2. Discurso do Papa Urbano II em Clermont,
1095
“Dos confins de Jerusalém e da cidade de Constantinopla, uma estória
horrível tem se propagado e muito frequentemente chega aos nossos
ouvidos. A estória de uma raça do reino dos Persas, uma raça
amaldiçoada, uma raça profundamente alienada de Deus, uma geração
que não dirigiu seu coração e não confiou seu espírito a Deus, invadiu as
terras daqueles cristãos e as despovoou por espada, fogo e pilhagem. Eles
levaram alguns dos cativos para dentro de seu próprio país e alguns foram
mortos por torturas cruéis. […] Quando eles querem torturar pessoas até a
morte, eles perfuram seus umbigos e arrancam seus intestinos […] outros
são pregados em postos e perfurados com flechas […]
De quem é o trabalho de vingar esses erros e recuperar esse território, se
não de vocês? […] Se vocês se sentem presos pelo amor de seus filhos, pais e
esposas, lembrem o que Deus diz no Evangelho “aquele que ama seu pai e
sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim” […]
Quando um ataque armado for feito ao inimigo, deixe esse grito ser
levantado por todos os soldados de Deus: “Esta é a vontade de Deus! Esta é
a vontade de Deus!” […]
3. • Quatro anos depois desse discurso, Jerusalém foi
capturada pelos cristãos em um banho de sangue que
surpreendeu o mundo muçulmano; cada habitante foi
morto. Os cristãos mantiveram Jerusalém por 87 anos
até que ela foi recapturada por Saladino.
• Existem pelo menos 5 versões deste discurso. Todas as
versões concordam que o papa Urbano II, o primeiro
papa francês, falou ao ar livre para as pessoas comuns,
bem como para os líderes da igreja e nobres em 27 de
novembro de 1095 em Clermont, na França. De acordo
com todos os relatos, a multidão ficou profundamente
comovida com esse discurso poderoso.
4. A primeira Cruzada (1095 – 1099)
• É também conhecida como “Cruzada dos Nobres”. Foi
organizada durante o ano de 1096, com a partida dos
nobres no outono daquele mesmo ano. Em abril de
1097, estavam em Constantinopla solicitando o apoio
do imperador bizantino Aleixo Comneno.
• Os nobres tinham o objetivo de alcançar Antioquia e,
no caminho, tomaram a cidade de Nicéia, que estava
sob domínio turco. Continuam a sua jornada e seguem
o seu caminho rumo a Jerusalém.
• Os cruzados conseguem escalar as muralhas de
Jerusalém e invadem a Terra Santa, provocando um
massacre. Após a vitória, estabeleceram quatro estados
cristãos: o Condado de Edis, o Principado de
Antioquia, o Condado de Trípoli e o Reino de
Jerusalém.
5. A segunda Cruzada (1145 – 1148)
• Também conhecida como “Cruzada dos Reis”, foi
pregada por Eugênio III e São Bernardo, contando
com a participação do Rei Luis VII da França e
Conrado III da Alemanha.
• Esta cruzada não obteve êxito. O Rei Luis VII
atravessou o território inimigo em pleno inverno, o
que causou a morte de muitos homens devido ao
frio e à fome.
• Depois de outra tentativa falha, ao tentar sitiar
Damasco e cometer mais erros estratégicos, os
exércitos cruzados desistem e retornam para a
Europa.
6. A terceira Cruzada (1187 – 1192)
• Com o apoio do papa Inocêncio III, os reis Filipe
Augusto (França), Ricardo Coração de Leão
(Inglaterra) e Frederico Barba-Roxa (Sacro-
Império) resolveram partir para uma Nova
Cruzada.
• Barba-Roxa lutou e venceu os muçulmanos, mas,
logo depois morreu afogado ao atravessar um rio a
caminho de Jerusalém. Sem a sua liderança, o
enorme exército rapidamente se desintegrou.
• Após algumas batalhas, Jerusalém manteve-se sob
o poder dos turcos.
7. A quarta Cruzada (1202 – 1204)
• Não alcançou os objetivos cristãos, pois chegou a
Constantinopla, mas desistiu de seguir até Jerusalém.
Após a invasão a Constantinopla, os cruzados e
venezianos formaram o Império Latino de
Constantinopla, alcançando o domínio do monopólio
do comércio.
• A Cruzada das Crianças
• Em 1212 foi organizada uma expedição formada por
crianças, pois acreditava-se que, por serem puras (sem
pecados), elas seriam recompensadas por Deus.
