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1
A CONTABILIDADE E AS LIBERDADES
SUMÁRIO
i. ABSTRACT............................................................................................................ 2
ii. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 2
iii. PARA QUE SERVE A CONTABILIDADE.......................................................... 4
iv. DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E PENAL ................................................. 6
v. DIREITO PENAL................................................................................................... 6
1. DUPLICATA SIMULADA.................................................................................. 6
2. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.............................. 7
3. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA ..................................................... 7
4. CRIMES FALIMENTARES................................................................................ 9
vi. RESPONSABILIZAÇÃO PELAS LEIS CIVIS................................................... 11
1. PRESTAÇÃO DE CONTAS.............................................................................. 11
2. AUSÊNCIA DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL OU CONTABILIDADE
IRREGULAR. CONDIÇÕES E CONSEQUÊNCIAS TRIBUTÁRIAS................ 14
3. DAS PENAS DE MULTA ................................................................................. 15
4. DA RESTRIÇÃO A BENS E DIREITOS.......................................................... 15
vii. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 19
2
A CONTABILIDADE E AS LIBERDADES
“Liberta est naturalis facultas ejus, quod cuique facere li-
bert, nisi si quid vi aut jure prohibetur.” (“A liberdade é a
faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a vio-
lência ou o direito não lhe proíbe.”)1
i.ABSTRACT
In this brief study we will try to address the importance of accounting and profes-
sionals of accounting, under the context of legal regulation. The Brazilian law conditions
some legal favors for accounting bookkeeping, to which it imposes a series of normative
precepts in addition to the technical ones. Else that, the law imposes a series of civil and
criminal sanctions for the absence of accounting bookkeeping and tax accounting, or their
inadequacy to standards. In Brazil taxpayers are subject to a series of instrumental obli-
gations, which are useful to the tax administration. Inadequate compliance with the in-
strumental obligations of public finances, regardless of intent, may be punished with civil
penalties (mulct) and penal sanctions, even if there is no reduction of the amount due to
the Treasury. The freedoms examined in this article comprise the freedom of the body
(right to come and go) as well as the freedom to own, dispose of and bequeath his or her
lawfully acquired possessions, rights and income. We seek to demonstrate to the business
world the importance of accounting and the accountant in particular. We also seek to
awaken in accounting professionals the awareness of their value and importance towards
companies.
ii.INTRODUÇÃO
Procuraremos analisar a importância da contabilidade sob a ótica das liberdades.
1
DE PLÁCIDO E SILVA, Liberdade.
3
Em longa e prazerosa conversa com o Professor Roberto Dias Duarte, fomos le-
vados às reflexões ora esboçadas neste texto.
As liberdades compreendem a liberdade do corpo (direito de ir e vir), extinta
quando o corpo se acha aprisionado ou limitado (prisão domiciliar; tornozeleira eletrônica
etc.), e também da liberdade de usar, fruir e dispor do patrimônio2
ou de renda.
As instituições judiciárias têm demonstrado que o “princípio da igualdade”
agora é lei! Mesmo os poderosos deste país estão sob Vara3
comumente frequentada por
pobres.
A contabilidade paralela está no núcleo das acusações. Apesar disso, grande parte
do empresariado nacional não dá importância à contabilidade. O contador é visto como
despesa “legal”, ou seja, é uma despesa, no entanto, custa menos que as multas, portanto,
melhor tê-lo.
Há racionalidade nesse pensamento? Sim, quando se contrata profissional barato.
Entre pagar multa de R$ 1.500,00 ao mês pela omissão (não entrega) de uma de-
claração (ex.: EFD), e gastar honorários de meio ou um salário mínimo, a segunda opção
é um grande negócio!
Qualquer honorário também é infinitamente mais barato multa de 3% sobre as
operações de determinado período para o qual tenham sido prestadas informações com
erros ou omissões.4
O contador barato, portanto, é um bom negócio!
2
Patrimônio é a universalidade de bens, direitos e obrigações. Ativos menos passivos é o que de fato per-
tence à empresa e, indiretamente, àqueles que titulam quotas ou ações dela.
3
Vara é a repartição onde funciona o ofício no fórum e se mantêm os respectivos documentos, isto é,
considera-se vara o ofício onde se guardam as minutas dos julgamentos e onde as declarações referentes
ao processo são feitas. Cada magistrado na justiça estadual será responsável por uma vara, indicando
inclusive sua competência. Ex.: vara cível, vara criminal etc. (Disponível em: http://www.direito-
net.com.br/dicionario/exibir/948/Vara-Novo-CPC-Lei-no-13105-15)
4
MPV 2.158-35/2001 – Redação dada pela Lei 12.873/2013 Art. 57: “O sujeito passivo que deixar de
cumprir as obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei no 9.779, de 19 de janeiro de 1999,
ou que as cumprir com incorreções ou omissões será intimado para cumpri-las ou para prestar esclareci-
mentos relativos a elas nos prazos estipulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e sujeitar-se-á
às seguintes multas:
III - por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas:
a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das
operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável
tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta;”
4
Todo empresário5
é obrigado a manter escrituração (contábil) de suas operações,
conforme textualmente reza o Art. 1.179 do Código Civil.6
Ora, o LIVRO CAIXA não é escrituração mercantil, não servindo senão para o
fisco. Deste modo, não serve para nenhum fim societário (prestação de contas entre só-
cios; apuração de haveres de ex-cônjuge; etc.). Tampouco serve para os favores da lei de
recuperação judicial. Contudo, a ausência de escrituração poderá conduzir à condenação
por falência fraudulenta, além de ser um dos tipos penais apenados com detenção de 1 a
2 anos e multa.7
As sanções civis e penais não se limitam às apontadas acima, como veremos.
Com este artigo pretendemos despertar a consciência dos profissionais de conta-
bilidade, expostos voluntariamente aos riscos da profissão, partícipes ou não nos crimes
contra a ordem tributária e falimentar. Há ainda o risco de responsabilização, como pre-
postos ou mandatários, pela lei civil.
Voltamo-nos sobretudo aos empresários quanto à necessidade de conhecerem os
riscos da inexistência ou inadequação da escrituração contábil e/ou fiscal, e suas conse-
quências.
São tempos de compliance.
A importância da contabilidade para a gestão da empresa, inclusive para a inibição
de fraudes internas, não é objeto deste estudo. A responsabilidade do profissional é pes-
soal e ilimitada; não nos olvidemos disso.
iii.PARA QUE SERVE A CONTABILIDADE
Pensando somente no mundo empresarial, a contabilidade serve para dar trans-
parência.
O objeto deste estudo, todavia, é a importância da contabilidade para o direito.
As relações empresariais são instrumentalizadas por meio de contratos, mesmo
que tácitos, regidos pelo direito das obrigações, no qual a boa-fé impera (Arts. 133 e 422
5
Art. 966 do Código Civil. “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
6
“O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado
ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação res-
pectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico. ”
7
Art. 178 da Lei 11.101/2005: “Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença
que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudi-
cial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios”.
5
do Código Civil). A contabilidade serve, sobretudo, para provar a boa-fé; serve ainda aos
credores para provar desvios e más condutas administrativas; também serve ao juiz, des-
tinatário da prova.
O mercado acionário é formado sobretudo por acionistas “preferenciais” cuja
grande massa não entende absolutamente de balanço, índices de balanço etc. Daí a im-
portância das autoridades reguladores e fiscalizadoras para proteger os minoritários que
“apostam” seus recursos em ações, debêntures etc. Estamos a falar das grandes corpora-
ções, no Brasil e no mundo. Os relatórios de contabilidade são os principais instrumentos
no convencimento do acionista, já que, por exemplo, ninguém analisa se uma ação da
Petrobras é um bom ou mau investimento a partir da análise da exploração e produção de
derivados do petróleo.
Para todas as empresas ou pessoas jurídicas o balanço demonstra a realidade tanto
patrimonial quanto econômica, servindo, portanto, como informação útil aos fomentado-
res, fornecedores, prestadores e mantenedores.
Contabilizar é escrever os atos e fatos patrimoniais em linguagem econômica, sis-
tematizando-os e classificando-os conforme a realidade econômica de cada operação, de
modo que, v.g., vender um carro usado (imobilizado) não é a mesma coisa que vender
uma mercadoria (bem circulante), não obstante o “vender” seja a mesma ação: transferir
onerosamente o bem e os direitos a ele inerentes à propriedade de terceiros.
