O documento discute duas questões: 1) Como garantir tratamento equânime em Ofertas Públicas de Aquisição para proteger acionistas minoritários; 2) A influência da internet e protestos na China desafiando a censura, apesar da vigilância do governo sobre a mídia.
1. Segunda-feira, 28 de janeiro, 2013 Brasil Econômico 39
PONTO DE VISTA
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JOÃO MARIN GABRIEL ROSSI
Sócio do MZ Group Estrategista de marketing digital e palestrante
Como garantir tratamento A influência da internet
equânime em OPAs? e a censura na China
As Ofertas Públicas de Aquisição, ou simplesmente “OPAs”, estão se tornan- A data, 7 de janeiro de 2013. A cena, dezenas de estudantes segurando car-
do cada vez mais comuns, principalmente para o cancelamento de registro tazes de protestos contra a censura. O local, inusitado, a cidade de Cantão,
de companhia aberta. Em 2012, por exemplo, tivemos a Redecard, CCDI e o capital da província de Guangdong, na China. O fato, apesar de ter passado
início do movimento da Amil, dada a associação com a United Health. Esse em notas de rodapé na imprensa mundial, mostra que há luz no fim do tú-
tipo de operação se dá por uma decisão do acionista controlador ou da Com- nel, que a China não é mais a mesma caixa trancada e a internet tem se
panhia, por meio de uma AGE. transformado na ferramenta de libertação de amarras. Com mais de 1,3 bi-
Assim como a abertura de capital (IPO), a decisão da OPA envolve uma sé- lhão de habitantes, a China vive uma crise existencial que se reflete no
rie de avaliações dos prós e contras da companhia para se manter listada em mundo virtual e nas redes sociais. O país continua com restrições à liberda-
bolsa. A obrigatoriedade da realização de uma OPA para a aquisição da totali- de de imprensa e da imposição de obstáculos ao livre uso da web. Mas o ato
dade das ações em circulação, como condição para o fechamento de capital, do início do ano aponta que, pela primeira vez na história recente, houve
existe para proteger os acionistas minoritários. O objetivo é evitar que conti- espaço para protestos sem retaliação na China e que o movimento só ga-
nuem sócios de uma empresa fechada. nhou as ruas por causa da internet.
O cancelamento do registro de companhia aberta ocorre quando os titula- O protesto em Cantão é parte de uma crescente mobilização popular pela
res das ações em circulação, que concordam com a OPA, representem mais liberdade de imprensa e um teste em relação ao compromisso do novo líder
de 2/3. Caso o volume restante de ações em circulação seja menor que 5%, a máximo da China, Xi Jinping, com as reformas no país. Essa mobilização tem
companhia pode, em uma AGE, optar pelo resgate automático (squeeze out). ganhado força por causa dos internautas, que, mesmo censurados, conse-
Como atingir esse público para que o tratamento seja realmente equânime guem espaço. A insatisfação surgiu no primeiro final de semana do ano, quan-
e maximizar a disseminação das informações sobre a OPA? do repórteres do influente Semanário do Sul acusaram censores de alterarem
Acionistas não necessariamente acompanham de perto suas investidas: as uma mensagem de Ano Novo aos leitores, em que a defesa de um governo
companhias não podem esquecer que a base acionária é composta de milha- constitucional foi substituída por palavras de louvor ao Partido Comunista.
res de minoritários e que uma porcentagem desses acionistas tem suas ações
como investimentos comparáveis a poupanças, sequer acompanham o site
de RI e da CVM, o extrato mensal de suas corretoras e muito menos seções de
publicidade legal em jornais. Esta é a realidade em um mercado onde investi- A China mantém intenso monitoramento de
mentos em renda variável, por pessoas físicas, não é prática comum como reportagens, artigos e, hoje em dia, posts na
em mercados mais maduros.
internet. Mas como controlar o universo on-line?
Oferta Pública de Aquisição exige esforços extras e Os manifestantes empunharam cartazes manuscritos dizendo que “liber-
requer programa especial de comunicação. Por isso, dade de expressão não é crime” e que “os chineses querem liberdade”. Mui-
tos portavam crisântemos amarelos, simbolizando luto pela liberdade de im-
deve-se buscar abordagem mais personalizada prensa. O jornal não é um defensor ferrenho da liberdade de expressão. Ao
contrário: os dirigentes do veículo logo partiram para a defesa, alegando que
“os rumores pela internet eram falsos”. Mas muitos jornalistas se desvincula-
Transcenda a obrigatoriedade legal: uma OPA exige esforços extras e re- ram dessa declaração e iniciaram uma greve. E cartas abertas passaram a cir-
quer um programa especial de comunicação. Deve-se buscar uma aborda- cular em sites e redes sociais pedindo a demissão do chefe de propaganda da
gem mais personalizada. Para tal, sugiro que a companhia faça a atualização província, Tuo Zhen, acusado de amordaçar a imprensa.
dos dados cadastrais da base acionária fornecida pelo custodiante; planeje A China mantém intenso monitoramento de reportagens, artigos e, hoje
uma ação de envio de correspondências para esclarecer todo o procedimen- em dia, posts na internet. Mas como controlar o universo on-line? Enquan-
to e informar o maior número possível de acionistas sobre a Oferta; efetue to existirem pessoas com desejo de fazer ecoar a sua indignação vista e capa-
ações conjuntas de call center ativo e passivo para informar os acionistas, ga- zes de burlar os censores chineses, esse controle é impossível.
rantindo o fluxo de informações sobre a operação e como forma de esclareci- A mais influente intelectual tibetana Tsering Woeser possui um blog cha-
mento de dúvidas; e aumente a capilaridade da informação por meio de re- mado “Invisible Tibet”. Recentemente acusou as autoridades de Lhasa, a ca-
des sociais e ferramentas mobile. pital tibetana, de segregação racial, acolhendo os visitantes chineses da et-
Em relação ao planejamento e canal aberto com os reguladores, essas nia han para a cidade, mas não tibetanos. O blog tem sido a fonte de jornalis-
ações devem entrar no planejamento da OPA desde o início, sempre com o tas estrangeiros sobre a tensa relação entre Tibete e China que se prolonga
aval e acompanhamento da CVM, para que sejam estruturadas no tempo cer- há anos. Tais mudanças na China podem parecer um assunto longínquo,
to e estejam alinhadas com as etapas legais da oferta. Dessa forma a compa- mas hoje a segunda maior economia do mundo afeta a vida de todos. O con-
nhia pode minimizar esforços posteriores à conclusão da OPA, como por sumo no mundo pode ser afetado por uma internet livre e acessível na Chi-
exemplo, manter um canal exclusivo de atendimento aos acionistas que ain- na. Muitos têm a ganhar — em especial o Brasil, dependente direto do consu-
da precisam entender o histórico da companhia e o motivo das suas ações mo chinês. A boa notícia é que há uma fagulha no palheiro. E que o governo,
“poupança” não aparecerem mais em sua carteira. por pressão popular, tem dado ar à fagulha. Que bom começo.
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