de massa etc.) e da educação formal que se realiza nas escolas ou outras agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos, empresas) implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educação intencional por ser suporte e requisito delas. Com efeito, é a escolarização básica que possibilita aos indivíduos aproveitar e interpretar, consciente e criticamente, outras influências educativas. É impossível, na sociedade atual, com o progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, e com o peso cada vez maior de outras influências educativas (mormente os meios de comunicação de massa), a participação efetiva dos indivíduos e grupos nas decisões que permeiam a sociedade sem a educação intencional e sistematizada provida pela educação escolar. As formas que assume a prática educativa, sejam não- intencionais ou intencionais, formais ou não-formais, escolares ou extra-escolares, se interpenetram. O processo educativo, onde quer que se dê, é sempre contextualizado social e politicamente; há uma subordinação à sociedade que lhe faz exigências, determina objetivos e lhe provê condições e meios de ação.
  • 50. 50 Vejamos mais de perto como se estabelecem os vínculos entre sociedade e educação. Conforme dissemos, a educação é um fenômeno social. Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com interesses distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto na organização econômica e política quanto na prática educativa. Assim, as finalidades e meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmica das relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente determinados. Que significa a expressão “a educação é socialmente determinada”? Significa que a prática educativa, e especialmente os objetivos e conteúdos do ensino e o trabalho docente, estão determinados por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. Com efeito, a prática educativa que ocorre em várias instâncias da sociedade — assim como os acontecimentos da vida cotidiana, os fatos políticos e econômicos etc. — é determinada por valores, normas e particularidades da estrutura social a que está subordinada. A estrutura social e as formas sociais pelas quais a sociedade se organiza são uma decorrência do fato de que, desde o início da sua existência, os homens vivem em grupos; sua vida está na dependência da vida de outros membros do grupo social, ou seja, a história humana, a história da sua vida e a história da sociedade se constituem e se desenvolvem na dinâmica das relações sociais. Este fato é fundamental para se compreender que a organização da sociedade, a existência das classes sociais, o papel da educação estão implicados nas formas que as relações sociais vão assumindo pela ação prática concreta dos homens. Desde o início da história da humanidade, os indivíduos e grupos travam relações recíprocas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência. Essas relações vão passando por transformações, criando novas necessidades, novas formas de organização do trabalho e, especificamente, uma divisão do trabalho conforme sexo, idade, ocupações, de modo a existir uma distribuição das atividades entre os envolvidos no processo de trabalho. Na história da
  • 51. 51 sociedade, nem sempre houve uma distribuição por igual dos produtos do trabalho, tanto materiais quanto espirituais. Com isso, vai surgindo nas relações sociais a desigualdade econômica e de classes. Nas formas primitivas de relações sociais, os indivíduos têm igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas etapas seguintes da história da sociedade, cada vez mais se acentua a distribuição desigual dos indivíduos em distintas atividades, bem como do produto dessas atividades. A divisão do trabalho vai fazendo com que os indivíduos passem a ocupar diferentes lugares na atividade produtiva. Na sociedade escravista, os meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo) são propriedades dos donos de terras; na sociedade feudal, os trabalhadores (servos) são obrigados a trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos. Séculos mais tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma divisão entre os proprietários privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem a sua força de trabalho para obter os meios da sua subsistência, os trabalhadores que vivem do salário. As relações sociais no capitalismo são, assim, fortemente marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo de produção. A classe social proprietária dos meios de produção retira seus lucros da exploração do trabalho da classe trabalhadora. Esta, à qual pertencem cerca de 70% da população brasileira, é obrigada a trocar sua capacidade de trabalho por um salário que não cobre as suas necessidades vitais e fica privada também da satisfação de suas necessidades espirituais e culturais. A alienação econômica dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores, que é ao mesmo tempo uma alienação espiritual, determina desigualdade social e conseqüências decisivas nas condições de vida da grande maioria da população trabalhadora. Este é o traço fundamental do sistema de organização das relações sociais em nossa sociedade. A desigualdade entre os homens, que na origem é uma desigualdade econômica no seio das relações entre as classes sociais, determina não apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas também a diferenciação no acesso à cultura espiritual, à educação. Com efeito, a classe
