Noite Traiçoeira: Amigos em uma viagem que mudaria suas vidas para sempre
1.
2. DADOS DE ODINRIGHT
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6. ESTA HISTÓRIA FOI ESCRITA PARA MEU PAI E AMIGO
Leandro Jorge Xavier – o Pai Herói
MEUS IRMÃOS
Leandro Fleury,
Luciano Fleury,
Suzzan Sharon,
MINHA QUERIDA MÃE
Solange Fleury – a Protetora,
MINHA AMADA ESPOSA
Iara Fleury – Fiel companheira,
MEU INSTRUTOR,
Fernando Carvalho – o Gamaliel,
MEUS AMIGOS
Todos que fazem ou fizeram parte de minha
caminhada,
E DEDICADA EM PRIMEIRO LUGAR A
Jesus Cristo, o exemplo – obrigado por salvar minha
vida -,
E EM SEGUNDO A
“...todos nós, que Valemos a Pena e acreditamos
que ainda
há chance para um novo começo.”
7. PREFÁCIO
O relato da conversão de uma pessoa é algo lindo de se
ouvir e de se ler. Conversão, é uma mudança radical da
maneira como uma pessoa pensava e vivia para uma nova
forma de viver e pensar.
A Bíblia registra conversões de vários indivíduos mas,
talvez, a mais marcante de todas, seja a de um homem
chamado Saulo de Tarso, relatada em Atos 9.
Esse homem que, por admissão própria, “perseguia com
violência a igreja de Deus procurando destruí-la”, após
convertido, se tornou o maior dos seus defensores e o que
mais contribuiu para a edificação dela. Conversão é isso.
Deus transforma a vida de um indivíduo efetuando uma
mudança radical de 180 graus, de um lado para outro.
Considera-se também, importante nesse ato de Deus, que
ela seja duradoura.
É comum ouvirmos sobre conversões marcantes de
pessoas que, anos depois, voltam à vida passada
mostrando, assim, que ela não foi baseada em convicção
mas em emoção e por isso não durou. Mas, com Paulo, foi
diferente. Anos mais tarde aos eventos de Atos 9 e já no
final da sua vida, esse homem escreve: “Combati o bom
combate, terminei a corrida, guardei a fé” (2 Timóteo 4:7).
A história que você vai ler neste livro é a história da
conversão de um homem que, como Paulo, ia por um
caminho e, depois de uma experiência marcante com Deus,
baseada na convicção da Sua Palavra, se transformou. Ele
deu uma volta de 180 graus e, como Paulo, se tornou um
“vaso escolhido de Deus”.
8. É uma história real de uma pessoa transformada que não
só vive essa transformação mas que também, como Paulo,
quer que outros tenham a mesma experiência dele.
Lander é genuíno e crê que Deus o arrancou da vida que
vivia, quando olhou para ele e disse: “Você vale a pena.
Valeu todo o sacrifício do meu filho”. Lander crê que, com
este livro, ele dirá a todos que temos valor para Deus e que
Deus quer nos alcançar.
Como seu pastor, sei que Ele viverá essa mensagem até o
final quando, como Paulo, ele dirá: Eu também “combati o
bom combate, acabei a corrida, guardei a fé.”
Pastor Fernando Carvalho
Igreja Mensagem de Paz – San Francisco, Califórnia
Janeiro de 2011
9. 1
NOITE TRAIÇOEIRA
Cidade de Goiânia, Brasil. Madrugada de quarta-feira e
início de um feriado prolongado. Tudo corria bem e, como
sempre, eu rodeado de amigos na melhor boate da cidade.
Muita grana na conta bancária e no bolso, anel com um
lindo diamante, discreta pulseira de ouro, relógio cobiçado
no pulso, roupa da melhor “griffe” e, estacionado na porta,
um carro conversível importado; “whisky” de ótima
qualidade na mesa e a companhia de uma garota linda.
Tudo que um jovem com vinte e dois anos sonhara em
desfrutar em um país como o Brasil. Um sonho real, mas
também, rodeado de pesadelos.
Estávamos felizes e empolgados com aquele momento,
mas, faltava uma pessoa muito especial no nosso meio. Era
o Fredy. Ele era o centro das atenções em uma cidade com
cerca de dois milhões de habitantes, aquele tipo de pessoa
que se destaca em meio à multidão, por seus atos de
coragem ou, simplesmente, pela sua capacidade
inexplicável de cativar pessoas. Era considerado um herói
da juventude naqueles dias, camarada simpático, com seus
carros luxuosos, muito dinheiro, bem trajado e com
mulheres lindas ao seu redor.
Eu, sempre o vira como um “mafioso” mas, na verdade,
ele era um empresário, no ramo de equipamentos
importados.
Colocava o que quisesse dentro do Brasil e isso era a sua
maior fonte de renda.
10. Se esquivava de questionamentos a seu respeito e sobre
o seu trabalho. Ele nunca se “abria” com ninguém. Era uma
pessoa totalmente reservada.
Assim, também, era eu. Todos questionavam a minha
fonte de renda, porém, nada conseguiam descobrir.
A minha forma de pensar e de me expressar, combinavam
com o estilo de vida do Fredy. Nos tornamos grandes
amigos.
Os que estavam comigo, naquela boate, decidiram ligar
para ele e convidá-lo a encontrar-se conosco, porém, não
obtinham resposta. Fredy não atendia às chamadas.
Por volta de uma hora da manhã, pediram para ligar do
meu celular pois, muitos diziam, que se ele visse o meu
número atenderia de imediato e, isso, era algo que eu
mesmo afirmava, abertamente: “se o Fredy vir o meu
número no visor do seu telefone atende, sem nenhuma
restrição”.
Sempre falávamos ou nos encontrávamos nas
madrugadas, isto, quando não estávamos juntos em algum
bar ou no autódromo da cidade participando do “quilômetro
de arrancada”, prática esportiva que nos trazia muita
alegria e prazer. Mas, o melhor, era quando ficávamos nas
oficinas, mexendo com os carros específicos para aquele
tipo de evento.
Quando estávamos juntos, conversávamos a respeito de
coisas que somente os grandes amigos falam entre si,
diferente dos outros, que só queriam estar ao nosso lado
por ganância ou para beber por nossa conta e já estávamos
cansados disso. Eram como abutres na carniça embora,
devo reconhecer, havia exceções entre essas pessoas.
Liguei para o Fredy e, no segundo toque, logo escutei:
“ Fala, Plus!” ele respondera a ligação usando o apelido
que eles me deram e, alguns ficaram contrariados ao ver
que Freddy me atendera, já que eles não tiveram o mesmo
sucesso. Procurei um lugar onde o som estivesse mais baixo
e falei:
11. “ Brother, cadê você? o que está rolando?”
“ Plus, estou em um “esquema” com o Sandro e aqui só
tem as lindas”. Ele se referia às mulheres que estavam no
local.