• Durante o percurso até a Palestina, algumas crianças
afogaram-se numa tempestade e o restante foi vendida
como escravas.
8. A quinta Cruzada (1217 – 1221)
• Cristãos de vários reinos europeus se
reuniram em São João D’Arce para uma
nova tentativa de reconquistar Jerusalém.
Deixam o Egito sem alcançar o seu
objetivo.
9. A sexta Cruzada (1228 – 1229)
• Liderada por Frederico II, nesta expedição
os cruzados conseguiram negociar com os
muçulmanos, que também estavam
divididos e cansados das lutas. As
negociações duraram todo o inverno e
selou-se um acordo de paz, no qual os
cristãos conseguiram as cidades de
Jerusalém, Belém e Nazaré.
10. A sétima Cruzada (1248 – 1250)
• A conquista de Frederico foi breve
(Jerusalém foi reconquistada pelos
muçulmanos em 1234) e o Rei Luis IX
(França) resolve organizar uma nova
Cruzada.
• Não houve êxito na empreitada, e Luis e todo
seu exercito foram cercados e feito
prisioneiros. Os nobres pagaram pela sua
liberdade, já os demais foram vendidos como
escravos ou mortos em batalha.
11. A oitava Cruzada (1267 – 1272)
• No dia 2 de julho de 1270, as tropas francesas partem de Aigues-Mortes
em direção ao Oriente Médio, dando início à Oitava Cruzada. Chegaram
primeiramente no Egito, que estava dominado pelo sultão Bibars.
• Com o objetivo de converter os sultões ao Cristianismo, os cruzados
chegaram a deparar-se na mesma cidade que Maomé, que disse que iria
recebê-los de mãos armadas.
• Entretanto, mal o combate entre cristãos e muçulmanos iria se reiniciar,
uma peste que assolava a região do Túnis atacou o exército francês,
inclusive chegando a matar o rei Luís IX.
• Além do rei, grande parte do exército francês caiu com a peste,
incluindo um de seus filhos. O outro herdeiro, Filipe, o Audaz, tratou de
negociar a paz com os sultões e retornou à França, onde foi coroado rei
em 1271. Pela falta de conhecimento do local e pelas estratégias mal
traçadas na tentativa de converter os líderes muçulmanos ao
Cristianismo, a Oitava Cruzada foi, em sua essência, um grande fracasso
empreendido pelos franceses.
12.
13. As ordens de Cavaleiros
• A Ordem dos Cavaleiros Templários:
fundada em 1118 para proteger os peregrinos que
viajam à Terra Santa, se tornou uma das figuras
centrais nas Cruzadas, com cerca de 20.000
cavaleiros mortos. Os Templários respondiam
apenas às ordens do Papa em pessoa. A ordem
cresceu muito, até que nos anos 1300 foram
acusados pela Igreja, em meio a uma série de
dívidas que as coroas tinham para com eles, de
negarem a Cristo e cultuarem outros deuses. No
Concílio de Viena de 1312 a ordem foi oficialmente
dissolvida e as dívidas que existiam para com ela,
anuladas.
14. • A Ordem dos Cavaleiros
Teutônicos: Formada sobretudo por
nobres alemães, ela foi fundada em Acre
em 1190. Em 1198 se tornaram uma ordem
militar, com as famosas túnicas brancas e
cruzes pretas.
15. • A Ordem dos Cavaleiros Hospitaleiros:
Formada em 1110 por monges guerreiros.
Foram responsáveis por grandes avanços na
enfermagem, mas também foram uma ordem
militar. Começaram em Jerusalém, mas logo
se moveram para Acre (1187), Cyprus (1291),
Rhodes (1310) e Malta (1530). Em 1798
foram expulsos de Malta por Napoleão, mas
ainda existem hoje como os Cavaleiros de
Malta.
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17.
18. A Cruzada pelo olhar do Islã (fonte: COBB, Paul M. Race
for Paradise: An Islamic History of the Crusades)
• Os registros das Cruzadas por parte dos muçulmanos não são os mesmos
dos europeus pois eles não reconhecem as Cruzadas. Assim, momentos
como o início em 1095, com o Discurso de Clermont ou o final com a queda
de Acre em 1291 não são tão relevantes. Para eles, o início dos conflitos é
anterior, por volta de 1060, e o final é apenas com a conquista de
Constantinopla pelo Império Otomano, no século XV. a Civilização Islâmica
viveu, dos séculos IX ao XIV, seus anos de ouro, de Bagdá a Damasco a
Cairo. Houveram grandes avanços na matemática, astronomia e medicina.