  • 52. 52 social dominante retém os meios de produção material como também os meios de produção cultural e da sua difusão, tendendo a colocá-la a serviço dos seus interesses. Assim, a educação que os trabalhadores recebem visa principalmente prepará-los para trabalho físico, para atitudes conformistas, devendo contentar-se com uma escolarização deficiente. Além disso, a minoria dominante dispõe de meios de difundir a sua própria concepção de mundo (idéias, valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para justificar, ao seu modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a sociedade capitalista. Tais idéias, valores e práticas, apresentados pela minoria dominante como representativos dos interesses de todas as classes sociais, são o que se costuma denominar de ideologia. O sistema educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agências de formação profissional, os meios de comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse da ideologia dominante. A prática educativa, portanto, é parte integrante da dinâmica das relações sociais, das formas da organização social. Suas finalidades e processos são determinados por interesses antagônicos das classes sociais. No trabalho docente, sendo manifestação da prática educativa, estão presentes interesses de toda ordem — sociais, políticos, econômicos, culturais — que precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é preciso compreender, também, que as relações sociais existentes na nossa sociedade não são estáticas, imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez que se constituem pela ação humana na vida social. Isso significa que as relações sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a minoria dominante que põe em prática os seus interesses. Também as classes trabalhadoras podem elaborar e organizar concretamente os seus interesses e formular objetivos e meios do processo educativo alinhados com as lutas pela transformação do sistema de relações sociais vigente. O que devemos ter em mente é que uma educação voltada para os interesses majoritários da sociedade efetivamente se defronta com limites impostos pelas relações de poder no seio da sociedade. Por isso mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente implica a luta pela modificação dessas relações de poder.
  • 53. 53 Fizemos essas considerações para mostrar que a prática educativa, a vida cotidiana, as relações professor-alunos, os objetivos da educação, o trabalho docente, nossa percepção do aluno estão carregados de significados sociais que se constituem na dinâmica das relações entre classes, entre raças, entre grupos religiosos, entre homens e mulheres, jovens e adultos. São os seres humanos que, na diversidade das relações recíprocas que travam em vários contextos, dão significado às coisas, às pessoas, às idéias; é socialmente que se formam idéias, opiniões, ideologias. Este fato é fundamental para compreender como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se organiza e como encaminha a prática educativa através dos seus conflitos e suas contradições. Para quem lida com a educação tendo em vista a formação humana dos indivíduos vivendo em contextos sociais determinados, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais reais implicadas em cada acontecimento, em cada situação real da sua vida e da sua profissão, em cada matéria que ensina como também nos discursos, nos meios de comunicação de massa, nas relações cotidianas na família e no trabalho. O campo específico de atuação profissional e política do professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas representam uma significativa contribuição para a formação de cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais se diversificam as formas de educação extra-escolar e quanto mais a minoria dominante refina os meios de difusão da ideologia burguesa, tanto mais a educação escolar adquire importância, principalmente para as classes trabalhadoras. Vê-se que a responsabilidade social da escola e dos professores é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à compreensão da realidade social e à atividade prática na profissão, na política, nos movimentos sociais. Tal como a educação, também o ensino é determinado socialmente. Ao
  • 54. 54 mesmo tempo em que cumpre objetivos e exigências da sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a constituem, o ensino cria condições metodológicas e organizativas para o processo de transmissão e assimilação de conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais e processos mentais dos alunos tendo em vista o entendimento crítico dos problemas sociais. Educação, instrução e ensino Antes de prosseguirmos nossas considerações, convém esclarecer o significado dos termos educação, instrução e ensino. Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas — físicas, morais, intelectuais, estéticas — tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais. A educação corresponde, pois, a toda modalidade de influências e inter-relações que convergem para a formação de traços de personalidade social e do caráter, implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da vida prática. Nesse sentido, educação é instituição social que se ordena no sistema educacional de um país, num determinado momento histórico; é um produto, significando os resultados obtidos da ação educativa conforme propósitos sociais e políticos pretendidos; é processo por consistir de transformações sucessivas tanto no sentido histórico quanto no de desenvolvimento da personalidade. A instrução se refere à formação intelectual, formação e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados. O ensino corresponde a ações, meios e condições para realização da instrução; contém, pois, a instrução. Há uma relação de subordinação da instrução à educação, uma vez que o processo e o resultado da instrução são orientados para o desenvolvimento das qualidades específicas da personalidade. Portanto, a instrução, mediante o ensino, tem resultados formativos quando converge para o objetivo educativo, isto é, quando os conhecimentos, habilidades e capacidades
  • 55. 55 propiciados pelo ensino se tornam princípios reguladores da ação humana, em convicções e atitudes reais frente à realidade. Há, pois, uma unidade entre educação e instrução, embora sejam processos diferentes; pode-se instruir sem educar, e educar sem instruir; conhecer os conteúdos de uma matéria, conhecer os princípios morais e normas de conduta não leva necessariamente a praticá-los, isto é, a transformá-los em convicções e atitudes efetivas frente aos problemas e desafios da realidade. Ou seja, o objetivo educativo não é um resultado natural e colateral do ensino, devendo-se supor por parte do educador um propósito intencional e explícito de orientar a instrução e o ensino para objetivos educativos. Cumpre acentuar, entretanto, que o ensino é o principal meio e fator da educação — ainda que não o único — e, por isso, destaca-se como campo principal da instrução e educação. Neste sentido, quando mencionamos o termo educação escolar, referimos-nos a ensino. Conforme estudaremos adiante, a educação é o objeto de estudo da Pedagogia, colocando a ação educativa como objeto de reflexão, visando descrever e explicar sua natureza, seus determinantes, seus processos e modos de atuar. O processo pedagógico orienta a educação para as suas finalidades específicas, determinadas socialmente, mediante a teoria e a metodologia da educação e instrução. O trabalho docente — isto é, a efetivação da tarefa de ensinar — é uma modalidade de trabalho pedagógico e dele se ocupa a Didática. Educação escolar, Pedagogia e Didática Como vimos, a atividade educativa acontece nas mais variadas esferas da vida social (nas famílias, nos grupos sociais, nas instituições educacionais ou assistenciais, nas associações profissionais, sindicais e comunitárias, nas igrejas, nas empresas, nos meios de comunicação de massa etc.) e assume diferentes formas de organização. A educação escolar constitui-se num sistema de instrução e ensino com propósitos intencionais, práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligado intimamente às demais práticas sociais. Pela educação escolar democratizam-se os conhecimentos, sendo na escola que os trabalhadores continuam tendo a oportunidade de prover escolarização formal aos seus filhos, adquirindo conhecimentos científicos e formando a capacidade de pensar criticamente os problemas e desafios postos pela realidade social.
  • 56. 56 O processo educativo que se desenvolve na escola pela instrução e ensino consiste na assimilação de conhecimentos e experiências acumulados pelas gerações anteriores no decurso do desenvolvimento histórico-social. Entretanto, o processo educativo está condicionado pelas relações sociais em cujo interior se desenvolve; e as condições sociais, políticas e econômicas aí existentes influenciam decisivamente o processo de ensino e aprendizagem. As finalidades educativas subordinam-se, pois, as escolhas feitas frente a interesses de classe determinados pela forma de organização das relações sociais. Por isso, a prática educativa requer uma direção de sentido para a formação humana dos indivíduos e processos que assegurem a atividade prática que lhes corresponde. Em outras palavras, para tornar efetivo o processo educativo, é preciso dar- lhe uma orientação sobre as finalidades e meios da sua realização, conforme opções que se façam quanto ao tipo de homem que se deseja formar e ao tipo de sociedade a que se aspira. Esta tarefa pertence à Pedagogia como teoria e prática do processo educativo. A Pedagogia é um campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa detenninada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social. Uma vez que a prática educativa é o processo pelo qual são assimilados conhecimentos e experiências acumulados pela prática social da humanidade, cabe à Pedagogia assegurá-lo, orientando-o para finalidades sociais e políticas, e criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo. O caráter pedagógico da prática educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no processo de formação humana, através de objetivos e meios estabelecidos por critérios socialmente determinados e que indicam o tipo de homem a formar, para qual sociedade, com que propósitos. Vincula-se, pois, a opções sociais e políticas referentes ao papel da educação num deteminado sistema de relações sociais. A partir daí a Pedagogia pode dirigir e orientar a formulação de objetivos e meios do processo educativo.