“ Estou ligado Fredy, quando tem mulher na “ parada”
você some mas, onde é a casa de “striper” mesmo?”
Eu sabia que ele estava em um “Striper Club” pelo fato de
estar com Sandro. Isso era evidente.
“ Plus, onde estou? você e o Sandro me apresentam o
lugar e agora, você me faz esta pergunta?
“ Gostou, né malandro! cuida bem dessas garotas”.
“ Plus, é o seguinte: vamos aproveitar o feriadão. Daqui a
duas horas passo no seu apartamento para te pegar; estou
com o Sandro e um “playboy” amigo dele, mas vou dizer-
lhes que tenho que fazer isto; pego as garotas e passo no
seu apartamento para irmos para a Cidade de Caldas
Novas”.
“ Pô Fredy, estou com uma garota linda aqui, brother,
mais tarde pego meu carro e nos encontramos naquele
club-hotel.
“ Beleza Plus, vou levar esse camarada, amigo do Sandro,
que está aqui conosco. Conheci esse “ playboy” hoje e me
parece que o cara é gente fina”.
“ E o Sandro?”
“ O Sandro, como sempre, já está bêbado e indo embora
dormir. Vou ficar aqui mais umas duas horas e vou direto.
Nos encontramos naquele hotel. E, mais uma Plus, vai na
moral, porque está chovendo e não acelera muito não,
brother. Você se lembra da vez passada”...
Disse-me isto porque, na nossa última viagem para aquele
local, sofri um acidente na rodovia, por estar alcoolizado e
em excesso de velocidade, resultando na perda total do
veículo que eu usava e, por um milagre, não morri.
“ Valeu Fredy; vai devagar também, brother”.
“ Ah! Plus, nunca se esqueça! você mora no meu coração
e não paga aluguel, brother. Te vejo lá”. Encerramos a
12. conversa.
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Sandro e um outro jovem estavam com ele naquele
“Striper Club”.
Sandro, era um camarada calmo, que não se preocupava
com nada. Do tipo que, para morrer de repente, levava
umas duas semanas. Pessoa bem tranquila mas, se queria
algo, era melhor sair da frente dele. Faria qualquer loucura
por um desejo seu.
O pai, um pastor renomado na cidade e já bem idoso,
amava o seu único filho como ninguém, porém, como já se
sabia, com relação aos desejos de Sandro, era o pai quem
sofria toda a consequência; se o filho fosse atraído por uma
moto ou por um carro, só faltava virá-lo pelo avêsso para
fazê-lo comprar.
Certo dia, um dos pastores auxiliares do pai de Sandro, se
revoltou com as atitudes dele em relação às suas vontades.
Chamou-o na igreja e disse-lhe umas boas verdades,
desconhecendo que ele estivesse armado.
Diante das palavras do Pastor, Sandro não pensou duas
vezes, sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.
Quando eu soube disso, não pude acreditar. Pensei
comigo que, o meu amigo estava enlouquecendo.
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Tínhamos um atrativo especial por armas. Eu, andava
com duas pistolas calibre 380 em meu carro, uma Imbel de
cor preta com vinte munições e uma Inox, marca Taurus,
com o mesmo carregamento. Aquilo me deixava seguro e,
onde eu fosse, estavam comigo.
Obtive permissão do Governo Federal para portar armas
podendo, obviamente, andar armado em qualquer região do
território nacional.
13. Isso era algo quase impossível de se conseguir, porém, o
meu trabalho assim o exigia.
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Eu não conhecia o outro jovem que estava com Fredy e
Sandro mas, quando não aceitei o convite para ir, soube
que ele fora em meu lugar. Na verdade, qualquer um
gostaria de ir a uma viagem daquelas. Não sabia ele, que
essa seria a última viagem da sua vida como foi também a
última de todos eles.
O que o Fredy me recomendou para fazer, ele mesmo não
fez. Pediu-me que andasse devagar pois estava chovendo,
contudo, eles sofreram um acidente, por volta das cinco
horas da manhã de quarta-feira, dirigindo a mais de
duzentos quilômetros por hora.
Foi uma colisão frontal com um caminhão, causando
explosão no veículo e despedaçando a todos. Infelizmente,
esta é a palavra que devo usar, já que, não consigo
encontrar outra mais apropriada para definir aquele
impacto.
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Bêbado, exausto e sozinho, cheguei em casa às quatro da
manhã.
Aconselhada pela prima, ou algo assim, a garota que
estava comigo, não me acompanhou, o que me deixou
muito revoltado, afinal, eu não fora com o Freddy por causa
dela.
Deitei-me para dormir e, após uma hora de sono, meu
telefone começou a tocar insistentemente. Quando eu via o
nome da pessoa que chamava, logo desligava e, dessa vez,
vi que era o Kevin. Pensei comigo: “dá um tempo, deixa eu
dormir”.
14. Kevin, era o único amigo do grupo que não bebia, não
fumava e não traía a namorada. Achávamos que ele não
“batia” muito bem da cabeça. Ele era muito certinho e vivia
querendo me consertar, com claras intenções de que eu
pudesse namorar a Lara, cunhada dele.
Ela, por sua vez, era uma jovem morena e muito bonita,
porém, evangélica e mais sistemática do que ele. Consegui
beijá-la algumas vezes, mas ela viu logo que não seria bom
se relacionar comigo, sobretudo, depois que Kevin contou-
lhe sobre o que ele achava ser a realidade da minha vida.
Logo que nos afastamos, comecei a receber mensagens
anônimas em meu celular com palavras da Bíblia e, por
alguma razão, eu sabia que era ela quem me enviava tais
mensagens, o que me deixava furioso, porque, o que menos
eu queria, era tornar-me um crente e ir para igreja. Ela não
teria sucesso.
Kevin era sócio de seu irmão Marcius em uma loja de som
automotivo, considerada a melhor do país, por realizar seus
eventos com este tipo de som em que dezenas de veículos
tocavam a mesma música ligados a uma mesa de Dj
profissional.
Cada festa dessas reunia até vinte mil pessoas. A loja,
tinha estrutura para atender a grandes acontecimentos e
também uma equipe formada por dezenas de carros, de
várias marcas e modelos, que eram modificados ao padrão
exigido por ela e providos com som de alto preço e de
volume inimaginável.
Eu não entendia como Kevin e Marcius conseguiam dar
tanto volume e qualidade a um som automotivo! Havia
carro com sessenta auto-falantes. Era incrível ver aquela
engenharia toda funcionando.
Através desta equipe Fredy foi visto como líder, nela nos
conhecemos e acabei fazendo parte dela.
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15. Kevin não parava de ligar e, por um instante, pensei no
Fredy e disse para mim mesmo: “deve ter acontecido
alguma coisa pois Kevin não é tão insistente assim; deve ter
acontecido algo”.