A escrituração serve ainda à transparência da operação e nisso reside a principal
razão de as leis imporem-na. Ora, é possível saber pela escrituração se houve fraude a
credores; se houve lesão ao Erário; se houve confusão patrimonial entre empresa e sócios;
se maridos inescrupulosos não manipularam os balanços para diminuir a meação etc.
O Estado, aqui e alhures, privilegia a atividade empresarial responsável pela ge-
ração da riqueza e renda. O empresário é tratado de modo diferente da pessoa natural,
tanto que não há “concordata” ou “recuperação” de pessoa físicas, somente de pessoas
jurídicas (empresárias). Em contrapartida, é exigido transparência nas operações.
Quando o Estado é chamado a socorrer a empresa em dificuldade (recuperação
judicial) é preciso demonstrar como ela está e como chegou a tal estado, sob pena de não
obter os favores legais. Também aqueles que contratam com o Estado (licitações) preci-
sam demonstrar a sua realidade por meio da escrituração contábil (peças contábeis).
Mas é quando o Estado trabalha na defesa de seus direitos (tributários) que a con-
tabilidade revela sua maior importância. Justamente quando da defesa do contribuinte
6
coagido pela cobrança civil ou por ação penal, a contabilidade revela-se de grande impor-
tância.
Quando o insucesso empresarial sobrevém é a contabilidade de extrema utilidade
para afastar o crime falimentar, desde que a escrituração prove que o malogro é decorrên-
cia do exercício da atividade e não de má conduta de gestores.
Presta-se ainda a afastar as habituais quebras de personalidade jurídica, que atin-
gem pessoalmente sócios e administradores.
Serve, também, para o bem ou para o mal, na prática de lavagem de dinheiro ou
para afastar tal hipótese, consoante denuncia a “operação Lava Jato”. Organizações cri-
minosas adotaram contabilidade paralela para esconder a origem e o destino de recursos
espúrios.
Afigura-se ainda para prestação de contas das entidades de terceiro setor, sem fins
lucrativos, como condição, inclusive, para gozo de isenções tributárias.
A contabilidade serve para tudo isso e muito mais!
iv.DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E PENAL
As responsabilidades por erros e omissões na contabilidade acham-se presentes
nos vários textos legais e normativos – estes mais afetos aos aspectos deontológicos dos
profissionais.
Tanto o erro quanto a omissão podem acontecer dolosa ou culposamente.
As responsabilidades dividem-se em civis e penais. A responsabilidade penal re-
sulta, em regra, na pena de perda ou de restrição de liberdade. Os tipos penais aparecem
em vários diplomas legais.
v.DIREITO PENAL
Trazemos aqui algumas figuras do direito penal.
1. DUPLICATA SIMULADA
Caracteriza-se por simulação da escrituração no livro de duplicatas, segundo o
Art. 172 do Código Penal (Parágrafo único).
7
Pena – detenção de 2 a 4 anos e multa.
2. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Há três tipos penais, segundo o Art. 337-A, Incisos I a III, do Código Penal:
a) Omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de
informações previsto pela legislação previdenciária segurados
empregados, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autô-
nomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabi-
lidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as
devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
c) omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, re-
munerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de con-
tribuições sociais previdenciárias.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
3. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA
Os crimes contra a ordem tributária constam em lei específica: Lei 8.137, de 27
de dezembro de 1990. As principais condutas previstas na lei relacionam-se à prestação
de informações falsas (declarações), à inserção de elementos inexatos no curso da fisca-
lização e à omissão de operações ou escrituração inexata em livro exigido pela lei fiscal:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou re-
duzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, medi-
ante as seguintes condutas:
I - Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias;
II - Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexa-
tos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento
ou livro exigido pela lei fiscal;
8
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de
venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributá-
vel;
IV - Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento
que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal
ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou
prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em de-
sacordo com a legislação.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens
ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parci-
almente, de pagamento de tributo;
II - Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de con-
tribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito
passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III – (...)
IV – (...)
V - Utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que
permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir infor-
mação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda
Pública.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Os crimes previstos no Art. 1º são crimes de resultado, ou seja, práticas que vi-
sam à “supressão ou redução” de tributos, enquanto os crimes previstos no Art. 2º são
crimes de mera conduta; deste modo, se uma declaração falsa ou inexata for prestada,
mesmo sem redução de tributos (sonegação), o crime estará consumado:
(...) os delitos previstos no art. 2º da Lei, sob exame, são de mera
conduta, ou seja, é necessário e suficiente que o agente realize o
9
comportamento previsto no tipo penal, sem que tenha que perqui-
rir sobre eventual dano a interesse do Estado. Assim, o emprego
de qualquer ardil ou fraude contra o fisco já implica crime ainda
que distinto da omissão ou informação falsa e mesmo que não
haja sonegação de tributo. Destarte, se a fraude ficar caracterizada
e não for possível enquadrá-la nos incisos do art. 1º, estará, desde
logo, consumado o crime do art. 2º. (MELLO, MESTRIERI,
TROIANELLI, & MEDINA, 2002, p. 103)8
Há ainda a figura da fraude tributária, na qual os contabilistas concorrem com o
delito.
4. CRIMES FALIMENTARES
A Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que trata da recuperação de empresas,
também tem o seu capítulo penal.
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a fa-
lência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recupera-
ção extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar
prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem
indevida para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Aumento da pena
§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o
agente:
I – Elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II – Omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento
que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço ver-
dadeiros;
8
MELLO, G. M.; MESTRIERI, J.; TROIANELLI, G. L. & MEDINA, R. A. (2002). Crimes contra a
ordem tributária (4. ed. atual. ed.). (C. I. MARTINS, C. I. MOREIRA, & A. D. JESUS, Eds.) São Paulo,
SP, Brasil: Revista dos Tribunais.
10
III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais ar-
mazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – Simula a composição do capital social;
V – Destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os docu-
mentos de escrituração contábil obrigatórios9
.
Contabilidade paralela
§ 2º - A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o de-
vedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente
à contabilidade exigida pela legislação.
Concurso de pessoas
§ 3º Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contá-
beis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo,
concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo,
na medida de sua culpabilidade.
Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações
falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de re-
cuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Mi-
nistério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o
Comitê ou o administrador judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou
depois da sentença que decretar a falência, conceder a recupera-
ção judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial,
os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não
constitui crime mais grave.
Vale ressaltar que a condição para concessão dos favores legais é manter contabi-
lidade regular, conforme se lê do Art. 51 da LRF. Ressalta-se, ainda, mesmo o micro e
pequeno empresário não está dispensado da apresentação das exigências formuladas no
9
O escritório de contabilidade deve guardar os dados do ex-cliente pelo prazo prescricional.
11
Inciso II; deve apresentá-las, ainda que de modo resumido (§ 2º, Art. 51); deste modo,
registros feitos apenas por LIVRO CAIXA não servem à recuperação e, no caso de falên-
cia, certamente serão causa de punição.
Recorde-se que no procedimento penal falimentar, o contador da falência apre-
sentará relatório previsto no Inciso III, Art. 22, com a exposição dos motivos da falência,
e o laudo (Parágrafo único, Art. 186 Lei de Recuperação e Falência).
vi.RESPONSABILIZAÇÃO PELAS LEIS CIVIS
Empregamos a expressão “leis civis” para toda norma que não seja penal. Isso
compreende a legislação trabalhista e previdenciária, o Código Civil, a lei das sociedades
anônimas, a lei de recuperação de empresas e a lei processual civil, afora a legislação
esparsa.
Desnecessário repetir, mas o trabalho do contador, por meio das várias escritura-
ções e declarações, está intimamente ligado ao direito tributário – e há quem pense, por
desinformação, que o contabilista só serve para apurar impostos.
Cediço que o escopo de trabalho do contabilista compreende, além da escrituração
contábil, a execução dos serviços tidos por “fiscais” e de “departamento de pessoal” (tra-
balhistas, previdenciários e fundiários).
Vale ressaltar, conforme acima tratamos, que a fraude ou os erros tributários não
acontecem somente no “balanço contábil”; podem se dar também quando do atendimento
das várias obrigações instrumentais, como o SPED10
e declarações (GIAs, DCTF, etc.).
Não se pode deslembrar as disposições do Código Civil, especialmente nos Arts.
1.177 e seguintes, que trata dos contabilistas e da escrituração.
