1. CADASTRO POSITIVO
No "Cadastro Positivo de Crédito", o comportamento financeiro do consumidor
fica registrado, sendo-lhe obviamente favorável se os seus débitos e
respectivos pagamentos tiverem sido efetuados dentro do prazo estabelecido
para tanto. Quanto mais pontual, mais confiável, portanto.
Esse sistema permite que o comportamento financeiro do consumidor seja
registrado e conhecido pelos fornecedores que intentam concedê-lo créditos, o
que permite maior segurança deste último nos seus negócios, já que o risco de
inadimplemento é menor se o "histórico" do interessado demonstrar seu
comprometimento com a satisfação de suas dívidas. Além dessa finalidade, o
sistema privilegiará os bons pagadores/cadastrados - permitindo que a esses
sejam concedidos créditos a taxas de juros menores - bem como aumentará a
segurança na concessão do crédito, permitindo o "aquecimento" do mercado
financeiro.
Para alguns, tal medida alcança o ideal de isonomia, já que os desiguais
seriam tratados de modo diverso, posto que os bons pagadores seriam
premiados com as melhores condições de financiamento e crédito.
Atente-se que a alteração proposta para a parte final do § 6º foi vista com bons
olhos pois, condicionando a inserção do consumidor no cadastro à sua
anuência expressa, eliminou grave ameaça a seus direitos e garantias
individuais.
Em que pese os consideráveis aspectos positivos da instituição do
mencionado cadastro, é relevante que se analise, do mesmo modo, a sua
"outra face”. Veja-se.
O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E LIBERDADE DE ESCOLHA
O primeiro efeito negativo da instituição "Cadastro Positivo de Crédito" seria o a
vinculação da análise do perfil do consumidor à sua presença ou não no
sistema, de modo que se considere "bom pagador" apenas aquele que aí
esteja presente. Quem não estivesse no cadastro, portanto, não seria
merecedor de condições creditícias personalizadas. A cruel consequência
desse silogismo seria a desconsideração da situação daqueles que tenham
saldado suas dívidas mediante pagamentos à vista, em que são dispensadas
as operações creditícias. Desse modo, esse tipo de consumidor, se
eventualmente tiver interesse em obter crédito, terá dificuldades, posto que
ausente do banco de dados do "Cadastro Positivo".
Outra consequência nefasta do citado cadastro seria a exposição da vida
financeira do consumidor que, "monitorado" pelo sistema, seria classificado em
determinado agrupamento mesmo que possuísse alto grau de endividamento,
mas plena capacidade de solvabilidade de seus débitos (sua a renda, portanto,
seria suficiente para quitá-los).
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2. Não tendo seus dados inseridos no cadastro, o consumidor não terá acesso a
nenhuma modalidade creditícia, o que leva a crer que seu direito de escolha,
preconizado no Código de Defesa do Consumidor, seria tolhido, uma vez que
estaria compelido a ceder seus dados pessoais para a obtenção do crédito
almejado. Leia-se:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e
serviços, asseguradas liberdade de escolha e igualdade nas contratações.
(negritou-se)
O que se vê, portanto, é que existe a possibilidade de que o consumidor tenha
cerceada sua liberdade de escolha ao ser tacitamente obrigado a fornecer
determinadas informações sobre sua vida financeira, bem como de que a ele
seja dispensado o mesmo tratamento dado a pessoas em situação
diferenciada. Em outras palavras, as garantias da liberdade de escolha e da
isonomia estariam sendo permanentemente ameaçadas.
DIREITO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE
Por consequência da aparente vinculação da figura do bom pagador àquele
que esteja inserido no banco de dados do "Cadastro Positivo de Crédito",
dessume-se que os direito à intimidade e à vida privada do consumidor
estariam sendo do mesmo modo aviltados, pois seus dados financeiros seriam
expostos e "devassados" por fornecedores ávidos em capturar as boas
oportunidades de negócio, com o menor risco possível.
Lembre-se que a última alteração proposta ao Projeto de Lei acerca da
necessária autorização prévia do consumidor para inclusão do seu nome
no cadastro, foi festejada, por ter lhe dado "poderes" para dispor do seu
interesse. No mesmo sentido, observe-se que a nova redação dada ao
dispositivo suprimiu a possibilidade de concessão de informações sobre as
características das obrigações contraídas, permitindo apenas a comunicação
acerca do seu adimplemento, o que também é salutar, por proteger, sob certo
aspecto, a privacidade do consumidor.
DA SUJEIÇÃO DO CONSUMIDOR
O CDC tem como pilar a consagração do postulado de que o consumidor é a
parte hipossuficiente da relação consumerista e por isso, a ele devem ser
dadas garantias de proteção contra os abusos que porventura venham a ser
manejados pelas instituições empresariais (artigo 4º, I, CDC).
O domínio das informações financeiras dos consumidores submetem os
mesmos ao "poder" das empresas que, sabedoras cada vez mais da vida
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3. financeira dos mesmos, terão subsídios para gerenciar políticas específicas,
tornando ainda mais vulnerável a parte mais desprotegida da relação de
consumo.
DO NECESSÁRIO JUÍZO DE PONDERAÇÃO
Viu-se que embora atenda ao interesse do mercado, tomado tanto do ponto de
vista do fornecedor, quanto do consumidor, por permitir a concessão de taxas
de juros personalizadas, além de dar maior segurança às relações instituídas,
aquecendo o mercado e possibilitando maior vulto de negociações com o
menor risco possível, a instituição do "Cadastro Positivo de Crédito" também
pode apresentar seu lado "negro", por possibilitar a ameaça de diversos
direitos consagrados não só no CDC, como na própria Carta Federal,
especialmente aqueles que tragam ínsito o ideal de proteção do consumidor, o
hipossuficiente da relação consumerista.
Em vista do conhecimento dos pontos positivos e negativos que envolvem a
questão, é necessário considerar que o "duelo" entre o direito à informação, à
livre iniciativa e ao desenvolvimento econômico e financeiro, de um lado, e do
outro, o direito de escolha, à intimidade, à vida privada, à dignidade da pessoa
humana, deve ser solucionado com a resposta mais adequada e equilibrada
possível, de modo a não se impedir o avanço dos mecanismos de aquecimento
da economia, bem como não se cometer um retrocesso, extirpando ou
comprometendo os avanços legais e sociais, tão arduamente conquistados, de
que gozam os consumidores na atualidade.
Tais impasses podem ser resolvidos com as respostas das seguintes
indagações: No conflito de princípios e valores, qual deles deve prevalecer
sobre o outro? E mais, como se chegar a uma solução comprometendo o
mínimo possível das garantias em conflito?
São essas questões que devem ter em mente o legislador pátrio ao elaborar a
norma definitiva, já que o cadastro positivo será altamente benéfico para a
sociedade, desde que seu uso se restrinja aos propósitos para os quais foi
criado, facilitando a concessão e obtenção de crédito e assim, estimulando a
economia, sem impor obstáculos à garantia dos direitos dos consumidores.
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