Não deu outra, atendi e ouvi o que jamais gostaria de ter
ouvido:
“ Plus, o Fredy está morto. Perdemos o nosso amigo”.
Aquelas palavras entraram no meu ouvido como uma
espada, rasgando a minha mente e chegando ao coração;
senti uma dor e um sentimento de perca imensos, não sabia
se chorava ou se corria em direção ao local onde ele estava.
“ Kevin, não brinca comigo, brother, isso é muito sério!”
Eu sabia que ele não estava brincando, Kevin não contava
nem piada... mas eu precisava de algum argumento, de
alguma razão; cheguei a pensar que ainda estava dormindo
e tendo um pesadelo e que aquilo tudo era irreal.
“Plus, vá ao local e veja você mesmo com seus próprios
olhos”. Anotei o endereço e corri para a garagem,
precisando de um carro que respondesse àquela minha
ansiedade; queria chegar depressa à direção que eu tinha
em mãos. Entrei no melhor carro e, em desespero, cheguei
ao local do acidente.
16. 2
INÍCIO DE UM DESPERTAR
Antes eu não tivesse ido lá. Aquela imagem nunca me
saiu da mente. Na minha vida, jamais presenciara algo tão
trágico! meu desejo era juntar os pedaços do meu amigo e
fazê-lo renascer. Entrei em estado de choque, tamanha a
violência do acidente.
Caminhando, em meio aos corpos encontrei, estirado, o
corpo do Fredy e acabei pisando em uma parte de massa
encefálica que, ao sair do crânio dele, se esparramou pelo
chão. Quando vi aquilo, questionei:
“Por que, Fredy? por que, meu brother? você falou para eu
não correr e bateu a mais de duzentos por hora!”
Fiquei esperando por um suspiro ou talvez escutá-lo
chamando-me, como de costume: “Plus!” - mas não houve
resposta. Só o silêncio da morte pairando no ar; um silêncio
que apaga os sonhos e troca a alegria pelo vazio da perca
insuperável.
Não pude distinguir os demais cadáveres. As duas jovens
que foram no carro estavam completamente desfiguradas
devido ao forte impacto da batida. Uma delas, tinha a
metade do corpo para um lado, a cabeça toda ferida, e os
olhos arregalados numa expressão de pânico e desespero e
o resto do corpo, com os orgãos internos expostos, virados
para o lado oposto.
Da outra, só havia pedaços de carne espalhadas, o corpo
fora partido por causa do cinto de segurança atravessado,
que a prendia ao assento do carro.
17. Logo os bombeiros pediram que todos se afastassem para
fazerem o trabalho de recolhimento.
Naquele dia, parte da minha juventude se foi; senti que
envelhecera uns dez anos e ainda escutei o que não queria,
de um conhecido que estava no local:
“ Plus, o Fredy já foi e se você não mudar seu estilo de
vida será o próximo”.
Fiquei calado, ignorei-o e logo me lembrei que, se
houvesse aceitado o convite do Fredy, eu estaria morto
naquele momento. Meus olhos procuraram pelo jovem que
fora em meu lugar. O corpo dele estava sendo colocado em
um saco preto para facilitar o trabalho dos bombeiros,
então, as minhas lágrimas rolaram e entendi que algo ou
alguém me livrara da morte naquele dia.
Quando presenciei aquilo tudo, percebi que necessitava
de despertar, de procurar um novo estilo de vida senão,
realmente, eu poderia ser o próximo, conforme aquela
pessoa citou.
Sem nenhuma reação, todos contemplavam a cena; o que
parecia indestrutível, foi aniquilado. Aquele camarada, que
era o centro das atenções em uma cidade de quase dois
milhões de habitantes, desta vez, causara um maior
impacto. Ele conseguiu ser notícia de primeira página em
todos os jornais por um período de uma semana, com
manchetes chamativas:
“JOVEM BATE CARRO A MAIS DE 200 KM POR HORA”.
“QUATRO JOVENS MORTOS EM COLISÃO FRONTAL COM
CAMINHÃO”.
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O velório foi de caixão lacrado com uma foto do meu
amigo presa à tampa, pois o corpo estava todo desfigurado.
Multidão chorando, alguns curiosos, outros dizendo que
eram íntimos do morto, tentando atrair algum tipo de glória.
18. Várias mulheres jovens em volta do caixão que se diziam
namoradas ou ex-namoradas dele, e eu, pensei comigo
naquele momento:
“Somos como um vento, que passa e deixa um rastro que
logo será esquecido... Por mais que tenha dinheiro, boa
fama, bons carros, amigos, o destino do homem é igual ao
de um cachorro que morre e vira pó. Te vejo no céu, meu
brother, lá você me explica melhor o que aconteceu”.
Mesmo sem entender nada a respeito desse assunto,
tentei imaginá-lo no céu e isso, de uma forma ou outra,
trazia conforto ao meu coração e à minha mente.
Foi um tanto agressivo esse meu pensamento naquele
momento do funeral, sei disso, pois se tratava do velório do
meu melhor amigo, porém eu sabia que após o enterro,
todos continuariam a sua caminhada na corrida pela
sobrevivência, pelos sonhos, negócios ou procurando um
novo líder para se espelharem nele. A não ser os pais, que
carregariam a dor da saudade até o fim das suas vidas.
19. 3
PRIMEIROS PASSOS APÓS
A TEMPESTADE
Depois deste fato, meu pai me chamou, na casa onde ele
morava com a sua segunda esposa e a minha amada irmã
Priscila.
Cheguei, e ele já me aguardava no portão; abriu a porta
do meu carro e disse:
“ Oi, filho, tudo bem com você? vamos dar uma volta?”
“ Pai, estou tranquilo, entra e vamos dar essa volta”. Saí
bem devagar sem saber aonde ia.
“ Tomei conhecimento do acontecido com o seu amigo”.
“ É. Infelizmente, ele se foi, pai”.
“ Filho, nós seres humanos, não conseguimos lidar com as
nossas próprias criações, veja o carro, algo de conforto,
para nos levar e trazer, algo criado para facilitar a nossa
vida mas que, também, pode ser usado como uma arma. Se
você correr muito pode te matar e levar outras vidas a
morrer também”.
Ele falava assim, porque sabia da forma que eu dirigia e o
motivo de todos os acidentes que ocorreram comigo, ou
seja, a velocidade. Tinha medo de algum dia ter más
notícias a meu respeito como os pais de Fredy tiveram.
“ Pai, acho que vou mudar o meu estilo de vida, estou
cansado dessas aventuras e sinto que estou envelhecendo
aos 22 anos de idade”.
Tive vontade de parar o carro e chorar no ombro do meu
pai. Dizer-lhe, que aquilo tudo que eu vivia não passava de
20. um grande vazio.
Tanto eu, como Fredy já havíamos conversado sobre isto.