1. PRESTAÇÃO DE CONTAS
Todo administrador, sócio ou não, é obrigado a prestar contas de sua administra-
ção. Os administradores deverão prestar contas justificadas da administração com balanço
anual e demonstrativo de resultado econômico mais o inventário de bens (Art. 1.020 do
10
http://sped.rfb.gov.br/
12
Código Civil). Obrigação semelhante há nas sociedades anônimas (III, Art. 122, Lei
6.404/76).
Os sócios deliberarão em reunião ou assembleia a aprovação das contas da admi-
nistração (Inciso I, Art. 170; Art. 1072; Art. 1.078). Advirta-se que sempre que houver
mais de dez sócios a deliberação deverá se dar por meio de assembleia. As deliberações
em reunião ou assembleia vinculam todos os sócios (§ 5º, Art. 1.072).
Não há pena de multa pela não realização da reunião ou assembleia, mas, não
sendo deliberadas as contas, elas serão tidas como não prestadas. Havendo reunião ou
assembleia e sendo aprovadas as contas, falta interesse de agir ao(s) sócio(s) para reque-
rer(em) em juízo a prestação de contas, vez que “a regra é clara”: compete à reunião ou
assembleia deliberar sobre as contas.
DECISÃO: Acordam os Desembargadores da Décima Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade,
dar provimento parcial ao recurso para julgar procedente a ação,
condenando a ré a prestar contas sobre a destinação dos emprés-
timos tomados em nome da sociedade, no prazo de 48 horas, sob
pena de não lhe ser lícito impugnar as que os autores apresenta-
rem. EMENTA: APELANTE: ENTRE RIOS TECNOLOGIA
LTDA E OUTROS APELADO: KALISBALT DAVID MA-
DEIRO E OUTRO RELATOR: DES. COIMBRA DE MOURA
RELATOR SUBST.: JUIZ HELDER LUÍS HENRIQUE TAGU-
CHIAPELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MÚ-
TUOS TOMADOS PELA SOCIEDADE EM MOMENTO AN-
TERIOR AO INGRESSO DOS AUTORES NO QUADRO SO-
CIETÁRIO. VALORES QUE CONTINUARAM A SER PA-
GOS APÓS A ADMISSÃO DOS NOVOS SÓCIOS. DEVER
DO ADMINISTRADOR DE PRESTAR CONTAS DO PERÍ-
ODO DE SUA ADMINISTRAÇÃO. ART. 1.020 DO CÓDIGO
CIVIL. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO DO INTERESSE DO
SÓCIO INGRESSANTE À PRESTAÇÃO DE CONTAS APE-
NAS DOS ATOS DE GESTÃO POSTERIORES A SUA EN-
TRADA NA SOCIEDADE. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR
13
CONTAS QUE INCUMBE AO ADMINISTRADOR. RE-
CURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PRO-
CEDENTE A AÇÃO EM RELAÇÃO À SÓCIA ADMINISTRA-
DORA. 1. (TJPR - 18ª C.Cível - AC - 1138942-7 - Umuarama -
Rel.: HELDER LUIS HENRIQUE TAGUCHI - Unânime - - J.
06.05.2015)
(TJ-PR - APL: 11389427 PR 1138942-7 (Acórdão), Relator:
HELDER LUIS HENRIQUE TAGUCHI, Data de Julgamento:
06/05/2015, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1582
11/06/2015)
Avançando para o campo da responsabilização, entendemos que a não prestação
de contas expõe o(s) administrador(es).
O CTN, em seu artigo 135, reza que
São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso
de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (...) os
diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-
reito privado.
Boa parte da doutrina entende – como nós – que a “infração à lei” se refere à lei
societária.
São várias hipóteses legais que invocam a responsabilidade dos administradores
quando da violação da lei ou do contrato social/estatuto. Ora, se a ordem jurídica impõe
a prestação de contas, não o fazendo os administradores logo se estará diante de uma
violação à lei; se o estatuto também trouxer a previsão, por exemplo, “até o quarto mês
do ano seguinte os sócios deliberarão sobre as contas”, também aqui, não havendo tal
deliberação, se amolda a hipótese de “violação do contrato”.
A prestação de contas também é importante nas questões de dissolução de socie-
dade; da morte de sócios; da separação de sócios (sociedade conjugal), entre outras hipó-
teses. Ora, nesses eventos hipotéticos, tendo sido prestadas e aprovadas as contas, salvo
na hipótese de vícios, não há como, ao nosso sentir, se exigir as contas dos períodos já
encerrados, ou melhor, das contas já aprovadas.
14
O CPC 2015 alterou substancialmente a ação de “prestação e dação de contas”.
Não há dispositivo específico para o caso de o administrador querer prestar as contas e os
sócios não se reunirem para tal finalidade; nesse caso, o rito é o ordinário.
Já o Art. 550 do CPC regula a ação de exigir contas, dando ao administrador o
prazo de 15 dias para prestá-las. Diz o texto: “Aquele que afirmar ser titular do direito
de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no
prazo de 15 (quinze) dias”.
A forma de prestar contas da empresa é a contábil, ao nosso sentir, dado que a
legislação empresarial impõe modos próprios. A forma disposta no Art. 551 do CPC
aplica-se às contas de qualquer outra espécie, já que a escrituração contábil e seus con-
sectários são regulados tanto pelo Código Civil quanto pela Lei das S/A.
Não havendo escrituração contábil regular, como é o caso das empresas que es-
crituram Livro Caixa, aplica-se o Art. 551. O Livro Caixa registra pagamentos e recebi-
mentos e não de receitas e despesas. Mais uma razão para se optar pela contabilidade.
Portanto, a contabilidade é, além de útil, necessária à prestação de contas das pes-
soas jurídicas, mesmo as sem fins lucrativos.
2. AUSÊNCIA DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL OU CONTABILIDADE IRRE-
GULAR. CONDIÇÕES E CONSEQUÊNCIAS TRIBUTÁRIAS
As empresas optantes pelo SIMPLES que queiram distribuir lucros acima do lu-
cro “presumido” terão de adotar a contabilidade regular, ainda que a escrituração se dê de
modo simplificado (§2º, Art. 14, LC 123/2006).
A empresa tributada pelo lucro presumido que distribuir lucros maiores que o
lucro presumido subtraído dos impostos e contribuições federais também terá de escritu-
rar contabilmente suas operações e extrair os relatórios contábeis.
O Art. 527 do RIR facultava a adoção do livro caixa em vez de “escrituração con-
tábil nos termos da legislação comercial” (Inciso I); entretanto, a partir do ano-calendário
de 2014, havendo a distribuição maior que o previsto acima, será necessário, inclusive,
adotar a ECD (II, Art. 3º, IN RFB 1420/2013).
A sanção nesses dois casos – hipótese de distribuição de lucros, nos limites já
mencionados – é a tributação do valor do lucro excedente. Quanto ao lucro real, regulado
pelo DL 1.598/77, basta invocar o Art. 257 do RIR.
15
A irregularidade de escrituração, entre outras, pode resultar no arbitramento ex
officio do resultado tributável, sem prejuízos das demais sanções previstas no RIR. Basta
recordar o que o RIR reza:
Art. 256. A falsificação, material ou ideológica, da escrituração e
seus comprovantes, ou de demonstração financeira, que tenha por
objeto eliminar ou reduzir o montante de imposto devido, ou di-
ferir seu pagamento, submeterá o sujeito passivo a multa, inde-
pendentemente da ação penal que couber.
Há ainda sanções pela informação omitida ou inexata, como as relacionadas ao
SPED, especialmente, à ECD e à ECF.
A Lei 6.404/76 impõe a escrituração em seu artigo 177 e nos seguintes. A legisla-
ção previdenciária, particularmente a Lei 8.212/91, impõe a escrituração contábil quanto
ao fornecimento das informações “contábeis” à RFB (Incisos II e III, Art. 32).
Destarte, a contabilidade, em que pese sua obrigatoriedade pela legislação tribu-
tária, é também obrigatória pela legislação empresarial; ademais, é útil para afastar pleitos
injustos como prova da boa gestão. Serve ainda para extração das informações contábeis
(balanço, DRE, DFC, mutação etc.) de utilidade para usuários externos, não sendo facul-
tativa, mas obrigatória.
3. DAS PENAS DE MULTA
As hipóteses de apenamento ou responsabilização pelo descumprimento ou cum-
primento inadequado, seja quanto à contabilidade, seja quanto às obrigações instrumen-
tais ou acessórias, não devem ser tratadas aqui porquanto são muitas, o que tornaria este
estudo por demais enfadonho.
