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ALLAN KARDEC
SUA VIDA E SUA OBRA
ANDRÉ DUMAS
PENSE - PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA
www.viasantos.com/pense
ANDRÉ DUMAS
Secretário da Union des Sociétés Francophones
pour l'Investigation Psyquique et l'Étude de la
Survivance (USFIPES) Paris - França
ALLAN KARDEC
SUA VIDA E SUA OBRA
ESTUDOS PSÍQUICOS EDITORA
Titulo original:
Allan Kardec, sa vie et son oeuvre
Tradução de:
Maria Raquel Duarte dos Santos
Direitos reservados em língua portuguesa
Edição de:
Estudos Psíquicos Editora
Rua do Salitre, 149, 1°, Dir.
1200 Lisboa - Portugal
Tel. 556605
Composição e impressão:
Tipografia. Marques & Monteiro, Lda.
R. Diogo Rodrigues, 13 – Montijo
Depósito Legal n.° 3486/83
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
1
Edição Digital:
Pense - Pensamento Social Espírita
www.viasantos.com/pense
março de 2009
ÍNDICE
Apresentação 3
Allan Kardec, sua Vida e sua Obra 5
O Pedagogo 6
Um Investigador Prudente 7
Precursor da Parapsicologia 11
A Matéria e o Fluido Universal 16
Allan Kardec Evolucionista 24
Allan Kardec e as Religiões 28
O Método de Allan Kardec 34
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
2
APRESENTAÇÃO
ndré Dumas, escritor e dirigente espírita francês, foi presidente da
União Espírita Francesa (UEF) e diretor da Revista Espírita na década
de 1970. Por muitos anos administrou o legado de Kardec e seus seguidores.
No entanto, é mais lembrado pela mudança do nome desta tradicional
instituição espírita, em 1976: União Científica Francofônica para a
Investigação Psíquica e o Estudo da Sobrevivência da Alma (USFIPES),
em vez de UEF.
Nesse mesmo ano, para desagrado dos espíritas, principalmente brasileiros,
a tradicional revista fundada por Kardec deixa de circular. Em seu lugar
Dumas lança um periódico denominado Renaître 2000. Segundo ele, as
palavras espírita e espiritismo se descaracterizaram em seu verdadeiro
significado, vinculando-se ao misticismo, ao religiosismo. Por isso a
mudança.
O resultado foi a completa marginalização de Dumas e a briga jurídica com
a União Espírita Francesa e Francofônica, fundada por Roger Perez em
1985, pelos direitos da Revista Espírita. Dois anos depois a instituição obtém
sentença judicial favorável a Perez e a revista volta a circular novamente
após 12 anos de interrupção, mas agora com um conteúdo mais religioso e
doutrinante.
Apesardeserlembradocomoumaespéciedetraidor,deJudasdacausa
espírita, Dumas foi um dirigente e um intelectual espírita importante na história
do Espiritismo francês. Sua visão, laica e filosófica, destoava da grande
maioria dos espíritas, notadamente os brasileiros, afeitos a concepções
religiosas e sectárias, influenciados em demasia pelos cânones do cristianismo.
Além desta obra, Dumas escreveu La science de l'âme: initiation méthodique à
l'étude des phénomènes supranormaux et aux théories de la métapsychologie,
inédita no Brasil, e vários artigos para a Revista Espírita. André Dumas
desencarnou em 1997.
Este ensaio biográfico que o Pense lança com exclusividade, em edição
digital, foi distribuído em 1983 na forma de opúsculo, como um suplemento,
uma separata da revista espírita portuguesa Estudos Psíquicos. A tradução é
de Maria Raquel Duarte Santos, esposa de Isidoro Duarte Santos, fundador
do periódico; ambos com eminente atuação no movimento espírita português,
ao tempo da ditadura de António Salazar.
A
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
3
ALLAN KARDEC,
SUA VIDA E SUA OBRA
Hippolite Léon Denizard Rivail, que se tornou conhe-
cido pelo pseudônimo céltico de Allan Kardec, nas-
ceu em Lyon (França) a 3 de outubro de 1804,
oriundo duma família de advogados e magistrados.
Foi, portanto, num ambiente marcado pelo estudo
da ciência e da filosofia que decorreu a sua ado-
lescência. No entanto, a época em que viveu era
pouco propícia ao exercício do livre-pensamento.
O Império havia proibido todos os ensinamentos
que pudessem contribuir para despertar e desen-
volver o espírito crítico e, principalmente, o en-
sino da filosofia (1), culminando com autos-de-fé
em praças públicas das obras de Rousseau e Vol-
taire. As famílias mais abastadas enviavam seus
filhos para fora de França, a fim de fazerem seus
estudos, sendo assim que Léon Rivail foi enviado
para Yverdon (Suíça), onde frequentou o Instituto
Henri Pestalozzi, iniciador da pedagogia moderna,
cujos ensinamentos se baseiam no desenvolvimento
simultâneo das qualidades físicas e intelectuais e
no despertar gradual da criança segundo a sua
ordem natural.
(1) Albert Malet, História de França, de 1779 a 1875.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
4
Foi na Escola de Pestalozzi, onde chegou a ser
colaborador, que em Léon Rivail se desenvolveram
as qualidades que mais tarde fariam dele um ho-
mem de ciência e um livre-pensador. Além disso
e embora nascido na religião católica e sofrendo
a influência do meio em que vivia — um país pro-
testante—, bem cedo concebeu a ideia de uma re-
forma baseada na unificação das crenças.
Quando Léon Denizard voltou a Paris, a fim de
fundar o Instituto Técnico estruturado no método
de Pestalozzi, já havia adquirido uma sólida for-
mação científica e moral, falando numerosas lín-
guas, assegurando-nos um dos seus biógrafos que
era "Doutor em Medicina, tendo feito todos os seus
estudos médicos e apresentado brilhantemente a
sua tese." (2)
(2) Henri Sausse: Biografia de Allan Kardec. Esta
afirmação é posta em dúvida por André Moreil: A Vida e Obra
de Allan Kardec. Capítulo II, 6, II "O Estudante".
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
5
O PEDAGOGO
Léon Rivail publicou numerosos trabalhos
didáticos:
— Plano proposto para o aperfeiçoamento da
instrução pública (1828);
— Curso Prático e Teórico de Aritmética (1829),
a fim de ser usado pelas mães de família e
professores após o método de Pestalozzi;
— Gramática Francesa Clássica (1831).
No mesmo ano foi doutorado pela Academia Real
de Assis, com um estudo sobre o tema:
— Qual o sistema de estudo que mais se harmo-
niza com as necessidades da época?
De 1835 a 1840, organiza em sua casa, situada na
Rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física,
astronomia e anatomia comparada.
Em 1848 publica:
— Catecismo gramatical de língua francesa.
Em 1849, dirige no Licée Polimathique cursos de
filosofia, astronomia, química e física.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
6
UM INVESTIGADOR PRUDENTE
Contrariando numerosas opiniões, aquele que vi-
ria a ser Allan Kardec era um homem ponderado,
prudente e pouco dado a entusiasmos irrefletidos.
Após a sua juventude, familiarizou-se com o mag-
netismo e sonambulismo, prosseguindo seus estu-
dos paralelamente com seus trabalhos pedagógicos
e cursos científicos que dirigia no liceu. Quando
ouviu falar da existência de mesas girantes e falan-
tes, teve a seguinte exclamação: "histórias para
adormecer". No entanto, isto não o impediu de
mais tarde se interessar e interrogar sobre o as-
sunto. Passou-se em 1854. Tinha ele 50 anos. As
sessões a que fora convidado a assistir persuadi-
ram-no de que, sob a aparente futilidade da "espé-
cie de diversão que faziam com aqueles fenôme-
nos", havia "algo de sério e como que a revelação
duma nova lei", que a si mesmo prometeu investi-
gar a fundo.
No entanto, ele continuava prudente:
Apliquei a esta nova ciência, como sempre
fizera, o método da experimentação: jamais
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
7
utilizei teorias preconcebidas; observava aten-
tamente, comparava e deduzia as consequên-
cias e através dos efeitos procuro remontar
às causas pela dedução e o encadeamento ló-
gico dos fatos, admitindo somente qualquer
explicação como válida, quando esta resolver
todas as dificuldades da questão... vislumbro
naqueles fenômenos a chave do problema, tão
obscuro quanto controverso, do passado e do
futuro da humanidade, a solução daquilo que
tenho procurado toda a minha vida; em suma,
uma total revolução nas ideias e nas crenças;
era, portanto, necessário agir com circuns-
pecção, não levianamente; ser positivista e
não idealista, para não me deixar arrastar
por ilusões. (3)
Não compartilhava do entusiasmo de alguns ex-
perimentadores, entre eles Victorien Sardou, o edi-
tor Didier e René Taillandier, membro da Academia
Francesa, os quais, após cinco anos de reuniões, lhe
solicitaram coligisse e organizasse, numa síntese,
todas as comunicações contidas em cinquenta ca-
dernos. Ele, porém, recusou e é através duma men-
sagem mediúnica pessoal, assegurando-lhe o apoio
do mundo invisível, que se decidiu a aceitar tão
ingrata incumbência.
Examinando estas mensagens, a fim de as coligir,
as perguntas científicas e filosóficas que interpos
através de vários médiuns e das pesquisas experi-
mentais, levaram Rivail à convicção da realidade
dum mundo invisível; no entanto, para ele, os espí-
(3) Allan Kardec: Minha Primeira Iniciação
no Espiritismo - Livro das Previsões - Obras Póstumas).
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
8
ritos, não sendo necessariamente os detentores da
Verdade, nada mais são do que a alma dos homens,
sendo seu saber condicionado ao nível da sua evo-
lução, "cada um de nós pode ensinar alguma coisa,
ao passo que individualmente nenhum nos poderia
ter inteirado de tudo, cabe ao observador formular
o conjunto com o auxílio dos dados provenientes
de várias fontes, comparados, coordenados e con-
trolados uns pelos outros". Os espíritos foram para
mim — dizia o futuro Allan Kardec — "desde o me-
norzinho até ao maior, veículos de informação e
não reveladores predestinados".
* * *
É da síntese dos resultados desta investigação
— da sua "sondagem", em suma — sobre a opinião
filosófica em intercâmbio com o lado de lá, mais
precisamente o lado de lá europeu em 1857, como
diremos, que nasceu O Livro dos Espíritos.
O professor Léon Denizard Rivail, bastante co-
nhecido pelos seus trabalhos pedagógicos, publicou
esta obra com o objetivo de esclarecer um assunto
tão controverso e estabelecer em bases concretas
todo o esforço que lhe foi exigido, e sem qualquer
evidência (4), razão por que adotou o pseudônimo
de Allan Kardec, seu guia espiritual e cuja exis-
tência remontava dos tempos dos druidas.
(4) Revista Espirita, junho de 1865, pp. 164-165.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
9
No entanto, o sucesso desta obra obrigou o bata-
lhador a renunciar ao desejo de retirada. "Pronta-
mente ao trabalho", dizia ele, "entendo dever pros-
seguir". Impulsionando e orientando o movimento
de interesse que despertara, lança a Revista Espi-
rita, cujo primeiro número aparece a público em
1º de janeiro de 1858, funda a Sociedade Parisiense
de Estudos Espiritas e publica dois novos traba-
lhos que as circunstâncias de momento exigiam.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
10
PRECURSOR DA
PARAPSICOLOGIA
Ao mesmo tempo que definia o espiritismo co-
mo uma teoria filosófica, Allan Kardec criava-lhe
bases científicas, podendo ser considerado como o
verdadeiro fundador do que hoje em dia se cha-
ma "metapsíquica" ou "parapsicologia", embora
grande parte dos especialistas de outros ramos de
investigação científica se esforçassem por minimi-
zar as implicações teóricas decorrentes de tais fatos.
