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Aline Deyques Viera
O clarim dos marginalizados.
A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea
Rio de Janeiro
2011
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Letras
Aline Deyques Viera
O clarim dos marginalizados.
A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Letras, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração de: Teoria da Literatura
e Literatura Comparada.
Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Aparecida Andrade Salgueiro
Rio de Janeiro
2011
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte
__________________________ __________________
Assinatura Data
V665 Viera, Aline Deyques.
O clarim dos marginalizados: a literatura marginal/periférica na
literatura brasileira contemporânea / Aline Deyques Viera. - 2011.
93f.
Orientadora: Maria Aparecida Andrade Salgueiro.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Letras.
1. Literatura popular - Teses. 2. Literatura de rua - Teses. 3.
Exclusão social - Teses. 4. Literatura brasileira – Aspectos sociais-
Teses. 5. Cultura popular – Brasil – Teses. 6. Cultura de massas –
Teses. 7. Indústria cultural – Teses. I. Salgueiro, Maria Aparecida
Ferreira de Andrade . II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Letras. III. Título.
CDU 82-91
Aline Deyques Viera
O clarim dos marginalizados.
A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Letras, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Teoria da Literatura e
Literatura Comparada.
Aprovada em 31 de março de 2011.
Banca Examinadora:
_____________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Aparecida Andrade Salgueiro (Orientadora)
Instituto de Letras da UERJ
___________________________________________________
Prof. Dr. Victor Hugo Adler Pereira
Instituto de Letras da UERJ
___________________________________________________
Prof. Dr. José Luis Giovanoni Fornos
Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande
Rio de Janeiro
2011
DEDICATÓRIA
Ao meu avô, Mário Souza Viera, que, em vida, acreditou e incentivou as
minhas pretensões e me ensinou que a vida pode ser doce em momentos
tristes com um gosto “rapadurinha de leite”.
E a todas as pessoas que trabalham para fazer desse mundo um lugar de
igualdade e respeito.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES - pelo
financiamento dado à pesquisa, o que possibilitou a minha dedicação a esta dissertação.
À professora / orientadora Dra. Maria Aparecida Salgueiro, pela orientação, incentivo e pelo
afeto maternal dado durante estes árduos dois anos.
Ao professor Victor Hugo Adler Pereira, pela ajuda, pelos conselhos e pela amizade sempre
concedida a mim em momentos de dificuldade e de alegria.
Ao professor José Luís Giovanoni Fornos que, quando descobriu a minha pretensão em
ingressar no Mestrado nesta Universidade, deu-me todo o incentivo.
À Secretaria de Pós-Graduação por sempre ter me concedido atendimento quando surgiam as
dúvidas.
Aos integrantes do RAP (Reflexão Ação e Política) pelas teorias e conhecimentos
compartilhados durante o ano do qual pertenci ao grupo.
Aos escritores que fazem parte desta dissertação: Dona Laura, Elizandra Souza, Alessandro
Buzo, Allan da Rosa e Ferréz pela disponibilidade e cordialidade com que me receberam e
concederam as entrevistas.
À minha mãe por ter me ensinado a sobreviver, pela ajuda e pelo incentivo.
Ao meu pai, por seu meu anjo da guarda, pela ajuda nos momentos mais difíceis, pela não
compreensão do que estou fazendo e por simplesmente me amar.
Aos meus irmãos/amigos Hallana Garske e Abel da Rosa por estarem sempre comigo mesmo
a distancia.
Aos amigos do Rio Grande do Sul: Letícia Chaplin, Renata Troca, Daiane Bulsing, Profª.
Cristina Zardo, Marisa Musa, Leoni Garske, pelo apoio à minha jornada acadêmica, por
aguentarem meus momentos de histeria pela saudade sentida e por me proporcionarem um
sorriso a cada reencontro.
Aos amigos do Rio de Janeiro: Fernanda Corecha, Tamara Cunha, Giovanna Fernandes,
Victor Ribeiro e Sérgio Vinicius Surcin, pelas cervejas no bar, pelos momentos de felicidade
e pelos ombros e abraços para me consolarem quando a depressão e o sentimento de
desistência batiam.
À Mirna Aragão pelos conselhos e incentivo a esta dissertação.
Ao poeta Severino Honorato e à poetisa Valéria Barbosa, pela simpatia, pela ajuda no evento
‘Poesia Favela’, o qual também faz parte desta dissertação, e por serem poetas.
À Érica Peçanha pela ajuda, recepção e sua rica contribuição em minha pesquisa.
À ‘Companhia Teatral Nósconosco’ pelo apoio nos momentos de dificuldade e aos meus
estudos.
Ao meu tio Cleiner Deyques, à minha tia Elizama Deyques e à minha prima Natália Deyques
pela acolhida e pelo carinho que tive logo na chegada ao Rio de Janeiro.
O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar. O que mais
favorece o neoliberalismo não é a miséria material das massas, mas sua ignorância as conduz
a esperarem a solução do próprio sistema, consolidando sua condição de massa de manobra.
A função central da educação de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de massa de
manobra, como bem queria.
Paulo Freire
RESUMO
VIERA, Aline Deyques. O clarim dos marginalizados. A literatura marginal/periférica na
Literatura Brasileira Contemporânea. 2011. 93f. Dissertação (Mestrado em Teoria da
Literatura e Literatura Comparada) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
A presente dissertação tem como objetivo principal problematizar a questão da
Literatura Marginal / Periférica e apresentá-la no âmbito da Literatura e das Culturas. Para a
construção do trabalho, foram utilizados teóricos que trabalham e reveem conceitos de
cultura, não cristalizados, tais como, Cultura Popular, Cultura de Elite e Cultura de Massa,
tendo em vista uma concepção de mercado e de socialização da arte. Ao mesmo tempo, a fim
de inserir este novo movimento literário no âmbito das artes e das instituições, foram feitas
entrevistas e utilizadas obras literárias de três autores (Ferréz, Alessandro Buzo e Allan da
Rosa) e de uma autora (Elizandra Souza) que atuam na cena literária marginal / periférica.
Para sua concretização, o estudo toma como referência as indagações e as recepções diante
das culturas e da indústria cultural, ao traçar um panorama de como este movimento vem
atuando na Literatura Brasileira Contemporânea.
Palavras-chave: Literatura Marginal. Culturas Híbridas. Instituições.
ABSTRACT
The present dissertation aims at raising issues around the so–called Marginal or
Peripheral Literature and at locating it in the field of Literature and Culture. In the
organization of the work, intellectuals working and revising culture-related non-crystallized
concepts, such as Popular Culture, Culture of the Elites and Mass Culture have been used,
taking into consideration conceptions related to the market and to the socializing of art. At the
same time, in order to place this new literary movement in the field of the arts and
institutions, interviews were made and literary works by four different authors who are active
participants in the marginal / peripheral literary scene were used: three male authors (Ferréz,
Alessandro Buzo and Allan da Rosa) and one female author (Elizandra Souza). In the
background, the present study takes into consideration different questionings and reception to
both culture and industrial culture, as it designs a panorama of the way such movement has
been presented in Contemporary Brazilian Literature.
Keywords: Marginal literature. Hybrid Cultures. Institutions.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1
A LITERATURA E AS VARIAÇÕES DO TERMO “MARGINAL” A
PARTIR DA DÉCADA DE 50
18
1.1 Algumas expressões do marginalizado na Cultura Brasileira 18
1.2 Por uma literatura diferenciada dos conceitos: o caso da Poesia Marginal 28
1.3 O Marginalizado na Literatura Brasileira nas décadas de 60 e 70: os
casos Carolina Maria de Jesus e Rubem Fonseca.
31
2 A LITERATURA E ARTE NA CONTEMPORANEIDADE 36
2.1 O artista e o marginalizado 36
2.2
O culto e o popular nas relações artísticas e nos meios sociais
institucionalizados: o olhar sobre Literatura Marginal/Periférica
43
2.3 A hibridização da identidade “marginal” 49
3
CONSIDERAÇÕES SOBRE LITERATURA MARGINAL
PERIFÉRICA
59
3.1 Quando o clarim soou: considerações iniciais da arte Marginal/Periférica 59
3.2 A Literatura como fato social e identidade de um local 66
3.3
O Posicionamento da Literatura Marginal/Periférica diante da Indústria
Cultural e de Políticas Públicas
70
3.4
Literatura Marginal/Periférica e sua recepção em meios cultos, populares
e massivos
74
4 CONCLUSÃO 79
REFERÊNCIAS 84
APÊNDICE - Imagens visuais 89
10
INTRODUÇÃO
A periferia está na moda.
Esta fala aparece no filme Os 12 trabalhos (2007), produzido pelo cineasta
Ricardo Elias e lançado em um período de crescente efervescência no âmbito das artes e da
vida periférica. A cena da referida fala se dá quando Carmem, uma professora de Literatura
aposentada, interpretada pela atriz Lucinha Lins, conversa ao telefone sobre os seus trabalhos,
fazendo uma referência ao que ocorre na cultura e na literatura atualmente.
O filme, mesmo referindo-se ao cotidiano de pessoas pertencentes à periferia traz
uma intertextualidade com a literatura clássica e com a mitologia grega: Os 12 trabalhos de
Hércules1
. Nessa obra, através do mito de Hércules e da intertextualidade, temos um herói na
história tão valente quanto o Hércules da mitologia.
Heracles, interpretado pelo ator Sidney Santiago, um menino recém-saído da
FEBEM (Fundação Estadual pelo Bem-Estar do Menor) é levado por seu tio para trabalhar
em uma empresa de motoboys. O herói marginal terá que cumprir doze tarefas na empresa
enfrentando o caos de São Paulo em um dia.
A frase citada acima e o desenvolvimento do filme nos chamam a atenção ao
colocar em questão algumas temáticas. Algumas delas serão apresentadas nesta Dissertação.
Heracles, o herói-marginal de Os doze trabalhos representa uma metáfora de
vários heróis-marginais que atualmente vivem nas periferias do Brasil. O mesmo, recém saído
da FEBEM, tentando se regenerar através do trabalho e da escrita, sonha, tem o desejo de ter
uma vida melhor, de ser um escritor. Porém, Heracles é da periferia, um lugar rodeado de
preconceitos, onde a mídia só demonstra que há bandidos, assassinos e traficantes. Diante
deste filme, é esperado que indagações surgirão perante os processos simbólicos e imaginários
que o longa-metragem propõe, como por exemplo: ‘Curioso repararmos em seu nome...Como
um nome tão clássico está na periferia?’; ‘Como um menino pobre, que já foi preso, se
interessa pela leitura e pela literatura?’ Tais questões nos remetem a pensarmos que devido
aos preconceitos sempre
1
Os doze trabalhos de Hércules é uma narrativa que descreve o cumprimento das penitências sofridas pelo filho
de Zeus, Heracles, que em português, devido à romanização, tornou-se conhecido pelo nome de Hércules.
11
existentes nos meios cultos, midiáticos, políticos e sociais, ainda não se descobriu, de fato, a
periferia e a sua produção cultural em alguns meios.
As questões abordadas no filme fazem com que se revelem ao olhar da
sociedade algumas perspectivas que abarcam a essência do que se tem como questões
socioculturais impregnadas na nossa sociedade. Principalmente no que diz respeito aos
cânones e às distinções culturais da sociedade ocidental e por quem são feitos tais dogmas. O
tom pejorativo usado pela personagem, professora de Literatura, quando comenta que “a
periferia está na moda”, coloca-nos diante do fato que ainda na academia e na sociedade não
há reconhecimento do valor que a cultura popular feita pelo povo tem em nosso contexto.
Burke pondera sobre o povo:
No final do século XVIII e início do século XIX, quando a cultura popular tradicional estava
justamente começando a desaparecer, que o “povo” (o folk) se converteu num tema de
interesse para os intelectuais europeus. (BURKE, 2010, p. 26)
Sua arte não era totalmente reconhecida, porém, era vivenciada por ambas as
classes (CHARTIER, 1994). Mikhail Bakhtin, em sua aclamada obra A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais (1987), já nos mostra
como as formas híbridas de arte se perpetuavam pelas cidades através da carnavalização do
corpo grotesco, no teatro e na literatura. A praça pública representava o locus das
representações e a literatura, além, da essência, também é um documento. Rabelais, mesmo
sendo médico, encantou-se pelas formas da tradição popular, principalmente o carnaval, “a
segunda vida do povo” (Bakhtin, 1987, p. 7), no qual surgiu sua inspiração para criação de
vários personagens cômicos e grotescos representantes das oligarquias e do povo. Perante essa
posição entre as diversas formas de cultura, Bakhtin, pontuou que:
No domínio artístico, conhecemos o cânon clássico que nos serve de guia até um certo
ponto na atualidade; o mesmo não ocorre com o cânon grotesco que já há muito tempo
deixou de ser compreensível ou do qual temos apenas uma compreensão distorcida. A tarefa
dos historiadores e teóricos da literatura e da arte consiste em recompor esse cânon, em
restabelecer seu sentido autêntico. É inadmissível interpretá-lo segundo o ponto de vista das
regras modernas e nele ver apenas os aspectos que delas se afastam. (BAKHTIN, 1987,
p.26)
O grotesco representado nessas obras ocasionava sua exclusão, mas não só por ser
grotesco, e sim, porque era uma arte popular. Na modernidade, a arte culta ou elitista, com
seus estudos e sua crítica, designou certos dogmas para compreender e considerar o que
seriam as formas de arte. Entre essas questões podemos citar a do belo e da estética, dando-se,
então, a partida para as formas de uma arte propagada pelos meios dominantes, uma vez que
estes críticos, teóricos e filósofos pertenciam à elite. Ainda, mesmo passando por muitas
12
rupturas, temos até hoje a indagação quanto às questões estéticas propostas pela modernidade,
que em vários momentos, ainda nos torna presos a algumas visões de certa forma, puristas em
relação à arte e suas manifestações, quando nos apresentada diante de certas instituições.
Roger Chartier analisando a conjuntura da separação entre o culto e o popular,
aponta para duas problemáticas: a questão das obras letradas e a da separação entre essas duas
culturas. Ao revisitá-las e analisar tais procedimentos culturais, o historiador aponta que:
Por outro lado, o objeto fundamental da história ou de uma sociologia cultural compreendida
como uma história da construção da significação reside na tensão que articula as capacidades
inventivas dos indivíduos ou das comunidades com os constrangimentos, as normas e as
convenções que limitam - mais ou menos – poderosamente segundo sua posição nas relações
de dominação – que lhes é lícito pensar, enunciar e fazer. Esta constatação vale para uma
história das obras letradas, pois elas se inscrevem sempre no campo dos possíveis que as
tornam pensáveis. Vale para uma história das práticas que são, elas também, invenções de
sentido limitadas, pelas múltiplas determinações (sociais, religiosas, institucionais etc.) que
definem, para cada comunidade, os comportamentos legítimos e as normas incorporadas. Ao
caráter automático e impessoal da produção como se postula o “linguistic turn”, é preciso
opor outra perspectiva que enfatize as diferenças, as liberdades culturais e socialmente
determinadas, que os “interstícios inerentes aos sistemas gerais de normas [ou as contradições
existentes entre eles] deixam para os atores”. (CHARTIER, 1994, p.12)
O segundo problema encontrado pelo teórico condiz com a separação entre as
culturas popular e elitista que condiz na formatação simbólica quanto às representações de tais
culturas, principalmente na cultura popular:
Uma segunda dificuldade reside nas questões implícitas de uma categoria como a de “cultura
popular”. Queira-se ou não, esta categoria leva a perceber a cultura que ela designa como tão
autônoma quanto as culturas longínquas e como situada simetricamente em relação à cultura
dominante, letrada, elitista, com a qual forma um par. É preciso dissipar essas duas ilusões
complementares. De um lado, as culturas populares estão sempre inscritas numa ordem de
legitimidade cultural que lhes impõe uma representação da sua própria dependência. De outro,
a relação de dominação, simbólica ou não, nunca é simétrica: “Uma cultura dominante não se
define, em primeiro lugar, por aquilo a que renuncia, enquanto os dominados sempre se
confrontam com aquilo que lhes é recusado pelos dominantes – qualquer que seja sua atitude
depois: resignação, negação, contestação, imitação ou recalque.” (CHARTIER, 1994, p.13)
Quanto à separação da cultura, há como nos situa, o sociólogo Pierre Bourdieu, o
fato de tais manifestações de dominação cultural serem dadas por uma dominação simbólica,
que transforma o que não corresponde a uma arte elitista em sub-culturas.
A questão de se ter uma linha que represente ambas as artes como um conjunto
uno, torna-se um desafio ao pensar-se nessas duas citações teóricas. Há concepções
simbólicas e imaginárias que afastam ambas as culturas, o que acaba se referindo a muitos
espaços se tornarem imagens de exclusão devido a regras modernas.
Contudo, podemos considerar que artistas sempre existiram para poder mudar
este cenário de exclusão e formar uma concepção artística pertinente a todos e todas. Há
também a forte influência na atualidade de um sistema de consumos cultural. Partindo para o
13
contexto brasileiro, vemos que, a partir do aparecimento das vanguardas e da concretização da
Semana de Arte Moderna, pode-se dizer que há uma ruptura com uma arte elitizada, na qual
desponta um novo modo de fazer arte que propunha como matéria prima a utilização de
elementos populares e da modernidade como o folclore, a inserção da linguagem coloquial,
idéias nacionalistas, a mídia como forma de divulgação através de revistas e jornais, entre
outros elementos que não eram habituais. Tornava-se assim, uma arte, mais acessível para um
público que ultrapassava as fronteiras da elite intelectual brasileira. Dessa maneira, temos o
começo de uma arte de consumo, também denominada ‘indústria cultural’, em que meios de
comunicação de massa passam a fazer parte deste cenário como apoiadores e divulgadores de
tal forma de expressão. Porém, os modernistas tinham certas restrições sobre as vendas de
suas obras, como aponta Flávio Carneiro2
:
Se é marcante o discurso cinematográfico na obra de Oswald, através do corte, da montagem
e da multiplicidade do olhar, não está nos seus planos atingir um público tão abrangente
quanto o do cinema. Ao contrário, faz parte do ideário dos modernistas e concretistas, como,
de resto, de toda vanguarda, certo desprezo à aceitação da obra de arte pelo grande público.
(CARNEIRO, 2005, p. 23-24)
Assim, passam-se historicamente os Concretistas, o movimento da contracultura,
a Poesia Marginal (anos 70), a tendência urbana e outras tendências.
Mas há uma questão intrigante, mesmo a partir de uma “tradição da ruptura”,
como coloca Otávio Paz. Percebe-se que em todos estes movimentos há somente uma voz, a
voz de uma elite que registra a voz dos excluídos, dos que pertencem à sociedade de massa.
Como exemplo, temos o autor Rubem Fonseca, que desponta com sua literatura a partir dos
anos 60 e que, ao lado de Sérgio Sant’anna, como coloca Carneiro, reforçam o modo de
interação da literatura com a mídia, em que não há preocupação de “estabelecer limites e de
tornar uma posição ideológica definida: contra a inserção num mercado.”(CARNEIRO, 2005,
p. 25)
Acerca da Poesia Marginal, apesar de ter esta denominação, cabe lembrar que
era feita pela elite e para a elite, principalmente nas grandes metrópoles, onde geralmente
eram produzidas por jovens que faziam parte de movimentos sociais e estudantis, do qual
estes queriam fugir do mercado editorial e mimeografavam seus próprios livros.
2
CARNEIRO, Flávio. Das vanguardas ao pós-utópico: Ficção brasileira do século XX. In: No país do presente:
ficção brasileira do século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
14
Após as explanações teóricas e históricas, chega-se ao foco desta Dissertação, que
se centra em uma problematização da literatura urbana a partir da década de 70, relacionando-
a com a literatura produzida a partir da década de 90, visando à comparação entre a cultura de
elite, a cultura popular e a cultura de massa, especulando sobre suas implicações no contexto
pós-moderno. Esta Dissertação tem como proposta problematizar a literatura através de uma
investigação do conceito de pós-modernidade na arte literária, visando às novas estruturas e
discussões acerca da estética literária a partir dos anos 90.
No início da década de 90, desponta a tendência denominada ‘Arte Marginal’,
‘Literatura Marginal/Periférica’, ‘Literatura Marginal feita por marginalizados’ ou outras
tantas denominações já dadas a este movimento, que trará uma nova definição para a literatura
no Brasil do fim século XX e início do século XXI:
Os anos 90 descartam o baixo astral e inventam um fim de século rico de imagens e
criatividade. É uma década de estranhos e intrusos na festa da cultura: às mulheres somam-se
os negros, os gays, os brasileiros em Nova York. Na década que celebra a diferença, nossos
contistas exploram a fusão com o tecnológico. Pelo que deixa entrever a arte de nossos
melhores contistas atuais, parece que no futuro próximo vamos viver num país mais
heterogêneo, mais plural, embora um pouco hesitante em relação às suas novas metas. A
diversidade de estilos aponta para um período de transição, como aconteceu no final do século
passado. Mas não há temor nem entusiasmo diante do inesperado, diante do todo outro que
pode vir ou não. (MORICONI in CARNEIRO, 2005, p. 31)
Diferentemente da Poesia Marginal dos anos 70, que era produzida pela elite, a
Literatura Marginal/Periférica é feita por artistas considerados à margem da sociedade,
moradores das periferias, ribeirinhos, catadores de lixo, presidiários, entre outros. Estes
escritores vêem na literatura uma forma de construírem sua identidade perante a sociedade,
apontando os problemas que envolvem o meio do qual participam. Entre os problemas,
envolve um sistema que valoriza aquele que possui um carro de última geração, artigos que
tenham uma marca reconhecida internacionalmente, pessoas que tenham estética padronizada
pelos meios de comunicação, um nome reconhecido pela elite, onde há uma publicidade
devastadora, que governa mais que os próprios governantes e evidencia, assim, políticas
culturais baseadas em uma globalização cada vez mais submissa a um monopólio e uma
comunicação em massa manipuladora e padronizada, conforme registra o sociólogo Néstor
Garcia Canclini:
Para o resto das pessoas, se oferece um modelo de comunicação de massa, concentrando em
grandes monopólios, que se nutre da programação standard norte-americana, além de
produtos repetitivos, de entretenimento light, gerados em cada país. (CANCLINI, 1997, p.64)
15
No entanto, este mesmo sistema que não valoriza todas as manifestações culturais
vai promover a aproximação entre cultura erudita e a cultura popular, através dos mesmos
meios de comunicação de massa dando assim novos conceitos de cultura:
Mas é preciso ignorar a especificidade da situação atual que para além das coincidências
resultantes do efeito das homologias, apresenta características relativamente sem precedentes:
os efeitos que o desenvolvimento da televisão produz no campo jornalístico e, através dele,
em todos os outros campos de produção cultural, são incomparavelmente mais importantes,
em sua intensidade e amplitude, que aqueles que o surgimento da literatura industrial, com a
grande imprensa e o folhetim, provocara, suscitando entre escritores as reações de indignação
ou de revolta das quais saíram, segundo Raymond Williams, as definições modernas da
“cultura”. (BOURDIEU, 1997, p. 102)
Tendo em vista a citação de Bourdieu, podem-se indagar as seguintes questões em
meio ao cenário cultural pós-moderno: ‘O que seria a cultura de elite, a cultura popular e a
cultura de massa?’, ‘Quais seriam suas relações?’, ‘Como tais relações são veiculadas pelos
meios de comunicação?’, ‘Como os espaços acadêmicos incorporam tais relações ou
estudos?’ Para discutir questões dessa natureza, foi feito um estudo de campo como os
seguintes escritores:
Reginaldo Ferreira da Silva (Ferréz). 34 anos, estudou até o 3º colegial e reside
em Valo Velho, Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo;
Allan da Rosa, 34. Mestre em Educação, reside em Americanópolis, na zona
Sul de São Paulo;
Alessandro Buzo. 38 anos, cursou até o 7º ano do Ensino Fundamental e reside
no Itaim Paulista, Zona Leste de São Paulo;
Elizandra Batista de Souza. 27 anos, é formada em Jornalismo, e reside na zona
sul de São Paulo.
