1. Abade - Jean VIOLLET
Moral familiar
Tradução aulolisada pelo
Prof. NELSON DE MELO E SOUSA
EDITORA GETULIO COSTA
Rua Teófilo Ot<>ni, 42 - Caixa postal, LS29
RIO DE JAN,EIRO
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2. íNDICE
PREFACIO . 7
I- A FAMíLIA 9
O sacramento do matrimnio. 10
Os deveres dos esposos . 12
Da ·autoridade do marido . 15
Deveres dos pais para com os filhos 18
Deveres para com os avós . 22
Conflito entre os diversos deveres . 23
11 --BOM HUMOR E MORAL FAMILIAR 29
Obstáculos Devidos a causas materiais 30
Obstáculos provenientes dos caracteres 31
Bases espirituais do bom humor . 33
q bom humor e a educação dos filhos. . 35
!li -A UNIÃO
.ESpiRITUAL E MORAL DOS ESPOSOS 39
O desinteresse 40
O divórcio contra a união dos corações 41
O divórcio contra a educação dos filhos 42
Santificação mutua 43
Defeitos mutuos 45
A dedicação . 46
IV - O MAGNO DEVER 49
O amor-casamento 51
Dever conjugal 52
Os filhos . •. 52
Da continência 54
Virtudes subsidiárias da continência 58
Da confiança em Deus . 59
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3. 6 A.BADE - JEA.N VIOLLET
V - DA EDUCAÇÃO DOS FILHOS 63
Das qualidades· do educador 64
A infância 67
A idade dHicil 69
O jovem 71
A ·vida religiosa . 72
VI -· A VOCAÇÃO DOS FILHOS í5
Papel dos pais na escolha das vocações í5
Papel dos fiihos nn escolha da vocação 77
Das divergências que, acêrca da vocação, podem sur-
gir entre pais P- filhos . 80
VII - A EDUCAÇÃO DO SENTIMENTO E O PREPARO
AO MATRLlóNIO .
.
83
As iniciações necessárias 84
Aos mais jovens 86
Aos jovens adolescentes 87
As moças o 90
Antes do casamento o 93
VIII -O DEVER SOCIAL DA FA.JHLIA 97
O progresso social pela família 97
O egoismo familiar o 98
A educação social da família o 100
A educação social dos filhos o 103
A educação religiosa dos filhos 108
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4. PREFACIO
E' exprimir verdade trivial o falar-se na des
cristianisação da França moderna. f!:rro é, porém,
comum, o querer devassar-lhe as causas nas trans-
•
formações poJiticas a que nosso país se submeteu
desde a grande Revolução. Os govêrnos são impo
tentes para mudar a face dos costumes e as más
leis só vigoram quando se acumpliciam com os
proprios costumes. E' o que aconteceu com a
França.
As leis anti-familiares foram, facilmente, acei
tas pelo pais porque a descristianisação estava, já,
latertie nas almas.
Ora, de toill1s as causas de descristianisação, a
mais grave é, sem dúvida, a perversão moral. Não
somente atinge a mocidade antes do casamento
mas alcança os proprios esposos, jazendo-lhes crer
que o amor humano se basta a si mesmo, indepen
dente de qualquer esfôr�o virtuoso. Pensa a maio
ria que lhe assiste o direito de levar a vida como
bem lhe quadre, de limitar, por exemplo, o núme
ro dos filhos, sem qualquer interrupção dos pra-
•
zeres carnais.
E' dêsse mal que a França morre.
Desde a guerra o gQvêrno começ11 a procurar
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5. 8 .ABADE - JEAN VIOLLET
os remedios a tão Jamentave l estado de coisas.
Baixa leis famiJiares e prepara outras tantas. Pro
pende a melhorar o destino da famiJia. A própria
indústria mete-se pela vereda dos saci·ificios gene
ralizando a instituição dos sindicatos familiares.
Ninguém se iluda, entretanto, com o valor dês·
ses reme.dios. São meros paliativos. E' a alma que
se precisa atingir. São os costumes que se trata de
reformar. E isso não se consegue a custa de di
nheiro.
Eis o motivo que nos levou a relembrar às fa
mílias cristãs os deveres d{' moral familiar.
E' ela o alicerce do futuro espiritual e social
do pais. A ela dedicamos as páginas que se seguem.
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6. I
A FAIHLIA
E' a familia uma sociedade fundada por D·eus. Tem
assento no amor e, mnralmente, só se desenvolve à custa
de um mutuo devotar-se.
Fôra estulto pensar qU'e o amor que uns aos outros
devem os membros de uma mesma família, atinge a
... perfeição, livre de tentações.
E' de crer, ao contrario, qu•e Deus põe, a miude, o
amor em frente de dificuldades que visam robustecê-lo
e ampliá-lo, 'embora quem as defronte esteja pouco pro
penso a dominar-se em beneficio do bem comum.
O a"mor, na terra, exige uma educação que ensina
cada qual a de�int'�ressar-se de si mesmo para preocu
par-se com o bem do ser amado e a êle consagrar-se.
Surgindo como um ideal, parece que o amôr só
pudera, normalmente, Yicejar na alegria. Será isto ver
dadeiro no céu e .sê-lo hia, talvez, na terra se não fosse
o pecado.
Sucede, porém, que o pecado alterou tudo, infil
trando no coração de cada um os germes do egoismo
que entravam () desenvolvimento nmmal do amor em
família. Pel a destruição dêsses germes deve lutar quem
quer que tenha consciencia dos graves deveres que
acompanham o viver fammar.
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7. 10 .ABADE - JEAN VfOLLE T
O sacrermento do matrimonio.
Assim como a Igreja aparelha os. seus padres à
grande obra do sacerdocio e ao sacramento da ordem,
assim se preocupa em trazer aos esposos as graças de
que precisam para colaborar na obra de Deus e pôr
em relevo as do sacramento do matrimônio.
Os que se encaminham à obra do amôr, se ficam
entregues a si mesmos, esbarram, a todo momento, nas
miserias e deficiencias. da natureza humana.
Como poderá o amor frutear na santificação, se
Deus não o ampara?
As graças necessarias aos esposos critãos, é o sa
cramento do matrimônio que lhas confere. Quantos,
porém, ignoram que êles são os sacerdotes do Casa
mento I Pensam receber uma simples bênção, muito em
bora a Igreja, testemunha da doação que, mutuamente,
fazem de seus corpos e vontades, os designe. pela graça
do sacramento, sacerdotes da família.
O ato pelo quâl se dão um ao outro acarreta a in
tervenção sobrenatural de Deus e transfunde-lhes a vi
da divina que os secundará para •:l })erfeito cumpri
mento de sua vocação.
Entretanto, que é que se observa? O mais das vezes
o casamento não passa de um meio para uma "situa
ção". Ninguém a êle se prepara convenientemente. A
donzela confia em que s·eus encantos lhe atraiam um
marido; o rapaz, depois de consumir na vida airada,
seus mais belos anos, se decide a procurar esposa. Am
bos pedem à Igreja que lhes sancjone o casamento,
ignorantes da grandeza dessa vocação e, desprevenidos
para a recepção do sacramento.
Para êles a confissão é, quasi sempre, um ato ma-
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8. M O R A L F A MI L IA R 11
çador de q ue se desembaraçam sem saber qual seja
a condição indispensavel das graças do sacramento.
Para que o amor ampare os esposos na luta pelo bem;
para que o amor não tropece nos egoismos e nas imper
feições da natureza, não será, por ventura, aconselha
vel q ue as almas se purifiquem de todos os êrros que
lhe poderiam estorvar o desenvolvimento moral e es
piritual ?
Por falta de preparação para recebê-la, a graça,
queda sem fruto. Cai nas urzes do caminho e aí morre.
Para que o sacramento santifique os esposos é mis
tér que êstes encarell?, previamente, as obrigações e
responsabilidades de seu novo estado e entrem no ca
samento com o que têm de melhor. O amor so pode per
durar enquanto os esposos forem capazes de resistir às
tentações q ue os podem saltear. Cumpre-lhes· a refórma
do caráter e a imposição de duros sacrifícios. Ora, o
sacramento é um poder divino q ue só age em terreno
adrede p reparado. Só é eficaz a graça quando vontades
e inteligências se convencerem das respon.sabilidades
que acoli{am a vocação.
O homem e a m'.tlher entram no casamento trazen
do, cada um, suas defidencias e misérias morais. Onde
irão buscar fôrça para se modificar e se dominar sem
a graça de Deus? Basta atentarmos nos frequentes fra
cassos do amor humano, nos seus desalentos e desvios,
para compreendermos quão necessario é o amparo di
vino aos que querem fielmente amar. Nos primeiros
tempos do matrimônio a alegria do amor vela as fra
quezas da natureza �umana. Chegam, porém, os revezes
e o amor passará a conhecer os desânimos inevitaveis.
Como poderão os esposos supor-se assaz generosos
para aceitarem os filhos que Deus lhes confiará, e as-
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9. 12 ABADE - JEAN VIOLLE T
saz elarjvidentes para conforma-los à vida }Jerfeita se
não esperam de Deus as luzes e os socorros que os de
vem suster? Luz e socorro lhes serão dados pelo sacra
men to, se êste fôr recebido com as disposições neces
sárias.
A vi·da fammar conhece dolorosas provações.
Não é raro que um dos esposos tenha de tolerar os
desmandos do outro. Os filhos abrem ensejo a sacrifí
cios sem conta e a morte pode separar os que ternamen
te se amavam.
Como hão-de os ·esposos suportar êsses sofrimentos
se Deus não os sustém derram"-ndo-lhes nos corações
os bálsamos da vida espiritual ? Aqui, ainda, a graça do
sacramento será a fonte inesgotavel que os secundará
na sustentação de seu fardo.
Aliás, as verdadeiras alegrias da vida familiar es
tão estreitamente unidas ao generoso cumprimento dos
deveres a ela impostos.
Eis porque não se pode conceber o amór humano
sem que Deus €steja presente para aluminá-lo, guiá-lo
e purificá-lo.
A graça é elemento necessáriô à•vocação dO" casa
mento.
Os devere:; dos esposos.
Não quis Deus que os deveres mutuos que se de
vem os esposos, provenham do constrangimento.
E' com liberdade que os esposos se escolhem; é,
}>ois, ·COm liberdade que decidem amar-se e cumprir os
deveres que êste amor implica.
Quais são, porém, êsses deveres ?
A Igreja nos ensina que os esposos se devem fideli-
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10. M6RAL FAMILIAR 13
dade, amparo e proteção.. Como devemos entender es
sas palavras?
Trata-se, por ventura, de fidelidade puramente ex
terior q ue mantendo cada um longe de ligação adúltera,
poderia não se relacionar com a fidelidade do coração?
Inter]>retar, assim, a lei, seria pôr letra em lugar do
espírito.
A fidelidade em apreço, porém - esta é a ver�
dade - é, antes de tudo, uma fidelidade de coração e
totalmente interior, para preservar a qual, deve cada um
dos espôsos, sustentar contra si mesmo, contra os tropê-
ços e as tentações, um
,
a luta sem treguas. ·
O primeiro dever sugerido pela palavra fidelidade
será, pois, o amparo mutuo. Quem não suporta os de
feitos e desfalecimentos daquele a quem ama, não lhe
saberia ser fiel.
Aqui os esposos vão encontrar a primeira prova
ção do amor ]>Orque, o mais das vezes, o egoismo que
subsiste por detrás das aparencias contrarias, nos faz
ver o ser amado em função do nosso gôso pessoal.
Somos, instinth·amente, levados a amar só até onde
o amor nos ofert;ce ,as alegrias e satisfações com que
sonhamos. Se êle nos traz, o sofrimento ou humilhação;
se ·descobrimos nele defeitos que, a princípio, não ví
,ramos, afastamo-nos dêle deixando que arrefeçam os
nossos sentimentos.
O dever de fidelidade acarreta a precisão de do
minarmos essas tendencias egoístas de nosso ser e de
continuarmos a amar nosso cônj uge sejam quais fo
rem seus defeitos e, até, a empregarmos toda nossa in
teligência, toda a n �ssa vontade na cm·a do mal que
nele nos faz sofrei'.
ê.ste primeiro dever de amparo arrasta um outro
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11. 14 ABADE - JEAN VIO L LET
que se caracteriza }JOr estas palavras: auxílio e sustento
mutuos. Deixemos de parte o auxilio e o sustento mate
riais, se bem fàra util salientar-se o conjunto de sacrifí
cios de tempo, dinheiro e satisfações que tais palavras
sugerem, e limitemo-nos a definh· as condições que re
quer o amparo moral e espiritual, justamente o mai.s
postergado.
O auxilio moral supõe o esfôrço previa para sair
de si e penetrar os pensamentos, os desejos as aspira
ções e as necessidades do ser amado.
Não é facil a tarefa de .se pôr, assim, em lugar do
outro para melhor compreendê.-lo.