É o prof. Charles Richet que, em seu Tratado
de Metapsíquica, afirma: quanto às célebres ex-
periências de William Crookes em 1871, foi Allan
Kardec o homem que "exerceu a mais intensa in-
fluência, abrindo rasgo profundo na ciência metapsí-
quica. Sua obra não é apenas uma teoria grandiosa
e homogênea, mas também um imponente reposi-
tório de fatos." (5)
Com efeito, Allan Kardec estudou e classificou
todas as categorias de fenômenos paranormais, ba-
(5) Charles Richet: Tratado de Metapsíquica, livro 1, § 3.°,
p. 334 (Alcan, 1923).
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
11
seando a sua teoria, tal como já o havia definido
nas diversas modalidades das faculdades mediúnicas:
O estudo das propriedades do perispírito,
dos fluidos espirituais e dos atributos fisio-
lógicos da alma, abre novos horizontes à ciên-
cia e fornece a chave para a compreensão de
grande número de fenômenos até então in-
compreendidos, por desconhecimento da lei
que os rege, fenômenos negados pelo mate-
rialismo, por se ligarem à espiritualidade, e
qualificados, segundo as crenças, de milagres
ou sortilégios. Tais são, entre outros, os fenô-
menos da dupla visão, da visão à distância,
do sonambulismo natural e artificial, dos efei-
tos psíquicos da catalepsia e da letargia, da
presciência, dos pressentimentos, das apari-
ções, das transfigurações, da transmissão de
pensamento, da fascinação, das curas instan-
tâneas, das obsessões e possessões etc. De-
monstrando que esses fenômenos se baseiam
em leis naturais, assim como os fenômenos
elétricos e as condições normais em que se
podem reproduzir, o espiritismo fez derro-
car o reino do maravilhoso e do sobrenatu-
ral, e consequentemente a fonte da maior
parte das superstições, além de outras coisas
consideradas por alguns como quiméricas,
impedindo também de se crer em muitas ou-
tras cuja possibilidade e escassez ele demonstra. (6)
(6) Allan Kardec: A Gênese, cap. I 40 (Derby Livros).
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
12
A leitura de O Livro dos Médiuns, de A Gênese
e de Obras Póstumas, revela-nos toda a elabora-
ção, por Allan Kardec, das bases científicas da pa-
rapsicologia moderna; ele conhecia a telepatia, que
designava por "telegrafia espiritual", a fotografia
do pensamento, a clarividência, a qual denominava
"lucidez", a precognição (para a qual tentou uma
explicação racional), as aparições de vivos, dos fe-
nômenos de bilocação (out-of-body, assim dizem
os parapsicólogos anglo-americanos) e que desig-
nam pelo termo de "bicorporeidade", e os fantas-
mas materializados, a que deu o nome de "agê-
neres".
Também não ignorava, tão pouco, a ideoplastia
(modelagem da matéria, subtil ou completa, pelo
pensamento), que tem um papel importante na
ectoplasmia e nas teorias metapsíquicas; deu nume-
rosos exemplos das descobertas "fluídicas" do pen-
samento, observadas no "laboratório do mundo in-
visível." (7)
Num estudo publicado na Revista Espírita (julho
de 1861), Allan Kardec escrevia:
Não se tendo em conta o elemento espiri-
tual, a ciência encontra-se na impossibilidade
de explicar uma série de fenômenos, caindo
no absurdo por querer considerar tudo como
matéria. É, principalmente, na medicina que
o elemento espiritual tem um papel impor-
(7) Allan Kardec: Livro dos Médiuns, cap. VII (Derby Livros).
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
13
tante; quando os médicos não o têm em conta
eles se afastam do caminho, onde muitas ve-
zes poderão encontrar a luz que os guiará
mais seguramente no diagnóstico e no trata-
mento das doenças.
Poderá não ter sido ele, de fato, o detentor da
verdade fundamental que hoje em dia se pretende
demonstrar com a psicoterapia, a psicanálise, o mé-
todo de Coué, a medicina psicossomática e a sofro-
logia, sabendo que aquilo a que chamamos "sub-
consciente", a criptopsíquica (como dizia Charles
Richet), é a parte oculta do ser que exerce uma
influência permanente no nosso equilíbrio físico e
mental e no nosso comportamento cotidiano?
Não será isso, também, uma forte intuição dos
"circuitos de energia" que o Ocidente só muito re-
centemente conheceu e que está na base da acupun-
tura chinesa? E dos diagnósticos médicos pratica-
dos pelos investigadores soviéticos para a análise
das "auras" obtidos com a ajuda dos processos
foto-eletrônicos kirlian?
A influência do subconsciente exerce-se igualmen-
te nos fenômenos paranormais e nas diversas for-
mas de mediunidade, como o demonstrou Gabriel
Delanne (8) e Allan Kardec jamais o ignorou.
Apesar do estudo da mediunidade como
parte integrante do espiritismo ainda estar
longe de se completar, estamos também longe
dos tempos em que bastava crer-se no recebi-
(8) Gabriel Delanne: Investigações sobre a Mediunidade
(Derby Livros).
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
14
mento dum impulso mecânico para nos con-
siderarmos médiuns e estarmos aptos a rece-
ber as comunicações dos espíritos. O pro-
gresso da ciência espirita, que é enriquecido
em cada dia através de novas observações,
demonstra-nos todavia as diversas causas e
sensíveis influências, das quais não podemos
duvidar e que com todos os seus benefícios
nos advém do mundo espiritual. (9)
(9) Revista Espirita, maio de 1865, pág. 155.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
15
A MATÉRIA E O
FLUIDO UNIVERSAL
A noção de "fluido" foi elaborada no século 17
e no início do século 19, pela escola magnética,
com Mesmer, Puységur, Deleuze, Cachagnet e o
Barão Du Potet, pelos investigadores da Reichen
Back e através das experiências de Agenor de Gas-
parin (1853) e de Marc Thury (1858) sobre as mesas
girantes.
Na obra de Allan Kardec, o fluido individual
donde provém o "perispírito", elo semimaterial en-
tre o espírito e o corpo, é uma particularidade do
"fluido cósmico universal". Este corresponde ao
que William Crookes mais tarde apelidou de "pro-
tyle". É a matéria elementar primitiva "da qual
as modificações e transformações constituem as inu-
meráveis variedades dos corpos da natureza." (10)
Como princípio elementar universal, ofe-
rece dois estados distintos: o de eterização
ou de imponderabilidade que se pode consi-
derar como estado normal primitivo, e o de
(10) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 2.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
16
materialização ou de ponderabilidade, que é,
de certo modo, consecutivo àquele. O ponto
intermediário é o da transformação do fluido
em matéria tangível; porém, ainda neste caso,
não há transição brusca, pois podemos con-
siderar os nossos fluidos imponderáveis como
um termo médio entre dois estados. (11)
Estas linhas, escritas em 1868, demonstram que a
noção de "fluido", segundo Allan Kardec, se integra
num conceito nitidamente "monista", unitário, de
substância universal e constitui uma demarcada an-
tecipação das teorias energéticas modernas.
Numa outra passagem, ele é também bastante
claro:
A matéria tangível, tendo por elemento pri-
mitivo o fluido cósmico etéreo, ao desagregar-
se deve poder voltar ao estado de eterização,
assim como o diamante, o mais duro dos cor-
pos, se pode volatizar num gás impalpável.
A solidificação da matéria, na realidade, não
passa de um estado transitório do fluido uni-
versal, o qual pode voltar ao seu estado pri-
mitivo quando as condições de coesão cessam
de existir. (12)
Estes estudos de Allan Kardec precedem, curio-
samente, os de Gustave le Bon, publicados em 1906
(11) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 2.
(12) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 6.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
17
e 1907, sobre a "materialização do éter" e a "volta
da matéria ao éter". (13)
Precedem ainda, e em maior número, as expe-
riências de Fréderic e Irene Juliot-Curie, sobre a
materialização dum "Photo-Gama", corpúsculo de
luz, em duas cargas eléctricas de tipos opostos, ou
seja num "pare" constituinte elementar da matéria.
Allan Kardec parece ainda ter tido a presciência,
trinta anos antes da descoberta por Becquerel, da
rádioatividade:
Quem sabe mesmo se, no estado de tangi-
bilidade, a matéria não é susceptível de adqui-
rir uma espécie de eterização que lhe daria
propriedades particulares? (14)
Em O Livro dos Espíritos, publicado em 1857, já
encontramos ensinamentos monistas, atribuídos não
só a Allan Kardec, como também aos seus instruto-
res espirituais; segundo estes ensinamentos, a maté-
ria é formada por "um só elemento primitivo":
Os corpos que considerais simples não são
verdadeiros elementos, mas sim transforma-
ções de matéria primitiva.
As diferentes propriedades de matéria são
modificações que as moléculas elementares
sofrem, por defeito da sua união, em certas
circunstâncias.
(13) Gustave Le Bon: A Evolução da Matéria (1906);
A Evolução das Forças (1907).
(14) Allan Kardec: A Gênese, 1868, cap. XIV, § 6.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
18
A unidade de substância é muito claramente enun-
ciada. Allan Kardec, com a sua ponderação habitual,
acentua:
O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o car-
bono e todos os corpos que nós consideramos
simples não são mais que meras modifica-
ções duma substância primitiva. Na impossi-
bilidade em que ainda nos encontramos de
remontar, a não ser pelo pensamento, a esta
matéria primitiva, esses corpos são para nós
verdadeiros elementos, e podemos, sem maio-
res consequências, considerá-los como tais, até
nova ordem.
A possibilidade das transmutações (que se obtêm
nos laboratórios actuais de física atômica) é igual-
mente designada como conseqüência normal da uni-
dade da matéria:
A mesma matéria elementar é susceptível
de experimentar todas as modificações e de
adquirir todas as propriedades?
— Sim, e é isso que se deve entender quan-
do dizemos que tudo está em tudo.
Quanto a sabermos se isto é exato, "a opinião
dos que não admitem na matéria mais do que dois
elementos essenciais: a força e o movimento, enten-
dendo que todas as demais propriedades não pas-
sam de efeitos secundários, que variam em confor-
midade à intensidade da força e à direcção do mo-
vimento", os instrutores invisíveis respondem afir-
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
19
inativamente, mas insistem na estrutura interna dos
elementos:
Esta opinião é exata. Falta somente acres-
centar que, também, segundo a disposição das
moléculas, como se vê, por exemplo, num
corpo opaco que se pode tornar transparente
e vice-versa.
Quanto à forma das moléculas ele é:
Constante para as moléculas elementares
primitivas, mas variável para as moléculas se-
cundárias, que são aglomerações das primei-
ras. Isso a que chamais moléculas está ainda
longe da molécula elementar. (15)
Esta última consideração dá-nos a conhecer cla-
ramente os constituintes inter-atômicos de hoje em
dia, tais como os electrões, os protões, os neutrões,
demonstrando seguidamente e sem ambiguidade a
afinidade entre a matéria e a eletricidade:
O fluido universal, ou primitivo, ou elemen-
tar... é suscetível de inúmeras combinações:
o que chamais de fluido elétrico, fluido mag-
nético, são modificações do fluido universal,
que não ê, propriamente dito, senão matéria
mais perfeita, mais sutil e que se pode con-
siderar independente. (16)
(15) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, 1857, livro I,
cap. II, § 24 a 30.