Os quatro escritores fazem parte da periferia de São Paulo e do movimento de
Literatura Marginal. Como podemos perceber em seus dados, dois já tem formação
universitária e os outros dois não. Assim, podemos ver uma quebra neste movimento ou,
então, uma mescla pela qual, já houve a circulação de dois escritores em um âmbito
considerado elitista. Estes escritores e escritora atualmente atraem diversos olhares, tanto
acadêmicos quanto culturais, artísticos e políticos.
Outra característica desse movimento é ainda o pequeno número de mulheres
escrevendo e divulgando suas obras. São poucas, visto o número de homens. Até mesmo
nesta Dissertação, há apenas uma escritora e ela mesma ainda não conseguiu lançar um livro
16
independentemente. Em conversa com esta pesquisadora, Elizandra diz sofrer ainda certos
preconceitos diante de suas poesias que, em geral, tratam da problemática da mulher negra.
Esta questão pode trazer uma nova questão, acerca da subalternidade feminina: suas vozes
ainda estão escondidas. Como aponta Spivak:
Pode o subalterno falar? O que a elite deve fazer para estar atenta à construção contínua do
subalterno? A questão da mulher parece ser a mais problemática nesse contexto.
Evidentemente, se você é pobre, negra e mulher, está envolvida de três maneiras. Se, no
entanto, essa formulação é deslocada do contexto do Primeiro Mundo para o contexto pós-
colonial (que não é idêntico ao Terceiro Mundo), a condição de ser “negra” ou “de cor” perde
o significado persuasivo. (SPIVAK, 2010, p.85)
Cabe apontar que o movimento teve como incentivo um fenômeno de vendas e de
bilheterias: Cidade de Deus, de Paulo Lins, escritor que pertencia à favela de nome
homônimo, na cidade do Rio de Janeiro, traz o estopim para que explodisse este movimento,
tornando-se um clarim aos ouvidos da classe erudita, um clarim que, ao mesmo tempo em que
incomoda, traz uma sonoridade envolvente e atrai como entretenimento. Néstor Canclini
utilizará o sociólogo Pierre Bourdieu para apontar tal fenômeno:
A independência conquistada pelo campo artístico justifica-se a autonomia metodológica de
seu estudo. Diferentemente de grande parte da sociologia da arte e da literatura, que deduzem
o sentido das obras a partir do modo de produção ou do estrato social de origem do autor.
Bourdieu considera que cada campo cultural é regido por leis próprias. O que o artista faz está
condicionado pelo sistema de relações que estabelecem os agentes vinculados com a produção
e circulação das obras, mais que pela estrutura global da sociedade. A investigação
sociológica da arte deve examinar como se formou o capital cultural do respectivo campo e
como se luta por sua apropriação. Os que detêm o capital e os que aspiram a possuí-lo
promovem batalhas que são essenciais para entender o significado do que é produzido; porém
essa competição tem muito de cumplicidade e através dela também se afirma a crença na
autonomia do campo... (CANCLINI, 2008, p.36)
Assim, o autor de Culturas Híbridas toma como ponto de vista principal a
hibridação da cultura, acarretando uma cultura heterogênea em uma sociedade de consumo. O
autor acredita que o Culto e o Popular podem sintetizar-se na cultura massiva, e nos propõe
rever nossos conceitos de arte como estética ou como consumo, pois, com as aberturas
sociais, em que consistem maior liberdade econômica e política, a arte torna-se um fato social.
Com a pluralidade da arte e as tradições da ruptura, atualmente, nos
encontramos divididos e enigmáticos diante dos fenômenos editoriais. Conforme aponta
Fredric Jameson, vivemos em uma nova era, em que o consumo torna-se algo gigantesco, haja
vista a arte, fazendo com que se rompam barreiras:
apagamento da antiga (característica do modernismo ) fronteira entre alta cultura e cultura de
massa ou comercial e ao aparecimento de novos tipos de textos impregnados das formas,
categorias e conteúdos da mesma indústria cultural que tinha sido denunciada com tanta
veemência por todos os ideólogos do moderno.(JAMESON, 1997, p.24)
17
A fim de trabalhamos tais temas, dividimos a presente dissertação em três
capítulos. O primeiro tratará da tendência marginal da década de 70, seus representantes e
suas representações. O segundo abordará a questão cultural e a do cânone diante da Literatura
contemporânea. O terceiro e último capítulo apresentará a fala dos escritores citados e seus
posicionamentos diante de seu território, da literatura e de seus receptores.
Enfim, esta Dissertação tem seu tema voltado para a compreensão e
problematização do fenômeno em referencia, em suas dimensões históricas, sociais e
culturais, nas quais as posições estéticas e de produção foram e estão sendo construídas e,
ainda, para a compreensão de por que a “Periferia está na moda”.
18
1 A LITERATURA E AS VARIAÇÕES DO TERMO “MARGINAL” A PARTIR DA
DÉCADA DE 50
1.1 Algumas expressões do marginalizado na Cultura Brasileira
Como conceito geral, tem-se que o adjetivo “marginal” é derivado do substantivo
“margem”, ou seja, beira, orla. Sendo assim, no âmbito social, torna-se “marginal” aquele que
não está inserido no centro. A marginalização, como um processo social de exclusão, torna
cidadãos ou cidadãs inferiores, devido a certas condições sociais, como classe, etnia e lugar de
habitação.
Ainda, na cultura brasileira, “marginal” também se refere a delinquentes,
assassinos(as), ladrões, pessoas que, por terem cometido algum delito, tornam-se passíveis de
serem julgadas por vias jurídicas, sendo assim, retiradas do convívio social livre, indo para
casas de detenção.
Como explicação do termo “marginal” e da vulgarização do mesmo, temos a
revisão do crítico literário Sérgius Gonzaga a esse conceito na década de 80, colocando o foco
no momento histórico da década de 50:
O termo marginal vulgarizou-se no universo lingüístico brasileiro a partir da década de 50,
quando os planos desenvolvimentistas geraram uma consciência eufórica do progresso.
Acreditava-se na transformação rápida de um país subdesenvolvido numa nação de alto nível
capitalista.
Delimitados por sua situação ecológica – para usarmos uma expressão de Manoel Berlink –
eram conhecidos como marginais, os habitantes das favelas urbanas, que o projeto de metas
havia multiplicado. Porém, tinha-se essas favelas e essa marginalidade como transitórias,
resultados passageiros e inevitáveis do crescimento econômico. Desapareceriam quando o
ciclo do desenvolvimento se complementasse.
Por sua condição periférica, a economia cresceu acentuadamente os desníveis entre os vários
grupos e as várias regiões. E os setores não-integrados aos novos mecanismos e às novas
relações de produção ampliaram-se em progressão geométrica. Posto que socialmente passiva,
esta massa ocupa um espaço de indivíduos ao sistema. Daí a institucionalização, na sociedade
civil, de um saber policialesco que passou a ver no marginal não apenas o favelado (como nos
tempos juscelinistas), mas todo aquele elemento que – excluído das formas mais ou menos
ortodoxas de apropriação e sobrevivência capitalista – procurasse outras maneiras de
adaptação vital nos médios e grandes centros Marginal tronou-se o ladrão, a prostituta, o
mendigo, o menor abandonado, etc. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p.147-148)
Sobre a arte para marginalizados na cultura brasileira, pode-se dizer que é em
1950 que começa a florescer um espaço antes nunca dado aos marginalizados, através de
artistas, do clero, de intelectuais de esquerda que se propuseram a fazer uma arte
conscientizadora e política. Porém, muitos desses movimentos tiveram duração legalizada
apenas até 1964, quando foi dado o Golpe Militar. A partir desse momento muitos desses
artistas e intelectuais serão perseguidos e em alguns casos exilados do Brasil.
Antes de 1964, surgem grupos como o MCP (Movimento de Cultura Popular), no
Recife e o CPC (Centro de Cultura Popular), no Rio de Janeiro, este com ligação à UNE
19
(União Nacional dos Estudantes), obtendo uma grande força política, junto aos estudantes no
pré-1964. O CPC tinha como agenda “edificante” a educação das massas e tal consistia em
uma abordagem política e cultural. O projeto educacional dava-se através de filmes, de peças
de teatro e da literatura.
Para o CPC os artistas e intelectuais teriam três posições: o conformismo, o
inconformismo e a atitude revolucionária consequente (HOLLANDA, 2004). Quando
conformista, o artista tornava-se um alienado e não se dava conta que:
(...) a arte quando vista no conjunto global dos fatos humanos não é mais do que um dos
elementos constitutivos da superestrutura social, juntamente com as concepções e instituições
políticas, jurídicas, científicas, religiosas e filosóficas existentes na sociedade. (HOLLANDA,
2004, p.22)
Quanto ao segundo grupo, o inconformismo não era suficiente para uma mudança,
porque o mesmo deveria estar engajado em uma luta política, pois:
(...) para estar ao lado do povo e da sua luta, não basta adotar a atitude simplesmente negativa
de não adesão, de não cumplicidade com os propósitos ostensivos do inimigo povo.
(HOLLANDA, 2004, p. 22).
E quanto à terceira atitude, tomada pelo CPC, esta garantia que “os membros do
CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no
front cultural.” (HOLLANDA, 2004, p. 22).
Sendo assim, a partir desses movimentos é que podemos verificar que começa
uma “arte popular revolucionária” que, até então, somente atenuava os estudos populares, ou
seja, marginalizados estudados pelo grupo modernista, porém, o seu cunho não era educativo
e nem mesmo chegava muitas vezes ao povo, pois tinham como lema“ Se vende, não é bom”
(CARNEIRO, 2005, p. 24)
Na formação do CPC, havia Ferreira Gullar, Eduardo Coutinho, Gianfrancesco
Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, entre outros intelectuais. É desta época também o Teatro
de Arena, que tinha como intenção montar peças questionando o cotidiano político do
proletariado. Na mesma época é também lançada a revista Violão de Rua, que reunia poetas e
poetisas engajados (as) com o CPC, onde escreviam poemas tematizando o povo e a cultura
popular. Violão de Rua, na época, teve uma tiragem de vendas de um milhão de exemplares.
No MCP o ponto de maior expressão foi o método de alfabetização utilizado pelo
educador Paulo Freire, que, para tirar os cidadãos e cidadãs da marginalidade, promoveu o
método do ensino liberal através da conscientização a partir do contexto social do proletário,
utilizando o seu espaço político para concepção do ensino. Também nesse período, Augusto
Boal criou o seu Teatro do Oprimido.
20
Na mesma vertente intelectual de uma arte em que tinha o marginalizado como
protagonista surge então o Cinema Novo, com nomes como Nelson Pereira do Santos,
Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra e outros que tinham
como influência o Neo – Realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa.
Nelson Pereira dos Santos é precursor do Cinema Novo, com o filme Rio 40
Graus, lançado em 1955, e que tinha como roteiro retratar a vida comum e cotidiana de
pessoas da periferia do Rio de Janeiro. Na época, o Serviço de Censura de Diversões Públicas
liberou o filme, mas depois, no final do mês seguinte, o coronel Geraldo de Menezes Cortes,
que, no período, chefiava o Departamento Federal de Segurança Pública, censurou a exibição
do filme em território nacional, mesmo sem o ter visto: “no seu despacho, o coronel diz que
‘as várias histórias que compõem o referido filme apresentam tipos de delinquentes, viciosos
e marginais, cuja conduta em certo ponto é até enaltecida.” (SIMÕES in CARNEIRO, 2002,
p. 354).
Tendo em vista a moral, os bons costumes e a imagem que iria para o exterior, o
Brasil, deveria esconder e abafar os marginalizados nas artes e era para isso que a vigilância
da censura servia nos anos 50 e até o final da Ditadura Militar. O mais polêmico e conhecido,
ainda com a rubrica do Cinema Novo, foi o diretor Glauber Rocha, que, com seu lema uma
câmera na mão e uma idéia na cabeça (mais a técnica) deixou um legado de um cinema
político e emblemático no que corresponde à política e aos marginalizados da época.
Glauber, em Deus e o Diabo na Terra do Sol de 1964, nos remete para um cenário
árido, mais precisamente para o sertão da Bahia, apresentando dois personagens castigados
pelo lugar: Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), que durante o filme
encontrariam um beato e um cangaceiro. Estes representam símbolos da violência sertaneja:
tanto o beato Sebastião (Lidio Silva), quando mata crianças para suprir suas crendices, quanto
o cangaceiro Corisco (Othon Bastos), quando rouba e assassina para sobreviver. Esta
violência também se manifesta em Manuel, no momento em que por não ser devidamente
valorizado pelo seu trabalho, Manuel, a golpes de faca, mata seu chefe.
Esta violência se dá diante das condições precárias de vida das personagens,
podendo estar atrelada principalmente ao sistema político. Para Glauber, o Cinema Novo
diante da precariedade social, deveria “devolver uma ‘anti-razão’ que comunica as tensões e
rebeliões do mais irracional de todos os fenômenos que é a pobreza” (GLAUBER in
AVELLAR, 1995, p.77), na qual consistiria em uma agressão da razão, pregados pela miséria,
a fome e o subdesenvolvimento, promovendo uma reação diante dessas imagens que eram
“proibidas no contexto da burguesia.” (GLAUBER in AVELLAR, 1995, p.79)
21
O cineasta escreve em seu manifesto Estética da fome, que a fome é nossa maior
originalidade, é sentida, mas não compreendida; e em Estética do Sonho, afirma que a
liberdade se conquista pela imaginação, o que é proibido pela razão. Através destes
manifestos e nas atitudes das personagens do filme fica implícita outra estética: a Estética da
violência, Manuel e Rosa são agredidos e agridem como forma de revolta diante de suas
condições como seres humanos.
A Estética da violência vigora a partir da fome, pois sua intenção de mostrar o
marginalizado é mostrar para sociedade que:
(...) ter pena do pobre é cair no campo da assistência social, “truque da consciência burguesa
para poder engolir seu uísque em paz”, gesto que apenas acentua a miséria. “Que adianta dar
um brinquedo de Natal ao filho do pobre pescador, se no dia seguinte ele disputa um bolo de
feijão juntamente com os cachorros esfaimados de beira-mar?” É necessário, isto sim, dar
consciência desta miséria e talvez acentuá-la o mais possível, como se acua um gato num
beco. Foi assim que Fidel agiu com os camponeses cubanos. O tumor explodiu.” (GLAUBER
in AVELLA, 1995, p.79)
E é querendo desconstruir os conceitos de um “Bom Burguês”, que sua estética
consiste em colocar um:
(...) processo dialético da história, marcado pela irreverência poética”, “pela violência”, pela
introdução do plano anárquico, profano erótico, marcado por “imagens proibidas no contexto
da burguesia”, para aniquilar tudo “aquilo que o espectador aceita como normal” (GLAUBER
in AVELLAR, 1995, p.79)
Assim, Manuel e Rosa se enquadram em dois momentos: em um primeiro
momento, eles são a vergonha do país, ou seja, a fome e no segundo momento, são símbolos
de uma possível redenção, que marca o final do filme, quando Manuel corre sem parar, ao
mesmo tempo em que temos a voz de Sérgio Ricardo cantando: “O sertão vai virar mar e o
mar virar sertão”3
, fazendo uma alusão à Revolução dos oprimidos.
Para alcançar essa Revolução, Manuel e Rosa passam por muitos momentos, nos
quais, a violência sempre os encontra como uma libertação de suas condições. Por fim,
Glauber dizia que “a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. O
comportamento exato de um faminto é a violência, e a violência de um faminto não é
primitivismo.” (GLAUBER in AVELAR, 1995, p.85)
O filme de Glauber Rocha apresenta uma violência representativa, sendo uma
alusão à condição marginal das personagens, em que haveria uma identificação e, ao mesmo
tempo, um distanciamento como na arte brechetiana dando originalidade e engajamento
3
Esta frase ficou conhecida pelo profeta Antônio Conselheiro, que a pregava aos seus fiéis e fora musicada pelo
compositor e cantor Sérgio Ricardo para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol - 1964, do cineasta Glauber
Rocha.
22
compromissados. Porém, em 1964 ocorre o golpe militar e devido a isto, muitos dos planos de
Glauber e dos cineastas do Cinema Novo são abafados pela ditadura.
No que diz respeito aos traços da cultura popular como procedimentos
estéticos, na música, teremos o Samba, a Bossa Nova, a Música de Protesto ou de
Intervenção, e o polêmico Tropicalismo. O Samba como representação das margens, a Bossa
Nova representando um novo conceito musical tendendo para a elite, a Música Protesto ou de
Intervenção combatendo a ditadura e o Tropicalismo com sua mistura de ritmos, instrumentos
musicais e representações sociais.
O samba é a manifestação mais antiga e mais legítima da cultura popular
brasileira, em que, logo, por uma questão simbólica, alude-se aos morros cariocas. Um lugar
que se contrapõe à cidade, no que se refere à sua formação.
Um pouco de História nos ajuda a compreender melhor tal processo. Idealizada no
fim do século XIX, a modernização do Rio de Janeiro (e de São Paulo), influenciada pela
arquitetura européia, tem como principal agenda a destruição de cortiços e prédios velhos,
onde morava a maioria dos marginalizados da cidade, tais como prostitutas, malandros,
escravos recém-alforriados e ladrões. Exemplificando, temos, no Rio de Janeiro, ainda na
gestão do Prefeito Barata Ribeiro, a destruição do cortiço Cabeça de Porco, que abrigava mais
de quatro mil pessoas e era localizado no centro da cidade. Com a entrada do Prefeito
Francisco Pereira Passos, com o objetivo de se deixar a cidade “bonita” e “moderna”
intensificaram-se as medidas de destruição e expulsão dos marginalizados para lugares em
que eles não tivessem visibilidade.
Como registro dos primeiros habitantes dos morros, temos a informação da vinda
dos retirantes oriundos da Guerra de Canudos, estes dando o nome de Favela aos morros onde
se concentravam, pois lá havia uma plantação semelhante à da planta ‘favela’ comum na
Bahia. É nesse meio marginalizado, como o citado, que se encontravam descendentes de
africanos que trouxeram consigo através de suas ancestralidades, o ritmo novo, pois, o samba
é derivado do semba (umbigada) que varias fontes indicam como sendo uma palavra de
Angola ou do Congo.
Dentro do samba, têm-se como suas mais conhecidas manifestações o samba
de partido alto (improvisado) e o samba enredo (feito para escolas de samba). Este ritmo tinha
como intenção cantar a alegria, as frustrações, o território por habitado por seus artistas, e
mesmo com a popularização do samba, com sua descida para o asfalto, este ritmo é até hoje
associado aos morros cariocas.
23
Tal pode ser exemplificado nestes versos de Edson Conceição e Aloísio, e
conhecidos popularmente pela voz de Alcione, uma sambista contemporânea: “Não deixe o
samba morrer/ não deixe o samba acabar/ o morro foi feito de samba,/ de samba pra gente
sambar.” (Não deixe o samba morrer, 1975. Disponível em:
http://letras.terra.com.br/alcione/44027/. Acesso em 20/11/2010).
Assim, por ser música de caráter marginal, o samba, não deixou de abordar a
questão das mazelas vividas por seu povo:
Acender as velas
Já é profissão
Quando não tem samba
Tem desilusão
É mais um coração
Que deixa de bater
Um anjo vai pra o céu
Deus me perdoe
Mas vou dizer
O doutor chegou tarde demais
Por que no morro
Não tem automóvel pra subir
Não tem telefone pra chamar
E não tem beleza pra se ver
E a gente morre sem querer
(ZÉ KETI: Acender as velas, 1964. Disponível em:
http://letras.terra.com.br/ze-keti/197272/. Acesso 20/11/2010)
Como vemos, nesta música, o compositor carioca Zé Keti, coloca nos versos a
carga pesada de morar na favela, o cotidiano nada fácil de ser um marginalizado. Relatando a
morte de um favelado, por não ter assistência a sua saúde, por não ter poder de consumo e por
morar em um lugar de difícil acesso, em que nesses momentos, resta somente rezar. Nesta
música, Zé Keti, acaba por negar a imagem idealizada, formulada por alguns sambistas, em
que a favela seria um lugar de festa e felicidade, como neste samba de Cartola:
Numa manhã lá no alto
Bem no alto
Onde ouço a passarela
No romper da madrugada
A gorjear
Eu me sinto alegre
Me sinto contente
Me sinto feliz
Em ouvir a passarada
No romper das madrugadas
Em meu país.
(CARTOLA, Manhã de Primavera. Disponível em:
http://letras.terra.com.br/cartola/1752321/. Acesso em 20/11/2010.)
O sambista, Zé Keti foi um dos participantes ativos do espetáculo musical
Opinião, ligado ao CPC da UNE na década de 70. Sua voz representava o morro e o samba na
campanha contra a ditadura militar e na campanha pela consciência do povo. A Bossa Nova
24
que teve seu principio na década de 50 e encerra-se com o golpe militar em 1964, traz em seu
âmago musical uma renovação estética, com misturas de ritmos e sons. O músico Tom Zé, um
dos fundadores do Tropicalismo
acha a bossa nova a maior inovação musical da história recente, mais importante do que o
Tropicalismo que a ajudou a fundar. “Por que é que o Tropicalismo está com essa bola toda?