O homem há de pesquisar a natureza de sua mu
lher, e a mulher, a do marido. O amor guiará a pesqui
sa, a qual, entretanto, só será levada a bom termo se
o homem compreender em quê sua natureza de homem
deve completar a da mulher, e a mulher, como levará
ao homem o complemento vital de que êle carece. �ssc
trabalho especial do amor requer grande atenção, gran
de desinteresse, sem o que jamais saberá o h9mem ser
vir-se de sua fôrça e razão em prol da paz, da firme1
za e da confiança que deve inspiràr ã mulher, tão bem
como não saberá, a mulher lançar mão de sua graça,
de sua sensibilidade e devotamento para levar ao ho
mem essa alegria especial do amor que o há-de ampa
rar na luta e permitir-lhe de atirar-se aos trabalhos pre
cisos ao desenvolvimento normal da família.
Auxiliar, moralmente, é, para a mulher, entender
os sofrimentos e as tentações que acompanham a vida
masculina, e, para o homem, compreender as que parti
cularmente rondam a natureza feminina.
Como encontrar palavras e atos que esclareçam e
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12. M O R A L F A MILI A R 1 5
confortem se somos incapazes de ver onde reside o
mal?
O amor é um sentimento que não se basta a si
mesmo. Para conservá-lo e engrandecê-lo precisa de
um alimento especial, alimento feito de mil pequeni
nos serviços mutuos que são como as malhas de uma
enorme rede, como os· pontos de uma cortina cuja fei
tura só com a vida acaba.
Pretender subministrar ao amor emoções violen
tas é matá-lo, antes de mais nada.
Cercá-lo de constantes sacrifícios mutuos, de aten
ções recíprocas, de tnfôrços para secundar o trabalho
do outro e levar-lhe alegrias e consôlos que lhe permi
tam vencer a aridez dos dias, eis os infinitamente pe
quenos, graças aos quais o amor se avantaja e fortalece.
Em via de regra é por não ter modelado sua von
tade nesses misteres humildes que o amor acaba por
<lesaparecer ou minguar, não trazendo, pelo menos, a
ajuda e o apôio que os esposos tinham o direito de
esperar.
,
(
Da autoridade do marido.
A le i .civil, em concordância com a religiosa, dá ao
marido autoridade sôbre a mulher.
Qual é, porém, o v erdadeiro sentido da palavra
•• autoridade" quando se trata de espô.so, se cada um
fica com a J>lena I'esponsabilidade de seus atos e se am
bos se destinam a 1uocurar, em sua união, a fôrça e
as luzes necessaria� ao encaminhamento dos filhos?
A autoridade do chefe milHar impõe disciplina a
soldados tolhendo-lhes· o dis·cutirem as Ol'dens recebi-
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13. 16 ABADE - JEAN VIOLLE'f
das. O marido que agisse JlOr modo idêntico em relaçâo
a espôsa cometeria in1oleravel abuso.
AIS autoridades constituídas zelam pela execução
das leis depois de vo1adas pelas assembléias delibera
th·as.
�se gênero de autoridade não pode, porém, so
frer paralelo com a do marido. Ao marido é vedado dar
ordens à mulher como um chefe aos seus subordinados.
Ambos estão no mesmo J)lano, e seria inconcebível
<JUe o marido pretendesse impor, arbitrariamente, a lei
do mais forte, obrigado, como está, a submeter-se às leis
que regem a vida familiar. Em caso de dissídio entre
êle e a mulher conta da definiç�o desta lei, o sentir
da mulher tem, teoricamente, o mesmo valor que o
dêle.
Seu papél de·chefe não pode, outrossim, definir-se
por comparação com a autoridade do educador sôbre
as crianças a seu cargo. E' a criança incapaz de reger
se� por si. O mesmo não ocorre com a mulher que
se conserva livre e senhora de seus atos.
·Assim .sendo, como definir a autoridade de marido
em face da mulher? Outra coisa llão.póde ser senão
uma delegação de poderes depois de mutuo entendi
mento.
Todas as relações conj ugais falseiam se a autori
dade é tida como anterior ao amor ou pretende exer
cer-se independente dêste. Transmuda-se, por isto mes
mo, em tirania insuportavel. Para corresponder aos de
sígnios da Providência, é mister considerá-la como co
rolaria natural do bom entendimento conjugal.
O marido e a mulher constituem uma como que
assembléia deliberativa, na qual tem, cada um, voto na
matéria a resolver-se. A boa vontade mutua, a preo-
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14. MORAL f."MILIAR 17
cupação do bem comum, o desinteresse pessoal levam
catla um do.s esposos a apreciar melhor o valor dos alvi
IJ·cs e opiniões do outro. Entrados em acôrdo, ao mari
do compete superintender a boa execução das decisões.
O ,que será, porém, da autoridade do marido, em
cttso de desacôrdo? Não será, por ventura, êle quem
�ofre o julgamento supremo? E se assim é, não será o
caso de temer-se que a mulher se veja forçada a sub
meter-se, quasi sempre, a decisões que sua consciência
repudia ou que julga ameaçadora da boa educação dos
filhos? Esses conflitos trágicos só se solucionam à luz
dos seguintes princípios: a decisão exigida pelo pai,
desagrade embora à !nãe, deha brecha a melhorias
possíveis. Neste caso vale mais que a quebra da har
monia conjugal.
Esperará a CSJ>Ôsa que o futuro e a graça de Deus
melhorem a situação.
Se, porém, as decisões do marido implicam ordens
l'Onlrárias à moral ou manifestamente opostas ao bem
dos filhos, será, talvez, forçoso recorrer à deliberação
suprema .e coagir o marido a optar entre a renuncia
do seu J>Onto de vista ou a .separação.
Êsse direito era Jtmlher é a resultante necessária de
uma responsabilidade que se divide entre ela e o ma
rido. E', todavia, um direito de que a mulher só se va
lerá nas sHuações extremas. Mais vale tolerar um mal
relatiYo que recOI'rer a solução que rompe a unidade
familiar.
Atentando-se no número elos casos em que a mu
lher e as filhos são vítimas do desman do ou dos ex
cessos de autorida� do marido, chega-se a desejar a
reforma da lei civil, que parece considerar o pai de
família, senhor absoluto á feição das doutrinas pagãs
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15. 18 ABADE - JE AN VIOLLET
da antiga Roma. No caso de desaveça grave entre o
marido e a mulhe1·, tendo-se em vista, sobretudo, a edu
cação dos fj]]Jos, não se atina por que devam as deci
sões do mal'ldo prevalecer sempre sôbre as da mulher.
A autoridade familiar se divide em duas. Seu exercício
normal só se dá quando (lai e mãe estão de acôrdo
sôbre os métodos e meios de educação.
Deveres dos pais para com os filhos.
Não nos alongaremos a respeito dos deveres de
ordem material. Não há pais dignos dêsse nome que
descurem a saúde física dos fLlhos e lhes deixem de
fornecer, fartamente, os bens materiais ·de que carecem.
O problema dos ·deveres paternos .só se complica
quando se trata dos de ordem espiritual. Aí é que se
vêem lacunas e fracassos numerosos cujos principais
temos como util assinalar neste ensejo.
Consagrar-se aos filhos não significa, por cer
to, cumulá-los. de todos os prazeres possíveis e, sim,
formar-lhes a conciência e o coração, a vont�de e a in
teligência. Nêsse domínio, entretanto quão poucos são
os pais clarividentes e capazes!
'
-
Para trabalharmos uma cJonciência de criança é
preciso amarmos a Deus, o bem e a perfeição mais do
que nós mesmos.
E' mistér sermo.s capazes de sacrificar nosso bem
estar, impondo-nos os esfôrços que exige o ideal moral.
Depois de termos amado, pessoalmente, o bem mo
ral, devemos aplicar-nos, com todas as nossas ener
gias e por todos os meios que Deus nos faculta, à ta
J·efa de o tornar conhecido, estimado e praticado pelos
filhos. E' de esperar-se, ai, que a antorjdade se exerça
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16. M O R A L FAMILIAR 19
sem esmorecimentos ; que uma atenção permanente
fuculte aos pais .o seguirem, na alma dos filhos, as·rea
�õc� da Yida moral, os impulsos para o bem, as tenta
ções do instinto, os logros da natureza.
A autoridade dos pais só se exerce utilmente se
êles se crêem depositarios da propria autoridade de
Deus, e encarregados de levar os filhos à santidade.
Tamanho encargo da autoridade pressupõe grande do
mínio de si n1esmo, uma calma capaz de anular as
tempestades, um senso profundo da justiça, e uma von
tade apostada em aplicá-la, uma bondade infatigavel,
sempre inclinada à misericordia mas nunca descaindo
para a fraqueza. A au!!oridade se exerce continuamen
te, raro pelo emprêgo da fôrça, pelo encorajamento
sempre. Nunca se ausenta, nem mesmo quando os filhos
estão longe dos pais, porque aqueles sabem que êstes
lhes acompanham as ocupações e se inquietam por seus
atos.
Quantos pais há que abusam d.essa autor,idade
exercitando-a a torto e a direito segundo caprichos mo
mentaneo� quando não abdicam por amor à paz e à
lranquilidade! Para acautelar seus egoísmos, desistem
de sua missão. Q'uantos pecam por omissão, deixando
ir tudo à matroca por indiferentismo e preguiça, teme
rosos de dificuldades e sacrifícios! Amam o filho até
quando a presença dêste lhes satisfaz a sensibilidade ou
o orgulho, esquecidos de que ·O filho n
·
ão lhes foi dado
a êles e, sim, a si mesmo, ao cumprimento de sua vo
cação e, finalmente, a Deus.
Muitos fingem ignorar seus deveres com respeito à
vpcação dos filhos. •
.
O que cumpre aos pais é auxiliar a yocação do fi
lho a desabrochar e amadurecer. A autoridade há-de
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17. 20 ABADE - JEAN VIOLLET
ter por e&COJlO secundar o filho a senhorear-se de seu
destino e do emprêgo que mais tarde virá fazer de suas
fôrças e inteligência.
Grave falta cometeriam em detrimento do filho e
em face de Deus se procurassem segregá-lo afim de
atender a gosos e desejos J)Cssoais, ou com o intuito de
explorá-lo J>ara as satisfações da vaidade.
Em matéria de educação, realizar a obra de Deus
consiste em tentar discernir, graças à.s aptidões, aos im
pulsos do ·coração, aos engodos e às circunstâncias, o
caminho por onde há-de levar o filho para que a vida
toda se lhe não contorça e êle possa, mais tarde, sentir
que pisa um terreno onde se �ê perfeitamente apto e
útil.
Semelhante proceder acarreta muitos sacrifícios de
amor próprio. Os pais que procuram auxiliar os filhos
a realizarem suas vocações são os únicos a cumprirem
o dever essencial e primordial da autoridade. Compre
endem que Deus só conferiu poder aos homens para
que auxiliem os fracos e as crianças a darem conta de
suas tarefas pessoais. •
Um outro dever há, ainda, 'pala o qual convém
chamemos a atenção dos pais. E' o que obsta a que
abandonem os filhos em mãos estranhas, a não ser por
necessidade e com as pos.siveis garantias.
A educação compete, propriamente, aos pais e
Deus não confiou a estranho a responsabilidade da vida
moral dos filhos. Não quer isto dizer que os J>ais não
hajam, em muitas circunstâncias, de valer-se da ajuda
de terceh·os, quando m ais não fô�e. para proporciona
rem aos filhos a necessária instrução. A êles todavia
toca sempre, a responsabilidade, e cumpre considerar o
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18. MORAL FAMILIAR 21
111dhor dos professores mero acólito com quem hão de
l'slar em constante contato.
Dchar seu filho, sem mais Clüdar dêle, horas a
rio na escola ou, ainda mais, meses inteiros num inter
ll:t to, é largar mão de suas responsabilidades, a menos
que todas as garantias sejam previstas.
Devem os pais seguir atentamente o procedimento
e os esforços do filho na escola ou no colégio e pôr o
mestre ao corrente de seu proceder e caráter em fa
mília.
Queixam- se os pais quando o Estado baixa leis ou
t·cgulamentos que lhes �arecem contrários aos seus de
sejos e aspirações? E', justamente, seu indiferentismo
11ue leva o Govêrno a agir a sua revelia, e como se êles
uüo existissem.
Educar um menino, formar-lhe a conciência e
a vontade pressupõe a comunhão de diferentes pessôas
its quais toca essa educação.
Quaisquer que sej am os auxiliares escolhidos, não
devem os Jlais, em caso algum, abrir mão de sua auto
ridade e poder fiscalizador.• •
Há, ainda, uma outra negligência elos pais que não
seria inutH assinalar, por Jhe tolher parte da influência
moral imprescindível à educação: é a que leva os pais
a não se porem no mesmo nivel dos filhos para bem
entendê-los e ser, por êles, entendidos.