(16) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, livro I, cap. II, § 27.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
20
A infinita variedade de formas e graus de con-
densação da matéria existente no universo tem sido
ao longo dos tempos designada por matéria, pois
entendemos que matéria é tudo aquilo que impres-
siona nossos sentidos e é impenetrável:
Do vosso ponto de vista isto é exato, por-
que não falais senão do que conheceis; mas
a matéria existe em estados que ignorais.
Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil
que nenhuma impressão vos cause aos senti-
dos. Contudo, é sempre matéria, embora não
o seja para vós. (17)
Com efeito, a ciência moderna revela-nos hoje
em dia a existência no universo de estados extre-
mamente rarefeitos da matéria; assim, a substância
da estrela da Antares é um gás em média mil vezes
mais impalpável do que o ar que respiramos. A den-
sidade das nebulosas visíveis, como a Orion, é um
milhão de vezes inferior à máxima até hoje conse-
guida do vácuo e obtida nos laboratórios terres-
tres. Apesar disso, a densidade destas nebulosas é
ainda dez mil vezes superior à das "nuvens cósmicas
provenientes dos nevoeiros que dificultam as obser-
vações astronômicas". (18)
A confirmação científica dos ensinamentos refe-
rentes à matéria recebidos por Allan Kardec, de-
monstram-nos ao mesmo tempo a evidente possi-
(17) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, livro I, cap. 11, § 22.
(18) Jetan Tribaud: Energia Atômica e Universo.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
21
bilidade do caráter mais ou menos "fluidico" ou
mais ou menos "tangível" das formas espirituais
materializadas, no decorrer das sessões espiritas.
* * *
Em 1905, um investigador nessa data ainda des-
conhecido, chamado Albert Einstein, demonstrou
matematicamente a equivalência da matéria e da
energia. Resultando — todas as técnicas "nucleares"
são baseadas neste f a t o — que a matéria é a ener-
gia em movimento e que a massa é em função da
velocidade. São os movimentos extremamente rápi-
dos das "partículas" da energia dentro dos átomos,
que produzem a massa da matéria.
Sabemos, no entanto, que a energia considerada
até hoje como essencialmente impenetrável, possui
uma massa e que, por exemplo, a energia irradiada
pelo sol proveniente da sua substância, representa
quatro milhões de toneladas de luz. Ora, em O Livro
dos Espíritos lemos: (19)
A ponderabilidade é um atributo essencial
da matéria?
— Da matéria tal como a entendeis, sim;
mas não da matéria considerada como fluido
universal. A matéria etérea e subiil que cons-
titui esse fluido é para vós imponderável, e
nem por isso deixando de ser princípio da
vossa matéria pesada.
(19) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, 1, cap. II, § 29.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
22
Se substituirmos "fluido", "matéria etérea", por
energia, a resposta está perfeitamente de acordo
com as concepções e conceitos modernos.
Allan Kardec igualmente afirma: "a gravidade é
uma propriedade relativa: fora das esferas de atra-
ção dos mundos, não há peso, do mesmo modo que
não há alto nem baixo", bastará substituir "esfe-
ras de atração dos mundos" por "campos de gra-
vidade" e assim obteremos uma expressão cientifi-
camente mais exata quanto à linguagem contem-
porânea.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
23
ALLAN KARDEC
EVOLUCIONISTA
O codificador do espiritismo moderno não foi
somente um precursor no domínio da constituição
energética da matéria, mas também no da biologia.
Ensinou a transformação progressiva das espécies
e a origem animal do homem. Exprimindo-se cla-
ramente a este respeito na sua obra de síntese, A Gê-
nese, publicada em 1868:
Por pouco que se observe a escala dos se-
res vivos do ponto de vista orgânico, reco-
nhece-se que, desde o líquem até à árvore e
desde o zoofito até ao homem, existe uma
cadeia que se eleva gradativamente sem solu-
ção de continuidade, cujos anéis têm um
ponto de contato com o anel precedente:
acompanhando passo a passo a série dos se-
res, diríamos que cada espécie é um aperfei-
çoamento, uma transformação da espécie ime-
diatamente inferior. Visto que o corpo do
homem está em condições idênticas aos ou-
tros corpos, química e constitucionalmente,
que ele nasce, vive e morre da mesma ma-
neira, ele deverá ser formado nas mesmas con-
dições.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
24
Ainda que possa ferir o seu orgulho, o ho-
mem tem de se resignar a não ver em seu
corpo material mais do que o último anel da
animalidade na Terra. È este o inexcedível
argumento dos fatos, contra o qual ele pro-
testará em vão. (20)
Aliás, não foi necessário aguardar 1868 para ele
nos ensinar a doutrina da evolução. A este propó-
sito, o capitão Bourgés escreveu no seu trabalho
intitulado Psicologia Transformista, Evolução da
Inteligência: (21)
"No decurso da sua viagem espirita em 1862, Allan
Kardec visitou-nos em Provins, onde nos encontrá-
vamos em guamição militar. Tivemos a satisfação
de ter o Mestre entre nós, durante alguns dias. Em
suas conversas, ele não escondia a nossa origem
animal, falando-nos do progresso que o espírito tem
de conseguir para chegar à perfeição. Recomendava-
-nos, essencialmente, que aprofundássemos todos os
ramos da ciência, assegurando-nos que através dela
nos elevaríamos e encontraríamos em O Livro dos
Espíritos os elementos que deveríamos conhecer e
abraçar. Assim, em 1868 demos-lhe conta do anda-
mento dos nossos trabalhos e da descoberta que
julgávamos ter feito nos estudos das obras de
Darwin, quanto à evolução do espírito, tal como
hoje nos é apresentada."
(20) A Gênese, cap. X, § 28.
(21) Citado por Ch. Truffy, Palestras Espíritas, 2ª. Palestra, pp. 157-158.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
25
Portanto, três anos somente após a publicação de
A Origem das Espécies para a Seleção Natural,
por Charles Darwin, dois anos antes do trabalho
de Thomas Huxley, O Lugar do Homem na Natu-
reza, no qual ele proclamava o parentesco do ma-
caco e do homem, já Allan Kardec ensinava a ori-
gem animal do homem, enquanto que o próprio
Darwin somente em 1871 abordou abertamente este
problema em A Descendência do Homem.
Isto acontece numa época em que eminentes ho-
mens, como Fabre, Flouriens, Claude Bernard e
Quatrofages, uns porque eram discípulos de Cuvier,
outros por razões de ordem religiosa, se opunham
ao evolucionismo e sustentaram em França uma tal
oposição a estas novas ideias que, em 1873, o Insti-
tuto de França recusa eleger Darwin como seu cor-
respondente estrangeiro.
Basta situarmos Allan Kardec no ambiente inte-
lectual da sua época, para bem avaliarmos até que
ponto o seu pensamento era vanguardista.
Ele já havia, com efeito, ultrapassado, antes de
Henri Bergson, Gustave Geley ou Teilhard de Char-
din, a etapa estritamente materialista que o evolu-
cionismo atravessou no seu início:
Quanto mais o corpo diminui de valor a
seus olhos (os olhos do homem), mais o
princípio espiritual ganha importância; se o
primeiro o nivela com os ignorantes, o se-
gundo o eleva a uma altura incomensurável.
Vemos o círculo onde o animal se detém;
não vemos o limite que possa alcançar o es-
pírito do homem.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
26
O materialismo pode, por aí, perceber que o
espiritualismo, longe de pôr em dúvida as
descobertas da ciência, e sua atitude positiva,
vai mais longe provocando-as, pois é certo
que o princípio espiritual, que tem sua exis-
tência própria, não pode sofrer nenhum dano.
O espiritismo caminha a par com o mate-
rialismo, no terreno da matéria; admite tudo
o que este admite; porém, onde o materia-
lismo se detém, o espiritismo prossegue. O
espiritismo e o materialismo são como dois
viajantes que caminham lado a lado, partindo
do mesmo ponto; chegados a uma certa dis-
tância, um diz: "Não posso ir mais longe"; o
outro continua a sua rota e descobre um
mundo novo. (22)
Substituamos "materialismo" por "parapsicolo-
gia" e teremos um mesmo programa de colaboração
e de adiantamento que caracteriza o esforço da reno-
vação que atualmente prosseguimos.
(22) A Gênese, cap. X, § 29-30.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
27
ALLAN KARDEC
E AS RELIGIÕES
É situando o pensamento e a obra de Allan Kar-
dec no contexto da sua época que poderemos apre-
ciar o seu caráter vanguardista, sob o ponto de
vista científico. Da mesma forma podemos com-
preender as suas posições quanto às questões reli-
giosas.
Quando estudamos atentamente a obra de Allan
Kardec, nela encontramos três períodos distintos:
após a exposição da doutrina, a parte filosófica da
ciência espirita em O Livro dos Espíritos e depois
a parte experimental, com a teoria científica dos
fenômenos e sua classificação, em O Livro dos
Médiuns.
Num segundo período, apercebemo-nos de que
Allan Kardec perante o sucesso inesperado do seu
primeiro trabalho, sentiu-se na necessidade não só
de renunciar ao isolamento e à sua tranquilidade,
como também de responder às insistentes solicita-
ções de milhares de correspondentes ávidos de
conhecer o espiritismo, embora não desejassem
romper com as suas crenças, às quais se encon-
travam radicados. É este um período insólito e
que poderemos considerar de concessão à socie-
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
28
dade. É assim que Allan Kardec — que embora
desde a sua juventude tivesse acalentado a espe-
rança duma reforma evangélica do cristianismo —
sentindo-se na obrigação de esclarecer, quanto à
sua religião, os cristãos que se lhe dirigiam, publica
a Imitação do Evangelho, título primitivo do Evan-
gelho Segundo o Espiritismo, e seguidamente O
Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o
Espiritismo.
Entre estas obras e A Gênese, publicada mais
tarde, medeia um pequeno período em que o
"crente" cristão e o professor de ciências parecem
dominar-se alternadamente e cujas contradições
não podem escapar a uma análise atenta (o espi-
ritismo estava definido não só como uma ciência
positiva, tendo por base a observação dos fatos
sem ideia preconcebida, como também a revelação
dos ensinamentos de Jesus) e que caracterizam este
seu período de confusão e mesmo de retrocesso, se
considerarmos as suas consequências atuais, pois
encobre gravemente o caráter não confessional,
laico e universal da doutrina em sua essência.
É exclusivamente nesta parte da obra kardequiana
que se apoiam as correntes ideológicas que pre-
tendem ignorar os seus dois primeiros trabalhos e os
cinco anos de pensamento ativo que decorreram
entre a publicação de O Evangelho Segundo o Es-
piritismo e o falecimento do Mestre, pretendendo
fazer do espiritismo — isto para grande satisfação
dos seus adversários — uma nova religião, tendo
em vista uma certa forma de cristianismo, baseada
num esquema muito elementar afastado quanto
possível da real e complexa evolução religiosa da
humanidade, a de uma "terceira revelação"; a dos
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
29
espíritos, em seguimento da segunda, a do Cristo,
e que sucede à primeira, a de Moisés!
* * *
No entanto, a ideia do caráter universal e evo-
lutivo do espiritismo, distinto de todos os cultos
e encontrando a sua força essencial na observação
científica e indução racional, domina toda a sua
obra.
Na sua viagem de 1862 junto dos vários grupos
da província, ele declarou que "se o espiritismo se
colocasse abertamente no terreno de qualquer re-
ligião, ele se afastaria das outras", perpetuando
assim "o antagonismo religioso que ele pretende
esbater", que "as questões de moral são de todas
as religiões e de todos os países" e que "o espi-
ritismo é um terreno neutro no qual todas as opi-
niões religiosas se podem encontrar e dar as
mãos." (23).