Não chega a ser sequer um movimento estético estruturalmente radical como a Bossa Nova.
Esta, sim, criou realmente um gênero.” (TOM ZÉ in SOVIK, 2010, p. 90-91).
Com a mistura do jazz e do samba e as letras descompromissadas contrastando
com as músicas engajadas, o uso da voz como mais um instrumento faz com que a Bossa
Nova introduza:
Um procedimento ímpar na história da música popular no Brasil, pois letra e música, ao
mesmo tempo em que se comentam mutuamente, fazem uma crítica às convenções musicais.
[...] tanto em “Desafinado” quanto e “Samba” de uma nota só o comentário estético mescla-se
com o discurso amoroso. (NAVES in SOVIK, 2010, p. 91-92)
E é de acordo com um legado relacionado com o estético na Música Popular
Brasileira que a Bossa Nova deixa um legado elitista no que condiz a música popular
brasileira e não tão engajado como as outras manifestações musicais do respectivo período.
A Música de Protesto ou Intervenção e o Tropicalismo formam um caso a parte.
Ambos tinham uma briga, pois, enquanto a música de protesto pregava a conscientização
política e o protesto contra a ditadura com elementos nacionalistas, com suas letras que
faziam críticas ao governo militar e a sociedade brasileira, no qual induziam a se pensar e uma
esperança e na importância da música como um meio de veicular idéias (como maiores
símbolos dessa geração musical temos Chico Buarque de Hollanda e Geraldo Vandré), o
Tropicalismo, descendente do experimentalismo da Bossa Nova e do rock estadunidense,
polemizava, introduzindo elementos da cultura de massa e do pop. Introduz-se a guitarra,
instrumento culturalmente identificado como estadunidense, causando uma afronta aos que
levantavam a bandeira de uma música totalmente nacionalista. Porém, mesmo tendo essa
incorporação nas artes tropicalistas, eles hibridizavam a cultura popular na sua arte com a
cultura pop fazendo uma releitura da antropofagia modernista. (CORONEL, 1998, p 26 - 27)
Os tropicalistas “muitas vezes compunham uma espécie de mosaico dos
fragmentos da vida urbana da época, tal como em Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, onde
há bancas de revistas, espaçonaves e guerrilhas, tudo iluminado pelo sol tropical.”
(CORONEL, 1998, p.29). Mal compreendido na época pelo movimento da Música Protesto e
seus seguidores, o movimento Tropicalista recebeu várias críticas por parte dos intelectuais,
principalmente daqueles que participavam da esquerda da época. A este Movimento também
pertenciam o Grupo de Teatro Oficina e o artista plástico Hélio Oiticica.
25
O Grupo de Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa,
diferentemente dos Grupos formados pelo CPC, que tinham um “acordo” e uma
“cumplicidade com a platéia” (CORONEL, 1998), criava sua ligação com o público, através
da violência, da brutalidade. Esse estilo criava um sentido político mais preciso em que no
contexto,
O público representa[va] uma ala mais ou menos privilegiada deste país, a ala que se
beneficia, ainda que mediocremente, de toda a falta de história e de toda a estagnação deste
gigante adormecido que é o Brasil. O teatro tem necessidade de (...) colocar este público (...)
frente a frente com a sua grande miséria, a miséria do pequeno privilégio obtido em troca de
tantos oportunismos e tantas castrações, tantos recalques em troca de toda a miséria do povo.
(SCHWARZ in CORONEL, 1998, p. 36)
O artista plástico Hélio Oiticica constituía, por assim considerar, uma antiarte. Foi
com a sua instalação denominada Tropicália que nasceria o nome do movimento a que nos
referimos. Nessa obra havia uma televisão e, ao redor dela, objetos exóticos que
simbolizavam o Brasil, tais como araras e palmeiras. Oiticica deixaria como inconformismo
social o seu inconformismo estético, pois:
A identificação que cultivava com bandidos como o Cara de Cavalo, presente estirado quase
como um Cristo Crucificado na famosa bandeira-poema de 1968, que tem por inscrição os
versos “seja marginal / seja herói”, evidencia um desejo de aproximação do artista em relação
aos elementos de fora do espectro social. (CORONEL, 1998, p 38)
É através do fetiche e dessa glorificação do ser marginal que muitos artistas se
valeram como identidade, pois, assim como os marginais ficam à margem, estes artistas se
consideravam à margem do sistema de produções artísticas.
Ainda nos anos 70, também na vertente da música de intervenção, também há a
formação de grupos de rock. Entre essa nova safra de grupos surgem influenciados pelo punk
rock, como Aborto Elétrico (1978-1982) e Plebe Rude (1981). A banda Aborto Elétrico em
consequência de um desentendimento entre seus integrantes separou-se, fazendo com
surgissem as bandas Legião Urbana (1982 – 1996) e Capital Inicial (1982).
Essas bandas traziam em suas letras além das temáticas cotidianas e do amor, uma
forte crítica social. Mesmo tendo suas formações em meados da década de 70, tomaram uma
dimensão nacional nos anos 80, quando a ditadura começa a declinar, relatando em suas
músicas várias histórias do povo marginalizado.
Como um clássico desse período tem-se a música Faroeste Caboclo4
(1979), que
conta a história de um retirante nordestino, pobre e negro em forma de Auto, um estilo
literário ligado ao teatro que tem início na Idade Média, com intenção de pregar uma moral.
4
Está música foi composta em 1975, ainda quando o vocalista, Renato Russo, pertencia à banda Aborto Elétrico,
porém ela somente foi lançada em 1987, com a Banda Legião Urbana, no álbum intitulado “Que país é este.”
26
Os autos fazem parte de festas populares, abrangendo atualmente parte do folclore brasileiro e
de festas religiosas, sendo que, geralmente, as personagens são interpretadas por pessoas da
própria comunidade. O Auto relaciona-se com a Bíblia5
, e, nessa relação, temos os nomes das
personagens principais da música sendo João de Santo Cristo, remetendo a Jesus Cristo,
porém, não como um herói e sim, como um anti-herói e Maria Lúcia, como Maria, mãe de
Jesus e como a prostituta Maria Madalena, em que um primeiro momento representa a pureza,
a salvação deste anti-herói, mas no segundo momento ela é a paixão, o sangue, a carne,
fazendo com ele seja assassinado pelas costas devido à sua traição com outro traficante
chamado Jeremias, fazendo uma alusão ao discípulo traidor Judas.
Por sua força, significado e metáforas, valeria a pena nos determos por alguns
momentos em Faroeste Caboclo, canção assinada por Renato Russo, transformada em
sucesso por sua banda à época – Legião Urbana. Composta por 159 versos e tendo 10 minutos
de duração, a música descreve a via crucis de João de Santo Cristo, um menino pobre, do
interior, que, desde criança, já havia cruzado com a violência, pois, seu pai havia sido
assassinado e, a partir desse fato, o mesmo pensa em ser bandido. Como não havia tido uma
educação formal, começa a praticar delitos, sentindo-se diferente diante da sociedade, não
entendendo as discriminações sofridas devido a sua classe e a sua cor. Não estando inserido
na indústria do consumo, assistia TV e queria possuir o seu mundo de sonhos, porém, não
podia, por ser pobre, preferindo a sua solidão e a vida de roubos. Ainda quando adolescente é
preso.
Quando adulto, foi para Salvador, tentar a vida na capital, mas, no caminho, ele
encontra um boiadeiro que lhe oferece uma passagem para Brasília. João a aceita. Chegando
em Brasília ele tem a intenção de mudar de vida, se tornar um trabalhador, porém, ele passa
por várias provações, tornando-se um traficante. Maria Lúcia, sua paixão, que, no principio
significa sua resignação, trai-o com Jeremias, outro traficante que concorria com ele pelo
ponto de drogas. Então, devido à briga dos dois, é acertado um duelo noticiado na TV.
Neste momento da canção, Renato Russo já coloca a mídia como uma indústria
que promove o sensacionalismo e violência para poder vender, uma questão que só aumentou
nos dias atuais. João, então, é atingido pelas costas por Jeremias, mas ainda consegue atirar no
inimigo. Ao final, Maria Lucia, que também fora atingida, morre junto com João. Neste
momento o povo aplaude João e o santifica por sua morte, ou seja, por sua crucificação. No
concluir, é feita uma referência ao fato que João havia ido a Brasília a fim de falar com os
5
Renato Russo costumava fazer referência a Bíblia em suas músicas.
27
poderosos para que ajudassem o povo, ou seja, ele procurava a salvação do seu povo, assim
como Jesus Cristo.
Renato Russo, em sua música, mesmo fazendo referência a imagens santas, utiliza
como representação de uma revolução, um sujeito marginal, uma história corriqueira,
cotidiana, de um marginalizado que só queria obter seus direitos. Porém o sistema o obrigou a
se render para outro lado, não o lado do mal, mas o lado daqueles que não tem chance.
Nesse sentido, observamos que na Literatura Brasileira, também, a partir do termo
“marginal”, teremos inúmeras problematizações específicas que, devido ao objeto de estudo
especifico, serão revisitadas no próximo subtítulo.
28
1.2 Por uma literatura diferenciada dos conceitos: o caso da Poesia Marginal
A literatura do período da década de 1970 abarcaria ainda descendentes da
geração de 30, um realismo voltado para o social. Com o CPC (Centro Popular de Cultura) há
o já citado Violões de Rua, dedicado a poemas. E é nesta década que começam a surgir livros
biográficos e romances-reportagens que abordavam histórias de revolucionários, pessoas da
burguesia ou de marginalizados.
E no período de 1970 a 1980, verificando a produção literária que corresponde tem-se
uma proliferação no que corresponde ao fazer literário. Muitas tendências convivem juntas e
se confundem, pois:
(...) esse período se caracterizou pela proliferação de obras que pretendiam resgatar a
memória individual ou coletiva e preencher, via literatura, os imensos vazios de uma
sociedade que durante muito tempo se viu privada de informação. (FREITAS in
CARVALHO, 2008, p. 223)
O termo marginal, sempre serviu tanto para os escritores (por suas escritas ligadas
a ideologias contrárias aos sistemas, por não se encaixarem no quadro dos movimentos
literários ou até mesmo por seu estilo de vida), quanto para o fato de escreverem sobre
marginais. Estes escritores fizeram parte de um movimento brasileiro denominado Geração
do Desbunde, que ocorreu devido ao descrédito em ideologias e mudanças propostas no pré e
no pós-1964, pois:
Em 1969, o colapso do populismo atingiu também a esfera política. De maneira simultânea, o
Estado aperfeiçoou seus mecanismos repressivos e pôde cooptar importantes segmentos da
classe média contestatória através do favorecimento de um consumismo desenfreado, que
encontrou sua representação simbólica na arquitetura faraônica de superpontes, superestradas
e superviadutos. Os grupos mais violentos de oposição foram aniquilados, e aqueles setores
intelectuais que haviam resistido acabaram, em sua maioria, partindo para o desespero
ideológico. Problematizando a essência da vida, Hermann Hesse tornou-se o escritor mais lido
da época. Por motivos óbvios, Camus e Heidegger também eram muito citados nos
esfumacentos bares alaskas de todas as capitais brasileiras.
Vários integrantes do esquema populista viraram prósperos homens de negócios, outros,
estruturalistas, etc e tal.
Claro que os filmes de Glauber Rocha e as narrativas de Cony e Callado eram mais sérios do
que isso. Contudo, estavam por demais comprometidos com uma ideologia defasada pelos
acontecimentos políticos e estéticos. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 144-145)
Devido a esse colapso político e diante da repressão surgem artistas que visavam
de certa forma um heroísmo, como por exemplo, o já citado cineasta Glauber Rocha, os
compositores Chico Buarque e Geraldo Vandré, entre outros, em contraposição também havia
os que não se interessavam por essa imagem heróica do povo e da nação como Gilberto Gil e
Caetano Veloso, assim sendo chamados de “desbundados”, “alienados” e “até traidores”.
(HOLLANDA, 2004, p. 103)
29
Heloisa Buarque de Hollanda foca que:
É exatamente num momento em que as alternativas fornecidas pela política cultural oficial,
são inúmeras que os setores jovens começarão[am] a enfatizar em circuitos alternativos ou
marginais. No teatro aparecem os grupos “não-empresariais”, destacando-se o Asdrúbal
Trouxe o Trombone; na música popular os grupos mambembes de rock, chorinho, etc. No
cinema surgem as primeiras produções, preferencialmente os filmes em Super-8 e, em
literatura, a produção de livrinhos mimeografados. Todas essas manifestações criam seu
próprio circuito – não dependem, portanto, da chancela oficial, seja do Estado ou das
empresas privadas – enfatizam o caráter de grupo artesanal de suas experiências. É importante
notar que esses grupos passam a atuar diretamente no modo de produção, ou melhor, na
subversão de relações estabelecidas para a produção cultural. Numa situação em que todas as
opções estão estreitamente ligadas às relações de produção definidas pelo sistema, as
manifestações marginais aparecem como uma alternativa, ainda que um tanto restrita, à
cultura oficial e à produção engajada vendida pelas grandes empresas. (HOLLANDA, 2004, p
107)
Sobre esta denominação literária o crítico Sergius Gonzaga dirá:
Na multiplicidade dos novos, talvez, que é o uso, por auto-definição ou por definição
outorgada, do termo marginal. Com efeito, raros foram os textos publicados recentemente que
não se pretenderam ou não foram rotulados de marginais, dado o indicador da complexidade
do fenômeno. Arnold Hauser salientou, numa passagem famosa, que os estilos não trazem
consigo uma necessidade imanente de modificação. Seriam eternos, se a historicidade não
exigisse novas formas de representação do real. A história concreta das relações sociais.
(GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 143)
Segundo Gonzaga, a Literatura Marginal conceituada na década de 70
compreendia três tendências diferentes: “I – os marginais da editoração; II – os marginais da
linguagem; III – os marginais por apresentarem a fala daqueles setores excluídos dos
benefícios do sistema.” (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 149). Os dois primeiros
conceitos caracterizavam-se pelo gênero poético. Já o último conceito se caracterizava pela
ficção, contos e crônicas.
A Poesia Marginal dos anos 70 lançará uma tendência que ficará conhecida na
História da Literatura como Poesia Marginal ou Geração do Mimeógrafo. Os membros desse
grupo, na sua maioria, faziam parte da classe burguesa do Rio de Janeiro. Sua marginalidade
visava em contrariar todo um circuito editorial, de distribuição e de circulação. Lançavam
seus livros mimeografados e também faziam manifestações performáticas com seus poemas,
além de ter uma ligação com o rock. Seus poemas eram divulgados na porta de cinemas,
teatros, museus, universidades e restaurantes. Fizeram parte dele os grupos de poetas do
“Frenesi”, “Nuvem Cigana”, “Folha de Rosto”, “Vida de Artista”, entre outros. Segundo
Heloísa Buarque de Hollanda, que, na época, divulgou o movimento com o seu livro 26
Poetas Hoje (1976) os “autores pregavam a alegria e irreverência, e eram claramente
contraculturais” (HOLLANDA, 2009, p.9), assim, propondo uma nova forma do fazer
literário e do fazer política.
A segunda tendência da poesia marginal, porém, que está vinculada ao grupo
apresentado, corresponde a uma marginalidade na escritura. A subversão fica a cargo de uma
30
recusa à linguagem institucionalizada, à linguagem do poder (GONZAGA, 1981, p.149).
Muitos desses autores baseavam-se na Trindade Concretista (os irmãos Campos e Décio
Pignatari), porém poetas desta tendência, diferentemente dos seus inspiradores, transitavam
em um espaço irreal e ‘ahistórico’. Segundo Gonzaga, está tendência não conseguiu atender a
seus ideais, pois sua representatividade não era forte suficientemente para suprir seu lema, o
que não lhes garantiu uma representação autêntica.
Vejamos através de Heloísa a ligação desses autores com o termo marginal:
Com referência à representação da “categoria marginal” que passa a ser consagrada para
designar essa nova poesia, é curioso observar que, ao contrário dos pós-tropicalistas, nenhum
dos poetas marginais atribui-se tal função, chegando mesmo a ironizá-la. A classificação
marginal é adotada por analistas e assim mesmo com certo temor e hesitação. Fala-se mais
frequentemente ‘ditos marginais’ evitando-se uma postura afirmativa do termo. Geralmente
ele vem justificado pela condição alternativa, à margem da produção e veiculação do
mercado, mas não se firma a partir dos textos propriamente ditos, isto é, de seus aspectos
propriamente literários. (HOLLANDA in NASCIMENTO, 2009, p. 40)
Tal fica evidente no poema citado pela crítica em seu livro Impressões de
viagem (2004):
- ALÔ É QUAMPA?
- não...é engano.
- alô, é quampa?
- não é do bar patamar
- alô é quampa?
- é ele mesmo, quem tá falando?
- é o foca mota da pesquisa jota brasil, gostaria de saber suas impressões sobre essa tal de
poesia marginal.
- ahhh...a poesia. a poesia é magistral, mas marginal pra mim é novidade.você que é bem
informado, mi diga: a poesia matou alguém, andou roubando, aplicou cheque frio, jogou
alguma bomba no senado?
- que eu saiba, não. mas eu acho que é em relação ao conteúdo.
- mas isso não é novidade. desd’adão...ou você acha que alguém perde o paraíso e fica calado.
nem o antonio6
.
- é verdade. mas deve haver algum motivo para todos chamarem essa poesia de marginal.
- qual, essa!? eu to achando até bem comportada. sem palavrão, sem política, sem atentado a
cristantã.
- não. não to falando desse que se lê aqui. To falando dessa outra que virou moda.
- ahhhh...dessa eu não to sabendo, ando meio barrabosta por isso tenho ficado quieto em casa,
rompi meu retiro para atender esse telefone. e já que ti dei algumas impressões você vai mi
trazer as seguintes ervas para curar meus dissabores: manacá carobinha jurubeba picão da
praia amor do campo malva e salsaparrilha. até já foca mota. (CHACAL in HOLLANDA,
1999, p. 110)
O termo “marginal” para esses escritores fora atribuído pelos críticos, porém, ao
classificá-los, os mesmos tinham receio e por isso muitas vezes se referiam como “ditos
marginais” ou “chamados marginais”.
6
Um trocadilho com o nome do escritor Antonio Callado.
31
1.3 O marginalizado na Literatura Brasileira nas décadas de 60 e 70: os casos Carolina
Maria de Jesus e Rubem Fonseca
Diferentemente da Poesia Marginal, que tinha sua marginalidade nas formas de
distribuição e na subversão do poder acadêmico e lingüístico, aqui neste momento
encontremos duas formas de tratamento do marginal na Literatura Brasileira. Uma se dá pelo
marginalizado descrito na voz de escritores que nem sempre pertenciam à classe dos
marginais socialmente ditos ou então, como no caso da escritora Carolina Maria de Jesus, a
voz se dá na parte subalterna da sociedade. Os mais conhecidos são Rubem Fonseca, Sérgio
Sant’anna, Plínio Marcos e João do Rio.
Esta literatura especular do mundo dos marginalizados somente consolida-se
diante de alguns pressupostos históricos que os coloca
(...) localizados no quadro da evolução social do país. Hoje, ela ocorre em consonância com
as fissuras do milagre econômico, mas as suas origens encontravam-se num período anterior,
identificado por populismo. Devemos nos remontar, portanto, aos anos sessenta. (GONZAGA
in FERREIRA, 1981, p. 143)
E é a partir desta última citação que encontramos uma problemática. A questão da
Literatura Marginal, por assim dita como Gonzaga, somente terá o reconhecimento pela
crítica acadêmica nos anos 70, porém, como o próprio crítico citou, devemos nos remeter para
os anos 60 no que se refere à raiz dessa literatura.
No entanto, não podemos nos esquecer que dentro desse quadro, recentemente
reforçou-se o olhar sobre uma escritora que havia sido ‘esquecida’ devido à ditadura militar.
Seu nome: Carolina Maria de Jesus. Nascida em Minas Gerais, negra, retirante que, na década
de 30, fora morar em uma favela paulista (Favela do Canindé), trabalhava como catadora de
papel, estudou até o segundo ano primário e em 1960 lançou um livro denominado Quarto de
despejo. Carolina fora descoberta pelo jornalista Audálio Dantas que fez com que seu livro
fosse publicado e na época tivesse boas vendas – cem mil exemplares foram vendidos - e
também houvesse uma projeção internacional.
Nas palavras de Magnobosco percebemos:
(...) mesmo diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento
por ser negra e pobre, Carolina revela, através de sua escritura, a importância do testemunho
como meio de denúncia sócio-política de uma cultura hegemônica que excluiu aqueles que lhe
são alteridade. (MAGNOBOSCO; RAVETTI, Disponível em:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/carolina_vida.html. Acesso em 20/01/2010.)
A partir de tal percepção, pode-se dizer que Carolina Maria de Jesus:
(...) colocava a público, internacionalmente, a figura de um país pobre, algumas tensões
concentradas na figura feminina de uma favelada, mãe solteira, negra, imigrante,
institucionalmente desvalida. Pobre, mas sonhadora com um lugar no cenário social mais
amplo e tolerante, Carolina pertenceu a um mundo que era uma espécie de consequência do
32
lixo metropolitano do complexo industrial que se instalava como critério de modernização.
Moradora de uma favela de São Paulo, nos finais dos anos de 1950, Carolina se fez metáfora
viva de uma sociedade em aceleradas mudanças ditas em nome do progresso histórico
nacional que relativizava a tradição agrícola em favor da maquinaria tecnológica. Nesse
sentido, seus diários revelavam a intimidade de detalhes de quem, mais que viver as
mudanças, pagava com a própria experiência de catadora de papel o custo de ser parte desse
todo “desenvolvimentista”. (MEIHY in CARNEIRO, 2002, p. 329-331)
É interessante e questionadora a ausência desta escritora nos escritos dos críticos
da época, que consideravam somente os autores citados como representantes da Literatura
Marginal dos anos 60 e 70, pela forma de narrar, aproximada das camadas marginais, porém,
discurso mais legítimo que o de Carolina Maria de Jesus não há nesse período da história.