Lembro-me, quando um dia, ele me perguntou se, às vezes,
eu não chorava à noite antes de dormir, ressaltando que, o
que fazíamos era sempre em função de sermos vistos e
reconhecidos e, por conta disto, passávamos em cima de
tudo.
Já havíamos feito coisas, que um homem de oitenta anos
de idade ainda não conseguira fazer. No estilo de vida que
levávamos, as coisas eram muito rápidas. Não esperávamos
os acontecimentos, nós os fazíamos acontecer.
Mas, o orgulho não me deixara dar aquele abraço no meu
pai, pelo fato dele ter abandonado a minha mãe com três
filhos, quando ainda éramos crianças. Aquilo criou uma
barreira entre nós e só nos abraçávamos e dizíamos que nos
amávamos quando sob o efeito de, no mínimo, dez
cervejas. Ali tínhamos coragem de falar “eu te amo filho”,
“eu te amo pai”. Uma dor que era visível em ambas as
partes.
Logo mudamos de assunto e começamos a falar de
trabalho:
“ Como vai o seu trabalho na empresa de petróleo e na
transportadora?
“ Pai, estou saindo da empresa distribuidora de petróleo.
Preciso dar mais atenção à minha transportadora e cuidar
dos meus negócios. Estou viajando muito, porque, a matriz
da empresa não fica no Estado de Goiás e isto está me
atrapalhando demais na transportadora.
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Na verdade, eu queria sair da empresa de petróleo, por
causa do desvio de verba que estava acontecendo lá
naqueles dias e, nos quais, eu acabei entrando “de cabeça”.
21. Decidi dar um basta naquele esquema fraudulento pois
não suportava mais aquilo; como não podia contar o
verdadeiro motivo da minha saída, me escondia atrás dos
meus falsos argumentos.
Deixei meu pai, de volta, em sua casa e fui procurar
algum lugar para beber uma cerveja e pensar nas decisões
que eu deveria tomar.
Uma delas, envolvia o meu trabalho naquela empresa,
bem estruturada, na verdade, e que possuía várias filiais no
país distribuindo petróleo.
Diáriamente passava, nas minhas mãos, uns 500 mil
reais; média de 10 milhões de reais por mês, fora o que
passava nas mãos dos outros profissionais contratados na
mesma função que eu exercia.
Esse era o motivo pelo qual eu fui habilitado a possuir o
porte Federal de armas, usado em todo território nacional.
Eu lidava e, às vezes, transportava muito dinheiro.
É que, os donos e diretores da empresa estavam armando
um esquema para levá-la a pedir concordata e, assim, as
dívidas com os fornecedores e os impostos seriam anulados.
Eu e os outros auditores, éramos usados para fazer todo o
trâmite do desvio de dinheiro, que era levado à diretoria e
lá, dividido entre eles.
Mas logo percebi que aquele barco iria afundar e resolvi
também comer uma “fatia do bolo”, pois, já estava
envolvido até o pescoço, e não recebia nada em troca.
Em um único dia consegui desviar uma quantia de 180 mil
reais e já me considerava um “expert” no assunto.
Usava a mesma fórmula dos donos e diretores. Trocava
documentos contábeis por dinheiro vivo, seguido das
assinaturas da própria diretoria, e ninguém contestava
aquelas retiradas na conciliação de contas.
A “operação” envolvia muitas questões contábeis como,
por exemplo, desvio de impostos e coisas desse tipo e,
assim, o “rombo” não apareceria no caixa da empresa.
22. Já estava com cinco carros na garagem, moto de alta
cilindradas, “Jet Ski” do ano, apartamento, em uma boa
região da cidade e, no cofre, já não cabia tanto dinheiro.
Então, foi quando tive a idéia de colocar de trás do sofá
que possuia um zíper tornando fácil a abertura daquela
capa. Ninguém acharia o dinheiro naquele lugar. Estava tão
seguro quanto o restante no cofre.
Já tinha uma transportadora que levava, em média, 600
toneladas mensais de grãos e outros produtos, fazendo um
percurso de ida e volta do centro-oeste do país ao nordeste
e isso me rendia um bom dinheiro no final do mês.
Deixei a ambição do dinheiro fácil, roubado, que poderia
me colocar em uma grande encrenca e passei a usar a
inteligência, abandonando o “esquema” enquanto ainda
havia tempo.
Resolvi deixar a empresa, onde ninguém sabia que eu já
possuía um meio de renda ou algum tipo de patrimônio,
porque lá, eu usava um carro simples, modelo popular, que
era o veículo oficial em dias de trabalho.
Não deixava nada transparecer da minha “prosperidade”
o que, na minha mente, era um crime perfeito.
Foi difícil, porém, consegui dar um basta naquela vida
desonesta.
23. 4
PERSEGUIDO PELO
PASSADO
Logo que saí daquela empresa e, como eu imaginara, ela
passou por uma auditoria do Governo Federal e teve que
arcar com muitos impostos atrasados. Isso a levou à
falência, apreensão de bens e fechamento por completo das
suas atividades.
Quantos amigos desempregados pela irresponsabilidade e
egoísmo do qual, infelizmente, participei! sei que, mesmo
que eu não participasse, aquilo iria acontecer mas, à partir
do momento em que me “sujei” com o dinheiro também me
tornei responsável por aquela situação.
Fiquei dias arrasado, sem poder falar nada para ninguém.
Tudo aquilo feria a forma pela qual a minha mãe me criara
pois ela nunca me dera um exemplo de desonestidade!
seria uma dor terrível, para ela tomar conhecimento disso!
Minha mãe sempre pensava em mim como um
empresário bem sucedido, que havia prosperado pelo
próprio esforço.
Quando reformei a sua casa, onde cresci com meus dois
irmãos e nosso avô, ficou tudo ao seu gosto, porém, certo
dia na ausência dela, acabei me revoltando e disparei vários
tiros nas paredes e janelas que haviam sido reformadas.
Tive essa atitude pelo ódio de ter que mentir e enganar à
minha mãe.
Foi terrível quando, ao chegar, ela viu as marcas de tiros
nas paredes. Pensou que eu estivesse ficando maluco, e eu
24. não tive coragem de falar o porquê daquela atitude
covarde; preferi dizer que estava bêbado.
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Não aguentava mais a companhia de amigos e familiares,
bajulando-me como um jovem que se deu bem, e que
venceu financeiramente por seu próprio mérito. Era
apresentado como um vencedor, alguém que rompeu todos
obstáculos no jogo da vida e se tornou um vitorioso na arte
de ganhar dinheiro. Aquilo me matava aos poucos.
Lembro-me do aniversário de quinze anos da minha irmã,
por parte de pai. Sua mãe me levava de mesa em mesa
apresentando-me como “o homem bem sucedido da
família”.
Era uma verdadeira desgraça, ia embora para casa como
o pior dos homens, me sentindo derrotado por dentro, um
falso e um hipócrita.