Talvez que se Allan Kardec tivesse nascido num
país muçulmano, as circunstâncias fossem outras,
e ele poderia ter escrito, com maior ou menor
oportunidade, "O Alcorão Segundo o Espiritismo",
ou se até tivesse nascido na Índia, "O Upanishads
e o Bhagavad-Gita Segundo o Espiritismo".
Se os estudos sobre os textos sagrados da Índia
antiga na época de Allan Kardec estivessem sufi-
(23) Allan Kardec: Viagens Espiritas em 1862. Instruções
particulares dadas nos grupos em respostas a algumas das
perguntas formuladas, X I .
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
30
cientemente desenvolvidos, certamente que ele não
teria sido menos categórico, quanto ao valor dos
seus ensinamentos, do que o foi o papa João XXIII
quando da sua viagem à Índia.
Este ponto de vista é confirmado pela análise
que insere na "Introdução" de O Evangelho Se-
gundo o Espiritismo (1864), comparando a dou-
trina de Sócrates e Platão aos princípios do espi-
ritismo, e ainda pelo profundo estudo dedicado a
Maomé e o islamismo (Revista Espirita, agosto
e novembro de 1866) e, remontando às suas ori-
gens, descreve a mediunidade de Maomé, con-
testa a veracidade das narrativas difamantes, "acen-
tua" o profundo sentimento de piedade que o ani-
mava, a ideia grande e sublime que ele fazia de
"Deus", cita passagens do Alcorão relativas ao re-
torno à Terra "para nos corrigirmos" e a "má-
xima caridade e tolerância que gostaria de ver em
todos os corações cristãos". (24)
É a aurora dum terceiro período, a que pode-
(24) As línguas, literaturas e religiões da Índia e da Pér-
sia eram muito pouco conhecidas no Ocidente naquela
época. Foi o sábio orientalista Eugênio Burnouf (1801-1852}
que reconstituiu, com a ajuda do sânscrito, a língua zenda
empregada nos livros sacros iranianos e atribuídos a Zo-
roastro (Zaratustra). Através de outros trabalhos muito
importantes, Burnouf revelou a origem, os princípios e a
história do budismo. O primeiro tomo da sua Introdução
à História do Budismo foi publicado em 1844. Sabemos
no entanto que todo o período decorrido entre 1828 e 1849
foi inteiramente consagrado por Léon Rivail, o futuro Allan
Kardec, à reforma do ensino e a seus trabalhos pedagógi-
cos. Ele não teve nessa altura nem posteriormente, conhe-
cimento destas investigações no domínio das religiões, pois
deixou-se empolgar pela expansão do movimento que havia
criado e promovera.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
31
remos chamar de reparação e prosseguido por
Allan Kardec até à sua morte.
Um desses últimos testemunhos, que por desejo
unânime dos seus mais próximos colaboradores a
"Sociedade Espírita", é o dólmen erigido em seu
túmulo, como "a mais expressiva demonstração do
caráter do homem e a obra que ele se esforçou
por simbolizar" (Revista Espirita, junho de 1869).
Dólmen evocador da filosofia céltica que Allan Kar-
dec tanto admirava e que, desde a introdução do
cristianismo na Gália, foi objeto — não o pode-
mos ignorar — de cruéis perseguições, cujos mo-
numentos, usos e tradições foram sistematicamente
destruídos e desfigurados.
Este período de reparação ou correção, mani-
festa-se muito nitidamente com a publicação de
A Gênese, Os Milagres e as Predições Segundo o
Espiritismo em janeiro de 1868, onde a noção de
"revelação" ultrapassa o caráter um pouco pri-
mário que imprimiu nos seus dois trabalhos pre-
cedentes, a fim de apresentar a revelação perma-
nente, contínua e progressiva da ciência, como iní-
cio para o estudo do mundo físico (astronomia, geo-
logia, paleontologia, fisiologia) e culminando no co-
nhecimento do mundo espiritual.
Este aspecto fundamental, consolidado pelo pen-
samento de Allan Kardec, do qual Gabriel Delanne,
através da sua obra científica, foi o continuador
e porta-voz quando declarava que "o espiritismo
se suicidaria se se deixasse arrastar por certas for-
mas cultuais existentes hoje em dia" (25) — se afir-
(25) Gabriel Delanne - As Conseqüências Filosóficas do Espiritismo,
Revista Científica e Moral do Espiritismo, outubro de 1910.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
32
ma ainda no seu Projeto da Constituição do Espi-
ritismo publicado na Revista Espirita (dezembro
de 1868) que com seus comentários e outros textos
da mesma revista recolhidos por P. G. Leymarie
e publicados em Obras Póstumas, constituem de
fato o testamento filosófico de Allan Kardec.
Confirma ele, ainda mais categoricamente, o ca-
r á t e r não cultual, não-sectário, não-religioso do
espiritismo, que "teve como todas as coisas o seu
período primário" e que definia como "resultante
de milhares de observações feitas em todos os pon-
tos do Globo, que lhe eram enviadas e que ele
coligia e coordenava".
Ainda, no último número da Revista Espirita
redigido por ele (abril de 1869) e que saiu a pú-
blico no próprio dia do seu falecimento (31 de
março de 1869), ele comparava a "profissão de fé
espirita americana", aos princípios fundamentais
da doutrina segundo "a escola europeia" tal como
ele os enunciava (26) — última expressão que deu
à doutrina — confirmando claramente o caráter
estritamente científico-filosófico desta e a sua neu-
tralidade total perante quaisquer tradições religiosas.
Estes princípios fundamentais, que vêm enuncia-
dos no final do presente trabalho, completam,
assim, o preâmbulo do Credo Espirita.
(26) Revista Espirita, abril de 1869, pp. 102 e 106.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
33
O MÉTODO DE
ALLAN KARDEC
Em A Gênese, o fundador do espiritismo mo-
derno afirma que "a ciência é convocada a cons-
tituir a verdadeira gênese, conforme as leis da
natureza (27) que "se a religião se recusar a cami-
nhar com a ciência, a ciência prosseguirá só" (28),
e que: "Enquanto o homem não conheceu as leis
que regem a matéria, e enquanto não pôde aplicar
o método experimental, andou errando de sistema
em sistema no tocante ao mecanismo do universo
c à formação da Terra. Tanto na ordem moral
como na ordem física se tem dado o mesmo; a fim
de fixar as ideias tem faltado o elemento essen-
cial: o conhecimento das leis do princípio espiri-
tual. Este conhecimento estava reservado à nossa
época, como o conhecimento das leis da matéria
foi obra dos dois últimos séculos." (29)
Em Obras Póstumas, os textos da Constituição
do Espiritismo afirmam nitidamente a necessidade
de precisão e clareza em todos os pontos da dou-
trina e o seu caráter essencialmente progressivo:
(27) Cap. IV, § 3, 15, 16, 17.
(28) Idem, § 9.
(29) Idem, § 15.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
34
Porque ela não se deixa embalar por so-
nhos irrealizáveis no presente, não se segue
que deva imobilizar-se. Apoiada exclusiva-
mente nas leis naturais, não pode variar mais
do que essas leis, mas se uma nova lei for
descoberta, deve juntar-se às demais; não
deve fechar as portas a qualquer progresso
sob pena de se suicidar; assimilando todas
as ideias conhecidas como justas, quer se-
jam de ordem física ou metafísica, nunca
será ultrapassada, sendo esta uma das prin-
cipais garantias da sua perpetuidade. (30)
O exame profundo da obra de Allan Kardec, de
toda a sua obra, permite-nos não nos afastarmos
das linhas essenciais e definir claramente sua meto-
dologia:
O espiritismo — escreve ele — dirige-se aos
que não crêem ou que duvidam, e não aos
que têm fé e aos quais esta lhes basta; ele
não diz a quem quer que seja que renuncie
ás suas crenças para adotar as nossas e
nisto é coerente com os princípios de tole-
rância e de liberdade de consciência que pro-
fessa... acolhei dedicadamente os homens de
boa. vontade, dai-lhes a luz que procuram,
pois com os que julgam já possui-la não te-
reis êxitos. (31)
(30) Obras Póstumas, Constituição do Espiritismo, II - Dos Cismas.
(31) Revista Espirita, dezembro, 1863, p. 367.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
35
Não deixaremos, contudo, de nos dirigir aos cren-
tes, mas principalmente aos que nos procuram,
pois muitos deles se tornaram materialistas por
indiferença ou à falta de melhor:
Apresentemos-lhes alguma coisa de racio-
nal e eles a aceitarão pressurosos. Esses po-
derão compreender-nos, porque estão mais
próximos de nós do que poderíamos supor.
Mas, aos materialistas diremos:
Não falemos nem de revelações, nem de
anjos, nem do paraíso; eles não nos com-
preenderão; mas se nos colocarmos no seu
terreno, provar-lhes-emos, porém, que as leis
da filosofia são suficientes para nos dar ra-
zão, o resto virá em seguida. (32)
E Allan Kardec precisa o seu pensamento numa
passagem que consideramos essencial e de extrema
importância:
No espiritismo, a questão dos espíritos
está em segundo lugar, não constituindo seu
ponto de partida... Sendo os espíritos sim-
plesmente a alma dos homens, o verdadeiro
ponto de partida, é, portanto, a existência da
alma. Ora, como pode então o materialista
admitir a existência de seres que vivem fora
do mundo material, quando ele próprio se
(32) O Livro dos Médiuns, 1ª. parte, cap. III, § 21.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
36
considera apenas matéria? Como pode ele
crer na existência de espíritos à sua volta?
Se não admite o seu próprio espírito? Em
vão se acumularão aos seus olhos as provas
mais palpáveis que ele contestará, porque
não admite tal princípio. Todo o ensino me-
tódico deverá partir do conhecido para o
desconhecido; para o materialista, o conhe-
cido é a matéria; parti, pois, da matéria e
procurai antes de tudo demonstrar-lhe que
há nele próprio alguma coisa que escapa às
leis naturais; numa palavra, antes de torná-lo
espírita, procurai fazê-lo espiritualista;mas para isto,
torna-se necessária outra ordem de fatos, devendo-se
proceder, por outros meios a um ensino muito
especial; falar-lhe de espíritos antes de ele
estar convencido de que tem uma alma é come
çar pelo fim, pois ele não poderá admitir con-
clusões sem que aceite premissas. Antes, po-
rém, de se tentar convencer o incrédulo, mes-
mo através dos fatos, devemos assegurar-
-nos da sua opinião sobre a existência da
alma, ou seja, se ele crê na sua sobrevivên-
cia ao corpo, na sua individualidade após a
morte; e se a sua resposta for negativa, então
terá sido tempo perdido falar-lhe de espíritos. (33)
Este "ensinamento muito especial", ao qual Allan
Kardec faz alusão e consiste em começar pelo co-
meço, conforme mais tarde o afirmou Alexandre
(33) O Livro dos Médiuns, 1ª. parte, cap. III, § 19.
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
37
Aksakof, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano e
Gabriel Delanne, destina-se, antes de tudo, ao es-
tudo e à demonstração, nos seres vivos, de facul-
dades além das limitações corporais — demonstra-
ção que hoje em dia constitui a missão histórica
da parapsicologia — daquelas faculdades que en-
volvem a atividade autônoma da alma.
