[1] A acidez titulável no leite mede a quantidade de ácido láctico, mas este parâmetro isolado não é um bom indicador da qualidade devido à variação na concentração de sólidos no leite. [2] Uma fazenda recebeu questionamentos sobre a acidez no seu leite de alta qualidade, apesar de todos os parâmetros estarem dentro dos padrões. [3] O pH é um indicador mais preciso do crescimento bacteriano que a acidez titulável, especialmente em leites com alto teor de sólidos.
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ACIDEZ TITULÁVEL NO LEITE1
A questão da acidez do leite, como deveremos interpretar?
A acidez titulável no leite é a medição da quantidade de ácido láctico no leite, em uma porção de um
volume fixo no leite, desta forma a acidez expressa por volume de leite estará diretamente ligada à
quantidade de sólidos no leite, que pela legislação atual não estabelece um padrão adequado para
avaliar este parâmetro.
A legislação atual, teve como objetivo, quando foi concebida no ano de 1999, fixar regras básicas
para a qualidade do leite. Neste período um dos principais objetivos era não termos a presença de
leite ácido chegando na fábrica, e prejudicando a qualidade do mesmo.
Com a melhoria da qualidade do leite, a refrigeração na propriedade rural e a melhoria da qualidade
do rebanho e os componentes nutricionais, o parâmetro da acidez isoladamente diz pouco, ou quase
nada.
Notemos o caso específico de uma fazenda que produz leite de alta teor de sólidos, que recebeu
uma notificação e questionamentos sobre a acidez presente no leite nela produzido, mostrado nos
controles operacionais executados na fazenda, mostrados na figura 1.
Podemos notar que todos os parâmetros mínimos de qualidade, como proteínas, gorduras, sólidos
totais desengordurados e pH estão de acordo com as exigências legais e muitas fezes superando
estes requerimentos. Colocamos abaixo estes requerimentos legais mostrados na legislação
específica:
Os padrões a serem seguidos para o leite cru são normatizados pela INSTRUÇÃO NORMATIVA
Nº51, DE 18 DE SETEMBRO DE 2002, cujos valores transcrevemos abaixo:
Tabela 1 - Requisitos Físicos e Químicos
Requisitos Limites Métodos de Análises
Matéria Gorda, g /100 g Teor Original, com o mínimo
de 3,0 (2)
FIL 1C: 1987
Densidade relativa A 15/15 o
C g/mL (3)
1,028 a 1,034
LANARA/MA, 1981
Acidez titulável, g ácido lático/100
mL
0,14 a 0,18 LANARA/MA, 1981
Extrato seco desengordurado,
g/100 g
mín. 8,4 FIL 21B: 1987
Índice Crioscópico máximo - 0,530ºH (equivalente a -
0,512ºC)
FIL 108 A: 1969
1
André F. A. Oliveira é Químico pela Universidade Mackenzie, com especialização em alimentos, pela Universidade
Lugo, Espanha - foi executivo da qualidade da Nestlé Brasil -1979-1990- Vigor -1992-1998- consultor do CONIL -1999-
Consultor da ABIA -1999-2004- Kerry Ingredients – 2004-2006 – Fuchs Gewurze -2008-2010- Idexx Laboratories –
2010-2016 – Sócio da Food Suporte Consultoria – 2017.
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Proteínas, g /100g mín. 2,9 FIL 20 B: 1993
Nota nº (1): todos os métodos estabelecidos acima são métodos de referência, podendo ser
utilizados outros métodos de controle operacional, desde que conhecidos os seus desvios
e correlações em relação aos respectivos métodos de referência.
Nota nº (2): é proibida a realização de padronização ou desnate na propriedade rural.
Nota nº (3): dispensada a realização quando o ESD for determinado eletronicamente.
Desta forma, qual seria a razão para termos uma acidez alta e no que isto impactaria a qualidade do
leite?
De fato, nada está errado nos produtos desta fazenda, o que de fato ocorre é que temos uma
quantidade de sólidos lácteos, gordurosos e não gordurosos, muito acima dos parâmetros mínimos
estabelecidos, o teor de ácido láctico é um componente intrínseco e diretamente ligado às
concentrações de sólidos.
Figura 1- Tabela de controle operacional da qualidade do leite na produzidos na fazenda:
Com a melhoria da qualidade do leite e o aumento da concentração de sólidos lácteos, ocorridos em
toda a pecuária leiteira moderna no mundo, os parâmetros clássicos, como a acidez do leite devem
ser revistas, pela necessidade de adaptação e ajustes a estes novos parâmetros.
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Transcrevemos uma observação contida na página web da Universidade Guelph Canadá:
“Acidity (pH)
Acidity as measured by pH is one of the most critical parameters with respect to both food safety
and both process and quality control of fermented foods such as cheese. The concepts of acidity
and pH are explained in Sections 3.5. The titratable acidity of milk typically varies from 0.12 to
0.19% lactic acid depending on composition, especially protein content. The pH of milk is near the
physiological pH of 6.8 which, considering the following points, means that milk is a good growth
medium with respect to acidity (pH).