Elas estão previstas nas leis trabalhistas, tributárias, previdenciárias etc.
4. DA RESTRIÇÃO A BENS E DIREITOS
16
A Fazenda pública dispõe de importante medida para bloquear bens do contribu-
inte em débito. Trata-se da Lei 8.397, de 6 de janeiro de 1992. Entre as razões para in-
gresso da medida cautelar fiscal, acha-se a hipótese de o passivo tributário ultrapassar
30% do “patrimônio conhecido” (VI, Art. 2º).
A restrição – bloqueio de bens – pode se dar sobre o ativo permanente da empresa,
dos bens do acionista controlador, dos sócios e dos administradores, ou seja, “dos que em
razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas
obrigações fiscais. ” (§ 1º, Art. 4º, Lei 8.397/92).
Nas lides trabalhistas, com frequência se vê o bloqueio judicial de dinheiro da
empresa e mesmo dos sócios.
Também nas execuções singulares, promovidas pelo fisco ou por credores priva-
dos, a contabilidade, em proveito dos credores, pode indicar se houve desvio de bens,
favorecimento de credores em detrimento de outros, além de outras condutas que atentem
contra o direito de terceiros. Basta lembrar que a escrituração contábil, para empresas
tributadas pelo lucro real desde 2008 (IN RFB 787/2007),11
é produzida eletronicamente,
e os livros Diário e Razão são enviados à Receita Federal depois de autenticados nas
Juntas Comerciais ou em Cartórios12
.
A partir do exercício de 2015, ano-calendário 2014, as empresas tributadas pelo
lucro presumido que distribuírem lucros com base em balanço deverão transmitir a ECD
(Inciso II, Art. 3º, IN RFB 1420/2013).
É preciso não se olvidar que, segundo o texto da Lei 10.406/2002:
Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos li-
vros e papéis de escrituração quando necessária para resolver
questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, adminis-
tração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.
§ 1º O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de
ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de
qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença
do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou
11
A obrigatoriedade para o ano-calendário de 2008 era somente para empresas sujeitas a acompanhamento
diferenciado. A partir de ano-calendário de 2009, passou a valer para as demais pessoas jurídicas tributa-
das pelo lucro real (Inciso II, Art. 2º).
12
O recibo de entrega do SPED à RFB dispensa a autenticação pelas Juntas e Cartórios – Decreto nº
8383/2016; Art. 39-A Lei 8934/94.
17
de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que inte-
ressar à questão.
Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do ar-
tigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu §
1º, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para
se provar pelos livros.
Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser eli-
dida por prova documental em contrário.
Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame
da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autori-
dades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de
impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.
A jurisprudência colacionada é no sentido de exibição dos livros de contábeis,
senão vejamos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMANDA DE CO-
BRANÇA. DECISÃO QUE DETERMINA A EXIBIÇÃO DE
LIVROS COMERCIAIS PELO CREDOR. DECISÃO MAN-
TIDA. O FATO DO ÔNUS DA PROVA DO PAGAMENTO
SER DO DEVEDOR NÃO SIGNIFICA QUE O CREDOR NÃO
TENHA O DEVER DE COLABORAR COM A APURAÇÃO
DA VERDADE REAL. ALÉM DISSO, É ADMISSÍVEL PE-
DIDO INCIDENTAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RE-
CURSO DESPROVIDO, NA PARTE CONHECIDA.
(TJ-SP - AI: 990103231406 SP, Relator: Campos Mello, Data de
Julgamento: 07/10/2010, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 21/10/2010)
Prestação de serviços. Ação monitoria. Contratos de cessão de
direito e de instalação com manutenção de sistemas de segurança
eletrônicos. Alegação, pela autora agravada, de impagamento de
18
contrapartida contratual a partir de maio/2.008. Embargos com
reconvenção. Conversão para o rito ordinário (Súmula n"292 do
E. STJ). Requerimento, pela reconvinda (agravada), de apresen-
tação dos livros comerciais da reconvinte. Deferimento. A exibi-
ção de livros comerciais em lide judicial é legal (art. 381, III, do
CPC), porem, com ressalvas, ante o princípio do sigilo dessas in-
formações. A exibição, portanto, deve ser parcial, limitada ao ne-
gócio entre as partes, conforme a Súmula nº 260 do E. STf e deve
ser realizada em audiência, na presença do empresário detentor
dos mesmos, por força do art. 1.191 do CC. Mão se juntará, aos
autos, quaisquer peças desses livros, devendo as mesmas ser apar-
tadas em pasta própria. Agravo de instrumento não provido.
(TJ-SP: 4985501920108260000 SP, Relator: Romeu Ricupero,
Data de Julgamento: 20/01/2011, 36ª Câmara de Direito Privado,
Data de Publicação: 28/01/2011)
RECURSO ESPECIAL. CAUTELAR PREPARATÓRIA. EXI-
BIÇÃO INTEGRAL DE LIVROS COMERCIAIS E DOCU-
MENTOS DO ARQUIVO. PEDIDO EXTENSO, MAS NÃO
GENÉRICO. INTERESSE DE AGIR. 1. A quantidade de docu-
mentos cuja exibição é pretendida, por maior que seja, não im-
pede o exercício da ação. É que cabe ao magistrado, autorizada a
medida, ordenar o processo de exibição, de forma a atender o au-
tor sem comprometer as atividades da ré. 2. A indicação de muitos
documentos a serem exibidos não traduz pedido genérico, quando
estão todos identificados por natureza e período. 3. O Art. 18 do
Código Comercial não foi revogado pelo Art. 381 do CPC. Ao
contrário, ele trata de uma das hipóteses legais de exibição inte-
gral da contabilidade da empresa, referida no próprio Art. 381,
III, do CPC. 4. Mesmo depois de revogado o Art. 18 do Código
Comercial pelo novo Código Civil, sua norma subsiste no or-
denamento, porque repetido no Art. 1.191, caput, do Código
Civil de 2002.
19
(STJ - REsp: 796729 SP 2005/0189008-7, Relator: Ministro
HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento:
13/02/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ
12/03/2007 p. 231)
vii.CONCLUSÃO
Tentamos demonstrar a correlação entre contabilidade e as liberdades. As liberda-
des de que tratamos são as do corpo (direito de ir e vir) e a liberdade de usar, fruir e dispor
de bens e direitos.
A escrituração contábil da qual resultam os livros contábeis – tratada também
como “livros do empresário”; “livros do comerciante” – é a fonte da elaboração dos de-
monstrativos contábeis, como Balanço, DRE, DFC etc., servindo às imposições legais.
Há distinção entre “escrituração contábil” e “escrituração fiscal”, ambas a exigir
habilitação dos contabilistas para escrituração.
O direito penal tributário pune severamente o crime contra a ordem tributária;
destarte, a inobservância das regras contábeis e o cumprimento inadequado das obriga-
ções instrumentais resultam na responsabilização penal, tanto do empresário quanto do
contabilista, máxime pelas condutas descritas no Art. 2º da Lei 8.137/90. Entendemos que
os contabilistas não têm condição de praticar as condutas do artigo 1º posto que, sendo
crimes de resultado, só quem tira proveito deles pode praticá-los; contudo, como em todo
crime, há a figura do concurso criminal.
O direito falimentar pune severamente a falência por má gestão, que começa pela
falta de transparência contábil ou quando a contabilidade não consegue demonstrar o con-
trário.
Quanto à lavagem de dinheiro, regulada pela Lei 9.613/98, a operação “Lava
Jato” tem trazido ao conhecimento do público diversas práticas de ocultação, dissimula-
ção, movimentação e propriedades de bens. A contabilidade paralela tem ocupado pauta
policial, portanto o contabilista também pode envolver-se em tais práticas ou combatê-
las, comunicando o COAF nos termos da Resolução nº. 1445/2013. Isso eleva a impor-
tância e a responsabilidade do profissional.
Também nas execuções singulares – execução universal somente na falência, em
regra – a contabilidade tem importante utilidade para afastar a quebra da personalidade
20
jurídica e, deste modo, afastar o patrimônio pessoal dos sócios e administradores do risco
da execução. Serve ainda para obstar eventual medida cautelar fiscal se demonstrar, ine-
quivocamente, que o passivo tributário não ultrapassa 30% do patrimônio conhecido.
O contabilista é único profissional em condições de apurar o cumprimento de obri-
gações impostas pela ordem jurídica, ora examinadas, seja por formação técnica, seja por
atribuição legal.