O que eu achava que fora um crime perfeito me trouxera
uma consequência maior do que eu esperava.
Deitava a cabeça no travesseiro mas não dormia; ficava
vendo vultos a noite toda, parece que estava sendo
perseguido por demônios, como se tivesse que dar alguma
satisfação a eles. Com o tempo comecei a ficar abalado.
Mas, essa sensação de preseguição era tão frequente que
me acostumei a ela e já não me importava tanto.
Certa noite, senti o meu corpo flutuar e cheguei a
perguntar o que os vultos queriam, mas não obtive resposta
alguma; amanheceu e comecei a pensar que eu estava
enlouquecendo.
Várias vezes acendia velas na casa achando que, ao
acendê-las, a sua luz mudaria o ambiente e algo ou alguém
me protegeria mas, ao contrário, parecia que piorava, criava
um ambiente místico como num filme de terror americano,
formando na minha mente, uma cena de suspense.
25. A luz da vela fazia sombras imensas no quarto e me
assustavam bastante a ponto de, ao dormir, colocar sob o
meu travesseiro uma das pistolas que possuia, com vinte
munições no pente, como se aquilo fosse funcionar no caso
de um ataque de algum espírito, alma penada ou fantasma.
Difícil de explicar tal pavor.
Pensei várias vezes em procurar ajuda psicológica mas
tinha medo de que me internassem. Falava para mim
mesmo:
“ Acalme-se Lander, essa loucura vai passar, exerça o seu
auto- controle; você está no domínio da sua vida; sua
caminhada depende de você, nada vai te parar; daqui para
frente é só alegria pois você já encheu o seu bolso de
dinheiro; sua garagem está repleta de carros e motos; a
transportadora a todo o vapor. Relaxe, viaje, beba uma
cerveja, arrume uma “princesa” e dê uma pausa para sua
cabeça”.
Imediatamente eu retomava o controle da situação
através do pensamento positivo.
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Passaram-se alguns dias após a morte do Fredy e tudo
começou a voltar à rotina de antes.
Muitos me ligavam me procurando para dizer que a vida
continuava e que eu precisava voltar a atuar novamente,
voltar para a equipe e participar das festas já que, a minha
presença, era indispensável.
Dei um tempo a tudo e a todos mas, um dia, resolvi “sair
da toca” e fui à procura de Marcius e Kevin, os irmãos donos
da loja e líderes da equipe.
Cheguei lá e encontrei vários amigos, todos ainda
abalados, meio sem direção, alguns, somente balançavam a
cabeça em forma de lamento.
De longe escutei a voz de Kevin tentando animar as coisas
com um grito de bem vindo.
26. “ E aí Plus!! até que enfim deste as caras”.
“ Grande Kevin! como andam as coisas por aqui?”
“ Do jeito que você está vendo. Todo mundo ainda está
meio abalado”.
Comecei observar a loja e olhei em direção à sala do
Fredy, a porta estava fechada e, no seu interior, um silêncio
absoluto. Senti uma tristeza que provocou, nitidamente o
cair do meu semblante.
“ Plus, se anima, “cara”. O Fredy se foi, mas não creio que
ele quisesse nos ver nessa tristeza. Vamos em frente que a
equipe continua”, disse Marcius.
“ Acho que vou sair fora, brother, sinto que meu tempo na
equipe está se findando”.
“ Plus, relaxa “cara”. Você esta misturando as coisas.
Independente de ter você na equipe saiba que eu e meu
irmão prezamos muito a sua amizade. Você é um dos que se
sentam em nossa mesa para comer conosco e nós o temos
como amigo. Tem vários que querem ocupar o seu lugar na
equipe, mas o que importa para nós, não é seu carro e sim
a sua presença”.
“ Marcius, obrigado pelas palavras e saiba que também
prezo muito a você, a seu irmão e a toda a equipe mas,
realmente, necessito de um tempo. Sei que daqui a vinte
dias tem uma festa para uma multidão; podem levar o meu
carro e depois desta festa vamos desmontar o som”.
image
Despedi-me de Marcius e dos demais amigos que ali se
encontravam e voltei para o meu apartamento.
Entrei e fui ao barzinho onde peguei uma garrafa de
“whisky” e comecei a bebê-la como se bebe uma coca-cola
gelada no deserto. Estava decidido a me embriagar e tentar
esquecer tudo aquilo que me afligia. Sentei-me no sofá e já
me sentia um pouco alterado, porém, bem melhor e mais
tranquilo.
27. Comecei a me revoltar com a situação em que estava
vivendo, olhava tudo em minha volta e sentia um vazio no
meu peito, parece que faltava algo em minha vida e pensei
comigo:
“Mulher não é, dinheiro e carros, tão pouco, amigos tenho
vários...
Mas, o sentimento começou a aumentar pelo fato de eu já
estar embriagado.
Dei um chute no som residencial que havia acabado de
comprar e que era o sonho de consumo de qualquer pessoa,
ter um equipamento daquele em sua sala de som, porém,
fui possuído de uma revolta muito grande e havia chegado à
conclusão que, aquilo tudo que estava à minha volta não
valia nada, pois eu não tinha paz.
O chute foi tão forte que o som partiu-se em pedaços,
depois, peguei a minha pistola e dei um tiro na parede do
apartamento.
Pensei comigo:
“Ou este “whisky” está muito forte ou eu estou
estressado.”
Parei e me acalmei, porém muito bêbado, comecei a
vomitar. Me engasguei com o meu próprio vômito e aquilo
estava entupindo a minha garganta. Já não conseguia
respirar, parece que havia alguém naquele apartamento
que queria me ver morto. Comecei a cuspir o vômito e a
engolir o que não conseguia cuspir. Passei a ter visões de
vultos ao meu redor que falavam entre si. Eu gritava para
que eles se calassem mas não obtinha sucesso. Pensei que
aquilo era por causa do álcool que estava no meu sangue.
Consegui me levantar e abrir a porta e, por sorte minha,
Wilson estava chegando e me viu naquela situação.
“ Plus, o que está pegando “cara”? responde brother!”
“ Wilson, pega a chave do carro e vamos sair fora daqui.”
“ Para aonde?”
“ Me leva para um hospital, porque vou me internar.”
“ Plus, você esta bêbado, o que você bebeu?”
28. “ Wilson, vamos embora, porque eu preciso de uma
glicose na veia. Bebi além da conta”.
“ Mas eu vou dirigindo. Nesse estado em que você está
não chegaremos a sair do portão do prédio porque você nos
mata antes”.
Entramos no carro e fiquei calado pensando no que havia
feito e visto, não conseguindo acreditar que estava naquela
situação e que havia perdido o controle das minhas
emoções devido ao uso excessivo do álcool. Perguntei ao
Wilson:
“ Você acha que eu estou virando um alcoólatra? preciso
beber todos os dias e sinto que isto está me dominando”.