São estes conhecimentos conseguidos através de
uma investigação metódica do conhecido ao desco-
nhecido, servindo a primeira demonstração de in-
trodução ao estudo das manifestações póstumas,
por uma aproximação de conclusões e a partir de
premissas, e a segunda demonstração como com-
plemento da primeira, ou seja, a sobrevivência da
alma, tal como afirmou vigorosamente o grande
filósofo Henri Bergson — perante qualquer decep-
ção que possamos experimentar quanto aos para-
psicólogos que se preocupam em não nos deixar sair
do campo materialista — "se os fatos, estudados
independentemente de todo o sistema nos levam,
pelo contrário, a considerar a vida cerebral, a so-
brevivência torna-se tão verossímil que a obrigação
de a provar competirá antes àquele que o nega do
que ao que a afirma porque, a única razão para
crer na destruição da consciência após a morte é
a visão da decomposição do corpo, e esta razão
deixa de ser válida se a independência da quase
totalidade da consciência relativamente ao corpo é
ela própria também um fato." (34)
(34) Henri Bergson: Fantasmas de Vivos e Investigação Psíquica
(discursos presidenciais na Sociedade de Investigações Psíquicas
de Londres, 28 de maio de 1913), em A Energia Espiritual
(Imprensa Universitária de França).
Edição Digital: Pense - Pensamento Social Espírita
www.viasantos.com/pense
março de 2009
ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE
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A Vida e Obra de Allan Kardec, o Fundador do Espiritismo

  • 1. ALLAN KARDEC SUA VIDA E SUA OBRA ANDRÉ DUMAS PENSE - PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA www.viasantos.com/pense
  • 2. ANDRÉ DUMAS Secretário da Union des Sociétés Francophones pour l'Investigation Psyquique et l'Étude de la Survivance (USFIPES) Paris - França ALLAN KARDEC SUA VIDA E SUA OBRA ESTUDOS PSÍQUICOS EDITORA
  • 3. Titulo original: Allan Kardec, sa vie et son oeuvre Tradução de: Maria Raquel Duarte dos Santos Direitos reservados em língua portuguesa Edição de: Estudos Psíquicos Editora Rua do Salitre, 149, 1°, Dir. 1200 Lisboa - Portugal Tel. 556605 Composição e impressão: Tipografia. Marques & Monteiro, Lda. R. Diogo Rodrigues, 13 – Montijo Depósito Legal n.° 3486/83 ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 1 Edição Digital: Pense - Pensamento Social Espírita www.viasantos.com/pense março de 2009
  • 4. ÍNDICE Apresentação 3 Allan Kardec, sua Vida e sua Obra 5 O Pedagogo 6 Um Investigador Prudente 7 Precursor da Parapsicologia 11 A Matéria e o Fluido Universal 16 Allan Kardec Evolucionista 24 Allan Kardec e as Religiões 28 O Método de Allan Kardec 34 ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 2
  • 5. APRESENTAÇÃO ndré Dumas, escritor e dirigente espírita francês, foi presidente da União Espírita Francesa (UEF) e diretor da Revista Espírita na década de 1970. Por muitos anos administrou o legado de Kardec e seus seguidores. No entanto, é mais lembrado pela mudança do nome desta tradicional instituição espírita, em 1976: União Científica Francofônica para a Investigação Psíquica e o Estudo da Sobrevivência da Alma (USFIPES), em vez de UEF. Nesse mesmo ano, para desagrado dos espíritas, principalmente brasileiros, a tradicional revista fundada por Kardec deixa de circular. Em seu lugar Dumas lança um periódico denominado Renaître 2000. Segundo ele, as palavras espírita e espiritismo se descaracterizaram em seu verdadeiro significado, vinculando-se ao misticismo, ao religiosismo. Por isso a mudança. O resultado foi a completa marginalização de Dumas e a briga jurídica com a União Espírita Francesa e Francofônica, fundada por Roger Perez em 1985, pelos direitos da Revista Espírita. Dois anos depois a instituição obtém sentença judicial favorável a Perez e a revista volta a circular novamente após 12 anos de interrupção, mas agora com um conteúdo mais religioso e doutrinante. Apesardeserlembradocomoumaespéciedetraidor,deJudasdacausa espírita, Dumas foi um dirigente e um intelectual espírita importante na história do Espiritismo francês. Sua visão, laica e filosófica, destoava da grande maioria dos espíritas, notadamente os brasileiros, afeitos a concepções religiosas e sectárias, influenciados em demasia pelos cânones do cristianismo. Além desta obra, Dumas escreveu La science de l'âme: initiation méthodique à l'étude des phénomènes supranormaux et aux théories de la métapsychologie, inédita no Brasil, e vários artigos para a Revista Espírita. André Dumas desencarnou em 1997. Este ensaio biográfico que o Pense lança com exclusividade, em edição digital, foi distribuído em 1983 na forma de opúsculo, como um suplemento, uma separata da revista espírita portuguesa Estudos Psíquicos. A tradução é de Maria Raquel Duarte Santos, esposa de Isidoro Duarte Santos, fundador do periódico; ambos com eminente atuação no movimento espírita português, ao tempo da ditadura de António Salazar. A ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 3
  • 6. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA Hippolite Léon Denizard Rivail, que se tornou conhe- cido pelo pseudônimo céltico de Allan Kardec, nas- ceu em Lyon (França) a 3 de outubro de 1804, oriundo duma família de advogados e magistrados. Foi, portanto, num ambiente marcado pelo estudo da ciência e da filosofia que decorreu a sua ado- lescência. No entanto, a época em que viveu era pouco propícia ao exercício do livre-pensamento. O Império havia proibido todos os ensinamentos que pudessem contribuir para despertar e desen- volver o espírito crítico e, principalmente, o en- sino da filosofia (1), culminando com autos-de-fé em praças públicas das obras de Rousseau e Vol- taire. As famílias mais abastadas enviavam seus filhos para fora de França, a fim de fazerem seus estudos, sendo assim que Léon Rivail foi enviado para Yverdon (Suíça), onde frequentou o Instituto Henri Pestalozzi, iniciador da pedagogia moderna, cujos ensinamentos se baseiam no desenvolvimento simultâneo das qualidades físicas e intelectuais e no despertar gradual da criança segundo a sua ordem natural. (1) Albert Malet, História de França, de 1779 a 1875. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 4
  • 7. Foi na Escola de Pestalozzi, onde chegou a ser colaborador, que em Léon Rivail se desenvolveram as qualidades que mais tarde fariam dele um ho- mem de ciência e um livre-pensador. Além disso e embora nascido na religião católica e sofrendo a influência do meio em que vivia — um país pro- testante—, bem cedo concebeu a ideia de uma re- forma baseada na unificação das crenças. Quando Léon Denizard voltou a Paris, a fim de fundar o Instituto Técnico estruturado no método de Pestalozzi, já havia adquirido uma sólida for- mação científica e moral, falando numerosas lín- guas, assegurando-nos um dos seus biógrafos que era "Doutor em Medicina, tendo feito todos os seus estudos médicos e apresentado brilhantemente a sua tese." (2) (2) Henri Sausse: Biografia de Allan Kardec. Esta afirmação é posta em dúvida por André Moreil: A Vida e Obra de Allan Kardec. Capítulo II, 6, II "O Estudante". ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 5
  • 8. O PEDAGOGO Léon Rivail publicou numerosos trabalhos didáticos: — Plano proposto para o aperfeiçoamento da instrução pública (1828); — Curso Prático e Teórico de Aritmética (1829), a fim de ser usado pelas mães de família e professores após o método de Pestalozzi; — Gramática Francesa Clássica (1831). No mesmo ano foi doutorado pela Academia Real de Assis, com um estudo sobre o tema: — Qual o sistema de estudo que mais se harmo- niza com as necessidades da época? De 1835 a 1840, organiza em sua casa, situada na Rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada. Em 1848 publica: — Catecismo gramatical de língua francesa. Em 1849, dirige no Licée Polimathique cursos de filosofia, astronomia, química e física. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 6
  • 9. UM INVESTIGADOR PRUDENTE Contrariando numerosas opiniões, aquele que vi- ria a ser Allan Kardec era um homem ponderado, prudente e pouco dado a entusiasmos irrefletidos. Após a sua juventude, familiarizou-se com o mag- netismo e sonambulismo, prosseguindo seus estu- dos paralelamente com seus trabalhos pedagógicos e cursos científicos que dirigia no liceu. Quando ouviu falar da existência de mesas girantes e falan- tes, teve a seguinte exclamação: "histórias para adormecer". No entanto, isto não o impediu de mais tarde se interessar e interrogar sobre o as- sunto. Passou-se em 1854. Tinha ele 50 anos. As sessões a que fora convidado a assistir persuadi- ram-no de que, sob a aparente futilidade da "espé- cie de diversão que faziam com aqueles fenôme- nos", havia "algo de sério e como que a revelação duma nova lei", que a si mesmo prometeu investi- gar a fundo. No entanto, ele continuava prudente: Apliquei a esta nova ciência, como sempre fizera, o método da experimentação: jamais ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 7
  • 10. utilizei teorias preconcebidas; observava aten- tamente, comparava e deduzia as consequên- cias e através dos efeitos procuro remontar às causas pela dedução e o encadeamento ló- gico dos fatos, admitindo somente qualquer explicação como válida, quando esta resolver todas as dificuldades da questão... vislumbro naqueles fenômenos a chave do problema, tão obscuro quanto controverso, do passado e do futuro da humanidade, a solução daquilo que tenho procurado toda a minha vida; em suma, uma total revolução nas ideias e nas crenças; era, portanto, necessário agir com circuns- pecção, não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar arrastar por ilusões. (3) Não compartilhava do entusiasmo de alguns ex- perimentadores, entre eles Victorien Sardou, o edi- tor Didier e René Taillandier, membro da Academia Francesa, os quais, após cinco anos de reuniões, lhe solicitaram coligisse e organizasse, numa síntese, todas as comunicações contidas em cinquenta ca- dernos. Ele, porém, recusou e é através duma men- sagem mediúnica pessoal, assegurando-lhe o apoio do mundo invisível, que se decidiu a aceitar tão ingrata incumbência. Examinando estas mensagens, a fim de as coligir, as perguntas científicas e filosóficas que interpos através de vários médiuns e das pesquisas experi- mentais, levaram Rivail à convicção da realidade dum mundo invisível; no entanto, para ele, os espí- (3) Allan Kardec: Minha Primeira Iniciação no Espiritismo - Livro das Previsões - Obras Póstumas). ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 8
  • 11. ritos, não sendo necessariamente os detentores da Verdade, nada mais são do que a alma dos homens, sendo seu saber condicionado ao nível da sua evo- lução, "cada um de nós pode ensinar alguma coisa, ao passo que individualmente nenhum nos poderia ter inteirado de tudo, cabe ao observador formular o conjunto com o auxílio dos dados provenientes de várias fontes, comparados, coordenados e con- trolados uns pelos outros". Os espíritos foram para mim — dizia o futuro Allan Kardec — "desde o me- norzinho até ao maior, veículos de informação e não reveladores predestinados". * * * É da síntese dos resultados desta investigação — da sua "sondagem", em suma — sobre a opinião filosófica em intercâmbio com o lado de lá, mais precisamente o lado de lá europeu em 1857, como diremos, que nasceu O Livro dos Espíritos. O professor Léon Denizard Rivail, bastante co- nhecido pelos seus trabalhos pedagógicos, publicou esta obra com o objetivo de esclarecer um assunto tão controverso e estabelecer em bases concretas todo o esforço que lhe foi exigido, e sem qualquer evidência (4), razão por que adotou o pseudônimo de Allan Kardec, seu guia espiritual e cuja exis- tência remontava dos tempos dos druidas. (4) Revista Espirita, junho de 1865, pp. 164-165. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 9