Só é eficaz a autoridade que anda sempre ao pé
daquêle sôbre quem se exerce ; é inopera nte ou causa
mêdo se vem de cim� sem que o menino pôssa compre
ender-lhe o significado.
Eis JlOrque cump1·e aos pais fazerem-se crianças
com as crianças. Não J,:Ccearão acomodar-se aos seus ma-
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19. 22 A.:BADE - JEAN VIOLLET
nejos e tentarão explicar-lhes as alegrias e as tdstezas,
as dúvidas e os anseios.
Tal atitude é difjcil porque obriga a sair de si e
absorve muito tempo. Exige que nos entremctamos nos
brjquedos, nos trabalhos e ocupações daqueles que ha
vemos de educar. A consequência, porém, é o estabele�
cimento de laços intimos entre filhos e pais e a conclu
são, por parte da criança, de que as ordens dadas não
são caprichos e decorrem do amor e da compreensão.
�ste esfôrço para se pôr ao nível dos filhos sem
quebra da autoridade, requer grandes qualidades mo
rais de devotamento, de respeito1, à alma, de vontade cs�
clarecida e experta. E' êste esfôrço 'que constrói a verda
deira educação, isto é, o desenvolvimento do amor e
do respeito.
Rematando essas observações col).vém acentuar que
os pais, se andam sempre satisfeitos consigo e se ima
ginam possuir perfeitas qualidades de educadores, cor
I'em o risco de se iludir por lhes faltar a humildade
que leva a pedir consêlho aos mais experimentados, e
a Deus o .socorro de que carecem.
Deveres para com os avós.
Parece que a família moderna, esquecida de seus
deveres essênciais, não mais dispensa às pessôas idosas
o respeito e o reconhecimento que é natural se lhes
tributem.
O número de avós que vivem solitários, mais ou
menos abandonados pelos filhos, yai crescendo dia a·
dia. Assim, pois, como esperar alguém para os seus as
bênçãos de Deus, como habituar os jovens ao sacrifício.
de alguns de seus cômodos, se não ·�omeçar por dar-lhes
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20. M O R A L F A M I L I A R 23
o (• x cmplo da gratidão e do devotamento para com os
que consagraram a melhor de suas existências a edu
l'il-los, inculcando-lhe os princípios da vida moral que
constituem o melhor de nós mesmos?
Outrora os avós viviam no seio da família.
Era um prazer o cercá-los dos mil cuidados que
sua idade exigia; suportávamos fácil e cristãmente suas
enfermidades e fraquezas, felizes porque, assim, apren
díamos a praticar a dedicação familiar. Hoje em dia
os toleramos, quando muito, e, o mais das vezes, aban
donamo-los a uma solidão penosa e lamentavel.
A família cristã deve reagir, com todas as energias,
contra êste censurave(indiferentismo. Os que podem,
devem manter consigo seus avós.
Se isto não é pos.sivel, hão-de, ao menos, assisti-los
para um termino de vida honroso. Exijam-se, embora,
sacrifícios de tempo e dinheiro, é mistér sejam feitos
com alegria e bom humor, sem nunca procurar justi
fic.ativas a atitudes indiferentes e egoístas a conta de
pretensas obrigações ou afazeres excessivos.
Noss� primeiro encargo, devemo-lo aos pais; nos
sa ocupação pril).cip.íll, a d e levar-lhes à vida alegria
e reconhecimento.
Tai:s. são os ·deveres essênciais que norteiam os
membros de uma família a uma união cristã e a um es
fôrço comum em busca da perfeição.
Conflito entre os diversO$ deveres.
Ser-nos há fácil, por ventura, cumprir essas dife-
•
re.ntes obrigações. sem que nos encontremos, a cada pas-
:so, em presença de conflitos que a mais escrupulosa
consciencia não pode resolver?
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21. 24 A.J3A.DE - JEAN VIOLLE T
Será que as ocupações de alguém o impossibilitam
de consagrar aos seus, m ulher e filhos, o tempo exi
gido? A falta· de recursos em que se vê um outro, não
desculpará o abandono em que deixa os �l·ós•!
Tais são as graves dolorosas dúvidas cu.ias solu
ções convém pesquisar.
Convenhamos, ante.s do mais, que para vermos cla
ro, é mistér a bôa localização dos deveres. O mais das
vezes, os ]Jretensos conflitos de deveres seriam resol
vidos se não puséssemos -em prüneiro plano ocupações
secundárias. E' o caso dos que multiplicam os deveres
humanos que os distraem do lar, dos que desviam para
um luxo absorvente a soma .que, a rigor, "deveriam
destinar aos avós ou à educação dos filhos; dos que não
se querem privar de qualquer prazer. Quantos confli
tos seriam resolvidos se se respeitasse a hierarquia dos
deveres, de sorte que nunca se sacrificassem os primor
diais aos secundários e problemáticos. Nêste assunto
compete a cada .qual, rigoroso exame de consciência.
Se há boa vontade na pesquisa do bem, O& deveres
exátos surgem, quasi sempre, ao clarão de uma luz in
tensa, e os conflitos desaparecem.
Não raro é o egoismo pessoal, o amor proprio, que
turvam a visão.
Não quer isto dizer que não haja dissídios de so
lução difícil.
Ocorre, por exemplo, o caso de um médico às vol
ta.s com a saúde de seus clientes, de um político absor
vido pelas responsabilidades do govêrno, de um dema
gogo arrastado pelo niovimento social que suscitou.
Nesses casos avulsos é de crer que a vida familiar
.seja fatalmente mais ou menos sacrificad�L
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22. M O R A L F A MILI A R 25
Examinados miudamente, êsses conflitos têm mais
aparência que realidade. Para êles ha, quase, sempre,
remédios eficazes.
Os tropeços que a Providência nos põe n.o caminho
têm em mira obrigar-nos a maior perfeição. Pode dar
se, ·Com efeito, que Deus queira coagir-nos a maiores
trabalhos, a melhor coordenação de nossa vida para
seu melhor desempenho, à procura de colaboradores
que tragam o nece ssário amparp à nossa vocação.
Quantas vezes as dificuldades e os conflitos de de
'eres se multiplicam porque lhes falta a vontade e a
capacidade para arcar�m com tarefas precisas e bem
definidas?
Não há-de a vida ser para nós como um caudal que
nos arrasta. Convém dominemo-la com inteligência
ponderada ·e vontade vigilante. Na maioria dos casos
são as nossas faculdades que nos levam a solucionar
muitos dos empêços da existência.
Se Deus permite os conflitos aparentes é de crêr
que os remédios existam, compeHndo a nós o procurá
los e aplicá-los. ..
Não raro somos nó.s os culpados dos excessos de
ocupações que nos tolhem o cumprirmos deveres im
portantes. Falta de reflexão, amor proprio, d emasiada
confiança em nós mesmos. Quando devêramos reparHr
as responsabilidades pedindo a colaboração da mulher,
dos filhos, de terceiros, procedemos como se fossemos
capazes de realizar, a sos, a programa complexo dos
nossos deveres familiares e sociais.•.
Em muitos· casos as dificuldades nos ensinam a
confiar aos que conosco ]Jrham, e aos nossos filhos,
trabalho,s. e deveres que os levarão à consciência da
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23. 26 ABADE - JEAN VlOLLET
propria responsabilidad!e, tornando-os mais 'aptos ao
esfôrço e à dedicação.
Sucede, porém, que a natureza nos priva dos meios
necessários ao cumprimen to àe nossa vocação, mesmo
no que respeHa à família. Neste caso é forçoso nos sub
metamos à vontade divina, por menos compreensível
que nos pareça.
Para o cristão a im])Ossibj]jdade material ou moral
de realizar sua vocação é t ida como sacrif:ício imposto
pel a presenç a do pecado no mundo, é cuja aceitação o
ergue acima de si mesmo, fazendo-o contemplar o sa-
•
crif:ício redentor, ao qual se une pessoalmente.
Assim como os meios humanos de realizar sua vo
cação foram roubados a Jesús no decurso àe sua vida
terrena, do que resultou, praticamente, extraordinaria
eficaci a espiritual aos seus sofrimentos c morte, assim
havemos de crer que os nossos sacrifícios pessoais e
os obstáculos opostos à finalidade de nossa voca ção,
familiar embora, nos servirão de restaurar, catolicamen-
te, a família modern a.
'
As contraditas e oposições que: pÓr vezes, deparam
à fam:ília no realizar sua vocação, quando não sej am
resultado de má vontade, podem gerar vocações com
plementares. Assim é que as irmãs de caridade man
tém o celib ato para a criação de órfãos, e que almas
generosas como os missionários da fa m:t1ia levam à
prole numerosa o auxílio que lhe é mistér.
Para realizar essas vocações ,será, naturalmente,
preciso, aceitar todos os sacrifícios e renuncias que ha
bilitem a levar a outrem os socorros de ordem moral e
material de que carecem.
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24. MOR A.L FAMIL!Al'{ 27
Em suma, para as almas cristãs, todas as dificul
dades e contradições podem e devem resolver-se mercê
de um esfôrço pessoal a maior perfeição, mercê de con
formidade com os sacrifícios enviados por Deus, mer
cê de melhor prática da caridade.
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25. II
BOM HUMOR E MORAL FAMILIAR
Quando Jesús en;iava seus discipulos a pregarem
a Jlróxima implantação do reinado de Deus, ensinava
lhes a saudarem, com estas palavras, os moradores das
casas em que entravam: "Que a paz esteja nesta ca�
sa (1) ". São, justamente, as palavras que nos vêm ao
espírito quando nos propomos expor os benefícios do
bom humor familiar. O bmn hmno1· traz a paz, conser
va-a e facilita-a. Afasta discordias, pt·omove reconci
liações, �ncm·aja o trabalho, leva amparo às tristezas
da vida. Numa p.alav1·a, é alavanca poderosa à vida es
piritual, contanto que se firme nas bases da caridade
e de um querer sem treguas.
Que é que impede o bom humor?
lIuito.s-, infelizmente, são os obstáculos. Alguns nas
cem das dificuldades da vida material; outros, dos de
feitos de c�:ná.tet· e do desmando, ou más disposições
da alma.
(1) S. Mateus, x. 12.
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26. 30 ABADE - JEAN VlOLLET
Obstáculos Devidos a causas maiuiaii>-.
Que se exija um minün o ele folga e esJórço I>ara
conservar-se o bom humo-r, é coisa fora de dúvida.
A menos que, por vocação es1>ecial, se haja esposa
do a p obreza ou votado a vida toda ao sacrifício e à
mortificação, é penoso suportar-se a má acomodação
habitual, a €scassez de nutrição ou a deficiência de in
dumentária. Mesmo quando se aceitasse, a rigor, pm·a
si certos incômodos ou sofrimentos, vos seriam insu
portáveis nas pessoas que vos são caras sobretudo se
se trata de filhos. Tolera-se uma mortificação passa
geira porque se espera cesse amanhã, mas a que haja
de durar .sem possibilidade de mudança e acaba, pra
ticamente, p or impedir o des·envolvimento normal da
vocação, como aceitá-la sem revolta ou enfado? Acres
cente-se, ainda, que o chefe
-
de família que sofre de mal
estar material tem, não raro, a impressão de não ser
responsavel pelos males que afligem os seus e os con
somem lentamente. E' o caso do chefe de familia que
não ·encontra onde alojar os filhos ou cujo g�nho é in
suficiente para provê-los do necessário.
Como permanecer tranquilo quando se vê estiolar,
dia a dia, o rosto dantes roseo dos filhos ou quando a
exiguidade da acomodação não permite ás crianças os
movimentos livres que a idade exige, à mãe a feitura
de trabalhos exigidos pela boa ordem do lar e ao I>ai
os trabalhos complementares ao seu ganho vrofis
sional?
Dessas fontes profundas de mau humor é respon
savel a sociedade inteira. Longe ·de nos impacientar
mos com os que gemem, se lastimam ou se revoltam,
devemos considerar obrigação nossa o consa.grarmos o
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27. MOR A L F A MI L IA R 31
111ais (1ue pudermos de nosso tem1>o, inteligência e di
nlwiro para pt·oporcionar-lhes o minimo de confôrto
«fll<� permita o desenv-olvimento normal da família. (1)
Obstáculos p1·oveniente:s dos caracteres.
Outras causas há de mau humor, que provêm das
insuficiências ou defeitos de um dos membros da fa
milia.
Que um marido não arque com as suas responsa
bilidades; que, em vez de trazer ao lar os necessários
recursos, os esbanje; que se mostre indiferente às preo
cupações da mulher e "não a socorra com a sua autori
dade na obra da educação, será, por certo, responsa
,·el pelas impertinência e de.scontentamentos dela.
Que a mulher, pm· seu turno, seja negligente, des
cuidada do lar, ]>Ouco asseada ou descomedida; que
não saiba fazer do lar um t·ecanto de repouso e de
paz, sôbre ela t·ecairá a responsabilidade dos desvios
morais do mat·ido.