• Most organisms grow best at pH near physiological pH of 6.8. As explained in Section
3.5, titratable acidity (TA) is not a good predictor of acid effects on microbial growth
and chemical properties such as protein functionality.
• The major groups of microorganisms important to food preservation are in order of
increasing acid tolerance: bacteria, yeasts and moulds.
• Natural fermentation of warm raw milk by lactic acid bacteria reduces milk pH to less than
4.0 which prevents the growth of pathogenic bacteria and most spoilage bacteria”
Para o leite de alta qualidade e alto teor de sólidos, o indicador correto para a identificação do
crescimento bacteriano é a determinação do pH, e não a acidez titulável, como colocamos em uma
tradução do texto grifado acima:
“• A maioria dos organismos cresce melhor em pH próximo ao pH fisiológico de 6,8.
Conforme explicado na Seção 3.5, a acidez titulável (TA) não é um bom preditor de
efeitos ácidos no crescimento microbiano e nas propriedades químicas, como a
funcionalidade proteica.”
Este efeito também é mostrado no estudo conduzido em 1996, por K. Schmidt, J. Stupar, J. Shirley,
S. Adapa, and D. Sukup 2
, demosntrando a influência da composição nutricional e a acidez titulável
e o pH:
Figura 2 - Composição do leite e as variações de Acidez tituláve e pH
Notem que a variação observada no trabalho de 1996, é a mesma encontrada nos resultados
operacionais da desta fazenda com alta produção de sólidos. Vale observar que o pH não varia
significativamente em função do aumento da acidez, demonstrando que este é um parâmetro mais
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relevante para o controle da acidez no leite e um controle mais efetivo para o aumento da contagem
de bactérias acidificantes, do que a medição da acidez titulável, por não ser afetado pelo aumento
dos sólidos lácteos.
Este fator é explicável pela característica química do ácido láctico que tem um grau de ionização de
Ka= 1.38 x 10-4
, ou seja, para cada 10 gramas de ácido láctico 0,0014g está na forma ácida,
expressando sua acidez, porém pode ser titulada pela solução alcalina aumentando a acidez titulável
sem o respectivo abaixamento do pH.
Conclusão:
As normas definidas para os padrões de acidez titulável, estabelecidas pela respectiva legislação,
são compatíveis e confiáveis apenas para os leites com características de composição mínimas
expressos naquela norma legal. Com as evoluções na genética, melhoramento nutricional e taxas
de conversão dos animais de produção de leite, as normas para determinar a qualidade do leite,
relativamente à acidez, evoluíram em todo o mundo, para um controle do pH do leite, como o fator
relevante e confiável para a acidez do mesmo e o controle da qualidade microbiológica instantânea
do mesmo, sendo que a acidez titulável é um fator que está sendo relegado a um método
complementar e que necessita ser avaliado em conjunto com os demais parâmetros para que seja
corretamente interpretado..
Para os produtos da desta fazenda, temos a convicção de que estamos diante de produtos
completamente de acordo com os padrões legais de qualidade, visto que o pH de todos os lotes
controlados, se encontram dentro dos valores estabelecidos como esperados, e nenhum deles
abaixo de 6,5.
Requisitos Limites Métodos de
Análises
Média da
fazenda
% acima do
mínimo da
legislação
Matéria Gorda, g
/100 g
Teor Original, com o
mínimo de 3,0 (2) FIL 1C: 1987 3,87 29,0%
Densidade
relativa
A 15/15 o
C g/mL (3)
LANARA/MA, 1981
1,028 a 1,034
Acidez titulável,
g ácido
lático/100 mL
0,14 a 0,18 LANARA/MA, 1981 17,5 -2,8%
Extrato seco
desengordurado,
g/100 g
mín. 8,4 FIL 21B: 1987 8,9 6,0%
Proteínas, g
/100g
mín. 2,9 FIL 20 B: 1993 3,2 10,3%
Assim sendo, entendemos que não existem motivos para qualquer tipo de autuação para os produtos
desta fazenda, sob o risco de penalizarmos um produto com alto valor nutricional e muito acima dos
índices mínimos de qualidade estabelecidos pela legislação brasileira
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Bibliografia:
• The University of Guelph – Food Science Department - https://www.uoguelph.ca/foodscience/book-page/milk-
growth-medium
• Dairy Day 1996 FACTORS AFFECTING TITRATABLE ACIDITY IN RAW MILK 1 K. Schmidt, J. Stupar, J.
Shirley, S. Adapa, and D. Sukup. KSU - Dairy 1
Teaching and Research Center for their assistance in obtaining
raw milk samples. Heart of America DHI, Manhattan, KS