  • 12. No entanto, o sucesso desta obra obrigou o bata- lhador a renunciar ao desejo de retirada. "Pronta- mente ao trabalho", dizia ele, "entendo dever pros- seguir". Impulsionando e orientando o movimento de interesse que despertara, lança a Revista Espi- rita, cujo primeiro número aparece a público em 1º de janeiro de 1858, funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espiritas e publica dois novos traba- lhos que as circunstâncias de momento exigiam. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 10
  • 13. PRECURSOR DA PARAPSICOLOGIA Ao mesmo tempo que definia o espiritismo co- mo uma teoria filosófica, Allan Kardec criava-lhe bases científicas, podendo ser considerado como o verdadeiro fundador do que hoje em dia se cha- ma "metapsíquica" ou "parapsicologia", embora grande parte dos especialistas de outros ramos de investigação científica se esforçassem por minimi- zar as implicações teóricas decorrentes de tais fatos. É o prof. Charles Richet que, em seu Tratado de Metapsíquica, afirma: quanto às célebres ex- periências de William Crookes em 1871, foi Allan Kardec o homem que "exerceu a mais intensa in- fluência, abrindo rasgo profundo na ciência metapsí- quica. Sua obra não é apenas uma teoria grandiosa e homogênea, mas também um imponente reposi- tório de fatos." (5) Com efeito, Allan Kardec estudou e classificou todas as categorias de fenômenos paranormais, ba- (5) Charles Richet: Tratado de Metapsíquica, livro 1, § 3.°, p. 334 (Alcan, 1923). ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 11
  • 14. seando a sua teoria, tal como já o havia definido nas diversas modalidades das faculdades mediúnicas: O estudo das propriedades do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos fisio- lógicos da alma, abre novos horizontes à ciên- cia e fornece a chave para a compreensão de grande número de fenômenos até então in- compreendidos, por desconhecimento da lei que os rege, fenômenos negados pelo mate- rialismo, por se ligarem à espiritualidade, e qualificados, segundo as crenças, de milagres ou sortilégios. Tais são, entre outros, os fenô- menos da dupla visão, da visão à distância, do sonambulismo natural e artificial, dos efei- tos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das apari- ções, das transfigurações, da transmissão de pensamento, da fascinação, das curas instan- tâneas, das obsessões e possessões etc. De- monstrando que esses fenômenos se baseiam em leis naturais, assim como os fenômenos elétricos e as condições normais em que se podem reproduzir, o espiritismo fez derro- car o reino do maravilhoso e do sobrenatu- ral, e consequentemente a fonte da maior parte das superstições, além de outras coisas consideradas por alguns como quiméricas, impedindo também de se crer em muitas ou- tras cuja possibilidade e escassez ele demonstra. (6) (6) Allan Kardec: A Gênese, cap. I 40 (Derby Livros). ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 12
  • 15. A leitura de O Livro dos Médiuns, de A Gênese e de Obras Póstumas, revela-nos toda a elabora- ção, por Allan Kardec, das bases científicas da pa- rapsicologia moderna; ele conhecia a telepatia, que designava por "telegrafia espiritual", a fotografia do pensamento, a clarividência, a qual denominava "lucidez", a precognição (para a qual tentou uma explicação racional), as aparições de vivos, dos fe- nômenos de bilocação (out-of-body, assim dizem os parapsicólogos anglo-americanos) e que desig- nam pelo termo de "bicorporeidade", e os fantas- mas materializados, a que deu o nome de "agê- neres". Também não ignorava, tão pouco, a ideoplastia (modelagem da matéria, subtil ou completa, pelo pensamento), que tem um papel importante na ectoplasmia e nas teorias metapsíquicas; deu nume- rosos exemplos das descobertas "fluídicas" do pen- samento, observadas no "laboratório do mundo in- visível." (7) Num estudo publicado na Revista Espírita (julho de 1861), Allan Kardec escrevia: Não se tendo em conta o elemento espiri- tual, a ciência encontra-se na impossibilidade de explicar uma série de fenômenos, caindo no absurdo por querer considerar tudo como matéria. É, principalmente, na medicina que o elemento espiritual tem um papel impor- (7) Allan Kardec: Livro dos Médiuns, cap. VII (Derby Livros). ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 13
  • 16. tante; quando os médicos não o têm em conta eles se afastam do caminho, onde muitas ve- zes poderão encontrar a luz que os guiará mais seguramente no diagnóstico e no trata- mento das doenças. Poderá não ter sido ele, de fato, o detentor da verdade fundamental que hoje em dia se pretende demonstrar com a psicoterapia, a psicanálise, o mé- todo de Coué, a medicina psicossomática e a sofro- logia, sabendo que aquilo a que chamamos "sub- consciente", a criptopsíquica (como dizia Charles Richet), é a parte oculta do ser que exerce uma influência permanente no nosso equilíbrio físico e mental e no nosso comportamento cotidiano? Não será isso, também, uma forte intuição dos "circuitos de energia" que o Ocidente só muito re- centemente conheceu e que está na base da acupun- tura chinesa? E dos diagnósticos médicos pratica- dos pelos investigadores soviéticos para a análise das "auras" obtidos com a ajuda dos processos foto-eletrônicos kirlian? A influência do subconsciente exerce-se igualmen- te nos fenômenos paranormais e nas diversas for- mas de mediunidade, como o demonstrou Gabriel Delanne (8) e Allan Kardec jamais o ignorou. Apesar do estudo da mediunidade como parte integrante do espiritismo ainda estar longe de se completar, estamos também longe dos tempos em que bastava crer-se no recebi- (8) Gabriel Delanne: Investigações sobre a Mediunidade (Derby Livros). ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 14
  • 17. mento dum impulso mecânico para nos con- siderarmos médiuns e estarmos aptos a rece- ber as comunicações dos espíritos. O pro- gresso da ciência espirita, que é enriquecido em cada dia através de novas observações, demonstra-nos todavia as diversas causas e sensíveis influências, das quais não podemos duvidar e que com todos os seus benefícios nos advém do mundo espiritual. (9) (9) Revista Espirita, maio de 1865, pág. 155. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 15
  • 18. A MATÉRIA E O FLUIDO UNIVERSAL A noção de "fluido" foi elaborada no século 17 e no início do século 19, pela escola magnética, com Mesmer, Puységur, Deleuze, Cachagnet e o Barão Du Potet, pelos investigadores da Reichen Back e através das experiências de Agenor de Gas- parin (1853) e de Marc Thury (1858) sobre as mesas girantes. Na obra de Allan Kardec, o fluido individual donde provém o "perispírito", elo semimaterial en- tre o espírito e o corpo, é uma particularidade do "fluido cósmico universal". Este corresponde ao que William Crookes mais tarde apelidou de "pro- tyle". É a matéria elementar primitiva "da qual as modificações e transformações constituem as inu- meráveis variedades dos corpos da natureza." (10) Como princípio elementar universal, ofe- rece dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade que se pode consi- derar como estado normal primitivo, e o de (10) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 2. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 16
  • 19. materialização ou de ponderabilidade, que é, de certo modo, consecutivo àquele. O ponto intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível; porém, ainda neste caso, não há transição brusca, pois podemos con- siderar os nossos fluidos imponderáveis como um termo médio entre dois estados. (11) Estas linhas, escritas em 1868, demonstram que a noção de "fluido", segundo Allan Kardec, se integra num conceito nitidamente "monista", unitário, de substância universal e constitui uma demarcada an- tecipação das teorias energéticas modernas. Numa outra passagem, ele é também bastante claro: A matéria tangível, tendo por elemento pri- mitivo o fluido cósmico etéreo, ao desagregar- se deve poder voltar ao estado de eterização, assim como o diamante, o mais duro dos cor- pos, se pode volatizar num gás impalpável. A solidificação da matéria, na realidade, não passa de um estado transitório do fluido uni- versal, o qual pode voltar ao seu estado pri- mitivo quando as condições de coesão cessam de existir. (12) Estes estudos de Allan Kardec precedem, curio- samente, os de Gustave le Bon, publicados em 1906 (11) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 2. (12) Allan Kardec: A Gênese, cap. XIV, § 6. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 17
  • 20. e 1907, sobre a "materialização do éter" e a "volta da matéria ao éter". (13) Precedem ainda, e em maior número, as expe- riências de Fréderic e Irene Juliot-Curie, sobre a materialização dum "Photo-Gama", corpúsculo de luz, em duas cargas eléctricas de tipos opostos, ou seja num "pare" constituinte elementar da matéria. Allan Kardec parece ainda ter tido a presciência, trinta anos antes da descoberta por Becquerel, da rádioatividade: Quem sabe mesmo se, no estado de tangi- bilidade, a matéria não é susceptível de adqui- rir uma espécie de eterização que lhe daria propriedades particulares? (14) Em O Livro dos Espíritos, publicado em 1857, já encontramos ensinamentos monistas, atribuídos não só a Allan Kardec, como também aos seus instruto- res espirituais; segundo estes ensinamentos, a maté- ria é formada por "um só elemento primitivo": Os corpos que considerais simples não são verdadeiros elementos, mas sim transforma- ções de matéria primitiva. As diferentes propriedades de matéria são modificações que as moléculas elementares sofrem, por defeito da sua união, em certas circunstâncias. (13) Gustave Le Bon: A Evolução da Matéria (1906); A Evolução das Forças (1907). (14) Allan Kardec: A Gênese, 1868, cap. XIV, § 6. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 18
  • 21. A unidade de substância é muito claramente enun- ciada. Allan Kardec, com a sua ponderação habitual, acentua: O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o car- bono e todos os corpos que nós consideramos simples não são mais que meras modifica- ções duma substância primitiva. Na impossi- bilidade em que ainda nos encontramos de remontar, a não ser pelo pensamento, a esta matéria primitiva, esses corpos são para nós verdadeiros elementos, e podemos, sem maio- res consequências, considerá-los como tais, até nova ordem. A possibilidade das transmutações (que se obtêm nos laboratórios actuais de física atômica) é igual- mente designada como conseqüência normal da uni- dade da matéria: A mesma matéria elementar é susceptível de experimentar todas as modificações e de adquirir todas as propriedades? — Sim, e é isso que se deve entender quan- do dizemos que tudo está em tudo. Quanto a sabermos se isto é exato, "a opinião dos que não admitem na matéria mais do que dois elementos essenciais: a força e o movimento, enten- dendo que todas as demais propriedades não pas- sam de efeitos secundários, que variam em confor- midade à intensidade da força e à direcção do mo- vimento", os instrutores invisíveis respondem afir- ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 19
  • 22. inativamente, mas insistem na estrutura interna dos elementos: Esta opinião é exata. Falta somente acres- centar que, também, segundo a disposição das moléculas, como se vê, por exemplo, num corpo opaco que se pode tornar transparente e vice-versa. Quanto à forma das moléculas ele é: Constante para as moléculas elementares primitivas, mas variável para as moléculas se- cundárias, que são aglomerações das primei- ras. Isso a que chamais moléculas está ainda longe da molécula elementar. (15) Esta última consideração dá-nos a conhecer cla- ramente os constituintes inter-atômicos de hoje em dia, tais como os electrões, os protões, os neutrões, demonstrando seguidamente e sem ambiguidade a afinidade entre a matéria e a eletricidade: O fluido universal, ou primitivo, ou elemen- tar... é suscetível de inúmeras combinações: o que chamais de fluido elétrico, fluido mag- nético, são modificações do fluido universal, que não ê, propriamente dito, senão matéria mais perfeita, mais sutil e que se pode con- siderar independente. (16) (15) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, 1857, livro I, cap. II, § 24 a 30. (16) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, livro I, cap. II, § 27. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 20