A liberdade de ir e vir quanto à livre disposição, à fruição e ao gozo de bens e
direitos está estritamente relacionada aos trabalhos contábeis conforme expusemos, por-
tanto o profissional de contabilidade é de suma importância à empresa e aos administra-
dores em particular.
Não examinamos a evidente importância da contabilidade à gestão empresarial
para não fugir ao tema central deste estudo.
Com essas considerações, esperamos ter contribuído para a divulgação da impor-
tância do profissional de contabilidade, tão desvalorizado na terra do pau-brasil, mor-
mente neste momento em que toda a sociedade reclama por transparência, por ética e pelo
cumprimento fiel da lei e da ordem.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2017.
Jeazi Lopes de Oliveira
Contabilista/advogado
Sócio de www.tributus.com.br e www.novadvogados.com.br
E-mail: jeazilopes@gmail.com

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A importância da contabilidade para as liberdades empresariais

  • 1. 1 A CONTABILIDADE E AS LIBERDADES SUMÁRIO i. ABSTRACT............................................................................................................ 2 ii. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 2 iii. PARA QUE SERVE A CONTABILIDADE.......................................................... 4 iv. DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E PENAL ................................................. 6 v. DIREITO PENAL................................................................................................... 6 1. DUPLICATA SIMULADA.................................................................................. 6 2. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.............................. 7 3. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA ..................................................... 7 4. CRIMES FALIMENTARES................................................................................ 9 vi. RESPONSABILIZAÇÃO PELAS LEIS CIVIS................................................... 11 1. PRESTAÇÃO DE CONTAS.............................................................................. 11 2. AUSÊNCIA DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL OU CONTABILIDADE IRREGULAR. CONDIÇÕES E CONSEQUÊNCIAS TRIBUTÁRIAS................ 14 3. DAS PENAS DE MULTA ................................................................................. 15 4. DA RESTRIÇÃO A BENS E DIREITOS.......................................................... 15 vii. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 19
  • 2. 2 A CONTABILIDADE E AS LIBERDADES “Liberta est naturalis facultas ejus, quod cuique facere li- bert, nisi si quid vi aut jure prohibetur.” (“A liberdade é a faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a vio- lência ou o direito não lhe proíbe.”)1 i.ABSTRACT In this brief study we will try to address the importance of accounting and profes- sionals of accounting, under the context of legal regulation. The Brazilian law conditions some legal favors for accounting bookkeeping, to which it imposes a series of normative precepts in addition to the technical ones. Else that, the law imposes a series of civil and criminal sanctions for the absence of accounting bookkeeping and tax accounting, or their inadequacy to standards. In Brazil taxpayers are subject to a series of instrumental obli- gations, which are useful to the tax administration. Inadequate compliance with the in- strumental obligations of public finances, regardless of intent, may be punished with civil penalties (mulct) and penal sanctions, even if there is no reduction of the amount due to the Treasury. The freedoms examined in this article comprise the freedom of the body (right to come and go) as well as the freedom to own, dispose of and bequeath his or her lawfully acquired possessions, rights and income. We seek to demonstrate to the business world the importance of accounting and the accountant in particular. We also seek to awaken in accounting professionals the awareness of their value and importance towards companies. ii.INTRODUÇÃO Procuraremos analisar a importância da contabilidade sob a ótica das liberdades. 1 DE PLÁCIDO E SILVA, Liberdade.
  • 3. 3 Em longa e prazerosa conversa com o Professor Roberto Dias Duarte, fomos le- vados às reflexões ora esboçadas neste texto. As liberdades compreendem a liberdade do corpo (direito de ir e vir), extinta quando o corpo se acha aprisionado ou limitado (prisão domiciliar; tornozeleira eletrônica etc.), e também da liberdade de usar, fruir e dispor do patrimônio2 ou de renda. As instituições judiciárias têm demonstrado que o “princípio da igualdade” agora é lei! Mesmo os poderosos deste país estão sob Vara3 comumente frequentada por pobres. A contabilidade paralela está no núcleo das acusações. Apesar disso, grande parte do empresariado nacional não dá importância à contabilidade. O contador é visto como despesa “legal”, ou seja, é uma despesa, no entanto, custa menos que as multas, portanto, melhor tê-lo. Há racionalidade nesse pensamento? Sim, quando se contrata profissional barato. Entre pagar multa de R$ 1.500,00 ao mês pela omissão (não entrega) de uma de- claração (ex.: EFD), e gastar honorários de meio ou um salário mínimo, a segunda opção é um grande negócio! Qualquer honorário também é infinitamente mais barato multa de 3% sobre as operações de determinado período para o qual tenham sido prestadas informações com erros ou omissões.4 O contador barato, portanto, é um bom negócio! 2 Patrimônio é a universalidade de bens, direitos e obrigações. Ativos menos passivos é o que de fato per- tence à empresa e, indiretamente, àqueles que titulam quotas ou ações dela. 3 Vara é a repartição onde funciona o ofício no fórum e se mantêm os respectivos documentos, isto é, considera-se vara o ofício onde se guardam as minutas dos julgamentos e onde as declarações referentes ao processo são feitas. Cada magistrado na justiça estadual será responsável por uma vara, indicando inclusive sua competência. Ex.: vara cível, vara criminal etc. (Disponível em: http://www.direito- net.com.br/dicionario/exibir/948/Vara-Novo-CPC-Lei-no-13105-15) 4 MPV 2.158-35/2001 – Redação dada pela Lei 12.873/2013 Art. 57: “O sujeito passivo que deixar de cumprir as obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei no 9.779, de 19 de janeiro de 1999, ou que as cumprir com incorreções ou omissões será intimado para cumpri-las ou para prestar esclareci- mentos relativos a elas nos prazos estipulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e sujeitar-se-á às seguintes multas: III - por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas: a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta;”
  • 4. 4 Todo empresário5 é obrigado a manter escrituração (contábil) de suas operações, conforme textualmente reza o Art. 1.179 do Código Civil.6 Ora, o LIVRO CAIXA não é escrituração mercantil, não servindo senão para o fisco. Deste modo, não serve para nenhum fim societário (prestação de contas entre só- cios; apuração de haveres de ex-cônjuge; etc.). Tampouco serve para os favores da lei de recuperação judicial. Contudo, a ausência de escrituração poderá conduzir à condenação por falência fraudulenta, além de ser um dos tipos penais apenados com detenção de 1 a 2 anos e multa.7 As sanções civis e penais não se limitam às apontadas acima, como veremos. Com este artigo pretendemos despertar a consciência dos profissionais de conta- bilidade, expostos voluntariamente aos riscos da profissão, partícipes ou não nos crimes contra a ordem tributária e falimentar. Há ainda o risco de responsabilização, como pre- postos ou mandatários, pela lei civil. Voltamo-nos sobretudo aos empresários quanto à necessidade de conhecerem os riscos da inexistência ou inadequação da escrituração contábil e/ou fiscal, e suas conse- quências. São tempos de compliance. A importância da contabilidade para a gestão da empresa, inclusive para a inibição de fraudes internas, não é objeto deste estudo. A responsabilidade do profissional é pes- soal e ilimitada; não nos olvidemos disso. iii.PARA QUE SERVE A CONTABILIDADE Pensando somente no mundo empresarial, a contabilidade serve para dar trans- parência. O objeto deste estudo, todavia, é a importância da contabilidade para o direito. As relações empresariais são instrumentalizadas por meio de contratos, mesmo que tácitos, regidos pelo direito das obrigações, no qual a boa-fé impera (Arts. 133 e 422 5 Art. 966 do Código Civil. “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” 6 “O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação res- pectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico. ” 7 Art. 178 da Lei 11.101/2005: “Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudi- cial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios”.