E', p�r igual, necessário que, em família, cada um
se entregue aos fncprgos de sua idade e vocação. A
preguiça ou a inação geram, necessáriamente, o fastio.
A atividade bem norteada, o sentimento do dever, o
esfôrço efetivo, a assiduidade ao trabalho trazem à
alma um bom humor natural que facilita, singular·
mente, o bom acôt·do mutuo.
Tudo está na vida moral. A desordem material
acarreta a desordem moral tão bem como a harmonia-
(1) . E', pois, dever dos amigos inserever-se numa das nu
merosas instituiçiies que se destinam a. minorar a sorte da família.
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28. ABA.DE - JEA.N VIOL LET
sa concordância das condições da vida prepara a paz
.e a moralidade dos caracteres.
O céu e para a outra vida, bem o sabemos. De
ve-se há concluir que a vida teiTestre seja um inferno?
As grandes dores e os constrangimentos constan
tes não serão, por acaso, um grande perigo para as al
mas?
Jesus não veio, por ventura, para aliviar as mise
rias morais e materiais da humanidade? Como, então,
não se conceber, dêsde logo, a vida em famHia como
um esfôrço de cada um }>ara levar aos outros as ale
grias e satisfações que os hão de ajudar a viver bem,
e como conceber um lar feliz" quando os defeitos do
homem ou da mulher tornam insuportavel a vida em
comum?
O lar é a casa de Deus tanto quanto fôr a casa da
paz. Deve cada um encontrar aí repouso espiritual
mais que corporal. O marido chega cheio de preocupa
ções com o seu trabalho, a mulher aí está com as res
ponsabilidades caseiras que lhe p esam nos ombros fran
zinos, sendo a ela que in cumbe, principalme,nte, o zêlo
com os filhos. Esqueça um de partilhar as preocupa
ções do outro, e a paz não entrará ho lar.
Mas se o contrário se dá, eis que por uma obra
natural do amor, atribuição de alijeira ou, ao menos,
se torna suportavel, depois de haver surgido como in
vencível pelas fôrças humanas.
O viver alguem egoisticamente, pouco se lhe dando
das preocupações dos outro.s é a obnubilação da alma;
enrija-a, torna-a má e descontente de tudo. Comnugm·
com as penas e inquietações alhe�as, abranda-a, escla
rece-a e a predispõe, mui naturalmente, a sorrir ainda
que no meio das lágrimas.
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29. M O R A L F A M I L IAR 33
As nuvens do mau humor provêm, quasi sempre,
da l'alt a de compreensão mutua. Ser in compreendida
do marido é, para a mulher, a mais dolorosa impres
s:'io ; e o marido m.&l suportaria que a leviandade tolhes
se �� mulher o ter parte em suas angústias.
Do empenho que cada um puser em compreender o
o u tro, resultará a Tedução dos malentendi dos, o afugen
l amento das inquietações e a volta do bom humor e
da confiança.
Bases espirituais do bom humor.
Até aqui temos pesquisado as causas naturais do
hom humor. Bem precário fôra o que .só se assentasse
no comodismo da vida ou nas bo as disposições do ca
ráteT. Bastaria um acidente ma terial, um desgôsto para
(!UC êle desaparecesse.
O bom humor cristão, o que devemos adquirir, re
pousa na vida inteTior e no esfôrço moral. Resiste a
lodas as provações porque ass-en ta em base inquebran
lavel : o a,pwr de Deus e do próximo.
Êsse tipo de bom humor não é mera qualidade Im
mana. Alheio ao temperamento e às circunstâncias, é
o fruto natural da graça de Deus em nós.
O bom humor sobrenatural é uma floração que tem
origem no trabalho espiritual, no desin terêsse pessoal,
na submissão cristã aos <'mhates da vida.
Do bom humor se serve ·o cristão p ara afugen
tar o }lecado, robustecer a cm·agem moral e preparar
se à caridade.
Bem s ab e que ·•não poderá ''iver em família,
sej a ·ela a m ais cristã e unida, se não está apto a su
portar o entrechoque de caracteres, de interêsses ou
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30. 3.4 A B A D E - J E .Jit N V I ó L L E T
pontos de 'isla. Os deveres e direitos de cada um. dos
J;liembro.s da unjdade familiar nem sempre se apre
sentam meddianamente claros, de sorte que não dêem
ensej o a conflito. E', justamente, no meio dessas difi
culdades múiHplas que o cdstão deve conservar, por .
si, pelos ou1ros e por Deus, inalteravel bom humor.
·
Ausente de to dos os membros da família essa dis�
posição ín1ima, os menores dissidios assumem pro
p orções de conílítos, a união periclita, o amor se es
tiola. O mau lmmor é contagioso e avassala, facilmen
te, os mais tranquilos; é belicoso, desdenhante e altivo.
Tem raizes no amôr próprio ou no espírito de rebelião.
Faz de um argueiro um cavS:leiro; envenena 'udo o
que toca e dessora todas as coragens.
Tornando os indivíduos arredios, faz que se afas
tem uns .dos outros, seres destinados por Deus a se
estimarem e se compreenderem.
O bom humor cristão nos leva a penetrar o co
ração alheio. Forçando-nos a abandonar nosso egois
mo inveterado, leva-nos a entender as luta�. os sohi
mentos e as dores dos ou tros, consolando-os e ca1i
vando-os. Aligeira os esforços e c'ria, naturalmente,
uma atmosfera de caridade e de paz.
A união em família compõe-s·e de pequenos ser
viços mu1uoª que fazem de cada qual o servjdor de
todos. A paz só .se mantêm à custa de concessões recí
procas. E' imoral e perigoso Jnocurar no casamento o
meio de aumentar a soma de seus gosos personalíssi
mos. Tal desígnio só pode gerar decepções e multipli
car as causas e os ensejos de desgostos. Saber, ao con
trário, que a união de corações só se estreita com o
a ceitar-se de bom rosto todos os sacrifícios impostos
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31. M O R A L F A M I L I A R 35
J>ela vida em comum,
_
é robustecer, 1n·eviamente, a von
tade contra as variações do carácter e do genio. E', ao
mesmo tempo, preparar-se para bem educar os filhos,
I>ois nada é, em verdade, mais infenso à boa educa
ção que os altos e baixos de genio c as impertinencias
de carác1er.
O bom humor e a educação dos fillzos.
A criança é uma planta delicada que precisa do
sol claro da alegria e da paz para florecer normalmen
te, inclinando-se franca e generosamente para o bem.
Se tem de haver-se com temperamentos nervosos, com
pais que se desmandam constantemente e, por ninha
rias, se entregam a acessos de mau humor, vê-la-emos
fecbar-se, aprender a mentir para evitar-lhes os cho
ques, perder toda � coragem moral, toda a boa von4
tade. O bom humor e o perfeito equilíbrio do carácter
obrigam, porém, o menino a valorizar os conselhos ou
as ordens que se lhe dão, p ermitindo-lhe à alma que
se desabrocbe e confie, sem reservas, nos p ais para os
numerosos esforçQs que há-de realizar na formação de
sua vontade e moral.
Para manter-se o bom humor é mistér pensar-se
nos outros m ais que em si mesmo, em Deus mais que
nos ouiros. Esta lei seria abusiva se devesse, pratica
mente, levar �o perpetuo sacrifício e ao acoroçoamento
indefinido do egoísmo alheio. Assim fôra se a lei se
aplicasse a uma parte� apenas, dos membros da famí
li a. Se, ao contrário, todos a ela se submetem d e boa
•
mente, trará, como resultado natural, um equilibrio e
urna reciprocidade admiráveis entre os incômodos que
uns sofrem e as alegria que de outros procedem. �ste
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32. 16 A B A D E - J E A N V I O L L E T
e.sfôrço mutuo e reciproco de desin terêsse culminará,
mui na turalmen te, no progresso de todos, num ei_lten
dimen to e compreen são mut uos que os dias só h ão de
a umen tar.
�ão aceitar esta lei é prever <JUe o egoísmo pessoal
se des envolverá à vontade ; é tomar por um beco sem
saída, contrádo às exigências da união e da p az. Quan
to mais pensamos em nós, tanto mais tiranizantes nos
tornamos, cada vez menos preocupados com o bem
comum.
A lei do sacrifício deve começar nos albores do
casa�nento. Deve entender-se a todos os domínios, até
mesmo carnal. A carne é, de 'sí, egoísta e o e#ipôso
que lhe não souber impor nenhuma esp ecie de freio
ou s acrifício, verá diminuir os impulsos desinteressa
dos d e sua alma. Menos apto será a êsse desprendi
mento i nterior que mantém a alm a serena e igual.
Deve, ainda, a lei, abranger os filhos como os pais.
E' preparar boa soma de desilusões pretender secun
dar os caprichos da criança, ao em vez de ensiná-la
a sacrificar certos desejos, mesmo legítimos,•·ao afeto
dos seus e à paz comum. • ,
Menino m uito mimado é atrabiliário J) elo simples
impulso de seu egoísmo exigente. Menino afeito a sa
c.rifícios, f acilmente avassala os ímpetos eS])Ontâneos
de seu carácter. Aliás a afeição da criança p1·opende,
naturalmente, a quem mais lhe pede, graças ao vago
sentimento de que exigir maior soma de esforços é
conduzi-la a um viver mais bélo e harmoni oso. Meni
no mimado senhoreia as pessôas que o mimam. Mete
as, literalmente, em escravidão e, 'assim, destrúi todas
as alegrias familiares.
Educar o bom humor exige um regime especial,
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33. M O R A L F A M I L I A R 3 7
um cn!ra r J>rogressivo nas ,·ias d o sacrifício secundado
pelo sentimento, por igual J>rogressivo, do êxito moral.
Eis a vantagem de mostrar-se a cada um, sobre
tudo às crian ças, o benefício resultante dos sacrifício&
voluntários. Para pcrsi.s tir no proposito, precisa o ho
mem de ser encorajado.
Os sacrifícios impostos a cada um dos membros da
familia devem ser propo:rcionai!s ao desenvolvimento
moral. Exigir demais é provocar mau humor ; pedir
em escassez é encorajar o egoísmo. A alma cristã sà
berá •istinguh· êsses matizes delicados e obter do Es
pü·ito Santo a ciência e prudencia necessárias.
O que dissemos d; bom humor entre esposos é
exato paTa todos o.s que fazem vida em comum. Que se
trate de filhos tornados grandes em relação aos pais,
de irmãos e irmãs entre êles, de criados e amos, de
supc1·iores e inferiores, deve, sempre, cada um forcejar
por submeter-.se às regras do bom humor, tal como as
enunciamos. Mais ainda, há-de um cristão conservar
seu ])om humor mesmo quando o carácte1· daqueles
com qucn convive torne m ais difícil a paz e mais lou
vaveis seus csforç�s. •
A lei do bom hmuor deve .s.er regra entre os mem
bTos de uma família. Fará <fue êles encaminhem para
Deus as almas dos que lhe.<; são caros e cuja conversão
e progresso almejam.
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34. 111
A UNIÃO ESPIRITUAL E MORAL DOS ESPOSOS
O amor que devem intercambiar os esposos vem
de D eus e a Deus há-eLe tornar. Elevado à dignidade
de sacramento, contribui para a santificação dos que
se amam e confere-lhes a graça que os há-de auxiliar
a bem cumprirem o encargo de educadores cristãos.
No pensamento de D eus o amor deveria .ser fonte
perene de felicidade e alegria. Em ver.dade, porém,
o pecado lhe faz conhecer não poucas tentações e dores.
À obra do amor traz cada um o seu quinhão de
egoísmo, .abrindo brecha a .satisfações pessoais. Daí
resulta um perigoso esquecimento da prática do altruís
mo, sem o qual nâo pode haver união duravel e santi
ficante.
Amar cristãmente é, p ois, antes de tudo, santifi
car-se para só trazer benefícios a o ser amado. E', ao
mesmo tempo aspirar à santificação do outro em con
comitancia com a propria, e tirar das alegrias e tris
tezas do amor, um meio de perfeição. Esta obra espi
ri tual e moral só se efetua a custa de permanentes es
forços, e graças ao rtmparo, ao perdão e ao encoraj a
mento mutuos.
Eis porque o amor que Jesus inspira às almas serve
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35. 40 A B A DE - J E A N V I O L L E T
d e mo dêlo ao q u e os esposos s e devem trocar. Jesús
suporta o pecador e o robustece con tr a a J>rÚpria fra
queza, ao rnesmo temJ>O em que o aconselha e oferece
ao Pai os sof:riment.os que o hão de re dimir. Foi a.ssim
que S. Paulo pôde comparar o amor entre h omem e
mulher ao amor entre o Cristo e a Igreja. (1 ) . Com
efeito. assirü como o Cristo amou a Igrej a até se entre
gar por ela afim de a santificar e glorificar, assim aos
esposos cumpre o aceitarem o.s sacrifícios mutuos pro
cm·ando um san tificar-se pelo outro para a I'ealização
da obra de Deus.