• As próprias ideias da filosofia grego romana também estavam sendo
resgatadas e repensadas. A civilização muçulmana era maior, mais
urbanizada, mais saudável e com maior riqueza cultural que a cristã. Bagdá
possuía centenas de milhares de habitantes enquanto cidades como Paris e
Londres tinham cerca de 20.000 cada. A perspectiva dos ataques, então, é
de um povo de uma região marginal e subdesenvolvida (Europa
cristã) atacando a região de maior patrimônio cultural do mundo naquele
momento (mundo muçulmano).
19. • Jerusalém também era uma cidade sagrada
para os muçulmanos. Mais precisamente,
uma das três, ao lado de Meca e Medina.
• De ambos os lados do conflito
faltava conhecimento a respeito do outro lado
e os discursos de desumanização, de “nós e
eles” foram alguns dos principais elementos
responsáveis pelos grandes massacres
perpetrados pelos dois lados.
20. Apresentação da problemática
• As Cruzadas foram um movimento de luta contra o
inimigo da fé. Tanto a Cruzada (FRANCO JR, 1984, p.7)
como a Jihad (MAALOUF,1988, p.13) tinham o mesmo
sentido, por mais que não tivessem os mesmos objetivos
finais. Isso porque os cruzados cristãos tinham como um
dos objetivos recuperarem a Terra Santa das mãos dos
“infiéis”, enquanto os árabes islâmicos esperavam
alcançar uma união entre seus diversos líderes e rechaçar
os invasores ocidentais. Contudo, e ao contrário que o
senso comum acredita, esse movimento histórico não foi
simplesmente um embate entre dois lados
hermeticamente unidos, Cristandade e Islã, sob
liderança únicas e inquestionáveis.
21. • Os papas estavam longe demais da Palestina para terem
alguma liderança sobre aqueles exércitos. Eles eram, no
máximo, líderes morais e espirituais do movimento, mas,
mesmo sob esse aspecto, ele era questionado.
• Em quase todo o período das Cruzadas Orientais o
mundo muçulmano estava profundamente fragmentado.
A única liderança oficial existente era o Califado
Abássida de Bagdá, que há mais de um século era
dominado por generais e mantinham os califas como
seus “protegidos”. Enquanto isso, sultões e emires se
entrincheiravam em suas cidades, declarando-se seus
senhores e agindo conforme seus interesses. Somente
com Nuredin (1147-1174) e, posteriormente, Saladino
(1181-1193) que os muçulmanos conseguiram organizar
uma reação agregadora, mas, mesmo assim, a autoridade
deles era frágil e, por isso, tinham que constantemente
negociar com líderes locais.
22. O imaginário das Cruzadas
• Os poderes cristãos (reinos e Igreja) arranjaram nas Cruzadas um
escape para a violência dos cavaleiros, canalizado-a contra os inimigos
da cristandade em territórios sob a ameaça de forças islâmicas;
• Com tudo isso, esse movimento, fruto de um anseio coletivo que
motivou a deslocação de um grande grupo humano, não pode ser
simplesmente encarado sob a ótica da questão política e do poder. Além
dos reis, as Cruzadas também interessavam a grandes nobres e a
simples cavaleiros, bem como aos homens sem títulos;
• Foi estabelecida uma moral coerente da guerra, não sendo permitido
lutar a não ser dentro de limites específicos. Assim, como afirmou Duby,
a “Paz de Deus” pretendeu afastar do mundo cristão as forças agressivas
próprias da sociedade feudal, conduzindo-as contra os inimigos de
Deus, “os infiéis”. A guerra contra os inimigos da Fé era permitida e
ganhou o qualificativo de ser justa, tornando- -se convidativa e
justificando a prática guerreira fora da cristandade (DUBY,1993, p. 179-
180).
23. • Nesses dois séculos, como afirma Hilário Franco
Jr. (1984, p. 58), o quadro geral que impulsionou
as Cruzadas já tinha se modificado, levando o
movimento a perder seu sentido inicial e por isso
ser desacreditado, como bem mostra o pouco
entusiasmo dos cristãos pelas últimas Cruzadas.
• O ideal ainda permaneceu por um longo período,
mas, sem o espírito e as motivações “corretas”,
acabou não movimentando maiores contingentes
de nobres e soldados para a Terra Santa.