“ Plus, você é maluco? meteu o pé no som novinho e deu
tiro em todo apartamento? que loucura é essa, brother ?
“ Não sei, só sei que estou muito bêbado. Acelera para o
hospital que hoje eu me interno”.
“ Se internar... que pensamento é esse?”
Chegamos ao hospital e fui direto à recepção:
“ Boa noite, em que posso lhe ajudar?” perguntou o
atendente.
“ Por gentileza, você tem uma suíte disponível?”
“ Isso aqui não é hotel, senhor. Isto é um hospital. Você
está com algum problema de saúde?”
Wilson interrompeu-nos e disse:
“ Me perdoe, amigo, é que ele está um pouco bêbado e
precisa tomar uma glicose na veia para melhorar a sua
situação”.
“ Tem plano de saúde, para ser atendido?”
“ Tenho sim.” E entreguei o cartão ao atendente.
“ Ok, o plano cobre a consulta”.
“ Não quero consulta, quero me internar”.
“ Senhor, seu plano não cobre a internação neste hospital;
se, por acaso, o médico quiser interná-lo, o senhor terá que
nos deixar um cheque- caução de cinco mil reais”.
“ Espere um momento.” Wilson me dê a chave do carro.
“ Onde você vai?”
29. “ Pegar o que ele quer”.
Fui no carro, abri o porta-malas, peguei um pacote de
dinheiro que continha dez mil reais e o coloquei na mesa do
atendente dizendo que ali estava o “calção” que ele queria
e que me internasse naquele momento.
Wilson se desesperou e disse:
“ Relaxa Plus, desse jeito você está dando o “calção” e as
cuecas! dá um cheque no valor de cinco mil reais e fica tudo
certo”.
O médico escutou aquilo tudo e saiu da sua sala para ver
o que estava acontecendo no horário do seu plantão. Ele viu
a minha situação, pediu que eu entrasse em sua sala e me
perguntou:
“ Você bebeu ou usou drogas?”
“ Hoje, eu só bebi doutor; bebi quase duas garrafas de
“whisky”. Pode fazer o exame, se você quiser, e por favor
me interne, porque eu não quero voltar para casa hoje”.
“ Jovem, você está tendo um ataque de “stress”. Quantos
anos você tem?”
“ Vinte e dois doutor. Vinte e dois” – repeti.
“ Vamos. Eu vou lhe internar, mas amanhã cedo você
pode sair”.
“ Ok doutor, amanhã cedo eu vou embora”.
O médico chamou o atendente e lhe perguntou sobre o
meu plano, ao que ele respondeu que eu havia deixado um
pacote de dinheiro para ficar como caução até que
obtivesse a resposta do plano de saúde.
“Ok” - disse o médico – “ vamos interná-lo e aplicar um
soro com glicose em suas veias. Pode devolver o dinheiro a
ele.”
“ Certo doutor, vou encaminhá-lo para o quarto.”- disse o
atendente.
Wilson, me olhando passar no corredor, ficou com cara de
espanto e, confuso com aquela minha decisão e disse de
longe:
30. “ Plus, você pode ir para um hotel cinco estrelas, vamos
embora daqui’.
“ Wilson, pode ir no carro, amanhã você me busca. Vou
passar esta noite aqui”.
O atendente entregou o dinheiro para o Wilson e ele se foi
balançando a cabeça.
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Aquela foi a pior noite da minha vida. Me colocaram em
um quarto onde fiquei assistindo desenho animado do
“pica-pau” na TV, durante todo o tempo e tomando soro
com glicose na veia. Escutava o vizinho de quarto, em
desespero, gritar por horas, que queria viver e clamava para
a dor passar. Ele estava em estágio agonizante causado
pelo câncer que dominara o seu corpo.
Consegui dormir já na parte da manhã e acordei, ainda
bêbado. Meu pai, estava ao lado da minha cama, com um
olhar preocupado, vendo-me naquela situação.
“ Filhote, o que aconteceu?”
“ Pai, não me pergunta nada não, vamos embora daqui”.
Ainda podia escutar os gritos do homem agonizante em
minha mente o que me fez pensar a dar mais valor à minha
vida.
Eu sabia que precisava de uma mudança, mas não tinha
forças para fazê-la e, logo, estaria tudo da mesma forma.
31. 5
AMIZADE, MOMENTOS
INESQUECÍVEIS
Diante dos últimos acontecimentos, resolvi levar Wilson
para morar comigo. Ele estava precisando de um lugar e,
também, seria bom ter a sua companhia em meu
apartamento. Ele fizera parte da minha infância na época
em que eu vivia na periferia da cidade.
Lembro-me que, ficávamos encostados em um poste de
luz, nas madrugadas, tomando vinho de quinta categoria,
fumando cigarro e inventando estórias.
Sonhávamos em ter um carro, não interessava a marca ou
o ano. Queríamos algo que nos levasse a sair daquele poste,
nosso refúgio e lazer.
Certa vez troquei a minha bicicleta por um aparelho toca
CD para carro. Fiz algumas adaptações e consegui instalar
dois auto-falantes automotivos e uma bateria portátil.
Uau!!! Aquilo ficou o máximo. O som não ficara de boa
qualidade, mas este era o nosso maior lazer naqueles dias!
Ficávamos sentados, embaixo da luz daquele poste, com o
som no último volume sonhando que estávamos dentro de
um carro. Fechávamos os olhos e nos imaginávamos
dirigindo na cidade, passando em frente aos bares, boates,
e locais movimentados onde havia jovens dispostos a se
divertirem.
Fazíamos o som do motor do carro com a boca e, quanto
mais o prolongávamos maior era o tempo da mudança das
marchas. Creio que, algumas vezes, atingíamos a marca de
32. duzentos quilômetros por hora; era uma gritaria só, dentro
daquele carro ilusório.
Mas logo, tudo aquilo começou a virar discussão, pois
ninguém queria ficar no banco do “carona”, todos queriam
estar no volante.
Um dos amigos, que não tinha noção alguma de como
dirigir um carro, quando pegava naquele volante ilusório
promovia uma gritaria desesperada. Obviamente, ele não
sabia como mudar as marchas aí, o barulho que ele fazia
com a boca era um só, até ficar vermelho e sem fôlego,
como se andasse de primeira marcha o tempo todo.
Confesso que nunca vi algo tão engraçado em toda minha
vida.
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Nos finais de semana, sempre observávamos todos saindo
para as festas, boates e com as namoradas.
Nós, tínhamos pouco dinheiro e ninguém nos convidava
para lugar algum, namorada, nem pensar! mas, eu creio
que tenho uma explicação para o fato das garotas não se
aproximarem de nós: que garota ia querer perder tempo
com aqueles malucos? mal tínhamos dinheiro para tomar
uma garrafa de vinho de quinta categoria, e isso, quando
não roubávamos dinheiro nas bolsas das nossas mães,
coitadas, como foram lesadas!