O desinteresse.
Como. porém, atingir o desinteresse pessoal? Em
seus primordios o amor é um mixto de abnegação c
egoísmo. Qual dessas tendências triunfará, e quem há
de afirmar que a atração do prazer não sufoque a do
sacrifício ?
O dar-se coni desinteresse pertence, tão sómeu te, às
almas que a isto se prepararam de longa d atk Os que
no decorrer de sua mocidade não, cOJlheceram o sacri
fício ; os que viram satisfeitos os seus CUJ>richos todos,
e não se cledkaram nem a irmãos, n em a J>ais, não
{ruererão, a menos que os alumie uma graça excepcio
nal, conhecer do amor conjugal outra coisa Cjue não
sej am alegrias e p razeres. Muito ao contrário sucede
com os c1ue, quando j ovens, aprenderam a esquecer
se de si e sacrificar-se por outrem.
Com os gosos violentos da carne os esposo� inci-
( 1 ) Todo o passo de S. Paulo convém ler-se. Cf. E las.
Y, 21-33.
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36. M O R A L F A M I L I A R 41
J>ien te.s correm, por igual, o risco de ver diminuídas as
forças espirituais do desinterêsse. Compete-lhes, pois,
T efrear os impul.sos sensoriais se ·quiserem conservar
c deson· oh: er as forças morais do amor. Nisto serão
aj udados à medida que se subme terem üs leis que re
gem o amor cristão.
O divórcio contra a união dos corações.
A primeira dessas leis é a que interdita o divorcio.
A J>roihiçâo de os homens se divorciarem não obsta ao
aumento n atural do amor humano, como crêem os que,
não ate;.ntaram nas condições da evolução normal dos
sentimentos. Bem ap1·eciada, é es ta intcrdição um obs
tú culo erguido ao egoísmo c à s paixões caJl azes ·de
estiolarem o amor.
O amor verdadeiro firma-se, ante.s de tudo, n a fusão
das almas. Assim, convém não confundir instinto e
amm·. Quantas uniões de corpos há comJ>letamente de
samparadas dos s entimento de dedicação e responsa
bilid ade,• alicerces do verda deiro amor ! Quantas outras,
entreta nto, feitas .de .um generoso e cluravel devotar-se,
ele to do alheias aos JH'azeres carn ais !
Os gosos d a carne podem ser complemento natural
do m uluo amor dos esposos; não são, porém, a finali
dade. A união de corpos só assume o seu significado
moral s e a acomp anha a von t ad e de aceitar os nasci
mentos que pode ge1·ar, tornando-se, -de.starte, instru
mentos da ação primordial de Deus na obra criadora.
Se a lei moral se opõe ao divórcio é, justamente,
para livrar os espo s�s, a um tempo, das tentações egoís
t as da carne, das falhas de carácter e do espirito de
independência.
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37. 42 A B A D E - J E A N V I O L L E T
Em seus pcimordios, o amor, em que pese às apa
rências, C. frágil. Se não se acautelam, os espôsos, eu
golfados nos prazeres do casamento, serão incapazes de
aceitar os sacrifjcios impostos à vida em comum. Dei
xarão que tomem vulto os caprichos pessoais e dia virá
em que êsses caprichos hão-de matar o amor.
Se os esposos sabem que, em face da ,�ontade di
vina, lhes é defeso o separarem-se, removerão as ten
tações, os m alentendidos e procurarão aplainar as con
tradições praticando, mutuamente, a brandura e a tole
rância.
A idéia de uma separação I!rovável, ao contrário,
impele cada um a extremos de ressentimentos e mal
querenças.
A interdição do divórcio obriga, pois, os que se
amam a pelejar consigo mesmos, a arrancar de seus
corações faltas e impulsos infensos à boa harmonia.
O divórcio contra a educação dos filhos.
A fidelidade é lei necessária, também, à e:ducação
dos filhos.
O amor que um ao outro inspiram os espósos tem
por mira principal, à face de Deus, a difusão da vida.
Devem, assim, sobrepor o futuro material e moral dos
fHhos às próprias satisfações.
E' bem de ver-se que a criança requer, para se
desenvolver normalmente e para grangear confiança,
um ambiente de paz e afeição. Desde que seja teste
munha inerme das desavenças patqnas, sua formação
periclita. A alma se lhe retrai dando-lhe ensej o a pro
pender uáturalmente, à desconfiança e à tristeza. Eis a
manifesta inferioridade moral do filho de divorciados.
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38. M O R A L F A MI L I A R 43
Santificação mutua.
Como hão-de os esposos �rislãos man ter, entre êles,
a paz que sustenta o m utuo amor e o esfôrço moral ?
Nem sempre é fácil consegui-lo, j á <rue embora o espo
sa do almeje o bem, nem por isto a sua Jlersonalidade
deixa d e s er uma amálgama de qualidades e defeitos.
E' preciso escu dar-se na paciência para suportar êstes
e melhorar aqueles, o que só a prática do Evangelho
dá, ensinando-nos a amar mesmo quando a pessoa a
quem devemos amor sej a, para nós, motivo de penas
e pesares.
E', podemos dizê-I�. a I>artir do dia em que os es
posos descobrem seus defeito.s mutuos que têm início,
p ara êles, os meritos do amôr. Pouco nos custa o amar
m os um sêr p erfei to. Digno de louvor é continuarmos a
a mar uma pessoa cujos defeitos· nos fazem, todos os dias,
sofrer. Se os esposos não pedem à paciência e à miseri
córd i a o amparo ele que necessitam para se tolerar; se
o amor não se deha levar do desejo da perfeição, b a
seando-se' no amor de D eu s, bem cedo a vida em co
mum se tornará ,difjcil e, mais adiante, intolerável
talvez. Só a humildade e o amor de Deus os levarão a
reconhecer suas fal has redprocas, corrigin do-se e esti
mulando-se mutuamente.
Embora os esposos propcndam aos mesmos esfor
ços, sucede, não nuo, que só um dêles permanece fiel
às exigências da vida moral. Neste caso, qual deve ser
a sua atitude ? Terá, acaso, o direi to de permitir cres
ç am nele os sentimen tos d e indiferentismo e rancor ?
Seria isto supor qu� os peca dos alheios autorizam os
próprios.
A verdade é que o espôso cristão, quaisquer que
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39. 4 4 .A B A D E - J E A N V l O L L E T
sejam os defeitos de seu cànj uge, há-de man ter em
domi nio as ten tações que o empel em ao údio e à indi
ferença. A união realiz ada c!Ían te de Deus subsiste, se
jam quais forem os desfalecimentos e mesmo que as
drcuns.tâncias tornem neces sári a a separação <le corpos.
Orar pelo culpado e desej a r seu arrependimento e sal
Yação é dever que se t:onfunde com o de rogar pelo.s.
pecadores e o de oferecer por êles, sofrimentos e penas.
O amor acarreta o respeito mutuo e a liberdade de
consciência. Assim , a influência que os esposos podem,
legitimamente, exercer um sobre o ouh·o, não deverá
nunca torná-los esqucddos dos �lireitos e JH'Opósitos da
consciência de seu companheiro.
. A influência mutua, só é, todavia, desej úvel quando
o.s conjuges com ungam o m esmo ideal moral c religioso.
Conclue-se que, faltando o ideal religioso comum, não
devem os moços esposar pessàa cuj a consciência não
seja reta ou não partilhe de suas preocupações morais
e familiares.
No que toca a esposos, o que sucederá, por cxem]>lo
se um dêles quisesse filhos, e o outro, não? •
À mulher lembre sem]>re que , o risco de perder a
liberdade de sua consciência moral a ameaça mui de
}>erto porque ela é, facilmen te, tentada a entregar-se,
de corpo e alma, à vontade do ser amado. Lembre-lhe
que a ninguém p ermite Deus, embora sob pretextos de
amor, o abandono da.s responsabilidades de sua cons
ciência.
Requisito essencial à santificação é a confiança
mutua. E' ela que permite as confidên cias e os proje tos,
trazendo às almas o encorajament� e o apóio dé <1ue
carecem. Desgraçadamente essa confiança é, a miude,
impossivel a conta de êrros antigos ou recentes que não
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40. M O RA L F A M I L I A R 45
se ousam confessar e (jUe, não raro, seriam de molde
a quebrar o amor ou a lançar, em definitivo, a turva
ção uma alma inocente. Confidencias há, porém, que,
impossíveis nas primícias da vida de casado, podem,
com o andar do tempo, ser feitas graças à intimidade
das almas e ao melhor conhecimento da fraqueza hu
mana; graças, principalmente, u um espírito cristão
assaz forte e generoso para compreender e perdoar.
Referimo-nos ao ideal a que devem tender os verda
deiros cristãos. Bem conhecemos todas as dificuldades
que, por vezes, se opõem a tais votos. Nossos conse
lhos só vão até onde) a prática das virtudes. cristãs
permite que as almas lhes suportem as dolorosas con
sequências.
Defeilo.<; mutuos.
A vida em comum faz, naturalmente, cada espôso
penetrar as qualidade.s e os senões do outro, pondo à
mostra os mais secretos movimentos de sua consciên
cia moral>. Essa interpenetração é, por certo, obra de
Deus, e impele os, esposos a se corrigh·em e permuta
rem benefícios.
O mesmo não se dá com a paixão. A J>aixão é,
voluntariamente, cega aos defeitos alheios. Rebelde a
qualquer responsabilidade, é surda a tudo o que lhe
}JOssa impecer os anseios egoístas e os desejos de gôso.
O amor cristão, ao contrário, dis}>Õe-se a conhecer os
méritos e os deméritos da pcssôa amada porque al
meja colaborar em seu bem. Sem ferir, nem condenar
quem julga, tornar-se-lhe, com razão, fonte de luz e
e melhoria moral.
A união periclita quando o amor-proprio ou a au-
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41. 46 A B AD E - J E A N V [ O L L E T
sência de vida cristã impedem à alma a posse de si
mesma e, por conseguênda, o reconhecimento e a con
fissão dos próprios defeitos. Por menos que lhes apon
temos, jrrHa-se e dá mostras de aversões que podem ,
culminar no divórcio e na separação. Podemos, assim,
concluir que a humildade é um dos mais poderosos
auxiliares do amor e da l>oa harmonia conjug.al.
A dedicação.
Os esposos devem ter em mente que as fontes da
verdadeira felicidade estão fóra do " eu''. Falsos go.sos
que deixam no fundo da alma o travor ·do fastio, eis
tudo o que o egoista pode conhecer. As verdadeiras
alegrias 1·epousam no devotamento e na abnegação.
Nossa vida desabrocha à proporção que saímos de nós
mesmos para dedicar-nos aos outros. E' norma rigoro
samente exata para os esposos, e os que quiserem ter
um pouco de felici dade terrestre, deverão esquecer-se
de si em prol dos outros ; deverão fazê-lo cristãmente
e só procurar as alegrias que depuram e robtLstecem a
vontade.
A família sofre cada vez que um dos eS})OSOS se
lança, egoisticamente, em busca de prazeres pessoais.
Tornar-se-há - é fatal - tirâno dominador e orgu
lhoso e, por pouco que o seu egoísmo reflita nos outros
(o que é quasi certo acontecer já que os defeitos con
tagiam mais que as virtudes) a vida em família se
tornará incomportavel.
O fito precípuo dos esposos peve, pois, ser a re
pressão das mil exigências do egoísmo, para substituí
las pelos mil propósitos da dedicação. E' o único meio
de �liviar os sofrimentos da vida tornando-os supor-
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42. M O R A L F A M I L I A R 47
táveis. O egoísmo mul tiplica as aflições de todos; a
dedicação as r�duz ao mínimo. Sair de si é labor lento
e difícil. Requerem-se anos, mas, em suma, é por êle que
se realiza a maior soma de ventura tle que é suscetivel
a vida terrena.
:Este esfôrço exige íntima união a Jesús Cristo e
grande amparo da vontade divina.
E' me1·cê de uma vida religiosa profunda que os
esposos cristãos adquirem as virtudes que hão-de pre
sidir a suas uniões; graças a ela se auxiliarão a supor
tar os sofrimentos que ·acompanham .a vida terrena.
A paz, a serenidade, a fôrça necessárias ao bom
termo da tarefa quotidiana, como conservá-las se não
nos unirmos a Jesús Cristo e não nos esforçamos por
imitá-lo, suportando os }lesares da vida e os defeitos
alheios como êle mesmo suportou as dores de sua
Paixão e os pecados do mundo?
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43. IV
O MAGNO DEVER (1)
Da amizade.
Antes de se amarem pelos corpos, devem os espo
sos amar-se pelo coração e pela vontade. Entra, assim,
seu amor n a categoria mais geral da amizade cristã.