  • 57. 57 Podemos, agora, explicitar as relações entre educação escolar, Pedagogia e ensino: a educação escolar, manifestação peculiar do processo educativo global; a Pedagogia como determinação do rumo desse processo em suas finalidades e meios de ação; o ensino como campo específico da instrução e educação escolar. Podemos dizer que o processo de ensino-aprendizagem é, fundamentalmente, um trabalho pedagógico no qual se conjugam fatores externos e internos. De um lado, atuam na formulação humana como direção consciente e planejada, através objetivos/conteúdos/métodos e formas de organização propostos pela escola e pelos professores; de outro, essa influência externa depende de fatores internos, tais como as condições físicas, psíquicas e sócio-culturais dos alunos. A Pedagogia, sendo ciência da e para a educação, estuda a educação, a instrução e o ensino. Para tanto se compõe de ramos de estudo próprios como a Teoria da Educação, a Didática, a Organização Escolar e a História da Educação e da Pedagogia. Ao mesmo tempo, busca em outras ciências os conhecimentos teóricos e práticos que concorrem para o esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas a Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Biologia da Educação, Economia da Educação e outras. O conjunto desses estudos permite aos futuros professores uma compreensão global do fenômeno educativo, especialmente de suas manifestações no ámbito escolar. Essa compreensão diz respeito a aspectos sócio-políticos da escola na dinâmica das relações sociais; dimensões filosóficas da educação (natureza, significado e finalidades, em conexão com a totalidade da vida humana); relações entre a prática escolar e a sociedade no sentido de explicitar objetivos político-pedagógicos em condições históricas e sociais determinadas e as condições concretas do ensino; o processo do desenvolvimento humano e o processo da cognição; bases científicas para seleção e organização dos conteúdos, dos métodos e formas de organização do ensino; articulação entre a mediação escolar de objetivos/conteúdos/métodos e os processos internos atinentes ao ensino e à aprendizagem.
  • 58. 58 A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos sócio- políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. A Didática está intimamente ligada à Teoria da Educação e à Teoria da Organização Escolar e, de modo muito especial, vincula-se à Teoria do Conhecimento e à Psicologia da Educação. A Didática e as metodologias específicas das matérias de ensino formam uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A Didática trata da teoria geral do ensino. As metodologias específicas, integrando o campo da Didática, ocupam-se dos conteúdos e métodos próprios de cada matéria na sua relação com fins educacionais. A Didática, com base em seus vínculos com a Pedagogia, generaliza processos e procedimentos obtidos na investigação das matérias específicas, das ciências que dão embasamento ao ensino e à aprendizagem e das situações concretas da prática docente. Com isso, pode generalizar para todas as matérias, sem prejuízo das peculiaridades metodológicas de cada uma, o que é comum e fundamental no processo educativo escolar. Há também estreita ligação da Didática com os demais campos do conhecimento pedagógico. A Filosofia e a História da Educação ajudam a reflexão em torno das teorias educacionais, indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos da prática educativa. A Didática e a formação profissional do professor A formação profissional do professor é realizada nos cursos de Habilitação ao Magistério em nível superior. Compõe-se de um conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos objetivos e conteúdos devem confluir para uma unidade teórico- metodológica do curso. A formação profissional é um processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-