  • 5. 5 do Código Civil). A contabilidade serve, sobretudo, para provar a boa-fé; serve ainda aos credores para provar desvios e más condutas administrativas; também serve ao juiz, des- tinatário da prova. O mercado acionário é formado sobretudo por acionistas “preferenciais” cuja grande massa não entende absolutamente de balanço, índices de balanço etc. Daí a im- portância das autoridades reguladores e fiscalizadoras para proteger os minoritários que “apostam” seus recursos em ações, debêntures etc. Estamos a falar das grandes corpora- ções, no Brasil e no mundo. Os relatórios de contabilidade são os principais instrumentos no convencimento do acionista, já que, por exemplo, ninguém analisa se uma ação da Petrobras é um bom ou mau investimento a partir da análise da exploração e produção de derivados do petróleo. Para todas as empresas ou pessoas jurídicas o balanço demonstra a realidade tanto patrimonial quanto econômica, servindo, portanto, como informação útil aos fomentado- res, fornecedores, prestadores e mantenedores. Contabilizar é escrever os atos e fatos patrimoniais em linguagem econômica, sis- tematizando-os e classificando-os conforme a realidade econômica de cada operação, de modo que, v.g., vender um carro usado (imobilizado) não é a mesma coisa que vender uma mercadoria (bem circulante), não obstante o “vender” seja a mesma ação: transferir onerosamente o bem e os direitos a ele inerentes à propriedade de terceiros. A escrituração serve ainda à transparência da operação e nisso reside a principal razão de as leis imporem-na. Ora, é possível saber pela escrituração se houve fraude a credores; se houve lesão ao Erário; se houve confusão patrimonial entre empresa e sócios; se maridos inescrupulosos não manipularam os balanços para diminuir a meação etc. O Estado, aqui e alhures, privilegia a atividade empresarial responsável pela ge- ração da riqueza e renda. O empresário é tratado de modo diferente da pessoa natural, tanto que não há “concordata” ou “recuperação” de pessoa físicas, somente de pessoas jurídicas (empresárias). Em contrapartida, é exigido transparência nas operações. Quando o Estado é chamado a socorrer a empresa em dificuldade (recuperação judicial) é preciso demonstrar como ela está e como chegou a tal estado, sob pena de não obter os favores legais. Também aqueles que contratam com o Estado (licitações) preci- sam demonstrar a sua realidade por meio da escrituração contábil (peças contábeis). Mas é quando o Estado trabalha na defesa de seus direitos (tributários) que a con- tabilidade revela sua maior importância. Justamente quando da defesa do contribuinte
  • 6. 6 coagido pela cobrança civil ou por ação penal, a contabilidade revela-se de grande impor- tância. Quando o insucesso empresarial sobrevém é a contabilidade de extrema utilidade para afastar o crime falimentar, desde que a escrituração prove que o malogro é decorrên- cia do exercício da atividade e não de má conduta de gestores. Presta-se ainda a afastar as habituais quebras de personalidade jurídica, que atin- gem pessoalmente sócios e administradores. Serve, também, para o bem ou para o mal, na prática de lavagem de dinheiro ou para afastar tal hipótese, consoante denuncia a “operação Lava Jato”. Organizações cri- minosas adotaram contabilidade paralela para esconder a origem e o destino de recursos espúrios. Afigura-se ainda para prestação de contas das entidades de terceiro setor, sem fins lucrativos, como condição, inclusive, para gozo de isenções tributárias. A contabilidade serve para tudo isso e muito mais! iv.DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E PENAL As responsabilidades por erros e omissões na contabilidade acham-se presentes nos vários textos legais e normativos – estes mais afetos aos aspectos deontológicos dos profissionais. Tanto o erro quanto a omissão podem acontecer dolosa ou culposamente. As responsabilidades dividem-se em civis e penais. A responsabilidade penal re- sulta, em regra, na pena de perda ou de restrição de liberdade. Os tipos penais aparecem em vários diplomas legais. v.DIREITO PENAL Trazemos aqui algumas figuras do direito penal. 1. DUPLICATA SIMULADA Caracteriza-se por simulação da escrituração no livro de duplicatas, segundo o Art. 172 do Código Penal (Parágrafo único).
  • 7. 7 Pena – detenção de 2 a 4 anos e multa. 2. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Há três tipos penais, segundo o Art. 337-A, Incisos I a III, do Código Penal: a) Omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregados, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autô- nomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabi- lidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; c) omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, re- munerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de con- tribuições sociais previdenciárias. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 3. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA Os crimes contra a ordem tributária constam em lei específica: Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. As principais condutas previstas na lei relacionam-se à prestação de informações falsas (declarações), à inserção de elementos inexatos no curso da fisca- lização e à omissão de operações ou escrituração inexata em livro exigido pela lei fiscal: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou re- duzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, medi- ante as seguintes condutas: I - Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexa- tos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
  • 8. 8 III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributá- vel; IV - Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em de- sacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: I - Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parci- almente, de pagamento de tributo; II - Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de con- tribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III – (...) IV – (...) V - Utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir infor- mação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Os crimes previstos no Art. 1º são crimes de resultado, ou seja, práticas que vi- sam à “supressão ou redução” de tributos, enquanto os crimes previstos no Art. 2º são crimes de mera conduta; deste modo, se uma declaração falsa ou inexata for prestada, mesmo sem redução de tributos (sonegação), o crime estará consumado: (...) os delitos previstos no art. 2º da Lei, sob exame, são de mera conduta, ou seja, é necessário e suficiente que o agente realize o
  • 9. 9 comportamento previsto no tipo penal, sem que tenha que perqui- rir sobre eventual dano a interesse do Estado. Assim, o emprego de qualquer ardil ou fraude contra o fisco já implica crime ainda que distinto da omissão ou informação falsa e mesmo que não haja sonegação de tributo. Destarte, se a fraude ficar caracterizada e não for possível enquadrá-la nos incisos do art. 1º, estará, desde logo, consumado o crime do art. 2º. (MELLO, MESTRIERI, TROIANELLI, & MEDINA, 2002, p. 103)8 Há ainda a figura da fraude tributária, na qual os contabilistas concorrem com o delito. 4. CRIMES FALIMENTARES A Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que trata da recuperação de empresas, também tem o seu capítulo penal. Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a fa- lência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recupera- ção extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Aumento da pena § 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente: I – Elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; II – Omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço ver- dadeiros; 8 MELLO, G. M.; MESTRIERI, J.; TROIANELLI, G. L. & MEDINA, R. A. (2002). Crimes contra a ordem tributária (4. ed. atual. ed.). (C. I. MARTINS, C. I. MOREIRA, & A. D. JESUS, Eds.) São Paulo, SP, Brasil: Revista dos Tribunais.
  • 10. 10 III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais ar- mazenados em computador ou sistema informatizado; IV – Simula a composição do capital social; V – Destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os docu- mentos de escrituração contábil obrigatórios9 . Contabilidade paralela § 2º - A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o de- vedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação. Concurso de pessoas § 3º Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contá- beis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade. Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de re- cuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Mi- nistério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recupera- ção judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Vale ressaltar que a condição para concessão dos favores legais é manter contabi- lidade regular, conforme se lê do Art. 51 da LRF. Ressalta-se, ainda, mesmo o micro e pequeno empresário não está dispensado da apresentação das exigências formuladas no 9 O escritório de contabilidade deve guardar os dados do ex-cliente pelo prazo prescricional.