Se os amigos se apoiam um ao outro na prática
do hem, estão pondo o bom entendimento mutuo a
salvo de atos que possam prejudicá-lo.
O amigo cristão é, assim, o sustentáculo de nossa
vida moral. Está sempre, a nosso lado para dizer
nos as verdades necessárias e dar-nos -encoraj amen
tos úteis. Traz-nos mna alegria e uma paz especial
que nos aliviam o fardo dos deveres e nos robuste
cem ·contra as tentações. Escudam-nos contra nós mes
mos e contra as vkissitudes da vida, impelindo-nos ao
cumprimento do bem.
(1) Haverá quem nos queira acusar por jmpormos aos es
posos uma lei conjugal por demais severa. Lembt·e-lhe que nos
dirigimos aos cristâ<>s que deliberam santificar-se. Saiba, igual
mente,_ q11e a moral exige sejam os :princfpios apresentados com
t<>do o seu rigor, cumprindo a caila qual o devei' de ac11egar-se a
êl&s. à custa de lutas e es�orços quotidianos.
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44. 50 A B A D E - J E A N V I O L L E T
Faz-se, habitualmente, distinção entre amor e ami
zade, reservando-se aquele para os esposos e esta para
duas almas unidas por um mesmo senHmento de afei
ção.
Será exata essa dis tinçã o ? Não se tiJOderá, com
todo o rigor, dizer que há amor sempre que houver
amizade, e amizade, sempre que houver amor ? O amor
é o sentimento; a amizade o estado que dêsse senti
mento resulta. Pode um amigo não ter amor e um
espôso não ter amizade ? O sentimento que inspiram os
pais aos filhos e os filhos aos pais, cham a-se amôr.
Pois o estado de coração qte vos leva a desejar o
bem do próximo, é amor também.
Será conveniente, assim, para maior clareza do as
sunto, que unamos as duas palavras muito embora
tenhamos de especificar os deveres Jlarticulares que
acornpanbam o amor conjugal.
O amor conj ugal, antes de ser uma união de corpos
é uma união de corações e vontades, e, nisto, se con
funde com a amizade. O desejo da união dos corpos
que ai interfere, dá relêvo à finalidade principal que,
com o casamento, se propõem o hÓmem e a mulher,
e vem a ser, a fundação de uma família.
Este cunho do amor conjugal obriga-nos a alguns
reparos. O primeiro é que toda amizade, fora dos limi
tes do casamento, é forçada a coibir os desejos de inti
midade corporal Esse.s desejos podem, com facili dade,
nascer nos .adolescentes que, inexpertos, não sabem
estremar os desejos do cOf})O e os do coração. Dai as
amizades perigosas que nascem de admiração ou en�
tusiasmo irrefletidos e podem culminar em quedas la
mentaveis.
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45. M O R A L F A M I L I A R 5 1
E isto não se verifica, somente, na amizade entre
jovens, senão, também, na amizade entre adultos de
sexo diferente. Se não se acautelarem, as amizades
mais puras podem degenerar em tentações e provocar
si tuações desastrosas de que as vítimas só se J>oderão
libertar à custa . de lutas arduas e dolorosas.
A amizade entre I>essoas de sexo diferente exige,
porisso, atento domínio sôbre os corpos. Há-se: sem
pre, fazer-se acompanhar de um respeito que reprima
qualquer familiaridade sensível.
O amor-ca�amento.
O mesmo não sucede com o amor conjugal. Con
fundem-se a atração dos corpos e a dos corações.
I
O homem e a mulher uniram-se para ter filhos.
Amam-se para corresponder a um ansêio da natureza.
Suas vocações não só justificam mas sugerem as inti
midades que possibilitam a obra criadora de Deus.
Eis porque ninguém deve entregar-se aos liames
do casmnento sem ter son dado seu íntimo para asse
gurar-se da reali<!ad� de sua vocação. O amor que pre
tende encerrar-se em si mesmo e recusar o filho, é fra
queza ou egoísmo, jamais uma vocação. Deus não o
assiste. Entra na categoria das falsas amizades.
Daí a conveniência de conhecer, previamente, as
disposições morais do futuro cônj uge, depois de estar
bem certo das suas. Este cuidado com1>ete às. moças
tanto quanto aos moços. Devem, ambos, estar apare
lhados a sacrificar um sentimento ou atrativo que haj a
de contrariar a vôntade de Deus e as exigências da
moral.
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46. 5.2 .A B A DE - J E A N V ! O L L E 1'
Dever conjllgal.
P-o de-se dizer que a umao dos corpos é o princi
pal �scopo do casamen to, :partind9-se do princípio de
que aos esposos cumpre, an1es de tudo, o dever de se
consagrar à fundação de uma f.amilia. Nilo nos esque
çamos de que o amor mutuo e a educação dos fil11os
implicam união moral e espirHual dos pais.
Não podendo, entretanto, os filhos nascer sem a
união corporal, torna-se esta elemento do amor con
jugal e deve reger e dirigir as relações sexuais. Os fins
secundários, ajuda e amp aro mutuos, remédio à con
cupiscência, não deixam, p oréni', de subsistir. O amor
�ntre esposos, a p az que entre eles devem reinar, são
fatores necessários à vida conjugal, e a boa harmonia
não raro precisa da união dos corpos, o que não tolhe
rá aos esposos o am}lliarem e robustecerem a união
moral e espiritual à cust a da união corporal e cuj o
sacrifício é, muitas vezes, imposto JlOr imperativos
morais irreprimíveis.
Os filhos.
Fundar uma família é, pois, o primeiro dever dos
esposos, dever que comporta riscos e exige penas e
trabalhos, sendo, ao mesmo tempo, fonte de alegrias.
E', assim, perigoso multiplicar o número dos filhos.
Perigoso é, também, ter de guiá-los e dirigi-los até a
idade adulta.
Suprimir, porém, os perigos que acompa nham a
-vi da familiar, seria contorcer as leis da vida e da mo
ral. O crente os domina pela fé. Sabe que D eus vela,
com paternal solicitude, por todos quantos põem o de�
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47. M O R A L F A M I L I A R 5 3
ver acima das inquietações e dos egoismos d a vida
Cjuotidiana.
E' por isto que a família cristã não receia o nú
mero de filhos. Aludindo a número de filhos, não nos
pretendemos coloca:t," no terreno da natalidade, impon
do o.s argumentos p atrioticos e sociais que militam em
favor de numerosa prole, se bem não seja permitido
a um cristão o desinteressar-se pelas consequências da
p1·ocriação !
Cumpre-lhe desenvolver a família para que, por
meio dos fHhos, possa êle ser, em muitos pontos, útil
á sociedade de que faz parte integrante. O dever social
é um só J>ara todos os
'
cidadãos, quaisquer que sej am
os seus credos religiosos. Mas ao dever social se super
põe, para o cristão, o de realizar, plenamente, sua vo
cação religiosa, a qual lhe impõe o emprêgo de suas
fôrças físicas e morais na educação do maior número
possível de cristãos.
A vocação do casamento exige que os esposos se
esforcem por aumentar o número de filhos porque o
poderio triadm·, a autoridade e prerrogativas que o
acompanham, o 11ra�er e .o convicção da paternidade,
Deus não lhos conferiu para que dêles se sirvam de
modo egoista e tacanho. A verdadeira -vocação há-de
empenl�ar-se em ir até o fim dela mesma. Um padre que
se satisfizesse com o limitar ao mjnimo os seus deveres
sacerdotais e não estivesse con.stantemente atento no
grangear o maior número possível de almas para o
reino de D eus, se1·ia um J>a dre ntedíocre e bem pouco
digno das graças recebidas.
Por igual modÔ, os esposos que r�stringissem o
número de filhos por falta de confiança em Deus, te
merosos de canseiras e vreocupações, não satisfariam
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48. 5 4 A B A D E - J E A N V I O L L E T
à vo nta de de Deus em to do o seu àmbHo, nem merece
ri am a s graças reservadas às almas generosas.
Quando Deus nos infunde energias e p uj anças na
turais não é p ara limi tarmos-Lhes .os efeitos pela }>Usi
]animidade. Com mais forte razão, quando nos con
fere graças sobre-naturais, como sucede no sacramento
do matrimônio. Os talentos recebidos devem frutificar
sob pena de serm os declarados in dignos e maus servos.
DQ continência.
Não diremos que não sej a, por vezes, legítima, a de
limitação dos filhos. E' preciso, porém, pesar-lhe as ra
zões. Qualquer restrição que rev.ele egoísmo, desejo d e
go.sar a vida, medo ao trabalho, é contraria à vontade
divina. Limitação ditada pelo bem moral e físico dos
esposos e dos filhos existentes, é, ao contrário, legítima
e pode aumen tar as graças de Deus em vez de as dimi
nuir, contanto que essa limitação .se faça acompanhar
dos esforços de tontinência exigidos pela lei moral.
Po de, com efeito, suceder que a saúde, l.:t insufi
ciência de recursos, os estorvos fi l:!Oa educação dos
filhos obriguem os esposos a contentar-se com restrito
número de herdeiros. Neste caso deverão, de comum
acôrdo, impor-se o doloroso esfôrço da continência.
Bem sei que uma aberração moral encontradiça gerou
o hábi to de impor sómente à mulher todas as restri
ções e sofrimentos que acarreta a disciplina sexual.
A ela corre o dever de aceitar numerosas concepções
e de subordinar-se às exigências sexuais do marido ; a
êste a lib erdade de agir como bem lhe quadre. Como
S{: a lei moral coagisse a mulher a todos os sacrifícios
e autorizasse o homem a todos os gosos da carne .
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49. M O R A L F A M I L I A R 5 5
Não h á duas morais sexuais. Há uma só. O s sacri
fícios e sofrimentos da mulher, hão-de compensá-los
os esforços e as lutas do homem para conservar-se abs
tinente. O exame desapaixonado da lei natural obriga
nos a concluir assim.
Para a mulher o ato sexual compreende duas fases
que se completam. Uma, seguida, como para o homem,
d e alegrias e prazeres, é a da união sexual. A outra
composta de longo.s meses de gravidez, ultima-se com
as dôres do parto. Esta lei que ao mesmo ato sexual
traz prazer e sofrimento, não toca só à mulher? E o
homem não deve, acaso, partilhar com a espôsa a do
lorosa fase da vida sexual ? E pode-se lá aceitar haja
Deus permitido que o verdadeiro amor imponha sacri
fícios só a um dos cônjuges? Isto não pode ser assim
e, de fato, não é.
Pelo que dizem os médicos a saúde da mulher e
a do filho exigem repouso e calma sexuais, ao menos
durante o.s últimos meses de gravidez e no período de
amamentação, visto que o engravidecer de novo poria
em risco • a saúde do })rimeho filho temporãmente,
desmamado, e a do segundo, temporâmente concebido.
• •
As disposições físicas e, por consequência, as dis-
posições morais do filho serão tanto melhores se êle
se desenvolver sem que o seu organismo em formação
sofra os embates das tensões nervosas que acompa
nham, necessariamente, o ato sexual. O bem do filho
e o da mulher exigem, assim, do homem um período
mais ou menos longo de abstinência. :Esses sacrifícios
não são só as leis da concepção que os impõem. Po
dem decorrer de quéstões de saúde, de dificuldades fi
nanceiras, de motjyos reUgiosos. Não é impossível dar
se que as razões sejam de tal sorte imperiosas que
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50. 5 6 A B A D E - J E A N V I O L L E T
levem a contiuênda a prolongar-se indefinidamente
sob pena de lJÔr em risco, por exemplo, a vida de uma
espôsa incidindo 1mma como que monstruosidade mo�
ral mui semelhante a um crime. Os sacrifícios que à
mulher Ülll)Õe a concepção compensam-se, no homem,
pela pungente aceitação de uma abstinencia mais ou
menos longa. A lei que rege a vida sensorial é análoga,
quer a consideremos num sexo, quer noutro.
Não queremos aqui esmiuçar onde começa o pe
cado e onde acaba, o que é lícito e o que c defeso. Diri
gimo-nos a cdstãos que procuram aperfeiçoar-se, indi�
cando-lhes a direção conveniente para (IUC alcancem a
maior llerfeição possível no casamento.
Assim, pois, o amor que nos leva a amar o próxi
mo mais que nós mesmos, deve, normalmente, culmi
nar, no homem, em esforços de continência para hene�
fício da mulher e dos filhos.