Às vezes, até conseguíamos trocar um olhar com alguma
garota, mas o primeiro “playboy” que chegava com um
motor, fosse de carro ou de moto, já levava a garota e nós
ficávamos só observando, frustrados. Resumindo: a situação
era triste.
Quando não estávamos sentados naquela esquina, íamos
tomar banho no “Meia Ponte”, um rio de água bem impura.
Toda vez que arriscávamos um banho nele saíamos com
cheiro de “privada de rodoviária”.
33. Eu não consigo entender o que nos levava a tal ousadia,
qual seja, a de entrar naquela água misturada com esgoto e
animais mortos.
Fui várias vezes lá e eu não sabia nadar, mas mesmo
assim, enfrentei o risco de entrar no rio uma vez, e prefiro
não comentar a experiência de ter bebido daquela água.
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Lembro-me de uma garota que tinha o apelido de “Olívia
Palito”. Eu a achava linda, com os seus cabelos lisos e eu
sempre ficava dando voltas com a minha bicicleta “Caloi
Cross” no bloco onde ficava a casa dela só para vê-la e, às
vezes, tinha sorte.
Certa vez estava saindo do colégio juntamente com o
Wilson e sentimos vontade de fumar um cigarro, porém, não
tínhamos dinheiro. Wilson me perguntou se eu tinha a
passagem do ônibus e eu respondi que era única coisa que
eu possuia naquele momento mas eu não poderia dá-la em
troca de cigarro. Ele foi tão insistente e disse que éramos
adolescentes e poderíamos passar por baixo da roleta do
ônibus, algo que eu tinha muita vergonha de fazer.
Eu já não passava embaixo de roleta há anos, afinal,
somente crianças faziam aquilo. Entretanto, naquele dia,
resolvi e troquei a passagem por três cigarros. Fumamos, e
logo veio o nosso ônibus. Entramos e Wilson, mais que
depressa, jogou a sua mochila do outro lado da roleta e
passou como um relâmpago sem ninguém perceber. Eu,
infelizmente, não tive a mesma sorte e fiquei ensaiando a
melhor forma de passar embaixo daquela roleta.
Havia um cobrador que recebia o dinheiro da passagem e
ficou me encarando, com raiva de ter visto Wilson, daquele
tamanho, ter tal ousadia. Eu podia ver nos olhos dele que
não era para eu tentar o mesmo mas, não aguentando mais
esperar, aproveitei a oportunidade, quando ele olhou para
outro lado e fui, usando a mesma estratégia que Wilson
34. usara mas, ao passar, não joguei a mochila, o que acabou
me travando embaixo na roleta e não ia nem para a frente e
nem para trás.
Todo o pessoal que estava no ônibus ficou olhando aquela
cena, mas o pior, foi quando me deparei com ela, “Olívia
Palito”, ela mesma, juntamente com a sua amiga
inseparável! as duas me olharam e “Olívia” meneou a
cabeça com desprezo.
Meu Deus, que vergonha! e o pior, foi quando amiga dela
me ajudou a sair daquela situação puxando as minhas
pernas. Jamais me arrependi tanto por ter fumado um
cigarro! Levantei-me, agradeci-lhe pela ajuda e fui para o
fundo do ônibus escutando os resmungos do cobrador e as
risadas do Wilson. Depois daquele dia nunca mais quis ver
“Olívia Palito” e, se ela surgisse na mesma rua em que eu
estivesse, eu mudava de direção.
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O tempo passou e eu segui o meu caminho. Deixei a
periferia onde, às vezes eu ia, só para rever os amigos.
Wilson cansou de esperar que o futuro lhe abrisse as portas
e partiu para o tráfico, revoltado com a realidade em que
vivia. Decidiu levantar um dinheiro “fácil”. Traficava
“maconha” e “citotec” um remédio proibido em território
nacional, usado para praticar aborto.
Esse medicamento era contrabandeado do Paraguai, país
que faz fronteira com o Brasil e era grande o número de
garotas que procuravam esse remédio para livrar-se de uma
gravidez indesejável.
Aquele “business” do Wilson me dava ódio. Certa vez
conversamos a respeito:
“ Pô Wilson, quer vender maconha e se dar mal vai em
frente, mas matar bebê é “sacanagem” brother”.
“ Plus, quem não tem cão, caça com gato. Seja bem vindo
à realidade. Eu, preciso dar os meus pulos e fazer o meu
35. dinheiro”.
Wilson estava tão decidido em sua nova caminhada, que
certa vez, a mãe dele me ligou e disse:
“ Plus, preciso falar com você, urgente!”
“ Diga agora dona Cida, o que está acontecendo?” senti a
sua aflição ao telefone”.
“ É o Wilson, ele endoidou de vez; quebrou tudo aqui em
casa, porque não o deixei colocar a maconha no congelador.
Tirou toda a carne de lá e ocupou o espaço com uns sacos
prensados; disse que fazia isto para conservar um produto
que tinha que ser vendido em um período de trinta dias.
Não aguentei e fui ver o que era, logo reconheci que era
maconha. Seu amigo enlouqueceu mesmo. Eu nunca o vi
tão violento”.
“ Calma dona Cida, o Wilson está apavorado, vou
conversar com ele”.
Pobre da dona Cida, já não tinha mais direito de colocar a
sua carne no congelador, pois o drogado do filho dela se
achou no direito de roubar-lhe aquele espaço.
Sacudi a cabeça e disse para mim mesmo: “meu brother
está mau. O cara enlouqueceu”.
Foi então que resolvi levá-lo para o meu apartamento, a
fim de que me fizesse companhia e, no meu pensamento,
eu também iria ajudá-lo a entender que a vida não era um
conto de fadas.
É fácil querer mexer na realidade de vida de outras
pessoas e querer que alguém se redima dos seus erros, mas
é duro quando você olha no espelho e se enxerga, usando
uma máscara de boa pessoa, se iludindo, que pode resolver
algo para alguém e quando dá de cara com a sua realidade,
percebe que está pior do que o mais miserável dos homens,
que sua vida não passa de uma mentira baseada em um
orgulho podre que te faz se enganar. Impossível ajudar
Wilson na situação em que me encontrava.
Todas as noites saíamos a fim de buscar algum tipo de
refúgio para nossa alma perturbada ele, de um lado, com
36. suas drogas e eu, do outro, com minhas bebidas fortes.
Às vezes, saíamos e tomávamos uma garrafa de “whisky”
em menos de duas horas; muitas vezes íamos nos lugares
onde havia várias garotas de programa, jovens lindas,
porém machucadas pela vida e pelo desespero de conseguir
dinheiro fácil.
37. 6
SUCESSOS E DESEJOS -
UMA ESTRADA PERIGOSA
Certa vez, eu estava sozinho em um local onde uma
dessas jovens me perguntou se podia assentar-se à minha
mesa, respondi-lhe que não haveria problema nenhum.