Justificando esse esquecimento, José Carlos Sebe Bom Meihy, coloca em seu
artigo “Subversão pelo sonho: a censura cultural nos diários de Carolina Maria de Jesus” que:
Independentemente de suas inserções objetivas e comportamentais, Quarto de despejo revela
e traduz a lógica de uma vida que deveria, depois de consumida em uma época sincronizada
entre seu momento vivencial e a pulsação do progresso, ser esquecida. Os argumentos surdos
que justificam tais “esquecimentos” seriam subjetivos e estariam ligados à prática de censura
exercitada por uma sociedade em que apenas os órgãos políticos assumem o papel da
repressão. Pelo contrário, de maneira sutil, a própria sociedade – elite consumidora – seria
capaz de proceder a uma “limpeza” das máculas ligadas pelos eventuais sucessos de membros
de outras categorias sociais. (MEIHY in CARNEIRO, 2002, p. 331)
E, o autor ainda complementa:
Concomitantemente, o Brasil do pós-golpe militar de 1964 e principalmente da ditadura que
se constituiu na sequência se fez modelo de respeitabilidade de conveniência para os regimes
de direita e de refutação para os de esquerda. Para fora do Brasil, portanto, Carolina era a
síntese de temas que entravam na ordem do dia das discussões sociais. Internamente, sua
imagem pública foi declinante na medida do avanço dos “anos de chumbo.” (MEIHY in
CARNEIRO, 2002, p. 333)
Vejamos um trecho de Quarto de Despejo, na verdade o primeiro relato que
aparece no diário de Carolina Maria de Jesus:
15 de julho de 1955: Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par
de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos
desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo,
lavei e remendei para ela calçar.
Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele
ficou com litros e deu-me pão. Fui receber o dinheiro do papel. Recebi 65 cruzeiros. Comprei
20 de carne. 1 quilo de toucinho e 1 quilo de açucar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro
acabou-se. (JESUS, 1995, p.9)
Relatando as agruras de viver na favela esquecida como se estivesse em um quarto
de despejo é que temos na voz de Carolina, o verdadeiro representante dos marginalizados.
No mesmo período também teremos a escrita de José Rubem Fonseca que ambienta e tem
como protagonistas lugares e pessoas marginalizadas pela sociedade, porém, menos
comprometido com a realidade do marginalizado sociologicamente como a escritora Carolina
Maria de Jesus.
33
Rubem Fonseca assim como Carolina, não fora poupado da censura da época.
Seu livro Feliz ano novo, de 1975, após um ano do seu lançamento fora censurado, sendo
somente em 1989, com o fim da ditadura, autorizado para circulação. Em suas obras,
ambientadas no Rio de Janeiro, adotava uma estética pop e midiática em que colocava como
protagonistas bandidos, assassinos, ex-presidiários juntamente com pessoas da classe média
alta que também agiam como tal, como, por exemplo, nos contos Passeio Noturno I e II e
Outro, pertencentes à obra citada.
O crítico Antonio Candido, ao observar o que ocorria nas artes na América Latina
e suas influências, argumentava que:
No campo cultural, ocorre em todos os países a influência avassaladora dos Estados Unidos,
desde que a poesia de revolta e a técnica do romance até os inculcamentos da televisão, que
dissemina o espetáculo de uma violência ficcional, correspondente à violência real, não
apenas da Metropóle, mas de todos nós, seus satélites. (CANDIDO in CORONEL, 1998, p.84
-85)
Porém, uma das características marcantes da obra de Rubem Fonseca é que, em
sua maioria, os contos são narrados em primeira pessoa, o que aproxima os leitores dos
marginalizados, diferentemente do romance social até então feito, no qual o narrador
concentrava-se em voz onisciente e, em que a voz do personagem marginalizado era colocada
entre aspas, assim diferenciando a voz do intelectual da voz do marginalizado.
A estética Brutalista, como denomina o crítico Alfredo Bosi, desfazia toda uma
hipocrisia, quanto ao cenário social da época. Através da linguagem grotesca e das ações das
personagens, Fonseca, contraria todo o “milagre econômico” que a TV forjava perfeitamente
para os ditadores, em que várias emissoras de TV eram pagas para apresentarem um país
perfeito, entre elas a Rede Globo sobre a qual nos fala Maria Rita Kehl:
(...) a opulência visual eletrônica criada pela emissora contribuiu para apagar definitivamente
do imaginário brasileiro a idéia de miséria, de atraso econômico e cultural; e essa imagem
glamourizada, luxuosa ou na pior das hipóteses antisséptica contaminou a linguagem visual
de todos os setores da produção cultural e artística que se propunham a atingir o grande
público. (KHEL in BRANDÃO, 2008, p.239).
E foi diante dessa espetacularização, a partir de um mundo inventado e
manipulado pela mídia, que ficou célebre uma frase do ex-presidente militar Emilio
Garrastazu Médici:
Sinto-me feliz, todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as
noticias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o
Brasil marcha e paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após
um dia de trabalho (JUNIOR REIS in BRANDÃO, 2008, p. 241)
Situação esta que era diferente nos contos de Rubem Fonseca, como por exemplo,
no conto O Cobrador, do livro homônimo, lançado em 1979. Nele, um homem de classe
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média baixa, sem a maioria de seus dentes, vai a um consultório dentário para arrumar um
dente e não tem dinheiro suficiente para pagar o dentista. É nesse momento que este
personagem, revolta-se passando a cobrar a todos:
São quatrocentos cruzeiros.
Só rindo. Não tem, não, meu chapa, eu disse.
Não tem não o quê?
Não tem quatrocentos cruzeiros. Fui andando em direção à porta.
Ele bloqueou a porta como o corpo. É melhor pagar, disse. Era um homem grande,
mãos grandes e pulso forte de arrancar os dentes dos fodidos. E meu físico franzino encoraja
as pessoas. Odeio dentistas, comerciantes, advogados, industriais, funcionários, médicos,
executivos, essa canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito. Abri o blusão, tirei o 38,
e perguntei com tanta raiva que uma gota de meu cuspe bateu na cara dele, ...que tal enfiar
isso no teu cu? Ele ficou branco, recuou. Apontando o revólver para o peito dele comecei a
aliviar o meu coração (...) Eu não pago mais nada, cansei de pagar, gritei para ele, agora eu só
cobro. (FONSECA, 2006, p. 272 e 273)
Ao se referir à TV, há ódio, pois aquele mundo mostrado pela mídia, não é o
mesmo mundo vivido cotidianamente por um marginalizado:
Fico na frente da televisão para aumentar meu ódio. Quando minha cólera está diminuindo e
eu perco a vontade de cobrar o que me devem eu sento na frente da televisão e em pouco
tempo meu ódio volta. Quero muito pegar um camarada que faz anúncio de uísque. Ele está
vestidinho, bonitinho, todo sanforizado, abraçado a uma loira reluzente, e joga pedrinhas de
gelo num copo e sorri com todos os dentes, os dentes dele são certinhos e são verdadeiros, e
eu quero pegar ele com a navalha e cortar os dois lados da bochecha até as orelhas, e aqueles
dentes branquinhos vão todos ficar de fora num sorriso de caveira vermelha. Agora está ali,
sorrindo, e logo beija a loura na boca. Não perde por esperar. (FONSECA, 2006, p. 275)
É diante dessas imagens de poder, que o “cobrador”, vê sua inferioridade, sua
mediocridade diante da sociedade que valoriza alguém que bebe uísque, está bem vestido e
namora uma loura, assim aumentando seu ódio. Para se inserir nesse sistema, e para adquirir
poder, este personagem compra uma arma, e vai “cobrar” tudo o que ele considera que lhe
devem “Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de
mortadela no botequim da rua Vieira Fazenda, sorvete, bola de futebol.” (FONSECA, 2006,
p. 274), matando, estuprando, humilhando pessoas, não importava quem fosse. Apaixona-se
por Ana Polidromica, filha de um rico sergipano que o ensina a usar explosivos, que viria a
ser sua “nova modalidade” para assassinar.
Rubem Fonseca, assim como Carolina Maria de Jesus, porém de formas
diferentes, irão colocar o marginalizado como protagonistas. Fonseca utilizando formas da
estética pop irá transformar o marginal em herói, fazendo com que o leitor (por suas obras
serem em primeira pessoa) sinta como este marginalizado, assumindo o lugar, identificando-
se no ódio. No entanto, com Carolina, haverá o resgate da memória, um caso real em que os
maiores protagonistas são o atraso social e a favela.
Mesmo a escritora Carolina Maria de Jesus, já ter representado a voz da parte
marginalizada da população na década de 60, Sérgius Gonzaga expõe um desejo em seu
ensaio publicado em 1981:
35
A literatura sobre os setores não-inseridos no sistema é um caminho possível, apesar de
perigoso. Esperamos que os filhos dos operários – que hoje já se alfabetizam – escrevam a
trajetória sofrida de seus pais. A ficção política ganhará mais adeptos. E a classe média
continuará a ser mostrada em sua mediocridade por Moacyr Scliar, Deoníso da Silva, Wladir
Nader, etc. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 153)
Complementando essa citação, passemos a uma quase premonição do crítico
Antonio Hohlfeldt, também em 1981:
Se a comunidade é o povo, literatura marginal será toda aquela que focalizar este povo em
suas aspirações, sonhos, frustrações, e para tanto, aqui sim, é preciso pensar novos
personagens, novos leitores, novas linguagens. Mas, neste caso, o novo não é apenas o novo,
superficialmente, mas em sua essência. E a renovação dar-se-á, então, como premonição de
uma renovação mais ampla e profunda, que se seguirá e que implicará, necessariamente, na
assunção deste mesmo povo, desta mesma comunidade, sendo a arte apenas a antecedência
estética. (HOHLFELDT in FERREIRA, 1981, p.158)
Gonzaga e Hohlfeldt resumem e antecipam o que aconteceria, uma década depois, na
Literatura Brasileira, uma Literatura Marginal feita por marginais, editada por marginais e
consumida por marginais.
36
2 A LITERATURA E A ARTE NA CONTEMPORANEIDADE
2.1 O artista e o marginalizado
Historicamente nas artes e na literatura a questão da marginalização e da
marginalidade é uma composição e um estigma por parte dos artistas e escritores. Devido a
circunstancias, ideologias e questionamentos acerca do fazer artístico e de movimentos
sociais, os artistas e escritores, em vários pontos históricos da arte tiveram que conviver com a
marginalização. O Romantismo Europeu, no século XIX, um dos mais fortes e inflamados
movimentos que atraem para si este caráter marginal, utilizou-se do povo como uma parte
ideológica do fazer literário, em que os artistas consideravam o povo como a salvação:
Na esteira do grande movimento de idéias que de 1830 a 1848, agita as zonas marginais da
burguesia, certos autores têm a revelação do seu público virtual. Sob o nome de “Povo”, eles
o enfeitam de uma aura mística: dele virá a salvação. Porém por mais que o amem, eles não
conhecem o povo e, sobretudo, não emanam dele. (SARTRE, 1989, p.92)
O escritor tem sempre leitores que:
Pertencem em geral à burguesia; são subvencionados pela nobreza; como consomem sem
produzir e como a nobreza também não produz vive do trabalho alheio, são parasitários de
uma classe parasita. Não vivem mais num colegiado, mas nessa sociedade fortemente
integrada, formam uma corporação implícita e, para que nunca esqueçam da sua origem
colegiada e do antigo clericato, o poder real escolhe alguns dentre eles e os agrupa numa
espécie de colégio simbólico: a Academia. Alimentados pelo rei, lidos por uma elite, eles se
preocupam unicamente em atender à demanda desse público restrito. (SARTRE, 1989, p.71)
No entanto, no mesmo momento, em torno desse movimento, em contrapartida,
existiam outros que os tornavam mais à margem, os movimentos que tinham uma concepção
estética clássica e canônica, agrilhoada, nos quais o valor estava ligado estritamente ao belo e
à “arte pela arte”, assim, sendo contrários à concepção moderna de arte de que o movimento
oposto pregava. Enquanto a primeira se detinha em uma estética clássica, artesanal e
intelectualista, a segunda, caracterizava-se pela liberdade de forma, pelo gênio individual,
pela autonomia artística e das obras. Antonio Candido aponta:
De fato, antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela
exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de
essencial. Depois, chegou-se à posição oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma é
secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-
lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos,
sobretudo social, considerando inoperante como elemento de compreensão. (CANDIDO,
1976, p. 4)
Jean-Paul Sartre se refere aos escritores e leitores, na obra O que é Literatura
(1989), na qual, escrita após a Segunda Guerra Mundial, irá traçar um panorama de novos
questionamentos sobre as funções do sistema literário, a partir das perguntas “O que é
escrever”; “Por que escrever” e “Para quem escrever” - almejando uma “Arte de Libertação”,
através do engajamento de artistas e escritores. Utilizando-se de exemplos para demarcar a
37
problematização ao realmente fazer-se uma literatura engajada em sua forma e estética,
questiona o posicionamento de artistas e escritores, ao se posicionarem “marginais” para
ocorrer assim o engajamento.
A linguagem e a estética utilizada pelos escritores também os impossibilitavam de
chegar aos ouvidos do dito “povo”, o que tornava os escritores duplamente marginais:
A literatura, ainda inteiramente absorvida pela descoberta da sua autonomia, torna-se o seu
próprio objeto. Passou agora ao período de reflexão; experimenta seus métodos, rompe os
limites antigos, tenta determinar experimentalmente suas próprias leis e forjar novas técnicas.
Avança duplamente na direção das formas atuais do drama e do romance, do verso livre, da
crítica da linguagem. Se descobrisse para si o conteúdo, específico, seria preciso arrancar-se
dessa meditação sobre si mesma e extrair suas normas da narrativa, da poesia, do próprio
raciocínio, pelo simples motivo de que não seriam acessíveis aos leitores sem cultura. Parece,
portanto, que a Literatura corre o risco de cair novamente na alienação. Assim, o escritor
recusa, de boa fé, sujeitar a literatura a um divórcio que se realiza entre revolução concreta,
que tenta nascer, e os jogos abstratos aos quais se entrega. Desta vez, são as massas que
querem o poder, e como as massas não tem cultura nem lazer, qualquer pretensa revolução
literária, centrada no refinamento técnico, porá fora do seu alcance às obras que ela inspira, e
servirá aos interesses do conservadorismo social. (SARTRE, 1989, p.95)
Assim, os escritores tornavam-se marginais somente pelo modo de vestir,
alimentar-se, pela mobília, por seus hábitos, porém, ainda simbolicamente e literariamente,
estavam ligados a sua classe de origem, a burguesia, mesmo sendo divergentes em seus
conceitos.
Porém, Canclini, questiona tal posicionamento de Sartre, em relação à proposta da
“Arte de Libertação”, no que corresponde a um engajamento em prol do marginalizado e da
marginalização do autor:
A proposta de Sartre acerca do “compromisso” dos artistas não ajudou a restabelecer
profundamente a questão porque fazia a inserção social da arte depender de uma decisão
individualista, voluntária, daqueles que continuavam a imaginar-se sujeitos onipotentes.
(CANCLINI, 1980, p. 38)
No entanto, a teoria sartriana abriria reflexões acerca do posicionamento do artista
e do escritor diante da marginalização e do marginalizado – nesse ponto, as vanguardas foram
uma válvula. No Brasil, a vertente da Arte Moderna, tomou para si as observações da arte e
do engajamento.
A arte popular ganhou espaço, houve mistura de materiais, de linguagem. A forma
clássica fora deixada de lado e artistas assumiram posições marginais, assim como Sartre
descreveu em seu livro. Como exemplo, um dos mais entusiastas escritores do Modernismo,
Oswald de Andrade, assumia sua posição marginal vestindo-se como um proletário, mesmo
sendo de uma família abastada da cidade de São Paulo. Ou também quando, enfim, a práxis,
torna-se um método de estudo e pesquisa desses escritores, que largam a escrivaninha e
convivem no meio do povo.
38
No entanto, os movimentos mais expressivos apareceriam na década de 50, como
já foi apontado no primeiro capítulo. Intercâmbios entre artistas e povo surgem, outras
propostas no que concerne o “marginal” tornam-se cabíveis para a arte e a literatura,
envolvendo a questão cultural.
Há uma relevância relativa para uma “socialização da arte”, considerando-se,
dessa forma, que:
A partir dessa perspectiva de socialização da arte, podemos começar a extrair os primeiros
critérios para atribuir um valor às obras: 1) a amplitude de consumidores que ela atinge; 2) a
possibilidade que lhes oferece a função de consumo – em seu sentido passivo – e participarem
ativamente na criação daquilo que fruem; 3) a capacidade de fazer com que, juntamente com
o gozo de recriar, os espectadores ampliem o conhecimento de sua realidade, desenvolvem
sua identidade como classe e como povo, a consciência das possibilidades de sua própria
cultura e a transformem por eles próprios. (CANCLINI, 1980, p.45)
Augusto Boal7
, um dos nomes de maior expressão desse período, levando seu
Teatro do Oprimido pela América Latina, afirmava que:
O verdadeiro artista popular – afirma Boal – é o que sabe, além de produzir arte, deve saber
ensinar o público a produzi-la. O que deve ser popularizado não é o produto acabado, mas os
meios de produção. (CANCLINI, 1980, p. 44)
Dessa forma, atingindo uma mudança na função social da arte, estendendo-a a
diversos públicos, há abertura para novos expectadores (CANCLINI, 1980), em que sucede a
participação ativa e receptiva daqueles que sempre foram deixados de fora, mesmo com a sua
arte sendo utilizada pelos artistas.
Essa movimentação artística abriu para que:
(...) novas tendências artísticas tratam [tratassem] de substituir o individualismo pela criação
coletiva, vêem a obra não mais como o fruto excepcional de um gênio, mas como produto das
condições materiais e culturais de cada sociedade, e pedem ao público, em lugar de uma
contemplação irracional e passiva, sua participação criadora. (CANCLINI, 1980, sem
paginação.)
O que a elevará para uma nova fórmula de análise da arte, como situa Candido, na
década de 70:
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões
dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação
dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicativa pelos fatores
externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente
independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo.
Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa nem como
significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura,
tornando-se, portanto, interno. (CANDIDO, 1976, p.4)
7
Augusto Boal foi diretor de teatro, ensaísta, educador e dramaturgo. Participou do Teatro de Arena e foi o
fundador do Teatro do Oprimido. Suas teses ficaram conhecidas pela América Latina, lugar que percorreu,
juntamente com o educador Paulo Freire, e quando utilizavam-se do teatro para promover a alfabetização e o
pensamento crítico no proletariado.
39
Sendo dessa forma e diante dessas mudanças que já foram citadas no capítulo
anterior, o que corresponde à representação do marginalizado é que o retorno às últimas falas
e o desejo de Hoffman e Gonzaga para que os oprimidos sociais tivessem suas vozes escritas,
faz-se com que presenciemos essas vozes presente na contemporaneidade e não mais
escritores da alta sociedade escrevessem ou tivessem sob a sua responsabilidade retratar a
marginalidade que ocorre no cerne desta nação. Tendo em vista as mudanças
socioeconômicas da modernidade há que se propor uma revisão do que se é considerado
atualmente como e quem é o ”marginal” nas artes e na Literatura Brasileira. Com a vinda da
contemporaneidade ou pós-modernidade, como alguns teóricos referem-se ao período, há uma
nova geração de artistas e escritores na qual, desconstruções e novos segmentos artísticos
entram em cena.
Ainda sobre a contemporaneidade Heloísa Buarque de Hollanda, afirma que:
(...) à quebra da divisão categórica entre as chamadas culturas culta e de cultura de massa,
discurso dominante da estética modernista entre o final do séc. XIX e os primeiros anos da
década de 20 e que retorna, com novo vigor, nas duas décadas que se seguem à Segunda
Guerra Mundial. Esse “grande divisor”, como define Huyssen, com todas suas implicações
morais, estéticas e políticas, poderia ser visto, na realidade, como a característica mais aguda
da concepção de uma arte moderna e, como tal, um caminho mais eficaz para a definição do
modernismo do que as várias tentativas de diagnosticar a partir de cortes históricos,
periodizações e distinções paradigmáticas como vem sendo realizado pela crítica em torno da
distinção moderno/pós-moderno. (HOLLANDA, 1992, p.9 e 10.)
Andreas Huyssen irá retomar a modernidade e a pós-modernidade, apontando
suas transformações na cultura e trazendo à tona, um novo cenário cultural, ainda não visto na
modernidade:
Eu diria que as artes contemporâneas - no sentido mais amplo possível, quer se
autodenominem pós-modernistas ou rejeitem este rótulo – já não podem ser consideradas uma
nova fase na sequência dos movimentos modernistas e vanguardista que começaram em Paris
nas décadas de 1850 e 1860 e que mantiveram vivo um ethos de progresso cultural e
vanguardismo até a década de 1960. Nesse nível, o pós-modernismo não pode ser considerado
simples sequela do modernismo contra si mesmo. A sensibilidade pós-moderna do nosso
tempo é diferente tanto do modernismo quando do vanguardismo precisamente porque coloca
a questão da tradição e da conservação cultural como tema estético e político fundamental,
ainda que nem sempre tenha êxito. Porém, o que acho mais importante no pós-modernismo
contemporâneo é que ele opera num campo de tensão entre tradição e inovação, conservação e
renovação, cultura de massas e grande arte, em que os segundos termos já não
automaticamente privilegiados em relação aos primeiros; um campo de tensão que já não
pode ser compreendido mediante categorias como progresso versos reação, direita versus
esquerda, presente versus passado, modernismo versus realismo, abstração versus
representação, vanguarda versus kitsch. (HUYSSEN in HOLLANDA, 1992, p. 73 e 74).
Propondo-se um conceito sobre a questão da marginalidade na literatura,
historicamente e criticamente, os escritores em si, sempre carregaram a carga de serem
marginalizados, pelos temas abordados, pelas lutas, pelos engajamentos assumidos, e afins.
Atendendo à pós-modernidade, aos estudos coloniais e à própria questão da cultura,
atualmente, os marginalizados da literatura apresentam características peculiares ao que
40
sempre fora almejado por parte dos escritores: acontece que marginais escrevem para serem
lidos por marginalizados.
Estes oriundos de partes subalternas na sociedade introduziram corajosamente sua
literatura no centro da academia, da indústria editorial, da mídia e indústria cultural. Eles não
negam suas classes, pelo contrário, afirmam-na e não estão interessados, como os setentistas,
em fugir ao mercado editorial, trabalhando alternativamente em seus livros, assim
contrariando o que sempre for conceito sobre a subalternidade:
O termo subalterno, Spivak argumenta, descreve “as camadas mais baixas da sociedade
constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e
legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante.”
(ALMEIDA in SPIVAK, 2010, p. 12)
Por fazerem parte de uma classe social que sempre fora tida como ignorante,
analfabeta e que quem deveria ensiná-los a pensar criticamente era a burguesia e suas
instituições, ainda, levantam um olhar exótico diante de seus escritos e uma não aceitação
diante de algumas instâncias.