Bem sei que quantos ignoram a luta e o sacrifício
propendem a declarar que a continência está acima
das fôrças humanas. A ser isto exato, cumprir-nos-ia
concluir que todo homem inibido de ter rela'!;ões com
sua mulher por motivos de saúqe pu por causa de
uma longa separação, tem o direito de sàtisfazer as
exigências de seus apetites, o que seria justificar todas
as fraquezas e pretender que o homem, ao contrário
da mulher, é um misero animal que não pode sujeitar
se nem à lei do dever nem aos imperativos da fideli
dade ao amor. Tal conclusão injuria o homem e con
trai·ia a moral. A continencia é possível, contanto que
o homem evite os ensejos perigosos e se acautele, o
mais possiv el, contra as imagens l'ascivas que lhe pos
sam povoar a imaginação. Ao relaxamento habitual da
vontade é que se há de atribuir a excessiva fraqueza
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51. M O R A L F A M I L I A R 5 7
do homem neste ponto. Temos o direito d e afirmar a
possibilidade da continência tanto mais quanto conhe
cemos casais j ovens, cheios de vigor, que aceitam de
comum acôrdo, e a prazo não breve, o penoso fardo.
A paga dêsses sacrifícios é a mocidade e a fres
cura de seu amor quando, em tantos outros casos, os
desmandos das satisfações do corpo de-pressa arrui
naram as delicadezas do coração e fatigaram as ener
gias do organismo. Em verdade nada enfraquece e
corrói tanto as fôrças de resistência da vontade, como
o convencer-se da inutilidade dos esforços ; nada, ao
contrário, que melhor se acautele contra as tentações
sedutoras que a fé na possibilidade e n a necessidade da
vitória. Se atentarmos em q ue cé1·ebros j ovens pennane
ceram, durante longos anos, na idade em que se fir
mam as convicções, na i déi a de que a castidade dos
moços e a continência dos e.sposos eram coi sas impos
síveis, não nos admira o fracasso de tantos homens em
face das obrigações da lei conjugal.
O verdadeiro amor pressupõe e implica inúmeros
sacrifíchls corporais. O respeito à mulher, a obrigação
de nad a fazer que l�e p ossa prej u dicar a saúde, a edu
cação dos filhos impõem numerosas restrições a pai
xão, 1·estrições fatais ao amor se êste houvesse de ter
a carne p or único apôio.
Ao con trário, porém, como o prova a observação
atenta da obra de Deus, se o a mor vicej a a lravez dos
sacrifícios pessoais e das lutas con1Ta os in stintos egoís
tas; se se firma nas disposições ínthnas do coração e
da vontade, crescerá e se fm·tifica1·á com as energias
(
morais e espirituais d os esposos. Há um sem número
de preocupações morais que refrigeram a carne e lhe
aquietam os apetites. O homem <(U e am a verdadeira-
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52. 58 A B A D E - J E A N V I O L L E T
menie, encontra em seu amor o com «JUC refrear seus
desej os. E' fora de dúvi da que os a}JelHes inferiores
são tanto mais 'iolentos quanto o coração está mais
vasio. A carne e mais exigente quando a alma é mais
egoista. Atira-se facilmente, às excitações sensoriais
quando sente precisão de esquecer a propria deficiên
cia espiritu al. Ao contrário, a .serenidade interior, a
união dos corações, as alegrias d a paternidade, o de
sej o de progresso moral são outros tantos potenciais
que acalm am as violências da carne e facili tam os sa
crifícios im]JOstos pela continencia.
Virtudes subsi.diárias da continência.
Não ha virtude natural ou sobrenatural cuja prá
tica não contribua para acalmar os sentidos. Particulat·
mente eficaz contra as tentações da carne é a humil
d ade. Há íntima ligação entre espírito e carne, e o m·
gulho daquele facilita e prepara a revolta desta. Quem
quem dominar o corpo há-de começar pela sujeição do
espírito à humildade.
Se a fé e a esperança são, ]JQr igual, auxiliares
preciosos C{Ue nos fazem vêr o reino futuro e nos dão
as graças necessárias para alcançá-lo, o amor de Deus
é a arma suprema que possibilita a vitória definitiva.
Aí está porque ao.s jovens esposos cabe um grande es
fôrço afim de que as alegrias do amor humano não lhes
obscureçam as luzes do am or divino, e os prazeres car- .
nais não lhes tragam à alma religiosa a letargia e o
marasmo. Os eSJ>osos que procurarem unir suas almas
auxmando-se, mutuamente a bem servirem a Deus se
rão, mais facilmente, senhores de seus desejos. Se in
tervém um grande amor ao próximo e a preferencia
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53. M O R A L F A M I L I A R 5 9
p elo bem moral do cônjuge e dos filhos, conseguirão .
estabelecer neles o domínio do espírito sôbre o corpo,
do amor espiritual sôbre a p aixão da carne.
Da confiança em Deus.
Os que se decidiram a combater o bom combate,
llão-de encarar os inúmeros obstáculos opostos à fun
dação de uma família numerosa, ou os sacrifícios que
a lei conj ugal impõe. De duas espécies são êsses obs
táculos : uns de ordem moral, outros de ordem mate
I'ial e social.
A socieda de contemporânea criou privilégios es
candalosos para o celibatario e para a família neo
maltusiana . Contra os hábitos e a legislação, os defen
sores da família t erão de empenhar-se em luta labo
riosas . Embora o movimento pro-familiar que se es
boça de tempos a esta parte, não seja especificamente
I'eligioso, é dever do cristão auxiliá-lo económica e en
tu siasticamente. Tudo o que favoreça o salario fami
liar comó sej am as caixas de compensação ; tudo o que
facilite o alojam�ntQ sa dio e saudável da família, e,
de modo geral, o espirito de previdência, deveria me
re cer-lhe solíci ta atenção. O não fornecer a cada um os
m eios práticos e materiais necessários ao bom desem
l)enho de seu d ever, seria pl'égar uma moral acima das
fôrças humanas e atentar contra Deus. Se se quer que
os esposos tenham num erosa prole, é forçoso subminis
trar-lhes os meios de man ter essa famíli a, de a acomo
dar, de a alimentar e de dar a ca da filho situação con-
veniente.
Os mais graves ünp ecHhos são os de ordem espi
I'iiual. Originam-se do egoísmo e do orgulho. Quantas
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54. 60 A B A D E - J E A N V l O L L E T
moças há que eütam filhos, temeros as de .se }Ui v arem,
longos meses, das distrações a que es tão afeitas ou por
não quererem }J erder uma }Jan:e!a, si•Juer, de sua li
berdade e encan tos !
Q uantos homens têm medo d as f adigas e trabalhos
n ecessaríos à man utenção de família numerosa, e pre
tendem viver Jmm bem-estar que lhes seria forçoso per
der se tivessem de criar muitos filhos ! Queremos reter
os prazeres da vida sem aceitar-lhe os onus, dando,
assim, deliberadamente, de ombros às exigências da
oJlloral.
Pt·etender pai'a os filhos o mesmo confôrto ma teria]
de que usufruímos pessoalmen te, falseia, por igual, a
vida familiar. Bem longe de fazerem do filho um ho
mem corajoso e um cristão confiante, capaz de lutar
bravamente por cumpl'ir sua 1n·opria vocação, os pais.
o afeiçoam pelo modêlo dos vivedores e egoístas. A
perspectiva de uma vida sem esforços dessora as ener·
gias do moço quando uma educação mais viril teria
feito dêle um homem ativo, útil aos seus semelhantes
e desejoso de ser, também êle, um chefe de' família
numero sa.
A previdência é virtude contanto que não supTi
mamos a fé em Deus. A sabedoria consiste em crêr que
Deus reserva bênçãos e bens a os que cumprem coraj osa
c integralmente o seu dever em conformidade com a
justiça do reino . divino.
Pal'ece que a sociedade moderna, firmada no es
pírito <le previdência, conhece uma tentação que os
antigos i gnoravam, qual sej a a de confiar escassamente
�
e1.t Deus, temendo os perigos que acarreta o desenvol-
vjmento da vida. Mais v ale a sabedoria de Deus que a
dos h omens, e aquele cuj a família receberá a m aim·
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55. M O R A L F A MI L I A R 6 1
som a de bênçãos será o que, depois de haver lutado co
mo lhe cumpria, confiar na paternidade soberana de
Deus. Que os esposos cristãos confiem, pois em Quem
é o ou tor de toda vida; que dispen<lam todos os esfor
ços exigidos pela lei moral; que alicercem seus atos
com as orações e os sacran1entos, c Deus estará com
êles e com seus filhos, de geração em geração.
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56. v
DA EDUCAÇÃO DOS FILHOS
A hoa educação dos filhos é a principal obra da
família. Se o homem se entusiasma com o ser o instru
mento da Providência criadora, mais se há-de entusias
mar com a colaboração que Deus lhe J>ediu na feitura
da alma e da consciência dos filhos. A obra da educação
.se avantaj a à da procriação tanto quanto a vida da
alma se avantaj a à do corpo.
A autoridade que Deu s confiou aos pais é poderio
semelhante ao de que se serve a Providência para con
duzir os h omens à vida eterna.
Pre}'Jostos de Deus, os pais são encarregados de di
rigir, de robusteçer � aclarar a consciência moral e a
ansia de perfeição dos filhos. De tentores dos poderes
nece.ssários p ara fazer dêles homens e cristãos, cumpre
lhes o amp ará-los na lut a contra êles mesmos e contra
todas as suges tões do mal, ensinando-os a amarem o
bem acima de tudo e a se prepararem llara a vida
eterna não se servindo dos bens dêste mundo além do
necess ário à sua vocação e aplicando-se a realizar, em
tudo, o amor de Deus e o elo próximo.
Ponhamos em p
"
aralelo o poder de D eus e dos pais,
e m ais claramente veremos com o êste é delegação da
quele.
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57. 64 A B A D E - J E A N V I O L L E 'T
A c1·iação da humaJüdade foi ato esJJOntâneo da
vontade clh·ina. E' por de.sejo e livre escolha dos pais
<JUe os filhos nascem. Todo-poderoso, Deus pode con
ceder tudo ou recusar tudo. O poder dos pais p ermite·
lhes distribuir ao fj]ho alegrias e ]Jenas, conforme bem
lhes qua dre. Só a vontade divina limHa-lbes a auto
ridade.
Conservando, embora, a liberdade da consciência
lmmana, a Providência traz a cada um o .socorro de que
precisa para viver :bem. O mesmo farão os pais auxi·
liando os filhos a bem servirem-se dos dons de Deus
e facilitando-lhes, pela autoridade, o caminho da per
feição moral.
Das qualidades do educador.
Quais são as qualidades do educador para que pos
sa levar a bom termo a bela missão que Deus lhe con
fiou? E'-lhe forçoso conhecer bem o ideal a atingir, e
ter por êsse ideal um grande amor. Como burilar um
homem perfeito, um verdadeiro cristão, se nào prefi
gm·armos em nossa mente o respectivo retrato e ima
gem ?
Não pode a educação ficar entregue às circunstân
cias. Terá de apoiar-se em princípios rígidos que orien
tem os esforços do educador Jlelo meandro d a diversi
dade de cal'acteres e temperamentos. O educador im
previdente que se satisfaz com as exigências do mo
mento não saberia distinguir entre as paixões reprimi
veis e as que hão-de, ao contrário, ser encorajadas e
desenvolvidas. O educador deve ter � domínio de si mes
mo e de suas impressões. Chamado a comandar, não
poderá dar mostras de fraqueza nem se deixar avassa-
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58. M O R A L F A M I L I A R 65
lar pela propria sensibilidade. Jamais terá sôbre a
criança o necessário l>re.stígio se lhe não soube inspirar
temor e respeito.
Não bastam, porém, o temor c o respei to. E' preciso
f«zer que ·brote na alma do menino o amor (JUe traz
a confiança e impede a dissimulação.
O verdadeiro problema consiste, pois, em possuir o
maior número possível de qualidades morais e em
fundí-las na vontade e consciência do filho. Tanto me
lhor será a educação quanto mais o educador amar as
virtudes que quer fazer amadas. Quem não tem fôr
ça de vontade não saberia inspirá-la ; quem, não esti
m a a franqueza, não poderia formar consciências re
tas. A inteligência e a vontade do filho acomodam-se,
naturalmente, ao meio. O primeiro empenho do educa
dm· se1·á, destarte, o de constituir, a principio, um am
biente em que us impressões recebidas se ajustem ao
ideal moral; depois, o de levar, progressivamente o fi
lho ao julgamento de si mesmo afim de estremar o bem
e o mal que nêle existam. Não é cômodo o encargo de
esclai'ecer' uma consciência infantil, J>Orque a criança se
inclina, mui natmalmente, a justificar os átos que lhe
convén1 e a repelir, como improprios, os que lhe repu
gnam ao feitio.
O papel do educador consiste em quebrar, de al
gum modo, o pendôr que tem , natura]men te, a criança,
d(; confundir o l>em com o seu prazet· c o nwl com a
sua aflição. Trata-se de levá-lo ao dominio do prazer e
da dô:r até não mais os encantr como tais e, sim, do
ponto de ,·]sta do bem ou do m al <[Ue dêles possam
resultar.
