1. Carta Aberta
de Sara Fidalgo
(Filha de uma Professora que não aguentou mais)
Avanço manual
2. Não sei se souberam de uma professora, em
Espinho, que se suicidou. Trabalhava na Sá Couto.
Tinha 55 anos e o marido é comentador na RTP1.
Envio-vos agora a carta da filha dela, para lerem.
Para os que são pais, mães ou filhos, alunos ou
professores, ou apenas pessoas, vale a pena ler e
pensar um bocadinho.
Ao nosso lado pode tantas vezes alguém que se
debate com um desespero que não vemos. Vamos
olhar mais uns para os outros? Uns pelos outros?
3. Carta a professores, alunos, pais, governantes,
cidadãos e quaisquer outros que possam sentir-se
tocados e identificados.
por Sara Fidalgo
Sexta-feira, 9 de Março de 2012 às 11:21·
4. As reformas na educação estão na boca do
mundo há mais anos do que os que conseguimos
recordar, chegando ao ponto de nem sabermos
como começaram, nem de onde vieram.
Confessando, sou apenas uma das que passou das
aulas de uma hora para as aulas de noventa
minutos e achei aquilo um disparate total.
Tirava-nos intervalos, tirava-nos momentos de
caçadinhas e de saltar à corda e obrigava-nos a
estar mais tempo sentados a ouvir sobre reis, rios,
palavras estrangeiras e números primos.
5. Depois veio o secundário e deixámos de ter
“folgas” porque passou a haver professores que
tinham que substituir os que faltavam e nós
ficávamos tristes. Não era porque não
queríamos aprender, era porque as “aulas de
substituição” nos cansavam mais do que as
outras. Os professores não nos conheciam,
abusávamos deles e era como voltar ao zero.
Eu era pequenina. E nunca me passou pela
cabeça pensar no lado dos professores.
Até ao dia 1 de Março.
6. Foi o culminar de tudo. Durante semanas e
semanas ouvi a minha mãe, uma das melhores
professoras de Inglês que conheci, o meu pilar, a
minha luz, a minha companhia, a encher a boca
séria com a palavra “depressão”. A seguir vinham
os tremores, as preocupações, as queixas de pais,
as crianças a quem não conseguimos chamar
crianças, porque são tão indisciplinadas que
parece que lhes falta a meninice. Acreditem ou
não, há pais que não sabem o que estão a criar.
7. Como dizia um amigo meu: “Antigamente,
fazíamos asneiras na escola e quando
chegávamos a casa levávamos uma chapada do
nosso pai ou da mãe. Hoje, os miúdos fazem
asneiras e os pais vão à escola para dar a dita
chapada nos professores”. Sim, nos professores.
Aqueles que tomam conta de tantos filhos cujos
pais não têm tempo nem paciência para os
educar. Sim, os professores que fazem de nós
adultos competentes, formados, civilizados.
Ou faziam, porque agora não conseguem.
8. A minha mãe levou a maior chapada de todas e
não resistiu. Desculpem o dramatismo, mas a
escola, o sistema educativo, a educação especial,
a educação sexual, as provas de aferição, e toda
aquela enormidade de coisas que não consigo
sequer enumerar, levaram deste mundo uma das
melhores pessoas que por cá andou.
E revolta-me não conseguir fazer-lhe justiça.
Professores e responsáveis pela educação, espero
que leiam isto e acordem, revoltem-se,
manifestem-se (ainda mais) mas…
9. … sobretudo, e acima de qualquer outra coisa,
conversem e ajudem-se uns aos outros. Levem a
história da minha mãe para as bocas do mundo,
para as conversas na sala dos professores e nos
intervalos, a história de uma mulher maravilhosa
que se suicidou, não por causa de uma vida
instável, não por causa de uma família
desestruturada, não por dificuldades económicas,
não por desgostos amorosos, mas por causa de
um trabalho que amava, ao qual se dedicou de
alma e coração durante 36 anos.
10. De todos os problemas que a minha mãe teve no
trabalho, desde que me conheço (todos os temos,
todos os conhecemos), nunca ouvi a palavra
“incapaz” sair da boca dela. Nunca a vi tão
indefesa, nunca a conheci como desistente,
nunca pensei ouvir “ando a enganar-me a mim
mesma e não sei ser professora”. Mas era
verdade. Ela soube. Ela foi. Ela ensinou
centenas de crianças, ela riu, ela fez o pino no
meio da sala de aulas, ela escreveu em quadros
a giz e depois em quadros eletrónicos.
11. Ela aprendeu as novas tecnologias. O que ela
não aprendeu foi a suportar a carga imensa e
descabida que lhe puseram sobre os ombros,
sem sentido rigorosamente nenhum.
Eu, pelo menos, não o consigo ver.
E, assim, me manifesto contra toda esta
gentinha que desvaloriza os professores mais
velhos, que os destrói e os obriga a adaptarem-
se a uma realidade que nunca conheceram. E
tudo isto de um momento para o outro, sem
qualquer tipo de preparação ou ajuda.
12. Esta, sim, é a minha maneira de me revoltar
contra aquilo que a minha mãe não teve forças
para combater. Quem me dera ter conseguido
aliviá-la, tirar-lhe aquela carga estupidamente
pesada e que ninguém, a não ser quem a vive,
compreende. Eu vivi através dela e nunca cheguei
a compreender. Professores, ajudem-se.
Conversem. E, acima de tudo, não deixem que a
educação seja um fardo, em vez de ser a profissão
que vocês escolheram com tanto amor.
13. Pensem no amor. E, com ele,
honrem a vida maravilhosa que
a minha mãe teve, até não
poder mais.
Sara Fidalgo
P.S. - Não posso deixar de agradecer a todos os
que nos ajudaram neste momento de dor*
14. M edita e divulga
T um dia fantástico e
em
especial.
-
quarta-feira, 13 de idalgo
Autoria do texto: Sara Ffevereiro de 2
Recebido por e-mail- Isi Graça
de:
M úsica : Leaves in the winter
(Ernesto Cortazar)