  • 23. A infinita variedade de formas e graus de con- densação da matéria existente no universo tem sido ao longo dos tempos designada por matéria, pois entendemos que matéria é tudo aquilo que impres- siona nossos sentidos e é impenetrável: Do vosso ponto de vista isto é exato, por- que não falais senão do que conheceis; mas a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que nenhuma impressão vos cause aos senti- dos. Contudo, é sempre matéria, embora não o seja para vós. (17) Com efeito, a ciência moderna revela-nos hoje em dia a existência no universo de estados extre- mamente rarefeitos da matéria; assim, a substância da estrela da Antares é um gás em média mil vezes mais impalpável do que o ar que respiramos. A den- sidade das nebulosas visíveis, como a Orion, é um milhão de vezes inferior à máxima até hoje conse- guida do vácuo e obtida nos laboratórios terres- tres. Apesar disso, a densidade destas nebulosas é ainda dez mil vezes superior à das "nuvens cósmicas provenientes dos nevoeiros que dificultam as obser- vações astronômicas". (18) A confirmação científica dos ensinamentos refe- rentes à matéria recebidos por Allan Kardec, de- monstram-nos ao mesmo tempo a evidente possi- (17) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, livro I, cap. 11, § 22. (18) Jetan Tribaud: Energia Atômica e Universo. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 21
  • 24. bilidade do caráter mais ou menos "fluidico" ou mais ou menos "tangível" das formas espirituais materializadas, no decorrer das sessões espiritas. * * * Em 1905, um investigador nessa data ainda des- conhecido, chamado Albert Einstein, demonstrou matematicamente a equivalência da matéria e da energia. Resultando — todas as técnicas "nucleares" são baseadas neste f a t o — que a matéria é a ener- gia em movimento e que a massa é em função da velocidade. São os movimentos extremamente rápi- dos das "partículas" da energia dentro dos átomos, que produzem a massa da matéria. Sabemos, no entanto, que a energia considerada até hoje como essencialmente impenetrável, possui uma massa e que, por exemplo, a energia irradiada pelo sol proveniente da sua substância, representa quatro milhões de toneladas de luz. Ora, em O Livro dos Espíritos lemos: (19) A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria? — Da matéria tal como a entendeis, sim; mas não da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e subiil que cons- titui esse fluido é para vós imponderável, e nem por isso deixando de ser princípio da vossa matéria pesada. (19) Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, 1, cap. II, § 29. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 22
  • 25. Se substituirmos "fluido", "matéria etérea", por energia, a resposta está perfeitamente de acordo com as concepções e conceitos modernos. Allan Kardec igualmente afirma: "a gravidade é uma propriedade relativa: fora das esferas de atra- ção dos mundos, não há peso, do mesmo modo que não há alto nem baixo", bastará substituir "esfe- ras de atração dos mundos" por "campos de gra- vidade" e assim obteremos uma expressão cientifi- camente mais exata quanto à linguagem contem- porânea. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 23
  • 26. ALLAN KARDEC EVOLUCIONISTA O codificador do espiritismo moderno não foi somente um precursor no domínio da constituição energética da matéria, mas também no da biologia. Ensinou a transformação progressiva das espécies e a origem animal do homem. Exprimindo-se cla- ramente a este respeito na sua obra de síntese, A Gê- nese, publicada em 1868: Por pouco que se observe a escala dos se- res vivos do ponto de vista orgânico, reco- nhece-se que, desde o líquem até à árvore e desde o zoofito até ao homem, existe uma cadeia que se eleva gradativamente sem solu- ção de continuidade, cujos anéis têm um ponto de contato com o anel precedente: acompanhando passo a passo a série dos se- res, diríamos que cada espécie é um aperfei- çoamento, uma transformação da espécie ime- diatamente inferior. Visto que o corpo do homem está em condições idênticas aos ou- tros corpos, química e constitucionalmente, que ele nasce, vive e morre da mesma ma- neira, ele deverá ser formado nas mesmas con- dições. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 24
  • 27. Ainda que possa ferir o seu orgulho, o ho- mem tem de se resignar a não ver em seu corpo material mais do que o último anel da animalidade na Terra. È este o inexcedível argumento dos fatos, contra o qual ele pro- testará em vão. (20) Aliás, não foi necessário aguardar 1868 para ele nos ensinar a doutrina da evolução. A este propó- sito, o capitão Bourgés escreveu no seu trabalho intitulado Psicologia Transformista, Evolução da Inteligência: (21) "No decurso da sua viagem espirita em 1862, Allan Kardec visitou-nos em Provins, onde nos encontrá- vamos em guamição militar. Tivemos a satisfação de ter o Mestre entre nós, durante alguns dias. Em suas conversas, ele não escondia a nossa origem animal, falando-nos do progresso que o espírito tem de conseguir para chegar à perfeição. Recomendava- -nos, essencialmente, que aprofundássemos todos os ramos da ciência, assegurando-nos que através dela nos elevaríamos e encontraríamos em O Livro dos Espíritos os elementos que deveríamos conhecer e abraçar. Assim, em 1868 demos-lhe conta do anda- mento dos nossos trabalhos e da descoberta que julgávamos ter feito nos estudos das obras de Darwin, quanto à evolução do espírito, tal como hoje nos é apresentada." (20) A Gênese, cap. X, § 28. (21) Citado por Ch. Truffy, Palestras Espíritas, 2ª. Palestra, pp. 157-158. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 25
  • 28. Portanto, três anos somente após a publicação de A Origem das Espécies para a Seleção Natural, por Charles Darwin, dois anos antes do trabalho de Thomas Huxley, O Lugar do Homem na Natu- reza, no qual ele proclamava o parentesco do ma- caco e do homem, já Allan Kardec ensinava a ori- gem animal do homem, enquanto que o próprio Darwin somente em 1871 abordou abertamente este problema em A Descendência do Homem. Isto acontece numa época em que eminentes ho- mens, como Fabre, Flouriens, Claude Bernard e Quatrofages, uns porque eram discípulos de Cuvier, outros por razões de ordem religiosa, se opunham ao evolucionismo e sustentaram em França uma tal oposição a estas novas ideias que, em 1873, o Insti- tuto de França recusa eleger Darwin como seu cor- respondente estrangeiro. Basta situarmos Allan Kardec no ambiente inte- lectual da sua época, para bem avaliarmos até que ponto o seu pensamento era vanguardista. Ele já havia, com efeito, ultrapassado, antes de Henri Bergson, Gustave Geley ou Teilhard de Char- din, a etapa estritamente materialista que o evolu- cionismo atravessou no seu início: Quanto mais o corpo diminui de valor a seus olhos (os olhos do homem), mais o princípio espiritual ganha importância; se o primeiro o nivela com os ignorantes, o se- gundo o eleva a uma altura incomensurável. Vemos o círculo onde o animal se detém; não vemos o limite que possa alcançar o es- pírito do homem. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 26
  • 29. O materialismo pode, por aí, perceber que o espiritualismo, longe de pôr em dúvida as descobertas da ciência, e sua atitude positiva, vai mais longe provocando-as, pois é certo que o princípio espiritual, que tem sua exis- tência própria, não pode sofrer nenhum dano. O espiritismo caminha a par com o mate- rialismo, no terreno da matéria; admite tudo o que este admite; porém, onde o materia- lismo se detém, o espiritismo prossegue. O espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham lado a lado, partindo do mesmo ponto; chegados a uma certa dis- tância, um diz: "Não posso ir mais longe"; o outro continua a sua rota e descobre um mundo novo. (22) Substituamos "materialismo" por "parapsicolo- gia" e teremos um mesmo programa de colaboração e de adiantamento que caracteriza o esforço da reno- vação que atualmente prosseguimos. (22) A Gênese, cap. X, § 29-30. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 27
  • 30. ALLAN KARDEC E AS RELIGIÕES É situando o pensamento e a obra de Allan Kar- dec no contexto da sua época que poderemos apre- ciar o seu caráter vanguardista, sob o ponto de vista científico. Da mesma forma podemos com- preender as suas posições quanto às questões reli- giosas. Quando estudamos atentamente a obra de Allan Kardec, nela encontramos três períodos distintos: após a exposição da doutrina, a parte filosófica da ciência espirita em O Livro dos Espíritos e depois a parte experimental, com a teoria científica dos fenômenos e sua classificação, em O Livro dos Médiuns. Num segundo período, apercebemo-nos de que Allan Kardec perante o sucesso inesperado do seu primeiro trabalho, sentiu-se na necessidade não só de renunciar ao isolamento e à sua tranquilidade, como também de responder às insistentes solicita- ções de milhares de correspondentes ávidos de conhecer o espiritismo, embora não desejassem romper com as suas crenças, às quais se encon- travam radicados. É este um período insólito e que poderemos considerar de concessão à socie- ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 28
  • 31. dade. É assim que Allan Kardec — que embora desde a sua juventude tivesse acalentado a espe- rança duma reforma evangélica do cristianismo — sentindo-se na obrigação de esclarecer, quanto à sua religião, os cristãos que se lhe dirigiam, publica a Imitação do Evangelho, título primitivo do Evan- gelho Segundo o Espiritismo, e seguidamente O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. Entre estas obras e A Gênese, publicada mais tarde, medeia um pequeno período em que o "crente" cristão e o professor de ciências parecem dominar-se alternadamente e cujas contradições não podem escapar a uma análise atenta (o espi- ritismo estava definido não só como uma ciência positiva, tendo por base a observação dos fatos sem ideia preconcebida, como também a revelação dos ensinamentos de Jesus) e que caracterizam este seu período de confusão e mesmo de retrocesso, se considerarmos as suas consequências atuais, pois encobre gravemente o caráter não confessional, laico e universal da doutrina em sua essência. É exclusivamente nesta parte da obra kardequiana que se apoiam as correntes ideológicas que pre- tendem ignorar os seus dois primeiros trabalhos e os cinco anos de pensamento ativo que decorreram entre a publicação de O Evangelho Segundo o Es- piritismo e o falecimento do Mestre, pretendendo fazer do espiritismo — isto para grande satisfação dos seus adversários — uma nova religião, tendo em vista uma certa forma de cristianismo, baseada num esquema muito elementar afastado quanto possível da real e complexa evolução religiosa da humanidade, a de uma "terceira revelação"; a dos ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 29
  • 32. espíritos, em seguimento da segunda, a do Cristo, e que sucede à primeira, a de Moisés! * * * No entanto, a ideia do caráter universal e evo- lutivo do espiritismo, distinto de todos os cultos e encontrando a sua força essencial na observação científica e indução racional, domina toda a sua obra. Na sua viagem de 1862 junto dos vários grupos da província, ele declarou que "se o espiritismo se colocasse abertamente no terreno de qualquer re- ligião, ele se afastaria das outras", perpetuando assim "o antagonismo religioso que ele pretende esbater", que "as questões de moral são de todas as religiões e de todos os países" e que "o espi- ritismo é um terreno neutro no qual todas as opi- niões religiosas se podem encontrar e dar as mãos." (23). Talvez que se Allan Kardec tivesse nascido num país muçulmano, as circunstâncias fossem outras, e ele poderia ter escrito, com maior ou menor oportunidade, "O Alcorão Segundo o Espiritismo", ou se até tivesse nascido na Índia, "O Upanishads e o Bhagavad-Gita Segundo o Espiritismo". Se os estudos sobre os textos sagrados da Índia antiga na época de Allan Kardec estivessem sufi- (23) Allan Kardec: Viagens Espiritas em 1862. Instruções particulares dadas nos grupos em respostas a algumas das perguntas formuladas, X I . ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 30