Fazer amar o hem mais do que si mesmo, tal é o
escopo sup1·emo do educador. Eis porque a autoridade
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59. 66 A B A D E - J E A N V l O L L E T
do homem perfeilo se exerce , de algum m odo, p or si
mesma, sem <JUe lhe se,ja necess.ário intervir, frequen
temente, })ara punir e recompen sar. Fala, aconselha e
age. O filho é, naturalmente, levado a imitá-lo.
Graças a esta influên cia moral que se infiltra nos
pormen ores da vida, a consciênd a se ol'ienta, sem es
fôrço, para a perfeição, e o filho chega, insensh:elnien
te, a de tes tar o que os pais detestam, a amar o que êles
amam. Amparado pelas observações e conselhos de seus
e ducadores, surpreende, em si , a.s ten dências contrárias
ao ideal professa do por seus guias c .s e esforça por
corrigir-se. Odiando a alm a para salvá-la, colabora no
trabalho de espurgo de seus defeitos e lutas pela ob
tenção das qualidades que lhe faltam . Vendo o quanto
seu egoísmo é infenso à bondade dos que o rodeiam ;
o quanto suas co]eras colidem com a brandura dêles, e
suas dissimulações e mentiras com a franqueza, acabm·á
por detestar êsses defeitos e curvar-se-há às exigências
dos que deliberaram corrigi-lo.
Muito às avessas se dará se ·O meio incorrer nos de
feitos mesmos que se exprobam ao filho. C«nno com
preender alguém que a men tira é um mal se é testemu
nha das mentiras dos pais? Con;
·
o resistirmos aos im
J>Ulsos quando somos as vítimas dos impulsos dos nos
.s os ? Como amar a brandura tendo sob os olhos a
violência ?
Há natural correspondencia entre os átos exteriores
e as disposições íntimas da alma. A vida exterior é,
como que, . o símbolo da vida in terior. A criança imita
os atos CJUC presencia; sua alma também.
A e ducação implicando o apeHeiço amento do edu
cador, será forçoso concluir que só os perfeitos de,·am
intervir na educação ? Praticamente, seria isto interdi tar
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60. M O R A L F A M I L I A R 67
ü .quase totalidade dos hoUicns o direito de educar os
filhos. Com efeito, os educadores imperfeitos hão-d.e su
prir as imperfeições práticas por um esforçar- se cons
tante pela perfeição. Testemunha dêstc esfôrço, o fi
lho compreenderá que, se a pcd'eição não é dêste
mundo, devem todos se esforçar por consegui-la. E',
pois, inutil e perigoso mesmo, iludir o filho fazendo-lhe
c1·êr que nunca há em nós o que devamos reprovar.
Forçoso é reconhecermos nossas propri as fraquezas,
mostrando, ao mesmo tempo, ao filho que as detesta
mos e que pelejamos por corrigi-las. Desta sorte o es
fôrço aparece como lei universal que atinge grandes e
pequenos e à qual todos se hão-de submeter.
Não se esquecerá o educador que o entendimento
do menino é cada vez m ais penetrante e que dia virá
em que há- de atinar com os defeitos dos grandes. Des
prevenido para essa perigosa descoberta, sua alma se
escandalizará, abalando-lhe, talvez, profunda c defin i
tivamente, a fé c a confi ança.
A infânâa.
A educação deve ·começar com a infància. Bem sei
que a sensibilidade sup orta de má sombra os gritos c
as zangas do bebê e provoca a tentação grav e de con
solar ou ceder quando fora mistér resistir.
Acautelem-se os pais e aprendam a dominar suas
i mpressões se quise rem ptk a salvo sua autoridade
futura e impor ao filho um rcgimen que o arrancará
ao caUveiro do capricho. Quanto mais concessões se
fiz�r a o fHho, tan to. mais e:-; igente se fará êle. E' pre
llarar-se não J>oucas difi culdad es e abdicações o não
tel' a coragem de im}>Or desde o prin cipjo, os regula-
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61. 68 ABAD E - J E A N V I O L L E T
menlos que tornam maleavel o corp o, ajeitando-o aos
hábitos n ecessádos.
Esta primeira educaçã o é da m ah alta importân
cia. E' cdvel que muitos jo,·ens reshtissem, com. mais
coragem, aos engodos sensoriais se tivessem a dq uirido,
d esde tenra idade, o J1ábito de ven cer as exigênci as de
u ma carne que, por ser jovem, não está menos sujeita
us loucuras do gôso.
Habituar a criança ao sacrificio, obrigá-la a supor
tar dores, aí estão os elementos essenciais da educação.
Em verdade, qual a causa de nossas fraquezas de adul
to, gula, preguiça, impureza, senão as exigências egoís
tas de criança ? Não se trata de subtrair os prazeres fí
sicos a um pequenü10 ser que só vive para êsses pra
zeres, e, sim, de zelar por que êles estejam sempre re
laciona dos ao bem e jamais hajam de robustece:c. um
capricho ou um egoísmo incipiente.
No mais das vezes não é a orientação que falta aos
pais ; é a coragem. Não sabem dominar a propria sen
sibilidade e receiam enfrentar os instintos perversos do
filho. Preferem recorrer a eyasivas que são puras ab
dieações e covardias perigosas. Embora crianças, os
filhos trazem consigo, em miniatura, o mundo das pai
xões : amor, egoísmo, ciumes, violência, orgulho. O edu
cador que não o compreendeu, ou não soube vê-lo, es
taria inapto a empregar os bons métodos de encoraja
mento ou âe reforma. Para criar um filho é preciso
Yê-lo viver para descobrir os verdadeiros motivos de
suas ações.
Afinal é para permitir aos edttca dores o conheci
mento pleno do coração das crianças, que Deus quis
que ela.s. agissem com inteira espontaneidade, sem nada
ocul tar de sens senti me11tos e disposições íntimas. Riem
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62. M O R A L F A M I L I A R 69
quando têm vontade de rir, mostram-se aborrecidas
sem atenção às conveniências, esfuriam-se diante de
quem quer que seja, fazem praça de seus fatos novos
e desprezam os demais. Tudo isto its cscâncaras, de
sorte que só não o vê a cegueira do amor-proprio pater
no ou a abstração do devaneio. E' preparar uma cons
ciência falsa o deixar sem reprcnsão uma tenden
cia má e sem aplausos uma propensão boa. Enquanto o
menino é incapaz de compreensão, o trabalho se fará
por meios de alegrias c sofrimentos físicos. O medo de
sofrer Tetém a criança prestes a se deixar levar por incli
nação má ; � esperança de uma satisfação robustece
nela o desejo do bem. Assim, cumpre ao educador fazer
com que castigos e distrações correspondam sempre e
exatamente ao mal e ao bem manifestados pela criança.
A idade difícil.
A gama das sanções deve ser infinita, segundo os
temperamentos e as disposições. A princípio meramen
te físico§, devem os corretivos ir, pouco a J>Ouco, ce
dendo o pôsto ao.s. morais. Para a aplicação dos casti
gos não há regra absoluta. Bo a ·será a sanção que dá
certo, isto é, que emenda ou encoraja. Pode ser, alter
nativamente, carinho ou severidade, beijo ou chicote,
conforme as ocasiões, as circunstâncias ou o carácter
de cada qual.
-
A punição não há-de enfraquecer a criança J>Or ex
cessivamente branda, nem incitá-la à revolta ou à dis
simulação, por demasiadam ente rigorosa. Se a autori
dade se faz sentir pesada de mais, por pouco que o seja,
a criança retrai-se, in<{Uieta-se, em risco de tornar-se
uma fingida ou uma pusilânime; se abdica, a pretexto
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63. 70 A B A D E - J E A N V J O L L E T
de apelar ]Jara o sentimento ou para a razão, a criança
se .deixa derivar por suas fantasias, não podendo, a
sós, nortear-se pela pro1>ria vontade, ainda em forma
ção. AHás, temor e confhnça não sào contraditórios. O
menino mais bem educado será aquele em quem o te
mor insinuará o respeHo, -e a confiança, a união íntima
dos corações.
Educação que abolisse o afeto mirraria o coração
e a vontade. Não imprimida à criança o entusiasmo
necessál'io aos esforços exigidos, jungindo-a a desígnios
inferiores. O amor é o fito supremo para o qual todos
os outros hão-de convergir. Não deve a criança recear
a confissão de seus esforços e desânimos. Ao contn'lrio,
há-de aceitar, antecipadamente, as sanções necessárias
indo, mesmo, a ponto de as reclamar, por ;si mesma, de
seu educador. Dia virá em que lute por satisfazer aos
pais e, por fim, a Deus. Nesse momento a educação
estará completa. Cumpre obter da criança uma gran
de generosidade. Evitai que ela discuta consigo mesma
ou convosco. Que vossa ordem seja incisiva e não dê
aso a subterfugios ou a discussões dilatarias.
'
A obediência que se arrasta deixa a alma fatigada,
o que diminue a generosidade natural da vontade. A
pronta obediência traz à criança o hábito de não tergi
versar com o dever, o que a torna forte e impávida con
tra si mesma. Sej am -exátas as recompensas ou as pu
nições se quiserdes que as crianças, mais tarde, sej am
capazes de praticar o bem sem f'raquezas ou hesitações.
A autoridade não discute. O que não quer dizer
que ela não se explique. Não se tr(lta de impôr o bem
à criança. O essencial é que ela o ame. Sua consciência
pessoal só se aclara quando a convencemos de que deve
agir .de um Ifwdo e não de outro. As luzes do coração
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64. M O R A L F A M I L I A R 7 1
e da inteligência hão-de aumentar dia a dia, o que só
conseguimos com as razões dos nossos atos. O mais co
mum é não o conseguirdes no momento em que dais
uma ordem, porque aí as paixões .se agitam, tolhendo
à inteligência e ao coração bôa parte de sua capacidade
receptiva. Convém fazê-lo o mais cêdo possível, mas
sómente quando a criança, tornada à calma, for ca
paz de ouvir e entender vossas explicações. A tarefa só
se ultima quando a criança vos tiver dado razão e con
sentir em colaborar convosco aceitando, previamente,
os átos Jnomanados de vossa autoridade.
Graças a êsse método, recompensas e punições irão
diminuindo e bastará lembrar à criança o JH'Ometido
para ob ter dela a submissão ou o.s esfôrços necessários.
Se, J>Ois, a autoridade se há-de pôr ao serviço da crian
ça, não é para prestar-lhe obediência mas para auxi
liá-la a obedecer ao ideal moral. E' uma fôrça desti
nada, sómente, a conduzir e encorajar. Em suma, a
obter o progresso .daquele em cujo benefício foi insti
tuída.
O jovem.
E' a obediência a principal virtude dos meninos.
Não há-de durar indefinidamente. Dia virá em que o
menino tornado m oço, se con,• ence de sua vida moral
e age de a côr.do com suas escolhas e convicções pes
soais. Grave é o momento. Dêle im pende todo o seu
futuro m oral. Se a educação o ensinou a amar o bem
mais que a si me smo ; se êle não descobre qualquer
contradição entre a
·
moral qu e lhe impuseram e a que
praticam seus prede
'
cessores; se à afeição que estes lhe
inspiram se segue forte adminção pm· suas virtudes ;
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65. 72 A B A D E - J E A ::-.J' V I O 1 . L E T
se se habi tu ou a viver em presença de Deus c para o
seu amôr, escolherá, mui natural mente, a trilha da per
feição. Todo o seu entusiasmo j m· enD o impelirá à imi
tação dos belos exemplos que tem sob os olhos e os
que aprendeu u admirar. Se , por desgraça , seus capri
chos foram sempre satisfeitos, s e surpreende em seus
educadores graves. lacunas morais, se o não retém o
aféto e o sen timento religioso, escolherá quas e infali
velm ente o caminho que lhe permi ta satisfazer seu
egoismo e paixões.
Logo que a J)Crsonalidade começa a definir-se, o
orgulho de moço começa a tentar. Seus j ulgamentos
são absolutos, tem sempre razão e a menor reprimen
da p arece-lhe um a tentado à sua dignidade de homem.
Para reagir contra esse espirito por de-mais p es
soal, deve o educ ador multiplicar as responsabilidades,
mostrar-se confi ante nos esforços do j ovem, fazendo
lhe, ao mesmo tempo yer, por que os conselhos e as
orientações lhe são, ainda, necessários. Êle supm·tará
u au tori dade se esta j á não fôr mais feita sómente de
ordens, mas se se transforma numa autoridade moral
desej osa, unkamente, de o .secund�r no cumprimento de
tarefas cada vez m ais difíceis e pessoais. O papel da
autoridade nesta i dade pode resumir-se assim : auxiliar
os jovens a toma rem consciência da vida e das respon
sabilidades que a acomp anham, espicaçar-lhes o senti
m ento do dever p ara com os mais j ovens e os que, ne
cessariamente, lhes sofrerão a influência.
A vida religiosa.
A ed ucação só se ultima no dia em que o adoles
cente é capa{: de faz er o bem por puro amor de D eus.
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