Remetendo o pensamento ao teórico Pierre Bourdieu (1989), sabemos que estes
escritores não estão à margem do sistema social, porém, ainda sim, simbolicamente estão
afastados da conjuntura dominante através de uma divisão política/cultural e não mais
geográfica e nem de classes (proletariado e burguesia). Temos a questão cultural como
protagonista nesta divisão, em que os setores dominantes conseguem ficar na manutenção
para considerar e transformar as culturas periféricas em subculturas. Bourdieu coloca esta
problemática da seguinte maneira:
A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma
comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes), para
a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa
consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do
estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este efeito
ideológico produ-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de
comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que
separa (instrumento de distinção) e que legítima as distinções compelindo todas as culturas
(designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura
dominante. (BOURDIEU, 1989, p.10-11)
Em seguida, transcrevemos um depoimento dado por um destes escritores, Zeca,
ajudante de pedreiro que gosta de escrever, durante o lançamento de uma coletânea desse
novo movimento de escritores, que se denominam escritores da Literatura Marginal8
. Ao
enviar seus poemas para os organizadores da coletânea, e sendo aceito, torna-se conhecido
8
Atualmente diante da crítica da academia, de escritores do movimento existem diversas denominações para
como: Literatura marginal feita por marginalizados, Litera-Rua, Literatura divergente, Literatura Periférica,
Literatura Marginal/Periférica, entre outras denominações que surgem a cada crítica.
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  • 1. Aline Deyques Viera O clarim dos marginalizados. A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea Rio de Janeiro 2011 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Instituto de Letras
  • 2. Aline Deyques Viera O clarim dos marginalizados. A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração de: Teoria da Literatura e Literatura Comparada. Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Aparecida Andrade Salgueiro Rio de Janeiro 2011
  • 3. CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CEHB Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte __________________________ __________________ Assinatura Data V665 Viera, Aline Deyques. O clarim dos marginalizados: a literatura marginal/periférica na literatura brasileira contemporânea / Aline Deyques Viera. - 2011. 93f. Orientadora: Maria Aparecida Andrade Salgueiro. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras. 1. Literatura popular - Teses. 2. Literatura de rua - Teses. 3. Exclusão social - Teses. 4. Literatura brasileira – Aspectos sociais- Teses. 5. Cultura popular – Brasil – Teses. 6. Cultura de massas – Teses. 7. Indústria cultural – Teses. I. Salgueiro, Maria Aparecida Ferreira de Andrade . II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. III. Título. CDU 82-91
  • 4. Aline Deyques Viera O clarim dos marginalizados. A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Teoria da Literatura e Literatura Comparada. Aprovada em 31 de março de 2011. Banca Examinadora: _____________________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Aparecida Andrade Salgueiro (Orientadora) Instituto de Letras da UERJ ___________________________________________________ Prof. Dr. Victor Hugo Adler Pereira Instituto de Letras da UERJ ___________________________________________________ Prof. Dr. José Luis Giovanoni Fornos Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande Rio de Janeiro 2011
  • 5. DEDICATÓRIA Ao meu avô, Mário Souza Viera, que, em vida, acreditou e incentivou as minhas pretensões e me ensinou que a vida pode ser doce em momentos tristes com um gosto “rapadurinha de leite”. E a todas as pessoas que trabalham para fazer desse mundo um lugar de igualdade e respeito.
  • 6. AGRADECIMENTOS Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES - pelo financiamento dado à pesquisa, o que possibilitou a minha dedicação a esta dissertação. À professora / orientadora Dra. Maria Aparecida Salgueiro, pela orientação, incentivo e pelo afeto maternal dado durante estes árduos dois anos. Ao professor Victor Hugo Adler Pereira, pela ajuda, pelos conselhos e pela amizade sempre concedida a mim em momentos de dificuldade e de alegria. Ao professor José Luís Giovanoni Fornos que, quando descobriu a minha pretensão em ingressar no Mestrado nesta Universidade, deu-me todo o incentivo. À Secretaria de Pós-Graduação por sempre ter me concedido atendimento quando surgiam as dúvidas. Aos integrantes do RAP (Reflexão Ação e Política) pelas teorias e conhecimentos compartilhados durante o ano do qual pertenci ao grupo. Aos escritores que fazem parte desta dissertação: Dona Laura, Elizandra Souza, Alessandro Buzo, Allan da Rosa e Ferréz pela disponibilidade e cordialidade com que me receberam e concederam as entrevistas. À minha mãe por ter me ensinado a sobreviver, pela ajuda e pelo incentivo. Ao meu pai, por seu meu anjo da guarda, pela ajuda nos momentos mais difíceis, pela não compreensão do que estou fazendo e por simplesmente me amar. Aos meus irmãos/amigos Hallana Garske e Abel da Rosa por estarem sempre comigo mesmo a distancia.
  • 7. Aos amigos do Rio Grande do Sul: Letícia Chaplin, Renata Troca, Daiane Bulsing, Profª. Cristina Zardo, Marisa Musa, Leoni Garske, pelo apoio à minha jornada acadêmica, por aguentarem meus momentos de histeria pela saudade sentida e por me proporcionarem um sorriso a cada reencontro. Aos amigos do Rio de Janeiro: Fernanda Corecha, Tamara Cunha, Giovanna Fernandes, Victor Ribeiro e Sérgio Vinicius Surcin, pelas cervejas no bar, pelos momentos de felicidade e pelos ombros e abraços para me consolarem quando a depressão e o sentimento de desistência batiam. À Mirna Aragão pelos conselhos e incentivo a esta dissertação. Ao poeta Severino Honorato e à poetisa Valéria Barbosa, pela simpatia, pela ajuda no evento ‘Poesia Favela’, o qual também faz parte desta dissertação, e por serem poetas. À Érica Peçanha pela ajuda, recepção e sua rica contribuição em minha pesquisa. À ‘Companhia Teatral Nósconosco’ pelo apoio nos momentos de dificuldade e aos meus estudos. Ao meu tio Cleiner Deyques, à minha tia Elizama Deyques e à minha prima Natália Deyques pela acolhida e pelo carinho que tive logo na chegada ao Rio de Janeiro.
  • 8. O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar. O que mais favorece o neoliberalismo não é a miséria material das massas, mas sua ignorância as conduz a esperarem a solução do próprio sistema, consolidando sua condição de massa de manobra. A função central da educação de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de massa de manobra, como bem queria. Paulo Freire
  • 9. RESUMO VIERA, Aline Deyques. O clarim dos marginalizados. A literatura marginal/periférica na Literatura Brasileira Contemporânea. 2011. 93f. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. A presente dissertação tem como objetivo principal problematizar a questão da Literatura Marginal / Periférica e apresentá-la no âmbito da Literatura e das Culturas. Para a construção do trabalho, foram utilizados teóricos que trabalham e reveem conceitos de cultura, não cristalizados, tais como, Cultura Popular, Cultura de Elite e Cultura de Massa, tendo em vista uma concepção de mercado e de socialização da arte. Ao mesmo tempo, a fim de inserir este novo movimento literário no âmbito das artes e das instituições, foram feitas entrevistas e utilizadas obras literárias de três autores (Ferréz, Alessandro Buzo e Allan da Rosa) e de uma autora (Elizandra Souza) que atuam na cena literária marginal / periférica. Para sua concretização, o estudo toma como referência as indagações e as recepções diante das culturas e da indústria cultural, ao traçar um panorama de como este movimento vem atuando na Literatura Brasileira Contemporânea. Palavras-chave: Literatura Marginal. Culturas Híbridas. Instituições.
  • 10. ABSTRACT The present dissertation aims at raising issues around the so–called Marginal or Peripheral Literature and at locating it in the field of Literature and Culture. In the organization of the work, intellectuals working and revising culture-related non-crystallized concepts, such as Popular Culture, Culture of the Elites and Mass Culture have been used, taking into consideration conceptions related to the market and to the socializing of art. At the same time, in order to place this new literary movement in the field of the arts and institutions, interviews were made and literary works by four different authors who are active participants in the marginal / peripheral literary scene were used: three male authors (Ferréz, Alessandro Buzo and Allan da Rosa) and one female author (Elizandra Souza). In the background, the present study takes into consideration different questionings and reception to both culture and industrial culture, as it designs a panorama of the way such movement has been presented in Contemporary Brazilian Literature. Keywords: Marginal literature. Hybrid Cultures. Institutions.
  • 11. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1 A LITERATURA E AS VARIAÇÕES DO TERMO “MARGINAL” A PARTIR DA DÉCADA DE 50 18 1.1 Algumas expressões do marginalizado na Cultura Brasileira 18 1.2 Por uma literatura diferenciada dos conceitos: o caso da Poesia Marginal 28 1.3 O Marginalizado na Literatura Brasileira nas décadas de 60 e 70: os casos Carolina Maria de Jesus e Rubem Fonseca. 31 2 A LITERATURA E ARTE NA CONTEMPORANEIDADE 36 2.1 O artista e o marginalizado 36 2.2 O culto e o popular nas relações artísticas e nos meios sociais institucionalizados: o olhar sobre Literatura Marginal/Periférica 43 2.3 A hibridização da identidade “marginal” 49 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE LITERATURA MARGINAL PERIFÉRICA 59 3.1 Quando o clarim soou: considerações iniciais da arte Marginal/Periférica 59 3.2 A Literatura como fato social e identidade de um local 66 3.3 O Posicionamento da Literatura Marginal/Periférica diante da Indústria Cultural e de Políticas Públicas 70 3.4 Literatura Marginal/Periférica e sua recepção em meios cultos, populares e massivos 74 4 CONCLUSÃO 79 REFERÊNCIAS 84 APÊNDICE - Imagens visuais 89
  • 12. 10 INTRODUÇÃO A periferia está na moda. Esta fala aparece no filme Os 12 trabalhos (2007), produzido pelo cineasta Ricardo Elias e lançado em um período de crescente efervescência no âmbito das artes e da vida periférica. A cena da referida fala se dá quando Carmem, uma professora de Literatura aposentada, interpretada pela atriz Lucinha Lins, conversa ao telefone sobre os seus trabalhos, fazendo uma referência ao que ocorre na cultura e na literatura atualmente. O filme, mesmo referindo-se ao cotidiano de pessoas pertencentes à periferia traz uma intertextualidade com a literatura clássica e com a mitologia grega: Os 12 trabalhos de Hércules1 . Nessa obra, através do mito de Hércules e da intertextualidade, temos um herói na história tão valente quanto o Hércules da mitologia. Heracles, interpretado pelo ator Sidney Santiago, um menino recém-saído da FEBEM (Fundação Estadual pelo Bem-Estar do Menor) é levado por seu tio para trabalhar em uma empresa de motoboys. O herói marginal terá que cumprir doze tarefas na empresa enfrentando o caos de São Paulo em um dia. A frase citada acima e o desenvolvimento do filme nos chamam a atenção ao colocar em questão algumas temáticas. Algumas delas serão apresentadas nesta Dissertação. Heracles, o herói-marginal de Os doze trabalhos representa uma metáfora de vários heróis-marginais que atualmente vivem nas periferias do Brasil. O mesmo, recém saído da FEBEM, tentando se regenerar através do trabalho e da escrita, sonha, tem o desejo de ter uma vida melhor, de ser um escritor. Porém, Heracles é da periferia, um lugar rodeado de preconceitos, onde a mídia só demonstra que há bandidos, assassinos e traficantes. Diante deste filme, é esperado que indagações surgirão perante os processos simbólicos e imaginários que o longa-metragem propõe, como por exemplo: ‘Curioso repararmos em seu nome...Como um nome tão clássico está na periferia?’; ‘Como um menino pobre, que já foi preso, se interessa pela leitura e pela literatura?’ Tais questões nos remetem a pensarmos que devido aos preconceitos sempre 1 Os doze trabalhos de Hércules é uma narrativa que descreve o cumprimento das penitências sofridas pelo filho de Zeus, Heracles, que em português, devido à romanização, tornou-se conhecido pelo nome de Hércules.
  • 13. 11 existentes nos meios cultos, midiáticos, políticos e sociais, ainda não se descobriu, de fato, a periferia e a sua produção cultural em alguns meios. As questões abordadas no filme fazem com que se revelem ao olhar da sociedade algumas perspectivas que abarcam a essência do que se tem como questões socioculturais impregnadas na nossa sociedade. Principalmente no que diz respeito aos cânones e às distinções culturais da sociedade ocidental e por quem são feitos tais dogmas. O tom pejorativo usado pela personagem, professora de Literatura, quando comenta que “a periferia está na moda”, coloca-nos diante do fato que ainda na academia e na sociedade não há reconhecimento do valor que a cultura popular feita pelo povo tem em nosso contexto. Burke pondera sobre o povo: No final do século XVIII e início do século XIX, quando a cultura popular tradicional estava justamente começando a desaparecer, que o “povo” (o folk) se converteu num tema de interesse para os intelectuais europeus. (BURKE, 2010, p. 26) Sua arte não era totalmente reconhecida, porém, era vivenciada por ambas as classes (CHARTIER, 1994). Mikhail Bakhtin, em sua aclamada obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais (1987), já nos mostra como as formas híbridas de arte se perpetuavam pelas cidades através da carnavalização do corpo grotesco, no teatro e na literatura. A praça pública representava o locus das representações e a literatura, além, da essência, também é um documento. Rabelais, mesmo sendo médico, encantou-se pelas formas da tradição popular, principalmente o carnaval, “a segunda vida do povo” (Bakhtin, 1987, p. 7), no qual surgiu sua inspiração para criação de vários personagens cômicos e grotescos representantes das oligarquias e do povo. Perante essa posição entre as diversas formas de cultura, Bakhtin, pontuou que: No domínio artístico, conhecemos o cânon clássico que nos serve de guia até um certo ponto na atualidade; o mesmo não ocorre com o cânon grotesco que já há muito tempo deixou de ser compreensível ou do qual temos apenas uma compreensão distorcida. A tarefa dos historiadores e teóricos da literatura e da arte consiste em recompor esse cânon, em restabelecer seu sentido autêntico. É inadmissível interpretá-lo segundo o ponto de vista das regras modernas e nele ver apenas os aspectos que delas se afastam. (BAKHTIN, 1987, p.26) O grotesco representado nessas obras ocasionava sua exclusão, mas não só por ser grotesco, e sim, porque era uma arte popular. Na modernidade, a arte culta ou elitista, com seus estudos e sua crítica, designou certos dogmas para compreender e considerar o que seriam as formas de arte. Entre essas questões podemos citar a do belo e da estética, dando-se, então, a partida para as formas de uma arte propagada pelos meios dominantes, uma vez que estes críticos, teóricos e filósofos pertenciam à elite. Ainda, mesmo passando por muitas
  • 14. 12 rupturas, temos até hoje a indagação quanto às questões estéticas propostas pela modernidade, que em vários momentos, ainda nos torna presos a algumas visões de certa forma, puristas em relação à arte e suas manifestações, quando nos apresentada diante de certas instituições. Roger Chartier analisando a conjuntura da separação entre o culto e o popular, aponta para duas problemáticas: a questão das obras letradas e a da separação entre essas duas culturas. Ao revisitá-las e analisar tais procedimentos culturais, o historiador aponta que: Por outro lado, o objeto fundamental da história ou de uma sociologia cultural compreendida como uma história da construção da significação reside na tensão que articula as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades com os constrangimentos, as normas e as convenções que limitam - mais ou menos – poderosamente segundo sua posição nas relações de dominação – que lhes é lícito pensar, enunciar e fazer. Esta constatação vale para uma história das obras letradas, pois elas se inscrevem sempre no campo dos possíveis que as tornam pensáveis. Vale para uma história das práticas que são, elas também, invenções de sentido limitadas, pelas múltiplas determinações (sociais, religiosas, institucionais etc.) que definem, para cada comunidade, os comportamentos legítimos e as normas incorporadas. Ao caráter automático e impessoal da produção como se postula o “linguistic turn”, é preciso opor outra perspectiva que enfatize as diferenças, as liberdades culturais e socialmente determinadas, que os “interstícios inerentes aos sistemas gerais de normas [ou as contradições existentes entre eles] deixam para os atores”. (CHARTIER, 1994, p.12) O segundo problema encontrado pelo teórico condiz com a separação entre as culturas popular e elitista que condiz na formatação simbólica quanto às representações de tais culturas, principalmente na cultura popular: Uma segunda dificuldade reside nas questões implícitas de uma categoria como a de “cultura popular”. Queira-se ou não, esta categoria leva a perceber a cultura que ela designa como tão autônoma quanto as culturas longínquas e como situada simetricamente em relação à cultura dominante, letrada, elitista, com a qual forma um par. É preciso dissipar essas duas ilusões complementares. De um lado, as culturas populares estão sempre inscritas numa ordem de legitimidade cultural que lhes impõe uma representação da sua própria dependência. De outro, a relação de dominação, simbólica ou não, nunca é simétrica: “Uma cultura dominante não se define, em primeiro lugar, por aquilo a que renuncia, enquanto os dominados sempre se confrontam com aquilo que lhes é recusado pelos dominantes – qualquer que seja sua atitude depois: resignação, negação, contestação, imitação ou recalque.” (CHARTIER, 1994, p.13) Quanto à separação da cultura, há como nos situa, o sociólogo Pierre Bourdieu, o fato de tais manifestações de dominação cultural serem dadas por uma dominação simbólica, que transforma o que não corresponde a uma arte elitista em sub-culturas. A questão de se ter uma linha que represente ambas as artes como um conjunto uno, torna-se um desafio ao pensar-se nessas duas citações teóricas. Há concepções simbólicas e imaginárias que afastam ambas as culturas, o que acaba se referindo a muitos espaços se tornarem imagens de exclusão devido a regras modernas. Contudo, podemos considerar que artistas sempre existiram para poder mudar este cenário de exclusão e formar uma concepção artística pertinente a todos e todas. Há também a forte influência na atualidade de um sistema de consumos cultural. Partindo para o
  • 15. 13 contexto brasileiro, vemos que, a partir do aparecimento das vanguardas e da concretização da Semana de Arte Moderna, pode-se dizer que há uma ruptura com uma arte elitizada, na qual desponta um novo modo de fazer arte que propunha como matéria prima a utilização de elementos populares e da modernidade como o folclore, a inserção da linguagem coloquial, idéias nacionalistas, a mídia como forma de divulgação através de revistas e jornais, entre outros elementos que não eram habituais. Tornava-se assim, uma arte, mais acessível para um público que ultrapassava as fronteiras da elite intelectual brasileira. Dessa maneira, temos o começo de uma arte de consumo, também denominada ‘indústria cultural’, em que meios de comunicação de massa passam a fazer parte deste cenário como apoiadores e divulgadores de tal forma de expressão. Porém, os modernistas tinham certas restrições sobre as vendas de suas obras, como aponta Flávio Carneiro2 : Se é marcante o discurso cinematográfico na obra de Oswald, através do corte, da montagem e da multiplicidade do olhar, não está nos seus planos atingir um público tão abrangente quanto o do cinema. Ao contrário, faz parte do ideário dos modernistas e concretistas, como, de resto, de toda vanguarda, certo desprezo à aceitação da obra de arte pelo grande público. (CARNEIRO, 2005, p. 23-24) Assim, passam-se historicamente os Concretistas, o movimento da contracultura, a Poesia Marginal (anos 70), a tendência urbana e outras tendências. Mas há uma questão intrigante, mesmo a partir de uma “tradição da ruptura”, como coloca Otávio Paz. Percebe-se que em todos estes movimentos há somente uma voz, a voz de uma elite que registra a voz dos excluídos, dos que pertencem à sociedade de massa. Como exemplo, temos o autor Rubem Fonseca, que desponta com sua literatura a partir dos anos 60 e que, ao lado de Sérgio Sant’anna, como coloca Carneiro, reforçam o modo de interação da literatura com a mídia, em que não há preocupação de “estabelecer limites e de tornar uma posição ideológica definida: contra a inserção num mercado.”(CARNEIRO, 2005, p. 25) Acerca da Poesia Marginal, apesar de ter esta denominação, cabe lembrar que era feita pela elite e para a elite, principalmente nas grandes metrópoles, onde geralmente eram produzidas por jovens que faziam parte de movimentos sociais e estudantis, do qual estes queriam fugir do mercado editorial e mimeografavam seus próprios livros. 2 CARNEIRO, Flávio. Das vanguardas ao pós-utópico: Ficção brasileira do século XX. In: No país do presente: ficção brasileira do século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