  • 11. 11 Inciso II; deve apresentá-las, ainda que de modo resumido (§ 2º, Art. 51); deste modo, registros feitos apenas por LIVRO CAIXA não servem à recuperação e, no caso de falên- cia, certamente serão causa de punição. Recorde-se que no procedimento penal falimentar, o contador da falência apre- sentará relatório previsto no Inciso III, Art. 22, com a exposição dos motivos da falência, e o laudo (Parágrafo único, Art. 186 Lei de Recuperação e Falência). vi.RESPONSABILIZAÇÃO PELAS LEIS CIVIS Empregamos a expressão “leis civis” para toda norma que não seja penal. Isso compreende a legislação trabalhista e previdenciária, o Código Civil, a lei das sociedades anônimas, a lei de recuperação de empresas e a lei processual civil, afora a legislação esparsa. Desnecessário repetir, mas o trabalho do contador, por meio das várias escritura- ções e declarações, está intimamente ligado ao direito tributário – e há quem pense, por desinformação, que o contabilista só serve para apurar impostos. Cediço que o escopo de trabalho do contabilista compreende, além da escrituração contábil, a execução dos serviços tidos por “fiscais” e de “departamento de pessoal” (tra- balhistas, previdenciários e fundiários). Vale ressaltar, conforme acima tratamos, que a fraude ou os erros tributários não acontecem somente no “balanço contábil”; podem se dar também quando do atendimento das várias obrigações instrumentais, como o SPED10 e declarações (GIAs, DCTF, etc.). Não se pode deslembrar as disposições do Código Civil, especialmente nos Arts. 1.177 e seguintes, que trata dos contabilistas e da escrituração. 1. PRESTAÇÃO DE CONTAS Todo administrador, sócio ou não, é obrigado a prestar contas de sua administra- ção. Os administradores deverão prestar contas justificadas da administração com balanço anual e demonstrativo de resultado econômico mais o inventário de bens (Art. 1.020 do 10 http://sped.rfb.gov.br/
  • 12. 12 Código Civil). Obrigação semelhante há nas sociedades anônimas (III, Art. 122, Lei 6.404/76). Os sócios deliberarão em reunião ou assembleia a aprovação das contas da admi- nistração (Inciso I, Art. 170; Art. 1072; Art. 1.078). Advirta-se que sempre que houver mais de dez sócios a deliberação deverá se dar por meio de assembleia. As deliberações em reunião ou assembleia vinculam todos os sócios (§ 5º, Art. 1.072). Não há pena de multa pela não realização da reunião ou assembleia, mas, não sendo deliberadas as contas, elas serão tidas como não prestadas. Havendo reunião ou assembleia e sendo aprovadas as contas, falta interesse de agir ao(s) sócio(s) para reque- rer(em) em juízo a prestação de contas, vez que “a regra é clara”: compete à reunião ou assembleia deliberar sobre as contas. DECISÃO: Acordam os Desembargadores da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso para julgar procedente a ação, condenando a ré a prestar contas sobre a destinação dos emprés- timos tomados em nome da sociedade, no prazo de 48 horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que os autores apresenta- rem. EMENTA: APELANTE: ENTRE RIOS TECNOLOGIA LTDA E OUTROS APELADO: KALISBALT DAVID MA- DEIRO E OUTRO RELATOR: DES. COIMBRA DE MOURA RELATOR SUBST.: JUIZ HELDER LUÍS HENRIQUE TAGU- CHIAPELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MÚ- TUOS TOMADOS PELA SOCIEDADE EM MOMENTO AN- TERIOR AO INGRESSO DOS AUTORES NO QUADRO SO- CIETÁRIO. VALORES QUE CONTINUARAM A SER PA- GOS APÓS A ADMISSÃO DOS NOVOS SÓCIOS. DEVER DO ADMINISTRADOR DE PRESTAR CONTAS DO PERÍ- ODO DE SUA ADMINISTRAÇÃO. ART. 1.020 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO DO INTERESSE DO SÓCIO INGRESSANTE À PRESTAÇÃO DE CONTAS APE- NAS DOS ATOS DE GESTÃO POSTERIORES A SUA EN- TRADA NA SOCIEDADE. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR
  • 13. 13 CONTAS QUE INCUMBE AO ADMINISTRADOR. RE- CURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PRO- CEDENTE A AÇÃO EM RELAÇÃO À SÓCIA ADMINISTRA- DORA. 1. (TJPR - 18ª C.Cível - AC - 1138942-7 - Umuarama - Rel.: HELDER LUIS HENRIQUE TAGUCHI - Unânime - - J. 06.05.2015) (TJ-PR - APL: 11389427 PR 1138942-7 (Acórdão), Relator: HELDER LUIS HENRIQUE TAGUCHI, Data de Julgamento: 06/05/2015, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1582 11/06/2015) Avançando para o campo da responsabilização, entendemos que a não prestação de contas expõe o(s) administrador(es). O CTN, em seu artigo 135, reza que São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (...) os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di- reito privado. Boa parte da doutrina entende – como nós – que a “infração à lei” se refere à lei societária. São várias hipóteses legais que invocam a responsabilidade dos administradores quando da violação da lei ou do contrato social/estatuto. Ora, se a ordem jurídica impõe a prestação de contas, não o fazendo os administradores logo se estará diante de uma violação à lei; se o estatuto também trouxer a previsão, por exemplo, “até o quarto mês do ano seguinte os sócios deliberarão sobre as contas”, também aqui, não havendo tal deliberação, se amolda a hipótese de “violação do contrato”. A prestação de contas também é importante nas questões de dissolução de socie- dade; da morte de sócios; da separação de sócios (sociedade conjugal), entre outras hipó- teses. Ora, nesses eventos hipotéticos, tendo sido prestadas e aprovadas as contas, salvo na hipótese de vícios, não há como, ao nosso sentir, se exigir as contas dos períodos já encerrados, ou melhor, das contas já aprovadas.
  • 14. 14 O CPC 2015 alterou substancialmente a ação de “prestação e dação de contas”. Não há dispositivo específico para o caso de o administrador querer prestar as contas e os sócios não se reunirem para tal finalidade; nesse caso, o rito é o ordinário. Já o Art. 550 do CPC regula a ação de exigir contas, dando ao administrador o prazo de 15 dias para prestá-las. Diz o texto: “Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias”. A forma de prestar contas da empresa é a contábil, ao nosso sentir, dado que a legislação empresarial impõe modos próprios. A forma disposta no Art. 551 do CPC aplica-se às contas de qualquer outra espécie, já que a escrituração contábil e seus con- sectários são regulados tanto pelo Código Civil quanto pela Lei das S/A. Não havendo escrituração contábil regular, como é o caso das empresas que es- crituram Livro Caixa, aplica-se o Art. 551. O Livro Caixa registra pagamentos e recebi- mentos e não de receitas e despesas. Mais uma razão para se optar pela contabilidade. Portanto, a contabilidade é, além de útil, necessária à prestação de contas das pes- soas jurídicas, mesmo as sem fins lucrativos. 2. AUSÊNCIA DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL OU CONTABILIDADE IRRE- GULAR. CONDIÇÕES E CONSEQUÊNCIAS TRIBUTÁRIAS As empresas optantes pelo SIMPLES que queiram distribuir lucros acima do lu- cro “presumido” terão de adotar a contabilidade regular, ainda que a escrituração se dê de modo simplificado (§2º, Art. 14, LC 123/2006). A empresa tributada pelo lucro presumido que distribuir lucros maiores que o lucro presumido subtraído dos impostos e contribuições federais também terá de escritu- rar contabilmente suas operações e extrair os relatórios contábeis. O Art. 527 do RIR facultava a adoção do livro caixa em vez de “escrituração con- tábil nos termos da legislação comercial” (Inciso I); entretanto, a partir do ano-calendário de 2014, havendo a distribuição maior que o previsto acima, será necessário, inclusive, adotar a ECD (II, Art. 3º, IN RFB 1420/2013). A sanção nesses dois casos – hipótese de distribuição de lucros, nos limites já mencionados – é a tributação do valor do lucro excedente. Quanto ao lucro real, regulado pelo DL 1.598/77, basta invocar o Art. 257 do RIR.
  • 15. 15 A irregularidade de escrituração, entre outras, pode resultar no arbitramento ex officio do resultado tributável, sem prejuízos das demais sanções previstas no RIR. Basta recordar o que o RIR reza: Art. 256. A falsificação, material ou ideológica, da escrituração e seus comprovantes, ou de demonstração financeira, que tenha por objeto eliminar ou reduzir o montante de imposto devido, ou di- ferir seu pagamento, submeterá o sujeito passivo a multa, inde- pendentemente da ação penal que couber. Há ainda sanções pela informação omitida ou inexata, como as relacionadas ao SPED, especialmente, à ECD e à ECF. A Lei 6.404/76 impõe a escrituração em seu artigo 177 e nos seguintes. A legisla- ção previdenciária, particularmente a Lei 8.212/91, impõe a escrituração contábil quanto ao fornecimento das informações “contábeis” à RFB (Incisos II e III, Art. 32). Destarte, a contabilidade, em que pese sua obrigatoriedade pela legislação tribu- tária, é também obrigatória pela legislação empresarial; ademais, é útil para afastar pleitos injustos como prova da boa gestão. Serve ainda para extração das informações contábeis (balanço, DRE, DFC, mutação etc.) de utilidade para usuários externos, não sendo facul- tativa, mas obrigatória. 3. DAS PENAS DE MULTA As hipóteses de apenamento ou responsabilização pelo descumprimento ou cum- primento inadequado, seja quanto à contabilidade, seja quanto às obrigações instrumen- tais ou acessórias, não devem ser tratadas aqui porquanto são muitas, o que tornaria este estudo por demais enfadonho. Elas estão previstas nas leis trabalhistas, tributárias, previdenciárias etc. 4. DA RESTRIÇÃO A BENS E DIREITOS
  • 16. 16 A Fazenda pública dispõe de importante medida para bloquear bens do contribu- inte em débito. Trata-se da Lei 8.397, de 6 de janeiro de 1992. Entre as razões para in- gresso da medida cautelar fiscal, acha-se a hipótese de o passivo tributário ultrapassar 30% do “patrimônio conhecido” (VI, Art. 2º). A restrição – bloqueio de bens – pode se dar sobre o ativo permanente da empresa, dos bens do acionista controlador, dos sócios e dos administradores, ou seja, “dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais. ” (§ 1º, Art. 4º, Lei 8.397/92). Nas lides trabalhistas, com frequência se vê o bloqueio judicial de dinheiro da empresa e mesmo dos sócios. Também nas execuções singulares, promovidas pelo fisco ou por credores priva- dos, a contabilidade, em proveito dos credores, pode indicar se houve desvio de bens, favorecimento de credores em detrimento de outros, além de outras condutas que atentem contra o direito de terceiros. Basta lembrar que a escrituração contábil, para empresas tributadas pelo lucro real desde 2008 (IN RFB 787/2007),11 é produzida eletronicamente, e os livros Diário e Razão são enviados à Receita Federal depois de autenticados nas Juntas Comerciais ou em Cartórios12 . A partir do exercício de 2015, ano-calendário 2014, as empresas tributadas pelo lucro presumido que distribuírem lucros com base em balanço deverão transmitir a ECD (Inciso II, Art. 3º, IN RFB 1420/2013). É preciso não se olvidar que, segundo o texto da Lei 10.406/2002: Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos li- vros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, adminis- tração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência. § 1º O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou 11 A obrigatoriedade para o ano-calendário de 2008 era somente para empresas sujeitas a acompanhamento diferenciado. A partir de ano-calendário de 2009, passou a valer para as demais pessoas jurídicas tributa- das pelo lucro real (Inciso II, Art. 2º). 12 O recibo de entrega do SPED à RFB dispensa a autenticação pelas Juntas e Cartórios – Decreto nº 8383/2016; Art. 39-A Lei 8934/94.