  • 59. 59 científica e técnica do professor para dirigir competentemente o processo de ensino. A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teórico-científica, incluindo a formação acadêmica específica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pedagogia que contribuem para o esclarecimento do fenômeno educativo no contexto histórico-social; a formação técnico- prática visando à preparação profissional específica para a docência, incluindo a Didática, as metodologias específicas das matérias, a Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras. A organização dos conteúdos da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de modo algum significa considerá- los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são necessariamente referidas à prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados no âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo, os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo tempo em que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática. A formação profissional do professor implica, pois, uma contínua interpenetração entre teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática e a ação prática orientada teoricamente. Nesse entendimento, a Didática se caracteriza como mediação entre as bases teórico-científicas da educação escolar e a prática docente. Ela opera como que uma ponte entre o "o quê" e o "como" do processo pedagógico escolar. A teoria pedagógica orienta a ação educativa escolar mediante objetivos, conteúdos e tarefas da formação cultural e científica, tendo em vista exigências sociais concretas; por sua vez, a ação educativa somente pode realizar-se pela atividade prática do professor, de modo que as situações didáticas concretas requerem o "como"
  • 60. 60 da intervenção pedagógica. Este papel de síntese entre a teoria pedagógica e a prática educativa real assegura a interpenetração e interdependência entre fins e meios da educação escolar e, nessas condições, a Didática pode constituir-se em teoria do ensino. O processo didático efetiva a mediação escolar de objetivos, conteúdos e métodos das matérias de ensino. Em função disso, a Didática descreve e explica os nexos, relações e ligações entre o ensino e a aprendizagem; investiga os fatores co-determinantes desses processos; indica princípios, condições e meios de direção do ensino, tendo em vista a aprendizagem, que são comuns ao ensino das diferentes disciplinas de conteúdos específicos. Para isso recorre às contribuições das ciências auxiliares da Educação e das próprias metodologias específicas. É, pois uma matéria de estudo que integra e articula conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas de formação acadêmica, formação pedagógica e formação técnico- prática, provendo o que é comum, básico e indispensável para o ensino de todas as demais disciplinas de conteúdo. A formação profissional para o magistério requer, assim, uma sólida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende de vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. É verdade que muitos professores manifestam especial tendência e gosto pela profissão, assim como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no desempenho profissional. Entretanto, o domínio das bases teórico-científicas e técnicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganhe base para pensar sua prática e aprimore sempre mais a qualidade do seu trabalho. Entre os conteúdos básicos da Didática figuram os objetivos e tarefas do ensino na nossa sociedade. A Didática se baseia numa concepção de homem e sociedade e, portanto, subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação escolar a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira. O processo de ensino é uma atividade conjunta de professores e alunos, organizado sob a direção do professor, com a finalidade de prover as condições e meios pelos quais os alunos assimilam
  • 61. 61 ativamente conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções. Este é o objeto de estudo da Didática. Sugestões para estudo Perguntas para o trabalho independente do aluno 1) Por que a educação é um fenômeno e um processo social? 2) Explicar as relações entre a definição de educação em sentido mais amplo e em sentido estrito. 3) Podemos falar que nas associações civis, nas associações de bairro, nos movimentos sociais etc., ocorre uma ação pedagógica? 4) Que significa afirmar que o ensino tem um caráter pedagógico? 5) Dar uma definição de educação com suas próprias palavras. 6) Explicar a afirmação: "Não há fato da vida social que possa ser explicado por si mesmo". 7) Qual é a finalidade social do ensino? Qual o papel do professor? 8) Quais as relações entre Pedagogia e Didática? 9) Por que se afirma que a Didática é o eixo da formação profissional? LIBÂNEO, José Carlos. DIDÁTICA. São Paulo: Cortez, 1994. Educação, o que é isso? Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza. (Guimarães Rosa)