  • 16. 14 Após as explanações teóricas e históricas, chega-se ao foco desta Dissertação, que se centra em uma problematização da literatura urbana a partir da década de 70, relacionando- a com a literatura produzida a partir da década de 90, visando à comparação entre a cultura de elite, a cultura popular e a cultura de massa, especulando sobre suas implicações no contexto pós-moderno. Esta Dissertação tem como proposta problematizar a literatura através de uma investigação do conceito de pós-modernidade na arte literária, visando às novas estruturas e discussões acerca da estética literária a partir dos anos 90. No início da década de 90, desponta a tendência denominada ‘Arte Marginal’, ‘Literatura Marginal/Periférica’, ‘Literatura Marginal feita por marginalizados’ ou outras tantas denominações já dadas a este movimento, que trará uma nova definição para a literatura no Brasil do fim século XX e início do século XXI: Os anos 90 descartam o baixo astral e inventam um fim de século rico de imagens e criatividade. É uma década de estranhos e intrusos na festa da cultura: às mulheres somam-se os negros, os gays, os brasileiros em Nova York. Na década que celebra a diferença, nossos contistas exploram a fusão com o tecnológico. Pelo que deixa entrever a arte de nossos melhores contistas atuais, parece que no futuro próximo vamos viver num país mais heterogêneo, mais plural, embora um pouco hesitante em relação às suas novas metas. A diversidade de estilos aponta para um período de transição, como aconteceu no final do século passado. Mas não há temor nem entusiasmo diante do inesperado, diante do todo outro que pode vir ou não. (MORICONI in CARNEIRO, 2005, p. 31) Diferentemente da Poesia Marginal dos anos 70, que era produzida pela elite, a Literatura Marginal/Periférica é feita por artistas considerados à margem da sociedade, moradores das periferias, ribeirinhos, catadores de lixo, presidiários, entre outros. Estes escritores vêem na literatura uma forma de construírem sua identidade perante a sociedade, apontando os problemas que envolvem o meio do qual participam. Entre os problemas, envolve um sistema que valoriza aquele que possui um carro de última geração, artigos que tenham uma marca reconhecida internacionalmente, pessoas que tenham estética padronizada pelos meios de comunicação, um nome reconhecido pela elite, onde há uma publicidade devastadora, que governa mais que os próprios governantes e evidencia, assim, políticas culturais baseadas em uma globalização cada vez mais submissa a um monopólio e uma comunicação em massa manipuladora e padronizada, conforme registra o sociólogo Néstor Garcia Canclini: Para o resto das pessoas, se oferece um modelo de comunicação de massa, concentrando em grandes monopólios, que se nutre da programação standard norte-americana, além de produtos repetitivos, de entretenimento light, gerados em cada país. (CANCLINI, 1997, p.64)
  • 17. 15 No entanto, este mesmo sistema que não valoriza todas as manifestações culturais vai promover a aproximação entre cultura erudita e a cultura popular, através dos mesmos meios de comunicação de massa dando assim novos conceitos de cultura: Mas é preciso ignorar a especificidade da situação atual que para além das coincidências resultantes do efeito das homologias, apresenta características relativamente sem precedentes: os efeitos que o desenvolvimento da televisão produz no campo jornalístico e, através dele, em todos os outros campos de produção cultural, são incomparavelmente mais importantes, em sua intensidade e amplitude, que aqueles que o surgimento da literatura industrial, com a grande imprensa e o folhetim, provocara, suscitando entre escritores as reações de indignação ou de revolta das quais saíram, segundo Raymond Williams, as definições modernas da “cultura”. (BOURDIEU, 1997, p. 102) Tendo em vista a citação de Bourdieu, podem-se indagar as seguintes questões em meio ao cenário cultural pós-moderno: ‘O que seria a cultura de elite, a cultura popular e a cultura de massa?’, ‘Quais seriam suas relações?’, ‘Como tais relações são veiculadas pelos meios de comunicação?’, ‘Como os espaços acadêmicos incorporam tais relações ou estudos?’ Para discutir questões dessa natureza, foi feito um estudo de campo como os seguintes escritores: Reginaldo Ferreira da Silva (Ferréz). 34 anos, estudou até o 3º colegial e reside em Valo Velho, Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo; Allan da Rosa, 34. Mestre em Educação, reside em Americanópolis, na zona Sul de São Paulo; Alessandro Buzo. 38 anos, cursou até o 7º ano do Ensino Fundamental e reside no Itaim Paulista, Zona Leste de São Paulo; Elizandra Batista de Souza. 27 anos, é formada em Jornalismo, e reside na zona sul de São Paulo. Os quatro escritores fazem parte da periferia de São Paulo e do movimento de Literatura Marginal. Como podemos perceber em seus dados, dois já tem formação universitária e os outros dois não. Assim, podemos ver uma quebra neste movimento ou, então, uma mescla pela qual, já houve a circulação de dois escritores em um âmbito considerado elitista. Estes escritores e escritora atualmente atraem diversos olhares, tanto acadêmicos quanto culturais, artísticos e políticos. Outra característica desse movimento é ainda o pequeno número de mulheres escrevendo e divulgando suas obras. São poucas, visto o número de homens. Até mesmo nesta Dissertação, há apenas uma escritora e ela mesma ainda não conseguiu lançar um livro
  • 18. 16 independentemente. Em conversa com esta pesquisadora, Elizandra diz sofrer ainda certos preconceitos diante de suas poesias que, em geral, tratam da problemática da mulher negra. Esta questão pode trazer uma nova questão, acerca da subalternidade feminina: suas vozes ainda estão escondidas. Como aponta Spivak: Pode o subalterno falar? O que a elite deve fazer para estar atenta à construção contínua do subalterno? A questão da mulher parece ser a mais problemática nesse contexto. Evidentemente, se você é pobre, negra e mulher, está envolvida de três maneiras. Se, no entanto, essa formulação é deslocada do contexto do Primeiro Mundo para o contexto pós- colonial (que não é idêntico ao Terceiro Mundo), a condição de ser “negra” ou “de cor” perde o significado persuasivo. (SPIVAK, 2010, p.85) Cabe apontar que o movimento teve como incentivo um fenômeno de vendas e de bilheterias: Cidade de Deus, de Paulo Lins, escritor que pertencia à favela de nome homônimo, na cidade do Rio de Janeiro, traz o estopim para que explodisse este movimento, tornando-se um clarim aos ouvidos da classe erudita, um clarim que, ao mesmo tempo em que incomoda, traz uma sonoridade envolvente e atrai como entretenimento. Néstor Canclini utilizará o sociólogo Pierre Bourdieu para apontar tal fenômeno: A independência conquistada pelo campo artístico justifica-se a autonomia metodológica de seu estudo. Diferentemente de grande parte da sociologia da arte e da literatura, que deduzem o sentido das obras a partir do modo de produção ou do estrato social de origem do autor. Bourdieu considera que cada campo cultural é regido por leis próprias. O que o artista faz está condicionado pelo sistema de relações que estabelecem os agentes vinculados com a produção e circulação das obras, mais que pela estrutura global da sociedade. A investigação sociológica da arte deve examinar como se formou o capital cultural do respectivo campo e como se luta por sua apropriação. Os que detêm o capital e os que aspiram a possuí-lo promovem batalhas que são essenciais para entender o significado do que é produzido; porém essa competição tem muito de cumplicidade e através dela também se afirma a crença na autonomia do campo... (CANCLINI, 2008, p.36) Assim, o autor de Culturas Híbridas toma como ponto de vista principal a hibridação da cultura, acarretando uma cultura heterogênea em uma sociedade de consumo. O autor acredita que o Culto e o Popular podem sintetizar-se na cultura massiva, e nos propõe rever nossos conceitos de arte como estética ou como consumo, pois, com as aberturas sociais, em que consistem maior liberdade econômica e política, a arte torna-se um fato social. Com a pluralidade da arte e as tradições da ruptura, atualmente, nos encontramos divididos e enigmáticos diante dos fenômenos editoriais. Conforme aponta Fredric Jameson, vivemos em uma nova era, em que o consumo torna-se algo gigantesco, haja vista a arte, fazendo com que se rompam barreiras: apagamento da antiga (característica do modernismo ) fronteira entre alta cultura e cultura de massa ou comercial e ao aparecimento de novos tipos de textos impregnados das formas, categorias e conteúdos da mesma indústria cultural que tinha sido denunciada com tanta veemência por todos os ideólogos do moderno.(JAMESON, 1997, p.24)
  • 19. 17 A fim de trabalhamos tais temas, dividimos a presente dissertação em três capítulos. O primeiro tratará da tendência marginal da década de 70, seus representantes e suas representações. O segundo abordará a questão cultural e a do cânone diante da Literatura contemporânea. O terceiro e último capítulo apresentará a fala dos escritores citados e seus posicionamentos diante de seu território, da literatura e de seus receptores. Enfim, esta Dissertação tem seu tema voltado para a compreensão e problematização do fenômeno em referencia, em suas dimensões históricas, sociais e culturais, nas quais as posições estéticas e de produção foram e estão sendo construídas e, ainda, para a compreensão de por que a “Periferia está na moda”.
  • 20. 18 1 A LITERATURA E AS VARIAÇÕES DO TERMO “MARGINAL” A PARTIR DA DÉCADA DE 50 1.1 Algumas expressões do marginalizado na Cultura Brasileira Como conceito geral, tem-se que o adjetivo “marginal” é derivado do substantivo “margem”, ou seja, beira, orla. Sendo assim, no âmbito social, torna-se “marginal” aquele que não está inserido no centro. A marginalização, como um processo social de exclusão, torna cidadãos ou cidadãs inferiores, devido a certas condições sociais, como classe, etnia e lugar de habitação. Ainda, na cultura brasileira, “marginal” também se refere a delinquentes, assassinos(as), ladrões, pessoas que, por terem cometido algum delito, tornam-se passíveis de serem julgadas por vias jurídicas, sendo assim, retiradas do convívio social livre, indo para casas de detenção. Como explicação do termo “marginal” e da vulgarização do mesmo, temos a revisão do crítico literário Sérgius Gonzaga a esse conceito na década de 80, colocando o foco no momento histórico da década de 50: O termo marginal vulgarizou-se no universo lingüístico brasileiro a partir da década de 50, quando os planos desenvolvimentistas geraram uma consciência eufórica do progresso. Acreditava-se na transformação rápida de um país subdesenvolvido numa nação de alto nível capitalista. Delimitados por sua situação ecológica – para usarmos uma expressão de Manoel Berlink – eram conhecidos como marginais, os habitantes das favelas urbanas, que o projeto de metas havia multiplicado. Porém, tinha-se essas favelas e essa marginalidade como transitórias, resultados passageiros e inevitáveis do crescimento econômico. Desapareceriam quando o ciclo do desenvolvimento se complementasse. Por sua condição periférica, a economia cresceu acentuadamente os desníveis entre os vários grupos e as várias regiões. E os setores não-integrados aos novos mecanismos e às novas relações de produção ampliaram-se em progressão geométrica. Posto que socialmente passiva, esta massa ocupa um espaço de indivíduos ao sistema. Daí a institucionalização, na sociedade civil, de um saber policialesco que passou a ver no marginal não apenas o favelado (como nos tempos juscelinistas), mas todo aquele elemento que – excluído das formas mais ou menos ortodoxas de apropriação e sobrevivência capitalista – procurasse outras maneiras de adaptação vital nos médios e grandes centros Marginal tronou-se o ladrão, a prostituta, o mendigo, o menor abandonado, etc. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p.147-148) Sobre a arte para marginalizados na cultura brasileira, pode-se dizer que é em 1950 que começa a florescer um espaço antes nunca dado aos marginalizados, através de artistas, do clero, de intelectuais de esquerda que se propuseram a fazer uma arte conscientizadora e política. Porém, muitos desses movimentos tiveram duração legalizada apenas até 1964, quando foi dado o Golpe Militar. A partir desse momento muitos desses artistas e intelectuais serão perseguidos e em alguns casos exilados do Brasil. Antes de 1964, surgem grupos como o MCP (Movimento de Cultura Popular), no Recife e o CPC (Centro de Cultura Popular), no Rio de Janeiro, este com ligação à UNE
  • 21. 19 (União Nacional dos Estudantes), obtendo uma grande força política, junto aos estudantes no pré-1964. O CPC tinha como agenda “edificante” a educação das massas e tal consistia em uma abordagem política e cultural. O projeto educacional dava-se através de filmes, de peças de teatro e da literatura. Para o CPC os artistas e intelectuais teriam três posições: o conformismo, o inconformismo e a atitude revolucionária consequente (HOLLANDA, 2004). Quando conformista, o artista tornava-se um alienado e não se dava conta que: (...) a arte quando vista no conjunto global dos fatos humanos não é mais do que um dos elementos constitutivos da superestrutura social, juntamente com as concepções e instituições políticas, jurídicas, científicas, religiosas e filosóficas existentes na sociedade. (HOLLANDA, 2004, p.22) Quanto ao segundo grupo, o inconformismo não era suficiente para uma mudança, porque o mesmo deveria estar engajado em uma luta política, pois: (...) para estar ao lado do povo e da sua luta, não basta adotar a atitude simplesmente negativa de não adesão, de não cumplicidade com os propósitos ostensivos do inimigo povo. (HOLLANDA, 2004, p. 22). E quanto à terceira atitude, tomada pelo CPC, esta garantia que “os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no front cultural.” (HOLLANDA, 2004, p. 22). Sendo assim, a partir desses movimentos é que podemos verificar que começa uma “arte popular revolucionária” que, até então, somente atenuava os estudos populares, ou seja, marginalizados estudados pelo grupo modernista, porém, o seu cunho não era educativo e nem mesmo chegava muitas vezes ao povo, pois tinham como lema“ Se vende, não é bom” (CARNEIRO, 2005, p. 24) Na formação do CPC, havia Ferreira Gullar, Eduardo Coutinho, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, entre outros intelectuais. É desta época também o Teatro de Arena, que tinha como intenção montar peças questionando o cotidiano político do proletariado. Na mesma época é também lançada a revista Violão de Rua, que reunia poetas e poetisas engajados (as) com o CPC, onde escreviam poemas tematizando o povo e a cultura popular. Violão de Rua, na época, teve uma tiragem de vendas de um milhão de exemplares. No MCP o ponto de maior expressão foi o método de alfabetização utilizado pelo educador Paulo Freire, que, para tirar os cidadãos e cidadãs da marginalidade, promoveu o método do ensino liberal através da conscientização a partir do contexto social do proletário, utilizando o seu espaço político para concepção do ensino. Também nesse período, Augusto Boal criou o seu Teatro do Oprimido.
  • 22. 20 Na mesma vertente intelectual de uma arte em que tinha o marginalizado como protagonista surge então o Cinema Novo, com nomes como Nelson Pereira do Santos, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra e outros que tinham como influência o Neo – Realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa. Nelson Pereira dos Santos é precursor do Cinema Novo, com o filme Rio 40 Graus, lançado em 1955, e que tinha como roteiro retratar a vida comum e cotidiana de pessoas da periferia do Rio de Janeiro. Na época, o Serviço de Censura de Diversões Públicas liberou o filme, mas depois, no final do mês seguinte, o coronel Geraldo de Menezes Cortes, que, no período, chefiava o Departamento Federal de Segurança Pública, censurou a exibição do filme em território nacional, mesmo sem o ter visto: “no seu despacho, o coronel diz que ‘as várias histórias que compõem o referido filme apresentam tipos de delinquentes, viciosos e marginais, cuja conduta em certo ponto é até enaltecida.” (SIMÕES in CARNEIRO, 2002, p. 354). Tendo em vista a moral, os bons costumes e a imagem que iria para o exterior, o Brasil, deveria esconder e abafar os marginalizados nas artes e era para isso que a vigilância da censura servia nos anos 50 e até o final da Ditadura Militar. O mais polêmico e conhecido, ainda com a rubrica do Cinema Novo, foi o diretor Glauber Rocha, que, com seu lema uma câmera na mão e uma idéia na cabeça (mais a técnica) deixou um legado de um cinema político e emblemático no que corresponde à política e aos marginalizados da época. Glauber, em Deus e o Diabo na Terra do Sol de 1964, nos remete para um cenário árido, mais precisamente para o sertão da Bahia, apresentando dois personagens castigados pelo lugar: Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), que durante o filme encontrariam um beato e um cangaceiro. Estes representam símbolos da violência sertaneja: tanto o beato Sebastião (Lidio Silva), quando mata crianças para suprir suas crendices, quanto o cangaceiro Corisco (Othon Bastos), quando rouba e assassina para sobreviver. Esta violência também se manifesta em Manuel, no momento em que por não ser devidamente valorizado pelo seu trabalho, Manuel, a golpes de faca, mata seu chefe. Esta violência se dá diante das condições precárias de vida das personagens, podendo estar atrelada principalmente ao sistema político. Para Glauber, o Cinema Novo diante da precariedade social, deveria “devolver uma ‘anti-razão’ que comunica as tensões e rebeliões do mais irracional de todos os fenômenos que é a pobreza” (GLAUBER in AVELLAR, 1995, p.77), na qual consistiria em uma agressão da razão, pregados pela miséria, a fome e o subdesenvolvimento, promovendo uma reação diante dessas imagens que eram “proibidas no contexto da burguesia.” (GLAUBER in AVELLAR, 1995, p.79)
  • 23. 21 O cineasta escreve em seu manifesto Estética da fome, que a fome é nossa maior originalidade, é sentida, mas não compreendida; e em Estética do Sonho, afirma que a liberdade se conquista pela imaginação, o que é proibido pela razão. Através destes manifestos e nas atitudes das personagens do filme fica implícita outra estética: a Estética da violência, Manuel e Rosa são agredidos e agridem como forma de revolta diante de suas condições como seres humanos. A Estética da violência vigora a partir da fome, pois sua intenção de mostrar o marginalizado é mostrar para sociedade que: (...) ter pena do pobre é cair no campo da assistência social, “truque da consciência burguesa para poder engolir seu uísque em paz”, gesto que apenas acentua a miséria. “Que adianta dar um brinquedo de Natal ao filho do pobre pescador, se no dia seguinte ele disputa um bolo de feijão juntamente com os cachorros esfaimados de beira-mar?” É necessário, isto sim, dar consciência desta miséria e talvez acentuá-la o mais possível, como se acua um gato num beco. Foi assim que Fidel agiu com os camponeses cubanos. O tumor explodiu.” (GLAUBER in AVELLA, 1995, p.79) E é querendo desconstruir os conceitos de um “Bom Burguês”, que sua estética consiste em colocar um: (...) processo dialético da história, marcado pela irreverência poética”, “pela violência”, pela introdução do plano anárquico, profano erótico, marcado por “imagens proibidas no contexto da burguesia”, para aniquilar tudo “aquilo que o espectador aceita como normal” (GLAUBER in AVELLAR, 1995, p.79) Assim, Manuel e Rosa se enquadram em dois momentos: em um primeiro momento, eles são a vergonha do país, ou seja, a fome e no segundo momento, são símbolos de uma possível redenção, que marca o final do filme, quando Manuel corre sem parar, ao mesmo tempo em que temos a voz de Sérgio Ricardo cantando: “O sertão vai virar mar e o mar virar sertão”3 , fazendo uma alusão à Revolução dos oprimidos. Para alcançar essa Revolução, Manuel e Rosa passam por muitos momentos, nos quais, a violência sempre os encontra como uma libertação de suas condições. Por fim, Glauber dizia que “a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. O comportamento exato de um faminto é a violência, e a violência de um faminto não é primitivismo.” (GLAUBER in AVELAR, 1995, p.85) O filme de Glauber Rocha apresenta uma violência representativa, sendo uma alusão à condição marginal das personagens, em que haveria uma identificação e, ao mesmo tempo, um distanciamento como na arte brechetiana dando originalidade e engajamento 3 Esta frase ficou conhecida pelo profeta Antônio Conselheiro, que a pregava aos seus fiéis e fora musicada pelo compositor e cantor Sérgio Ricardo para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol - 1964, do cineasta Glauber Rocha.
  • 24. 22 compromissados. Porém, em 1964 ocorre o golpe militar e devido a isto, muitos dos planos de Glauber e dos cineastas do Cinema Novo são abafados pela ditadura. No que diz respeito aos traços da cultura popular como procedimentos estéticos, na música, teremos o Samba, a Bossa Nova, a Música de Protesto ou de Intervenção, e o polêmico Tropicalismo. O Samba como representação das margens, a Bossa Nova representando um novo conceito musical tendendo para a elite, a Música Protesto ou de Intervenção combatendo a ditadura e o Tropicalismo com sua mistura de ritmos, instrumentos musicais e representações sociais. O samba é a manifestação mais antiga e mais legítima da cultura popular brasileira, em que, logo, por uma questão simbólica, alude-se aos morros cariocas. Um lugar que se contrapõe à cidade, no que se refere à sua formação. Um pouco de História nos ajuda a compreender melhor tal processo. Idealizada no fim do século XIX, a modernização do Rio de Janeiro (e de São Paulo), influenciada pela arquitetura européia, tem como principal agenda a destruição de cortiços e prédios velhos, onde morava a maioria dos marginalizados da cidade, tais como prostitutas, malandros, escravos recém-alforriados e ladrões. Exemplificando, temos, no Rio de Janeiro, ainda na gestão do Prefeito Barata Ribeiro, a destruição do cortiço Cabeça de Porco, que abrigava mais de quatro mil pessoas e era localizado no centro da cidade. Com a entrada do Prefeito Francisco Pereira Passos, com o objetivo de se deixar a cidade “bonita” e “moderna” intensificaram-se as medidas de destruição e expulsão dos marginalizados para lugares em que eles não tivessem visibilidade. Como registro dos primeiros habitantes dos morros, temos a informação da vinda dos retirantes oriundos da Guerra de Canudos, estes dando o nome de Favela aos morros onde se concentravam, pois lá havia uma plantação semelhante à da planta ‘favela’ comum na Bahia. É nesse meio marginalizado, como o citado, que se encontravam descendentes de africanos que trouxeram consigo através de suas ancestralidades, o ritmo novo, pois, o samba é derivado do semba (umbigada) que varias fontes indicam como sendo uma palavra de Angola ou do Congo. Dentro do samba, têm-se como suas mais conhecidas manifestações o samba de partido alto (improvisado) e o samba enredo (feito para escolas de samba). Este ritmo tinha como intenção cantar a alegria, as frustrações, o território por habitado por seus artistas, e mesmo com a popularização do samba, com sua descida para o asfalto, este ritmo é até hoje associado aos morros cariocas.