24. • A pretensa unidade não se estendia nem aos cruzados,
sendo que cada um tinha interesses diversos, muito
menos união e aliança entre os cruzados e os bizantinos,
uma das propostas de Urbano II, já que os primeiros
deveriam auxiliar os irmãos da fé orientais contra os
turcos que assolavam suas terras.
25. cristãos X cristãos
• Também houve contestação ao movimento
cruzadístico para o Oriente no próprio seio da
Cristandade Ocidental. Destes podemos citar
os escritos no Annales Herbipolenses, em que
foi feita uma forte crítica aos pregadores das
Cruzadas e os motivos individuais para os
homens se moverem a seu favor, mas
principalmente o fato de não se baterem
somente contra os muçulmanos, inimigos da
fé cristã, mas também se baterem contra os
próprios cristãos.
26. • A desconfiança bizantina em relação aos
cruzados, bem com o fato dos últimos se
baterem contra os próprios cristãos
bizantinos, que supostamente os cruzados
tencionavam auxiliar na luta contra os turcos,
pode ser notado já na primeira cruzada.
Antes dos cruzados jurarem fidelidade ao
imperador Aleixo, eles foram vistos com
maus olhos devido a sua atitude agressiva,
ataques e saques a cidades bizantinas cristãs
justificando uns poucos e ineficientes ataques
por forças imperiais contra eles.
27. • Nas obras de cronistas orientais podemos
notar o desespero dos bizantinos, que
apelaram a alianças com os muçulmanos
para tentar rechaçar o ataque dos cruzados
cristãos. Aliança que não foi firmada
naquele momento e que resultou na
conquista e saque de Constantinopla pelos
cruzados.
28. O olhar cristão
• Outra visão, presente em algumas das fontes, é a imagem
criada pelos cristãos dos muçulmanos, turcos e sarracenos, os
inimigos da “verdadeira fé”, povos que foram apresentados
com grande adjetivação negativa. Esse tipo de prática é
comum e possui uma explicação até certo ponto simples, pois
era preciso mostrar os inimigos como pessoas cruéis e sem
coração, inimigos da cristandade, entre outras
caracterizações. Essa visão exagerada e maliciosa tem
objetivos claros. É preciso mostrar que o inimigo não obedece
a Deus e assim sendo, não merece tolerância. Esse tipo de
imagem criada sobre os muçulmanos também vem dar
respaldo às ações militares dos cruzados. Por mais violentas e
intolerantes que tenham sido as conquistas cristãs, a partir
dessas caracterizações os muçulmanos eram ainda mais
intolerantes e violentos, sendo os bárbaros e os cristãos os
detentores da civilização.
29. O olhar muçulmano
• Ana Comeno, ao descrever a posição dos turcos frente aos
ocidentais, relata que os cruzados eram vistos como uma
horda de bárbaros, desorganizados, uma massa de pessoas
sem destino certo, corruptíveis a qualquer demonstração de
vantagens financeiras.
• Pela concepção dos autores ocidentais podemos dizer que a
cruzada era um movimento embasado numa ideia. Quanto à
visão oriental dessas mesmas cruzadas, pode-se dizer que não
aceitaram tais movimentos de maneira tão omissa como
costuma se imaginar.
30. Sobre as fontes
• É preciso ter em mente que as fontes possuem um caráter
absolutamente autoral, não se desvencilhando de seus autores e
contextos. Ou seja, não relatam imparcialmente nenhum fato. Com
isso percebemos que nem todas as argumentações são totalmente
verossímeis, sendo necessário um cruzamento das diversas
informações e uma reflexão sobre seu contexto e autores. Ora, não
existe um compromisso, ou, se não um compromisso, uma
fiscalização e nem uma concepção de História como a
compreendemos hoje, para que o passado tenha sido
“verdadeiramente” relatado. No caso apresentado, o único
compromisso existente era aquele com sua fé, ou sua posição em
relação aos movimentos cruzadísticos. Assim, os autores das fontes
argumentaram e, certamente, relataram as cruzadas de acordo com
suas opiniões.
31. • Fica patente a imprecisão em relação à união e às
dissensões entre os cruzados, na medida em que se
torna difícil saber até que ponto elas são fiéis aos
fatos. O que pudemos observar é que esta união se
mantinha até o ponto em que era conveniente aos
participantes das Cruzadas, mas no ritmo em que
os interesses divergiam estas uniões já eram
transformadas em dissensões, inclusive entre os
próprios cruzados. Isso demonstra como as
cruzadas não eram somente voltadas para o lado
ideológico, mas os líderes do movimento também
levaram em conta questões de ordem prática,
como a busca por riquezas e por mais poder.