  • 17. 17 de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que inte- ressar à questão. Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do ar- tigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1º, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros. Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser eli- dida por prova documental em contrário. Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autori- dades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais. A jurisprudência colacionada é no sentido de exibição dos livros de contábeis, senão vejamos. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMANDA DE CO- BRANÇA. DECISÃO QUE DETERMINA A EXIBIÇÃO DE LIVROS COMERCIAIS PELO CREDOR. DECISÃO MAN- TIDA. O FATO DO ÔNUS DA PROVA DO PAGAMENTO SER DO DEVEDOR NÃO SIGNIFICA QUE O CREDOR NÃO TENHA O DEVER DE COLABORAR COM A APURAÇÃO DA VERDADE REAL. ALÉM DISSO, É ADMISSÍVEL PE- DIDO INCIDENTAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RE- CURSO DESPROVIDO, NA PARTE CONHECIDA. (TJ-SP - AI: 990103231406 SP, Relator: Campos Mello, Data de Julgamento: 07/10/2010, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/10/2010) Prestação de serviços. Ação monitoria. Contratos de cessão de direito e de instalação com manutenção de sistemas de segurança eletrônicos. Alegação, pela autora agravada, de impagamento de
  • 18. 18 contrapartida contratual a partir de maio/2.008. Embargos com reconvenção. Conversão para o rito ordinário (Súmula n"292 do E. STJ). Requerimento, pela reconvinda (agravada), de apresen- tação dos livros comerciais da reconvinte. Deferimento. A exibi- ção de livros comerciais em lide judicial é legal (art. 381, III, do CPC), porem, com ressalvas, ante o princípio do sigilo dessas in- formações. A exibição, portanto, deve ser parcial, limitada ao ne- gócio entre as partes, conforme a Súmula nº 260 do E. STf e deve ser realizada em audiência, na presença do empresário detentor dos mesmos, por força do art. 1.191 do CC. Mão se juntará, aos autos, quaisquer peças desses livros, devendo as mesmas ser apar- tadas em pasta própria. Agravo de instrumento não provido. (TJ-SP: 4985501920108260000 SP, Relator: Romeu Ricupero, Data de Julgamento: 20/01/2011, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/01/2011) RECURSO ESPECIAL. CAUTELAR PREPARATÓRIA. EXI- BIÇÃO INTEGRAL DE LIVROS COMERCIAIS E DOCU- MENTOS DO ARQUIVO. PEDIDO EXTENSO, MAS NÃO GENÉRICO. INTERESSE DE AGIR. 1. A quantidade de docu- mentos cuja exibição é pretendida, por maior que seja, não im- pede o exercício da ação. É que cabe ao magistrado, autorizada a medida, ordenar o processo de exibição, de forma a atender o au- tor sem comprometer as atividades da ré. 2. A indicação de muitos documentos a serem exibidos não traduz pedido genérico, quando estão todos identificados por natureza e período. 3. O Art. 18 do Código Comercial não foi revogado pelo Art. 381 do CPC. Ao contrário, ele trata de uma das hipóteses legais de exibição inte- gral da contabilidade da empresa, referida no próprio Art. 381, III, do CPC. 4. Mesmo depois de revogado o Art. 18 do Código Comercial pelo novo Código Civil, sua norma subsiste no or- denamento, porque repetido no Art. 1.191, caput, do Código Civil de 2002.
  • 19. 19 (STJ - REsp: 796729 SP 2005/0189008-7, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 13/02/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 12/03/2007 p. 231) vii.CONCLUSÃO Tentamos demonstrar a correlação entre contabilidade e as liberdades. As liberda- des de que tratamos são as do corpo (direito de ir e vir) e a liberdade de usar, fruir e dispor de bens e direitos. A escrituração contábil da qual resultam os livros contábeis – tratada também como “livros do empresário”; “livros do comerciante” – é a fonte da elaboração dos de- monstrativos contábeis, como Balanço, DRE, DFC etc., servindo às imposições legais. Há distinção entre “escrituração contábil” e “escrituração fiscal”, ambas a exigir habilitação dos contabilistas para escrituração. O direito penal tributário pune severamente o crime contra a ordem tributária; destarte, a inobservância das regras contábeis e o cumprimento inadequado das obriga- ções instrumentais resultam na responsabilização penal, tanto do empresário quanto do contabilista, máxime pelas condutas descritas no Art. 2º da Lei 8.137/90. Entendemos que os contabilistas não têm condição de praticar as condutas do artigo 1º posto que, sendo crimes de resultado, só quem tira proveito deles pode praticá-los; contudo, como em todo crime, há a figura do concurso criminal. O direito falimentar pune severamente a falência por má gestão, que começa pela falta de transparência contábil ou quando a contabilidade não consegue demonstrar o con- trário. Quanto à lavagem de dinheiro, regulada pela Lei 9.613/98, a operação “Lava Jato” tem trazido ao conhecimento do público diversas práticas de ocultação, dissimula- ção, movimentação e propriedades de bens. A contabilidade paralela tem ocupado pauta policial, portanto o contabilista também pode envolver-se em tais práticas ou combatê- las, comunicando o COAF nos termos da Resolução nº. 1445/2013. Isso eleva a impor- tância e a responsabilidade do profissional. Também nas execuções singulares – execução universal somente na falência, em regra – a contabilidade tem importante utilidade para afastar a quebra da personalidade
  • 20. 20 jurídica e, deste modo, afastar o patrimônio pessoal dos sócios e administradores do risco da execução. Serve ainda para obstar eventual medida cautelar fiscal se demonstrar, ine- quivocamente, que o passivo tributário não ultrapassa 30% do patrimônio conhecido. O contabilista é único profissional em condições de apurar o cumprimento de obri- gações impostas pela ordem jurídica, ora examinadas, seja por formação técnica, seja por atribuição legal. A liberdade de ir e vir quanto à livre disposição, à fruição e ao gozo de bens e direitos está estritamente relacionada aos trabalhos contábeis conforme expusemos, por- tanto o profissional de contabilidade é de suma importância à empresa e aos administra- dores em particular. Não examinamos a evidente importância da contabilidade à gestão empresarial para não fugir ao tema central deste estudo. Com essas considerações, esperamos ter contribuído para a divulgação da impor- tância do profissional de contabilidade, tão desvalorizado na terra do pau-brasil, mor- mente neste momento em que toda a sociedade reclama por transparência, por ética e pelo cumprimento fiel da lei e da ordem. São Paulo, 02 de fevereiro de 2017. Jeazi Lopes de Oliveira Contabilista/advogado Sócio de www.tributus.com.br e www.novadvogados.com.br E-mail: jeazilopes@gmail.com