  • 25. 23 Tal pode ser exemplificado nestes versos de Edson Conceição e Aloísio, e conhecidos popularmente pela voz de Alcione, uma sambista contemporânea: “Não deixe o samba morrer/ não deixe o samba acabar/ o morro foi feito de samba,/ de samba pra gente sambar.” (Não deixe o samba morrer, 1975. Disponível em: http://letras.terra.com.br/alcione/44027/. Acesso em 20/11/2010). Assim, por ser música de caráter marginal, o samba, não deixou de abordar a questão das mazelas vividas por seu povo: Acender as velas Já é profissão Quando não tem samba Tem desilusão É mais um coração Que deixa de bater Um anjo vai pra o céu Deus me perdoe Mas vou dizer O doutor chegou tarde demais Por que no morro Não tem automóvel pra subir Não tem telefone pra chamar E não tem beleza pra se ver E a gente morre sem querer (ZÉ KETI: Acender as velas, 1964. Disponível em: http://letras.terra.com.br/ze-keti/197272/. Acesso 20/11/2010) Como vemos, nesta música, o compositor carioca Zé Keti, coloca nos versos a carga pesada de morar na favela, o cotidiano nada fácil de ser um marginalizado. Relatando a morte de um favelado, por não ter assistência a sua saúde, por não ter poder de consumo e por morar em um lugar de difícil acesso, em que nesses momentos, resta somente rezar. Nesta música, Zé Keti, acaba por negar a imagem idealizada, formulada por alguns sambistas, em que a favela seria um lugar de festa e felicidade, como neste samba de Cartola: Numa manhã lá no alto Bem no alto Onde ouço a passarela No romper da madrugada A gorjear Eu me sinto alegre Me sinto contente Me sinto feliz Em ouvir a passarada No romper das madrugadas Em meu país. (CARTOLA, Manhã de Primavera. Disponível em: http://letras.terra.com.br/cartola/1752321/. Acesso em 20/11/2010.) O sambista, Zé Keti foi um dos participantes ativos do espetáculo musical Opinião, ligado ao CPC da UNE na década de 70. Sua voz representava o morro e o samba na campanha contra a ditadura militar e na campanha pela consciência do povo. A Bossa Nova
  • 26. 24 que teve seu principio na década de 50 e encerra-se com o golpe militar em 1964, traz em seu âmago musical uma renovação estética, com misturas de ritmos e sons. O músico Tom Zé, um dos fundadores do Tropicalismo acha a bossa nova a maior inovação musical da história recente, mais importante do que o Tropicalismo que a ajudou a fundar. “Por que é que o Tropicalismo está com essa bola toda? Não chega a ser sequer um movimento estético estruturalmente radical como a Bossa Nova. Esta, sim, criou realmente um gênero.” (TOM ZÉ in SOVIK, 2010, p. 90-91). Com a mistura do jazz e do samba e as letras descompromissadas contrastando com as músicas engajadas, o uso da voz como mais um instrumento faz com que a Bossa Nova introduza: Um procedimento ímpar na história da música popular no Brasil, pois letra e música, ao mesmo tempo em que se comentam mutuamente, fazem uma crítica às convenções musicais. [...] tanto em “Desafinado” quanto e “Samba” de uma nota só o comentário estético mescla-se com o discurso amoroso. (NAVES in SOVIK, 2010, p. 91-92) E é de acordo com um legado relacionado com o estético na Música Popular Brasileira que a Bossa Nova deixa um legado elitista no que condiz a música popular brasileira e não tão engajado como as outras manifestações musicais do respectivo período. A Música de Protesto ou Intervenção e o Tropicalismo formam um caso a parte. Ambos tinham uma briga, pois, enquanto a música de protesto pregava a conscientização política e o protesto contra a ditadura com elementos nacionalistas, com suas letras que faziam críticas ao governo militar e a sociedade brasileira, no qual induziam a se pensar e uma esperança e na importância da música como um meio de veicular idéias (como maiores símbolos dessa geração musical temos Chico Buarque de Hollanda e Geraldo Vandré), o Tropicalismo, descendente do experimentalismo da Bossa Nova e do rock estadunidense, polemizava, introduzindo elementos da cultura de massa e do pop. Introduz-se a guitarra, instrumento culturalmente identificado como estadunidense, causando uma afronta aos que levantavam a bandeira de uma música totalmente nacionalista. Porém, mesmo tendo essa incorporação nas artes tropicalistas, eles hibridizavam a cultura popular na sua arte com a cultura pop fazendo uma releitura da antropofagia modernista. (CORONEL, 1998, p 26 - 27) Os tropicalistas “muitas vezes compunham uma espécie de mosaico dos fragmentos da vida urbana da época, tal como em Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, onde há bancas de revistas, espaçonaves e guerrilhas, tudo iluminado pelo sol tropical.” (CORONEL, 1998, p.29). Mal compreendido na época pelo movimento da Música Protesto e seus seguidores, o movimento Tropicalista recebeu várias críticas por parte dos intelectuais, principalmente daqueles que participavam da esquerda da época. A este Movimento também pertenciam o Grupo de Teatro Oficina e o artista plástico Hélio Oiticica.
  • 27. 25 O Grupo de Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa, diferentemente dos Grupos formados pelo CPC, que tinham um “acordo” e uma “cumplicidade com a platéia” (CORONEL, 1998), criava sua ligação com o público, através da violência, da brutalidade. Esse estilo criava um sentido político mais preciso em que no contexto, O público representa[va] uma ala mais ou menos privilegiada deste país, a ala que se beneficia, ainda que mediocremente, de toda a falta de história e de toda a estagnação deste gigante adormecido que é o Brasil. O teatro tem necessidade de (...) colocar este público (...) frente a frente com a sua grande miséria, a miséria do pequeno privilégio obtido em troca de tantos oportunismos e tantas castrações, tantos recalques em troca de toda a miséria do povo. (SCHWARZ in CORONEL, 1998, p. 36) O artista plástico Hélio Oiticica constituía, por assim considerar, uma antiarte. Foi com a sua instalação denominada Tropicália que nasceria o nome do movimento a que nos referimos. Nessa obra havia uma televisão e, ao redor dela, objetos exóticos que simbolizavam o Brasil, tais como araras e palmeiras. Oiticica deixaria como inconformismo social o seu inconformismo estético, pois: A identificação que cultivava com bandidos como o Cara de Cavalo, presente estirado quase como um Cristo Crucificado na famosa bandeira-poema de 1968, que tem por inscrição os versos “seja marginal / seja herói”, evidencia um desejo de aproximação do artista em relação aos elementos de fora do espectro social. (CORONEL, 1998, p 38) É através do fetiche e dessa glorificação do ser marginal que muitos artistas se valeram como identidade, pois, assim como os marginais ficam à margem, estes artistas se consideravam à margem do sistema de produções artísticas. Ainda nos anos 70, também na vertente da música de intervenção, também há a formação de grupos de rock. Entre essa nova safra de grupos surgem influenciados pelo punk rock, como Aborto Elétrico (1978-1982) e Plebe Rude (1981). A banda Aborto Elétrico em consequência de um desentendimento entre seus integrantes separou-se, fazendo com surgissem as bandas Legião Urbana (1982 – 1996) e Capital Inicial (1982). Essas bandas traziam em suas letras além das temáticas cotidianas e do amor, uma forte crítica social. Mesmo tendo suas formações em meados da década de 70, tomaram uma dimensão nacional nos anos 80, quando a ditadura começa a declinar, relatando em suas músicas várias histórias do povo marginalizado. Como um clássico desse período tem-se a música Faroeste Caboclo4 (1979), que conta a história de um retirante nordestino, pobre e negro em forma de Auto, um estilo literário ligado ao teatro que tem início na Idade Média, com intenção de pregar uma moral. 4 Está música foi composta em 1975, ainda quando o vocalista, Renato Russo, pertencia à banda Aborto Elétrico, porém ela somente foi lançada em 1987, com a Banda Legião Urbana, no álbum intitulado “Que país é este.”
  • 28. 26 Os autos fazem parte de festas populares, abrangendo atualmente parte do folclore brasileiro e de festas religiosas, sendo que, geralmente, as personagens são interpretadas por pessoas da própria comunidade. O Auto relaciona-se com a Bíblia5 , e, nessa relação, temos os nomes das personagens principais da música sendo João de Santo Cristo, remetendo a Jesus Cristo, porém, não como um herói e sim, como um anti-herói e Maria Lúcia, como Maria, mãe de Jesus e como a prostituta Maria Madalena, em que um primeiro momento representa a pureza, a salvação deste anti-herói, mas no segundo momento ela é a paixão, o sangue, a carne, fazendo com ele seja assassinado pelas costas devido à sua traição com outro traficante chamado Jeremias, fazendo uma alusão ao discípulo traidor Judas. Por sua força, significado e metáforas, valeria a pena nos determos por alguns momentos em Faroeste Caboclo, canção assinada por Renato Russo, transformada em sucesso por sua banda à época – Legião Urbana. Composta por 159 versos e tendo 10 minutos de duração, a música descreve a via crucis de João de Santo Cristo, um menino pobre, do interior, que, desde criança, já havia cruzado com a violência, pois, seu pai havia sido assassinado e, a partir desse fato, o mesmo pensa em ser bandido. Como não havia tido uma educação formal, começa a praticar delitos, sentindo-se diferente diante da sociedade, não entendendo as discriminações sofridas devido a sua classe e a sua cor. Não estando inserido na indústria do consumo, assistia TV e queria possuir o seu mundo de sonhos, porém, não podia, por ser pobre, preferindo a sua solidão e a vida de roubos. Ainda quando adolescente é preso. Quando adulto, foi para Salvador, tentar a vida na capital, mas, no caminho, ele encontra um boiadeiro que lhe oferece uma passagem para Brasília. João a aceita. Chegando em Brasília ele tem a intenção de mudar de vida, se tornar um trabalhador, porém, ele passa por várias provações, tornando-se um traficante. Maria Lúcia, sua paixão, que, no principio significa sua resignação, trai-o com Jeremias, outro traficante que concorria com ele pelo ponto de drogas. Então, devido à briga dos dois, é acertado um duelo noticiado na TV. Neste momento da canção, Renato Russo já coloca a mídia como uma indústria que promove o sensacionalismo e violência para poder vender, uma questão que só aumentou nos dias atuais. João, então, é atingido pelas costas por Jeremias, mas ainda consegue atirar no inimigo. Ao final, Maria Lucia, que também fora atingida, morre junto com João. Neste momento o povo aplaude João e o santifica por sua morte, ou seja, por sua crucificação. No concluir, é feita uma referência ao fato que João havia ido a Brasília a fim de falar com os 5 Renato Russo costumava fazer referência a Bíblia em suas músicas.
  • 29. 27 poderosos para que ajudassem o povo, ou seja, ele procurava a salvação do seu povo, assim como Jesus Cristo. Renato Russo, em sua música, mesmo fazendo referência a imagens santas, utiliza como representação de uma revolução, um sujeito marginal, uma história corriqueira, cotidiana, de um marginalizado que só queria obter seus direitos. Porém o sistema o obrigou a se render para outro lado, não o lado do mal, mas o lado daqueles que não tem chance. Nesse sentido, observamos que na Literatura Brasileira, também, a partir do termo “marginal”, teremos inúmeras problematizações específicas que, devido ao objeto de estudo especifico, serão revisitadas no próximo subtítulo.
  • 30. 28 1.2 Por uma literatura diferenciada dos conceitos: o caso da Poesia Marginal A literatura do período da década de 1970 abarcaria ainda descendentes da geração de 30, um realismo voltado para o social. Com o CPC (Centro Popular de Cultura) há o já citado Violões de Rua, dedicado a poemas. E é nesta década que começam a surgir livros biográficos e romances-reportagens que abordavam histórias de revolucionários, pessoas da burguesia ou de marginalizados. E no período de 1970 a 1980, verificando a produção literária que corresponde tem-se uma proliferação no que corresponde ao fazer literário. Muitas tendências convivem juntas e se confundem, pois: (...) esse período se caracterizou pela proliferação de obras que pretendiam resgatar a memória individual ou coletiva e preencher, via literatura, os imensos vazios de uma sociedade que durante muito tempo se viu privada de informação. (FREITAS in CARVALHO, 2008, p. 223) O termo marginal, sempre serviu tanto para os escritores (por suas escritas ligadas a ideologias contrárias aos sistemas, por não se encaixarem no quadro dos movimentos literários ou até mesmo por seu estilo de vida), quanto para o fato de escreverem sobre marginais. Estes escritores fizeram parte de um movimento brasileiro denominado Geração do Desbunde, que ocorreu devido ao descrédito em ideologias e mudanças propostas no pré e no pós-1964, pois: Em 1969, o colapso do populismo atingiu também a esfera política. De maneira simultânea, o Estado aperfeiçoou seus mecanismos repressivos e pôde cooptar importantes segmentos da classe média contestatória através do favorecimento de um consumismo desenfreado, que encontrou sua representação simbólica na arquitetura faraônica de superpontes, superestradas e superviadutos. Os grupos mais violentos de oposição foram aniquilados, e aqueles setores intelectuais que haviam resistido acabaram, em sua maioria, partindo para o desespero ideológico. Problematizando a essência da vida, Hermann Hesse tornou-se o escritor mais lido da época. Por motivos óbvios, Camus e Heidegger também eram muito citados nos esfumacentos bares alaskas de todas as capitais brasileiras. Vários integrantes do esquema populista viraram prósperos homens de negócios, outros, estruturalistas, etc e tal. Claro que os filmes de Glauber Rocha e as narrativas de Cony e Callado eram mais sérios do que isso. Contudo, estavam por demais comprometidos com uma ideologia defasada pelos acontecimentos políticos e estéticos. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 144-145) Devido a esse colapso político e diante da repressão surgem artistas que visavam de certa forma um heroísmo, como por exemplo, o já citado cineasta Glauber Rocha, os compositores Chico Buarque e Geraldo Vandré, entre outros, em contraposição também havia os que não se interessavam por essa imagem heróica do povo e da nação como Gilberto Gil e Caetano Veloso, assim sendo chamados de “desbundados”, “alienados” e “até traidores”. (HOLLANDA, 2004, p. 103)
  • 31. 29 Heloisa Buarque de Hollanda foca que: É exatamente num momento em que as alternativas fornecidas pela política cultural oficial, são inúmeras que os setores jovens começarão[am] a enfatizar em circuitos alternativos ou marginais. No teatro aparecem os grupos “não-empresariais”, destacando-se o Asdrúbal Trouxe o Trombone; na música popular os grupos mambembes de rock, chorinho, etc. No cinema surgem as primeiras produções, preferencialmente os filmes em Super-8 e, em literatura, a produção de livrinhos mimeografados. Todas essas manifestações criam seu próprio circuito – não dependem, portanto, da chancela oficial, seja do Estado ou das empresas privadas – enfatizam o caráter de grupo artesanal de suas experiências. É importante notar que esses grupos passam a atuar diretamente no modo de produção, ou melhor, na subversão de relações estabelecidas para a produção cultural. Numa situação em que todas as opções estão estreitamente ligadas às relações de produção definidas pelo sistema, as manifestações marginais aparecem como uma alternativa, ainda que um tanto restrita, à cultura oficial e à produção engajada vendida pelas grandes empresas. (HOLLANDA, 2004, p 107) Sobre esta denominação literária o crítico Sergius Gonzaga dirá: Na multiplicidade dos novos, talvez, que é o uso, por auto-definição ou por definição outorgada, do termo marginal. Com efeito, raros foram os textos publicados recentemente que não se pretenderam ou não foram rotulados de marginais, dado o indicador da complexidade do fenômeno. Arnold Hauser salientou, numa passagem famosa, que os estilos não trazem consigo uma necessidade imanente de modificação. Seriam eternos, se a historicidade não exigisse novas formas de representação do real. A história concreta das relações sociais. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 143) Segundo Gonzaga, a Literatura Marginal conceituada na década de 70 compreendia três tendências diferentes: “I – os marginais da editoração; II – os marginais da linguagem; III – os marginais por apresentarem a fala daqueles setores excluídos dos benefícios do sistema.” (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 149). Os dois primeiros conceitos caracterizavam-se pelo gênero poético. Já o último conceito se caracterizava pela ficção, contos e crônicas. A Poesia Marginal dos anos 70 lançará uma tendência que ficará conhecida na História da Literatura como Poesia Marginal ou Geração do Mimeógrafo. Os membros desse grupo, na sua maioria, faziam parte da classe burguesa do Rio de Janeiro. Sua marginalidade visava em contrariar todo um circuito editorial, de distribuição e de circulação. Lançavam seus livros mimeografados e também faziam manifestações performáticas com seus poemas, além de ter uma ligação com o rock. Seus poemas eram divulgados na porta de cinemas, teatros, museus, universidades e restaurantes. Fizeram parte dele os grupos de poetas do “Frenesi”, “Nuvem Cigana”, “Folha de Rosto”, “Vida de Artista”, entre outros. Segundo Heloísa Buarque de Hollanda, que, na época, divulgou o movimento com o seu livro 26 Poetas Hoje (1976) os “autores pregavam a alegria e irreverência, e eram claramente contraculturais” (HOLLANDA, 2009, p.9), assim, propondo uma nova forma do fazer literário e do fazer política. A segunda tendência da poesia marginal, porém, que está vinculada ao grupo apresentado, corresponde a uma marginalidade na escritura. A subversão fica a cargo de uma
  • 32. 30 recusa à linguagem institucionalizada, à linguagem do poder (GONZAGA, 1981, p.149). Muitos desses autores baseavam-se na Trindade Concretista (os irmãos Campos e Décio Pignatari), porém poetas desta tendência, diferentemente dos seus inspiradores, transitavam em um espaço irreal e ‘ahistórico’. Segundo Gonzaga, está tendência não conseguiu atender a seus ideais, pois sua representatividade não era forte suficientemente para suprir seu lema, o que não lhes garantiu uma representação autêntica. Vejamos através de Heloísa a ligação desses autores com o termo marginal: Com referência à representação da “categoria marginal” que passa a ser consagrada para designar essa nova poesia, é curioso observar que, ao contrário dos pós-tropicalistas, nenhum dos poetas marginais atribui-se tal função, chegando mesmo a ironizá-la. A classificação marginal é adotada por analistas e assim mesmo com certo temor e hesitação. Fala-se mais frequentemente ‘ditos marginais’ evitando-se uma postura afirmativa do termo. Geralmente ele vem justificado pela condição alternativa, à margem da produção e veiculação do mercado, mas não se firma a partir dos textos propriamente ditos, isto é, de seus aspectos propriamente literários. (HOLLANDA in NASCIMENTO, 2009, p. 40) Tal fica evidente no poema citado pela crítica em seu livro Impressões de viagem (2004): - ALÔ É QUAMPA? - não...é engano. - alô, é quampa? - não é do bar patamar - alô é quampa? - é ele mesmo, quem tá falando? - é o foca mota da pesquisa jota brasil, gostaria de saber suas impressões sobre essa tal de poesia marginal. - ahhh...a poesia. a poesia é magistral, mas marginal pra mim é novidade.você que é bem informado, mi diga: a poesia matou alguém, andou roubando, aplicou cheque frio, jogou alguma bomba no senado? - que eu saiba, não. mas eu acho que é em relação ao conteúdo. - mas isso não é novidade. desd’adão...ou você acha que alguém perde o paraíso e fica calado. nem o antonio6 . - é verdade. mas deve haver algum motivo para todos chamarem essa poesia de marginal. - qual, essa!? eu to achando até bem comportada. sem palavrão, sem política, sem atentado a cristantã. - não. não to falando desse que se lê aqui. To falando dessa outra que virou moda. - ahhhh...dessa eu não to sabendo, ando meio barrabosta por isso tenho ficado quieto em casa, rompi meu retiro para atender esse telefone. e já que ti dei algumas impressões você vai mi trazer as seguintes ervas para curar meus dissabores: manacá carobinha jurubeba picão da praia amor do campo malva e salsaparrilha. até já foca mota. (CHACAL in HOLLANDA, 1999, p. 110) O termo “marginal” para esses escritores fora atribuído pelos críticos, porém, ao classificá-los, os mesmos tinham receio e por isso muitas vezes se referiam como “ditos marginais” ou “chamados marginais”. 6 Um trocadilho com o nome do escritor Antonio Callado.
  • 33. 31 1.3 O marginalizado na Literatura Brasileira nas décadas de 60 e 70: os casos Carolina Maria de Jesus e Rubem Fonseca Diferentemente da Poesia Marginal, que tinha sua marginalidade nas formas de distribuição e na subversão do poder acadêmico e lingüístico, aqui neste momento encontremos duas formas de tratamento do marginal na Literatura Brasileira. Uma se dá pelo marginalizado descrito na voz de escritores que nem sempre pertenciam à classe dos marginais socialmente ditos ou então, como no caso da escritora Carolina Maria de Jesus, a voz se dá na parte subalterna da sociedade. Os mais conhecidos são Rubem Fonseca, Sérgio Sant’anna, Plínio Marcos e João do Rio. Esta literatura especular do mundo dos marginalizados somente consolida-se diante de alguns pressupostos históricos que os coloca (...) localizados no quadro da evolução social do país. Hoje, ela ocorre em consonância com as fissuras do milagre econômico, mas as suas origens encontravam-se num período anterior, identificado por populismo. Devemos nos remontar, portanto, aos anos sessenta. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 143) E é a partir desta última citação que encontramos uma problemática. A questão da Literatura Marginal, por assim dita como Gonzaga, somente terá o reconhecimento pela crítica acadêmica nos anos 70, porém, como o próprio crítico citou, devemos nos remeter para os anos 60 no que se refere à raiz dessa literatura. No entanto, não podemos nos esquecer que dentro desse quadro, recentemente reforçou-se o olhar sobre uma escritora que havia sido ‘esquecida’ devido à ditadura militar. Seu nome: Carolina Maria de Jesus. Nascida em Minas Gerais, negra, retirante que, na década de 30, fora morar em uma favela paulista (Favela do Canindé), trabalhava como catadora de papel, estudou até o segundo ano primário e em 1960 lançou um livro denominado Quarto de despejo. Carolina fora descoberta pelo jornalista Audálio Dantas que fez com que seu livro fosse publicado e na época tivesse boas vendas – cem mil exemplares foram vendidos - e também houvesse uma projeção internacional. Nas palavras de Magnobosco percebemos: (...) mesmo diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento por ser negra e pobre, Carolina revela, através de sua escritura, a importância do testemunho como meio de denúncia sócio-política de uma cultura hegemônica que excluiu aqueles que lhe são alteridade. (MAGNOBOSCO; RAVETTI, Disponível em: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/carolina_vida.html. Acesso em 20/01/2010.) A partir de tal percepção, pode-se dizer que Carolina Maria de Jesus: (...) colocava a público, internacionalmente, a figura de um país pobre, algumas tensões concentradas na figura feminina de uma favelada, mãe solteira, negra, imigrante, institucionalmente desvalida. Pobre, mas sonhadora com um lugar no cenário social mais amplo e tolerante, Carolina pertenceu a um mundo que era uma espécie de consequência do
  • 34. 32 lixo metropolitano do complexo industrial que se instalava como critério de modernização. Moradora de uma favela de São Paulo, nos finais dos anos de 1950, Carolina se fez metáfora viva de uma sociedade em aceleradas mudanças ditas em nome do progresso histórico nacional que relativizava a tradição agrícola em favor da maquinaria tecnológica. Nesse sentido, seus diários revelavam a intimidade de detalhes de quem, mais que viver as mudanças, pagava com a própria experiência de catadora de papel o custo de ser parte desse todo “desenvolvimentista”. (MEIHY in CARNEIRO, 2002, p. 329-331) É interessante e questionadora a ausência desta escritora nos escritos dos críticos da época, que consideravam somente os autores citados como representantes da Literatura Marginal dos anos 60 e 70, pela forma de narrar, aproximada das camadas marginais, porém, discurso mais legítimo que o de Carolina Maria de Jesus não há nesse período da história. Justificando esse esquecimento, José Carlos Sebe Bom Meihy, coloca em seu artigo “Subversão pelo sonho: a censura cultural nos diários de Carolina Maria de Jesus” que: Independentemente de suas inserções objetivas e comportamentais, Quarto de despejo revela e traduz a lógica de uma vida que deveria, depois de consumida em uma época sincronizada entre seu momento vivencial e a pulsação do progresso, ser esquecida. Os argumentos surdos que justificam tais “esquecimentos” seriam subjetivos e estariam ligados à prática de censura exercitada por uma sociedade em que apenas os órgãos políticos assumem o papel da repressão. Pelo contrário, de maneira sutil, a própria sociedade – elite consumidora – seria capaz de proceder a uma “limpeza” das máculas ligadas pelos eventuais sucessos de membros de outras categorias sociais. (MEIHY in CARNEIRO, 2002, p. 331) E, o autor ainda complementa: Concomitantemente, o Brasil do pós-golpe militar de 1964 e principalmente da ditadura que se constituiu na sequência se fez modelo de respeitabilidade de conveniência para os regimes de direita e de refutação para os de esquerda. Para fora do Brasil, portanto, Carolina era a síntese de temas que entravam na ordem do dia das discussões sociais. Internamente, sua imagem pública foi declinante na medida do avanço dos “anos de chumbo.” (MEIHY in CARNEIRO, 2002, p. 333) Vejamos um trecho de Quarto de Despejo, na verdade o primeiro relato que aparece no diário de Carolina Maria de Jesus: 15 de julho de 1955: Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar. Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele ficou com litros e deu-me pão. Fui receber o dinheiro do papel. Recebi 65 cruzeiros. Comprei 20 de carne. 1 quilo de toucinho e 1 quilo de açucar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro acabou-se. (JESUS, 1995, p.9) Relatando as agruras de viver na favela esquecida como se estivesse em um quarto de despejo é que temos na voz de Carolina, o verdadeiro representante dos marginalizados. No mesmo período também teremos a escrita de José Rubem Fonseca que ambienta e tem como protagonistas lugares e pessoas marginalizadas pela sociedade, porém, menos comprometido com a realidade do marginalizado sociologicamente como a escritora Carolina Maria de Jesus.