  • 33. cientemente desenvolvidos, certamente que ele não teria sido menos categórico, quanto ao valor dos seus ensinamentos, do que o foi o papa João XXIII quando da sua viagem à Índia. Este ponto de vista é confirmado pela análise que insere na "Introdução" de O Evangelho Se- gundo o Espiritismo (1864), comparando a dou- trina de Sócrates e Platão aos princípios do espi- ritismo, e ainda pelo profundo estudo dedicado a Maomé e o islamismo (Revista Espirita, agosto e novembro de 1866) e, remontando às suas ori- gens, descreve a mediunidade de Maomé, con- testa a veracidade das narrativas difamantes, "acen- tua" o profundo sentimento de piedade que o ani- mava, a ideia grande e sublime que ele fazia de "Deus", cita passagens do Alcorão relativas ao re- torno à Terra "para nos corrigirmos" e a "má- xima caridade e tolerância que gostaria de ver em todos os corações cristãos". (24) É a aurora dum terceiro período, a que pode- (24) As línguas, literaturas e religiões da Índia e da Pér- sia eram muito pouco conhecidas no Ocidente naquela época. Foi o sábio orientalista Eugênio Burnouf (1801-1852} que reconstituiu, com a ajuda do sânscrito, a língua zenda empregada nos livros sacros iranianos e atribuídos a Zo- roastro (Zaratustra). Através de outros trabalhos muito importantes, Burnouf revelou a origem, os princípios e a história do budismo. O primeiro tomo da sua Introdução à História do Budismo foi publicado em 1844. Sabemos no entanto que todo o período decorrido entre 1828 e 1849 foi inteiramente consagrado por Léon Rivail, o futuro Allan Kardec, à reforma do ensino e a seus trabalhos pedagógi- cos. Ele não teve nessa altura nem posteriormente, conhe- cimento destas investigações no domínio das religiões, pois deixou-se empolgar pela expansão do movimento que havia criado e promovera. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 31
  • 34. remos chamar de reparação e prosseguido por Allan Kardec até à sua morte. Um desses últimos testemunhos, que por desejo unânime dos seus mais próximos colaboradores a "Sociedade Espírita", é o dólmen erigido em seu túmulo, como "a mais expressiva demonstração do caráter do homem e a obra que ele se esforçou por simbolizar" (Revista Espirita, junho de 1869). Dólmen evocador da filosofia céltica que Allan Kar- dec tanto admirava e que, desde a introdução do cristianismo na Gália, foi objeto — não o pode- mos ignorar — de cruéis perseguições, cujos mo- numentos, usos e tradições foram sistematicamente destruídos e desfigurados. Este período de reparação ou correção, mani- festa-se muito nitidamente com a publicação de A Gênese, Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo em janeiro de 1868, onde a noção de "revelação" ultrapassa o caráter um pouco pri- mário que imprimiu nos seus dois trabalhos pre- cedentes, a fim de apresentar a revelação perma- nente, contínua e progressiva da ciência, como iní- cio para o estudo do mundo físico (astronomia, geo- logia, paleontologia, fisiologia) e culminando no co- nhecimento do mundo espiritual. Este aspecto fundamental, consolidado pelo pen- samento de Allan Kardec, do qual Gabriel Delanne, através da sua obra científica, foi o continuador e porta-voz quando declarava que "o espiritismo se suicidaria se se deixasse arrastar por certas for- mas cultuais existentes hoje em dia" (25) — se afir- (25) Gabriel Delanne - As Conseqüências Filosóficas do Espiritismo, Revista Científica e Moral do Espiritismo, outubro de 1910. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 32
  • 35. ma ainda no seu Projeto da Constituição do Espi- ritismo publicado na Revista Espirita (dezembro de 1868) que com seus comentários e outros textos da mesma revista recolhidos por P. G. Leymarie e publicados em Obras Póstumas, constituem de fato o testamento filosófico de Allan Kardec. Confirma ele, ainda mais categoricamente, o ca- r á t e r não cultual, não-sectário, não-religioso do espiritismo, que "teve como todas as coisas o seu período primário" e que definia como "resultante de milhares de observações feitas em todos os pon- tos do Globo, que lhe eram enviadas e que ele coligia e coordenava". Ainda, no último número da Revista Espirita redigido por ele (abril de 1869) e que saiu a pú- blico no próprio dia do seu falecimento (31 de março de 1869), ele comparava a "profissão de fé espirita americana", aos princípios fundamentais da doutrina segundo "a escola europeia" tal como ele os enunciava (26) — última expressão que deu à doutrina — confirmando claramente o caráter estritamente científico-filosófico desta e a sua neu- tralidade total perante quaisquer tradições religiosas. Estes princípios fundamentais, que vêm enuncia- dos no final do presente trabalho, completam, assim, o preâmbulo do Credo Espirita. (26) Revista Espirita, abril de 1869, pp. 102 e 106. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 33
  • 36. O MÉTODO DE ALLAN KARDEC Em A Gênese, o fundador do espiritismo mo- derno afirma que "a ciência é convocada a cons- tituir a verdadeira gênese, conforme as leis da natureza (27) que "se a religião se recusar a cami- nhar com a ciência, a ciência prosseguirá só" (28), e que: "Enquanto o homem não conheceu as leis que regem a matéria, e enquanto não pôde aplicar o método experimental, andou errando de sistema em sistema no tocante ao mecanismo do universo c à formação da Terra. Tanto na ordem moral como na ordem física se tem dado o mesmo; a fim de fixar as ideias tem faltado o elemento essen- cial: o conhecimento das leis do princípio espiri- tual. Este conhecimento estava reservado à nossa época, como o conhecimento das leis da matéria foi obra dos dois últimos séculos." (29) Em Obras Póstumas, os textos da Constituição do Espiritismo afirmam nitidamente a necessidade de precisão e clareza em todos os pontos da dou- trina e o seu caráter essencialmente progressivo: (27) Cap. IV, § 3, 15, 16, 17. (28) Idem, § 9. (29) Idem, § 15. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 34
  • 37. Porque ela não se deixa embalar por so- nhos irrealizáveis no presente, não se segue que deva imobilizar-se. Apoiada exclusiva- mente nas leis naturais, não pode variar mais do que essas leis, mas se uma nova lei for descoberta, deve juntar-se às demais; não deve fechar as portas a qualquer progresso sob pena de se suicidar; assimilando todas as ideias conhecidas como justas, quer se- jam de ordem física ou metafísica, nunca será ultrapassada, sendo esta uma das prin- cipais garantias da sua perpetuidade. (30) O exame profundo da obra de Allan Kardec, de toda a sua obra, permite-nos não nos afastarmos das linhas essenciais e definir claramente sua meto- dologia: O espiritismo — escreve ele — dirige-se aos que não crêem ou que duvidam, e não aos que têm fé e aos quais esta lhes basta; ele não diz a quem quer que seja que renuncie ás suas crenças para adotar as nossas e nisto é coerente com os princípios de tole- rância e de liberdade de consciência que pro- fessa... acolhei dedicadamente os homens de boa. vontade, dai-lhes a luz que procuram, pois com os que julgam já possui-la não te- reis êxitos. (31) (30) Obras Póstumas, Constituição do Espiritismo, II - Dos Cismas. (31) Revista Espirita, dezembro, 1863, p. 367. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 35
  • 38. Não deixaremos, contudo, de nos dirigir aos cren- tes, mas principalmente aos que nos procuram, pois muitos deles se tornaram materialistas por indiferença ou à falta de melhor: Apresentemos-lhes alguma coisa de racio- nal e eles a aceitarão pressurosos. Esses po- derão compreender-nos, porque estão mais próximos de nós do que poderíamos supor. Mas, aos materialistas diremos: Não falemos nem de revelações, nem de anjos, nem do paraíso; eles não nos com- preenderão; mas se nos colocarmos no seu terreno, provar-lhes-emos, porém, que as leis da filosofia são suficientes para nos dar ra- zão, o resto virá em seguida. (32) E Allan Kardec precisa o seu pensamento numa passagem que consideramos essencial e de extrema importância: No espiritismo, a questão dos espíritos está em segundo lugar, não constituindo seu ponto de partida... Sendo os espíritos sim- plesmente a alma dos homens, o verdadeiro ponto de partida, é, portanto, a existência da alma. Ora, como pode então o materialista admitir a existência de seres que vivem fora do mundo material, quando ele próprio se (32) O Livro dos Médiuns, 1ª. parte, cap. III, § 21. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 36
  • 39. considera apenas matéria? Como pode ele crer na existência de espíritos à sua volta? Se não admite o seu próprio espírito? Em vão se acumularão aos seus olhos as provas mais palpáveis que ele contestará, porque não admite tal princípio. Todo o ensino me- tódico deverá partir do conhecido para o desconhecido; para o materialista, o conhe- cido é a matéria; parti, pois, da matéria e procurai antes de tudo demonstrar-lhe que há nele próprio alguma coisa que escapa às leis naturais; numa palavra, antes de torná-lo espírita, procurai fazê-lo espiritualista;mas para isto, torna-se necessária outra ordem de fatos, devendo-se proceder, por outros meios a um ensino muito especial; falar-lhe de espíritos antes de ele estar convencido de que tem uma alma é come çar pelo fim, pois ele não poderá admitir con- clusões sem que aceite premissas. Antes, po- rém, de se tentar convencer o incrédulo, mes- mo através dos fatos, devemos assegurar- -nos da sua opinião sobre a existência da alma, ou seja, se ele crê na sua sobrevivên- cia ao corpo, na sua individualidade após a morte; e se a sua resposta for negativa, então terá sido tempo perdido falar-lhe de espíritos. (33) Este "ensinamento muito especial", ao qual Allan Kardec faz alusão e consiste em começar pelo co- meço, conforme mais tarde o afirmou Alexandre (33) O Livro dos Médiuns, 1ª. parte, cap. III, § 19. ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 37
  • 40. Aksakof, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano e Gabriel Delanne, destina-se, antes de tudo, ao es- tudo e à demonstração, nos seres vivos, de facul- dades além das limitações corporais — demonstra- ção que hoje em dia constitui a missão histórica da parapsicologia — daquelas faculdades que en- volvem a atividade autônoma da alma. São estes conhecimentos conseguidos através de uma investigação metódica do conhecido ao desco- nhecido, servindo a primeira demonstração de in- trodução ao estudo das manifestações póstumas, por uma aproximação de conclusões e a partir de premissas, e a segunda demonstração como com- plemento da primeira, ou seja, a sobrevivência da alma, tal como afirmou vigorosamente o grande filósofo Henri Bergson — perante qualquer decep- ção que possamos experimentar quanto aos para- psicólogos que se preocupam em não nos deixar sair do campo materialista — "se os fatos, estudados independentemente de todo o sistema nos levam, pelo contrário, a considerar a vida cerebral, a so- brevivência torna-se tão verossímil que a obrigação de a provar competirá antes àquele que o nega do que ao que a afirma porque, a única razão para crer na destruição da consciência após a morte é a visão da decomposição do corpo, e esta razão deixa de ser válida se a independência da quase totalidade da consciência relativamente ao corpo é ela própria também um fato." (34) (34) Henri Bergson: Fantasmas de Vivos e Investigação Psíquica (discursos presidenciais na Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres, 28 de maio de 1913), em A Energia Espiritual (Imprensa Universitária de França). Edição Digital: Pense - Pensamento Social Espírita www.viasantos.com/pense março de 2009 ALLAN KARDEC, SUA VIDA E SUA OBRA - André Dumas PENSE 38