  • 35. 33 Rubem Fonseca assim como Carolina, não fora poupado da censura da época. Seu livro Feliz ano novo, de 1975, após um ano do seu lançamento fora censurado, sendo somente em 1989, com o fim da ditadura, autorizado para circulação. Em suas obras, ambientadas no Rio de Janeiro, adotava uma estética pop e midiática em que colocava como protagonistas bandidos, assassinos, ex-presidiários juntamente com pessoas da classe média alta que também agiam como tal, como, por exemplo, nos contos Passeio Noturno I e II e Outro, pertencentes à obra citada. O crítico Antonio Candido, ao observar o que ocorria nas artes na América Latina e suas influências, argumentava que: No campo cultural, ocorre em todos os países a influência avassaladora dos Estados Unidos, desde que a poesia de revolta e a técnica do romance até os inculcamentos da televisão, que dissemina o espetáculo de uma violência ficcional, correspondente à violência real, não apenas da Metropóle, mas de todos nós, seus satélites. (CANDIDO in CORONEL, 1998, p.84 -85) Porém, uma das características marcantes da obra de Rubem Fonseca é que, em sua maioria, os contos são narrados em primeira pessoa, o que aproxima os leitores dos marginalizados, diferentemente do romance social até então feito, no qual o narrador concentrava-se em voz onisciente e, em que a voz do personagem marginalizado era colocada entre aspas, assim diferenciando a voz do intelectual da voz do marginalizado. A estética Brutalista, como denomina o crítico Alfredo Bosi, desfazia toda uma hipocrisia, quanto ao cenário social da época. Através da linguagem grotesca e das ações das personagens, Fonseca, contraria todo o “milagre econômico” que a TV forjava perfeitamente para os ditadores, em que várias emissoras de TV eram pagas para apresentarem um país perfeito, entre elas a Rede Globo sobre a qual nos fala Maria Rita Kehl: (...) a opulência visual eletrônica criada pela emissora contribuiu para apagar definitivamente do imaginário brasileiro a idéia de miséria, de atraso econômico e cultural; e essa imagem glamourizada, luxuosa ou na pior das hipóteses antisséptica contaminou a linguagem visual de todos os setores da produção cultural e artística que se propunham a atingir o grande público. (KHEL in BRANDÃO, 2008, p.239). E foi diante dessa espetacularização, a partir de um mundo inventado e manipulado pela mídia, que ficou célebre uma frase do ex-presidente militar Emilio Garrastazu Médici: Sinto-me feliz, todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as noticias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha e paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho (JUNIOR REIS in BRANDÃO, 2008, p. 241) Situação esta que era diferente nos contos de Rubem Fonseca, como por exemplo, no conto O Cobrador, do livro homônimo, lançado em 1979. Nele, um homem de classe
  • 36. 34 média baixa, sem a maioria de seus dentes, vai a um consultório dentário para arrumar um dente e não tem dinheiro suficiente para pagar o dentista. É nesse momento que este personagem, revolta-se passando a cobrar a todos: São quatrocentos cruzeiros. Só rindo. Não tem, não, meu chapa, eu disse. Não tem não o quê? Não tem quatrocentos cruzeiros. Fui andando em direção à porta. Ele bloqueou a porta como o corpo. É melhor pagar, disse. Era um homem grande, mãos grandes e pulso forte de arrancar os dentes dos fodidos. E meu físico franzino encoraja as pessoas. Odeio dentistas, comerciantes, advogados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito. Abri o blusão, tirei o 38, e perguntei com tanta raiva que uma gota de meu cuspe bateu na cara dele, ...que tal enfiar isso no teu cu? Ele ficou branco, recuou. Apontando o revólver para o peito dele comecei a aliviar o meu coração (...) Eu não pago mais nada, cansei de pagar, gritei para ele, agora eu só cobro. (FONSECA, 2006, p. 272 e 273) Ao se referir à TV, há ódio, pois aquele mundo mostrado pela mídia, não é o mesmo mundo vivido cotidianamente por um marginalizado: Fico na frente da televisão para aumentar meu ódio. Quando minha cólera está diminuindo e eu perco a vontade de cobrar o que me devem eu sento na frente da televisão e em pouco tempo meu ódio volta. Quero muito pegar um camarada que faz anúncio de uísque. Ele está vestidinho, bonitinho, todo sanforizado, abraçado a uma loira reluzente, e joga pedrinhas de gelo num copo e sorri com todos os dentes, os dentes dele são certinhos e são verdadeiros, e eu quero pegar ele com a navalha e cortar os dois lados da bochecha até as orelhas, e aqueles dentes branquinhos vão todos ficar de fora num sorriso de caveira vermelha. Agora está ali, sorrindo, e logo beija a loura na boca. Não perde por esperar. (FONSECA, 2006, p. 275) É diante dessas imagens de poder, que o “cobrador”, vê sua inferioridade, sua mediocridade diante da sociedade que valoriza alguém que bebe uísque, está bem vestido e namora uma loura, assim aumentando seu ódio. Para se inserir nesse sistema, e para adquirir poder, este personagem compra uma arma, e vai “cobrar” tudo o que ele considera que lhe devem “Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim da rua Vieira Fazenda, sorvete, bola de futebol.” (FONSECA, 2006, p. 274), matando, estuprando, humilhando pessoas, não importava quem fosse. Apaixona-se por Ana Polidromica, filha de um rico sergipano que o ensina a usar explosivos, que viria a ser sua “nova modalidade” para assassinar. Rubem Fonseca, assim como Carolina Maria de Jesus, porém de formas diferentes, irão colocar o marginalizado como protagonistas. Fonseca utilizando formas da estética pop irá transformar o marginal em herói, fazendo com que o leitor (por suas obras serem em primeira pessoa) sinta como este marginalizado, assumindo o lugar, identificando- se no ódio. No entanto, com Carolina, haverá o resgate da memória, um caso real em que os maiores protagonistas são o atraso social e a favela. Mesmo a escritora Carolina Maria de Jesus, já ter representado a voz da parte marginalizada da população na década de 60, Sérgius Gonzaga expõe um desejo em seu ensaio publicado em 1981:
  • 37. 35 A literatura sobre os setores não-inseridos no sistema é um caminho possível, apesar de perigoso. Esperamos que os filhos dos operários – que hoje já se alfabetizam – escrevam a trajetória sofrida de seus pais. A ficção política ganhará mais adeptos. E a classe média continuará a ser mostrada em sua mediocridade por Moacyr Scliar, Deoníso da Silva, Wladir Nader, etc. (GONZAGA in FERREIRA, 1981, p. 153) Complementando essa citação, passemos a uma quase premonição do crítico Antonio Hohlfeldt, também em 1981: Se a comunidade é o povo, literatura marginal será toda aquela que focalizar este povo em suas aspirações, sonhos, frustrações, e para tanto, aqui sim, é preciso pensar novos personagens, novos leitores, novas linguagens. Mas, neste caso, o novo não é apenas o novo, superficialmente, mas em sua essência. E a renovação dar-se-á, então, como premonição de uma renovação mais ampla e profunda, que se seguirá e que implicará, necessariamente, na assunção deste mesmo povo, desta mesma comunidade, sendo a arte apenas a antecedência estética. (HOHLFELDT in FERREIRA, 1981, p.158) Gonzaga e Hohlfeldt resumem e antecipam o que aconteceria, uma década depois, na Literatura Brasileira, uma Literatura Marginal feita por marginais, editada por marginais e consumida por marginais.
  • 38. 36 2 A LITERATURA E A ARTE NA CONTEMPORANEIDADE 2.1 O artista e o marginalizado Historicamente nas artes e na literatura a questão da marginalização e da marginalidade é uma composição e um estigma por parte dos artistas e escritores. Devido a circunstancias, ideologias e questionamentos acerca do fazer artístico e de movimentos sociais, os artistas e escritores, em vários pontos históricos da arte tiveram que conviver com a marginalização. O Romantismo Europeu, no século XIX, um dos mais fortes e inflamados movimentos que atraem para si este caráter marginal, utilizou-se do povo como uma parte ideológica do fazer literário, em que os artistas consideravam o povo como a salvação: Na esteira do grande movimento de idéias que de 1830 a 1848, agita as zonas marginais da burguesia, certos autores têm a revelação do seu público virtual. Sob o nome de “Povo”, eles o enfeitam de uma aura mística: dele virá a salvação. Porém por mais que o amem, eles não conhecem o povo e, sobretudo, não emanam dele. (SARTRE, 1989, p.92) O escritor tem sempre leitores que: Pertencem em geral à burguesia; são subvencionados pela nobreza; como consomem sem produzir e como a nobreza também não produz vive do trabalho alheio, são parasitários de uma classe parasita. Não vivem mais num colegiado, mas nessa sociedade fortemente integrada, formam uma corporação implícita e, para que nunca esqueçam da sua origem colegiada e do antigo clericato, o poder real escolhe alguns dentre eles e os agrupa numa espécie de colégio simbólico: a Academia. Alimentados pelo rei, lidos por uma elite, eles se preocupam unicamente em atender à demanda desse público restrito. (SARTRE, 1989, p.71) No entanto, no mesmo momento, em torno desse movimento, em contrapartida, existiam outros que os tornavam mais à margem, os movimentos que tinham uma concepção estética clássica e canônica, agrilhoada, nos quais o valor estava ligado estritamente ao belo e à “arte pela arte”, assim, sendo contrários à concepção moderna de arte de que o movimento oposto pregava. Enquanto a primeira se detinha em uma estética clássica, artesanal e intelectualista, a segunda, caracterizava-se pela liberdade de forma, pelo gênio individual, pela autonomia artística e das obras. Antonio Candido aponta: De fato, antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à posição oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo- lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo social, considerando inoperante como elemento de compreensão. (CANDIDO, 1976, p. 4) Jean-Paul Sartre se refere aos escritores e leitores, na obra O que é Literatura (1989), na qual, escrita após a Segunda Guerra Mundial, irá traçar um panorama de novos questionamentos sobre as funções do sistema literário, a partir das perguntas “O que é escrever”; “Por que escrever” e “Para quem escrever” - almejando uma “Arte de Libertação”, através do engajamento de artistas e escritores. Utilizando-se de exemplos para demarcar a
  • 39. 37 problematização ao realmente fazer-se uma literatura engajada em sua forma e estética, questiona o posicionamento de artistas e escritores, ao se posicionarem “marginais” para ocorrer assim o engajamento. A linguagem e a estética utilizada pelos escritores também os impossibilitavam de chegar aos ouvidos do dito “povo”, o que tornava os escritores duplamente marginais: A literatura, ainda inteiramente absorvida pela descoberta da sua autonomia, torna-se o seu próprio objeto. Passou agora ao período de reflexão; experimenta seus métodos, rompe os limites antigos, tenta determinar experimentalmente suas próprias leis e forjar novas técnicas. Avança duplamente na direção das formas atuais do drama e do romance, do verso livre, da crítica da linguagem. Se descobrisse para si o conteúdo, específico, seria preciso arrancar-se dessa meditação sobre si mesma e extrair suas normas da narrativa, da poesia, do próprio raciocínio, pelo simples motivo de que não seriam acessíveis aos leitores sem cultura. Parece, portanto, que a Literatura corre o risco de cair novamente na alienação. Assim, o escritor recusa, de boa fé, sujeitar a literatura a um divórcio que se realiza entre revolução concreta, que tenta nascer, e os jogos abstratos aos quais se entrega. Desta vez, são as massas que querem o poder, e como as massas não tem cultura nem lazer, qualquer pretensa revolução literária, centrada no refinamento técnico, porá fora do seu alcance às obras que ela inspira, e servirá aos interesses do conservadorismo social. (SARTRE, 1989, p.95) Assim, os escritores tornavam-se marginais somente pelo modo de vestir, alimentar-se, pela mobília, por seus hábitos, porém, ainda simbolicamente e literariamente, estavam ligados a sua classe de origem, a burguesia, mesmo sendo divergentes em seus conceitos. Porém, Canclini, questiona tal posicionamento de Sartre, em relação à proposta da “Arte de Libertação”, no que corresponde a um engajamento em prol do marginalizado e da marginalização do autor: A proposta de Sartre acerca do “compromisso” dos artistas não ajudou a restabelecer profundamente a questão porque fazia a inserção social da arte depender de uma decisão individualista, voluntária, daqueles que continuavam a imaginar-se sujeitos onipotentes. (CANCLINI, 1980, p. 38) No entanto, a teoria sartriana abriria reflexões acerca do posicionamento do artista e do escritor diante da marginalização e do marginalizado – nesse ponto, as vanguardas foram uma válvula. No Brasil, a vertente da Arte Moderna, tomou para si as observações da arte e do engajamento. A arte popular ganhou espaço, houve mistura de materiais, de linguagem. A forma clássica fora deixada de lado e artistas assumiram posições marginais, assim como Sartre descreveu em seu livro. Como exemplo, um dos mais entusiastas escritores do Modernismo, Oswald de Andrade, assumia sua posição marginal vestindo-se como um proletário, mesmo sendo de uma família abastada da cidade de São Paulo. Ou também quando, enfim, a práxis, torna-se um método de estudo e pesquisa desses escritores, que largam a escrivaninha e convivem no meio do povo.
  • 40. 38 No entanto, os movimentos mais expressivos apareceriam na década de 50, como já foi apontado no primeiro capítulo. Intercâmbios entre artistas e povo surgem, outras propostas no que concerne o “marginal” tornam-se cabíveis para a arte e a literatura, envolvendo a questão cultural. Há uma relevância relativa para uma “socialização da arte”, considerando-se, dessa forma, que: A partir dessa perspectiva de socialização da arte, podemos começar a extrair os primeiros critérios para atribuir um valor às obras: 1) a amplitude de consumidores que ela atinge; 2) a possibilidade que lhes oferece a função de consumo – em seu sentido passivo – e participarem ativamente na criação daquilo que fruem; 3) a capacidade de fazer com que, juntamente com o gozo de recriar, os espectadores ampliem o conhecimento de sua realidade, desenvolvem sua identidade como classe e como povo, a consciência das possibilidades de sua própria cultura e a transformem por eles próprios. (CANCLINI, 1980, p.45) Augusto Boal7 , um dos nomes de maior expressão desse período, levando seu Teatro do Oprimido pela América Latina, afirmava que: O verdadeiro artista popular – afirma Boal – é o que sabe, além de produzir arte, deve saber ensinar o público a produzi-la. O que deve ser popularizado não é o produto acabado, mas os meios de produção. (CANCLINI, 1980, p. 44) Dessa forma, atingindo uma mudança na função social da arte, estendendo-a a diversos públicos, há abertura para novos expectadores (CANCLINI, 1980), em que sucede a participação ativa e receptiva daqueles que sempre foram deixados de fora, mesmo com a sua arte sendo utilizada pelos artistas. Essa movimentação artística abriu para que: (...) novas tendências artísticas tratam [tratassem] de substituir o individualismo pela criação coletiva, vêem a obra não mais como o fruto excepcional de um gênio, mas como produto das condições materiais e culturais de cada sociedade, e pedem ao público, em lugar de uma contemplação irracional e passiva, sua participação criadora. (CANCLINI, 1980, sem paginação.) O que a elevará para uma nova fórmula de análise da arte, como situa Candido, na década de 70: Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicativa pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno. (CANDIDO, 1976, p.4) 7 Augusto Boal foi diretor de teatro, ensaísta, educador e dramaturgo. Participou do Teatro de Arena e foi o fundador do Teatro do Oprimido. Suas teses ficaram conhecidas pela América Latina, lugar que percorreu, juntamente com o educador Paulo Freire, e quando utilizavam-se do teatro para promover a alfabetização e o pensamento crítico no proletariado.
  • 41. 39 Sendo dessa forma e diante dessas mudanças que já foram citadas no capítulo anterior, o que corresponde à representação do marginalizado é que o retorno às últimas falas e o desejo de Hoffman e Gonzaga para que os oprimidos sociais tivessem suas vozes escritas, faz-se com que presenciemos essas vozes presente na contemporaneidade e não mais escritores da alta sociedade escrevessem ou tivessem sob a sua responsabilidade retratar a marginalidade que ocorre no cerne desta nação. Tendo em vista as mudanças socioeconômicas da modernidade há que se propor uma revisão do que se é considerado atualmente como e quem é o ”marginal” nas artes e na Literatura Brasileira. Com a vinda da contemporaneidade ou pós-modernidade, como alguns teóricos referem-se ao período, há uma nova geração de artistas e escritores na qual, desconstruções e novos segmentos artísticos entram em cena. Ainda sobre a contemporaneidade Heloísa Buarque de Hollanda, afirma que: (...) à quebra da divisão categórica entre as chamadas culturas culta e de cultura de massa, discurso dominante da estética modernista entre o final do séc. XIX e os primeiros anos da década de 20 e que retorna, com novo vigor, nas duas décadas que se seguem à Segunda Guerra Mundial. Esse “grande divisor”, como define Huyssen, com todas suas implicações morais, estéticas e políticas, poderia ser visto, na realidade, como a característica mais aguda da concepção de uma arte moderna e, como tal, um caminho mais eficaz para a definição do modernismo do que as várias tentativas de diagnosticar a partir de cortes históricos, periodizações e distinções paradigmáticas como vem sendo realizado pela crítica em torno da distinção moderno/pós-moderno. (HOLLANDA, 1992, p.9 e 10.) Andreas Huyssen irá retomar a modernidade e a pós-modernidade, apontando suas transformações na cultura e trazendo à tona, um novo cenário cultural, ainda não visto na modernidade: Eu diria que as artes contemporâneas - no sentido mais amplo possível, quer se autodenominem pós-modernistas ou rejeitem este rótulo – já não podem ser consideradas uma nova fase na sequência dos movimentos modernistas e vanguardista que começaram em Paris nas décadas de 1850 e 1860 e que mantiveram vivo um ethos de progresso cultural e vanguardismo até a década de 1960. Nesse nível, o pós-modernismo não pode ser considerado simples sequela do modernismo contra si mesmo. A sensibilidade pós-moderna do nosso tempo é diferente tanto do modernismo quando do vanguardismo precisamente porque coloca a questão da tradição e da conservação cultural como tema estético e político fundamental, ainda que nem sempre tenha êxito. Porém, o que acho mais importante no pós-modernismo contemporâneo é que ele opera num campo de tensão entre tradição e inovação, conservação e renovação, cultura de massas e grande arte, em que os segundos termos já não automaticamente privilegiados em relação aos primeiros; um campo de tensão que já não pode ser compreendido mediante categorias como progresso versos reação, direita versus esquerda, presente versus passado, modernismo versus realismo, abstração versus representação, vanguarda versus kitsch. (HUYSSEN in HOLLANDA, 1992, p. 73 e 74). Propondo-se um conceito sobre a questão da marginalidade na literatura, historicamente e criticamente, os escritores em si, sempre carregaram a carga de serem marginalizados, pelos temas abordados, pelas lutas, pelos engajamentos assumidos, e afins. Atendendo à pós-modernidade, aos estudos coloniais e à própria questão da cultura, atualmente, os marginalizados da literatura apresentam características peculiares ao que
  • 42. 40 sempre fora almejado por parte dos escritores: acontece que marginais escrevem para serem lidos por marginalizados. Estes oriundos de partes subalternas na sociedade introduziram corajosamente sua literatura no centro da academia, da indústria editorial, da mídia e indústria cultural. Eles não negam suas classes, pelo contrário, afirmam-na e não estão interessados, como os setentistas, em fugir ao mercado editorial, trabalhando alternativamente em seus livros, assim contrariando o que sempre for conceito sobre a subalternidade: O termo subalterno, Spivak argumenta, descreve “as camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante.” (ALMEIDA in SPIVAK, 2010, p. 12) Por fazerem parte de uma classe social que sempre fora tida como ignorante, analfabeta e que quem deveria ensiná-los a pensar criticamente era a burguesia e suas instituições, ainda, levantam um olhar exótico diante de seus escritos e uma não aceitação diante de algumas instâncias. Remetendo o pensamento ao teórico Pierre Bourdieu (1989), sabemos que estes escritores não estão à margem do sistema social, porém, ainda sim, simbolicamente estão afastados da conjuntura dominante através de uma divisão política/cultural e não mais geográfica e nem de classes (proletariado e burguesia). Temos a questão cultural como protagonista nesta divisão, em que os setores dominantes conseguem ficar na manutenção para considerar e transformar as culturas periféricas em subculturas. Bourdieu coloca esta problemática da seguinte maneira: A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes), para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este efeito ideológico produ-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legítima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante. (BOURDIEU, 1989, p.10-11) Em seguida, transcrevemos um depoimento dado por um destes escritores, Zeca, ajudante de pedreiro que gosta de escrever, durante o lançamento de uma coletânea desse novo movimento de escritores, que se denominam escritores da Literatura Marginal8 . Ao enviar seus poemas para os organizadores da coletânea, e sendo aceito, torna-se conhecido 8 Atualmente diante da crítica da academia, de escritores do movimento existem diversas denominações para como: Literatura marginal feita por marginalizados, Litera-Rua, Literatura divergente, Literatura Periférica, Literatura Marginal/Periférica, entre outras denominações que surgem a cada crítica.