Garota linda, talvez com vinte e um anos de idade.
Percebi em seu semblante tristeza e preocupação,
sentimentos que ela tentava disfarçar a fim de conseguir
algum cliente.
Falei-lhe:
“ Você é linda e tem um sorriso maravilhoso mas vejo que
atrás disso tudo existe uma pessoa triste e machucada”.
Ela respondeu, se defendendo:
“ Você não sabe o que está dizendo, eu nunca estive
melhor. Só sentei-me aqui para saber se podemos nos
conhecer mais intimamente mas já vi que, nesta mesa, não
terei sucesso.”
“ Calma garota, não quero ofendê-la, mas vejo que você
não está bem e posso enxergar isso nos seus olhos”.
Realmente eu via naqueles olhos um pedido de socorro.
Aquele lugar não tinha nada a ver com aquela garota, aquilo
não era para ela. Parecia-me que ela havia saído de um
caminho onde tudo ia bem e se afundou em um labirinto
onde não encontrara nenhuma saída .
“ Olha meu amigo, estou bem, você não me conhece e já
estou saindo da sua mesa.”
38. “ Com certeza não lhe conheço, e digo que isto aqui não é
ambiente para você. Esta desgraça não vai te levar a lugar
algum e tenho certeza que hoje é a primeira vez que você
tenta se prostituir”.
“ Você é policial? se for, esta perdendo seu tempo, pois já
sou maior de idade e responsável por minhas atitudes”.
“ Não sou policial, sou só mais um que escolheu o
caminho fácil para chegar ao dinheiro e posso falar, com
autoridade, que o preço dele e mais alto do que você pode
pagar”.
“ E o que você fez ? vendeu o seu corpo também ?”
“ Roubei dinheiro. Não vendi o meu corpo, mas parece
que perdi a minha alma, nunca mais tive paz”.
Os olhos da garota começaram a lacrimejar e, sem resistir
mais, desabafou:
“ Realmente esta é a minha primeira vez aqui e você
estragou tudo, me fez estragar minha “maquilagem” e
atrapalhou a minha forma de ganhar dinheiro. Tenho contas
para pagar e já não sei o que fazer, estou desesperada. Foi
o que apareceu através de algumas amigas que trabalham
aqui e me trouxeram, mas vejo que coloquei tudo a perder”.
“ Quanto você deve?”
“ Quanto, o quê? deitar com você?”
“ Quanto é a sua divida? e não quero o seu serviço”.
Falou um valor que não era muito, mas para conseguí-lo,
ela teria que trabalhar, pelo menos, umas três semanas
naquele lugar para levantar o dinheiro que precisava.
“ Ok, eu te dou esse dinheiro e não precisamos fazer sexo,
com a condição de você não voltar mais aqui”.
“ Quem é você?”
“ Alguém que obteve dinheiro fácil e quer pagar as suas
contas, mas só desta vez. Vamos embora deste lugar”.
“ Meu nome é Flávia e muito obrigada pelo que está
fazendo por mim”.
Entramos no carro e a levei para casa.
39. Chegando à porta, entreguei o dinheiro e ela me deu um
abraço bem apertado em forma de agradecimento”.
“ Flávia, siga a sua vida e procure outra forma de ganhar
dinheiro, ou aquela tristeza que você estava sentindo agora
a pouco vai lhe acompanhar por muito tempo”.
“ Qual seu nome?”
“ Melhor você não saber. Um dia a gente se vê
novamente. Tchau”.
Saí com o carro me sentindo bem. Aquilo, na verdade, era
um meio que eu usava para tirar um pouco de peso que
estava sobre mim. Tirava a culpa que carregava dos meus
atos passados e, também, não queria que aquela garota
linda passasse pelo mesmo que eu estava passando, com
aquela aflição que é bastante familiar a todas as pessoas
que cometem algo errado. Aflito dia após dia, quer seja por
atos desonestos ou por se prostituir.
image
No caminho de volta, comecei a me indignar e sentir
angústia em meu coração. Fiquei com raiva do dinheiro.
Tudo girava em torno dele; o ser humano vende fácil o que
não tem preço, a garota linda e maravilhosa vende o seu
corpo por uma miséria. Vendemos a verdade e em troca
recebemos a mentira. Comecei a analisar como o sistema
funciona e de que forma somos lesados por ele,
cotidianamente. Como somos induzidos e declarados
fracassados, se não conseguirmos adquirir o que a televisão
nos induz a ser e a ter. Nas novelas e nos filmes, todos
querem ser famosos e aplaudidos e em função disto, muitos
se entregam ao mais cruel de todos os fracassos. Vende
fácil o que não tem preço: a integridade, o amor e o respeito
a si mesmo e ao próximo.
Com esse monte de informações em minha mente estava
passando pela rodovia onde avistei de longe uns radares
eletrônicos, multando errôneamente muitos carros, há um
40. bom tempo, e ninguém atendia as reclamações que eram
feitas para reparar ou regular aqueles radares.
Eles eram usados para multar motoristas que andavam
em alta velocidade, mas estavam multando os que iam em
uma velocidade permitida para aquela rodovia. Foi quando
parei o carro no meio dela, já de madrugada; liguei a luz de
emergência, abri a capota do carro, saquei duas pistolas e
explodi aqueles radares com quarenta munições explosivas.
E gritava: “chega de roubo!”
Achei que havia feito um ato heróico e um bem à
comunidade, porém, quando cheguei em meu apartamento,
me senti como um idiota e declarei para mim mesmo:
“agora me transformei em um vândalo, preciso subir
degraus e estou descendo ao nível mais baixo”.
Fiquei envergonhado por dias e, como havia decidido, em
minha vida, que não lesaria a mais ninguém, mesmo que
fosse o governo, paguei caro por aquele ato irresponsável.
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Meus negócios iam muitíssimo bem; a transportadora
estava ótima, rendendo um bom dinheiro e não precisava
mais me preocupar com a minha sobrevivência.
Peguei o Wilson, que já estava morando comigo em meu
apartamento, e fomos à casa de um amigo que acabara de
voltar para nosso meio, chamava-se Marley. Cantava muito
bem em uma igreja evangélica onde permaneceu por cinco
anos de sua vida.
Ele vivia me chamando para ir naquela igreja, mas aquilo
não condizia com a vida que escolhera para mim e também
não tinha paciência para ficar sentado em uma banco de
Igreja.
Levamos algumas cervejas e foi aquela alegria quando
encontramos Marley sentado com seu violão. Dei um abraço
apertado em meu amigo e lhe dei bem vindo ao nosso
convívio novamente pois, quando ele estava na igreja, se
41. afastara um bom tempo das suas amizades. Na verdade, ele
não conseguira compatibilizar a nossa amizade com igreja;
talvez atrapalhássemos a sua comunhão com ela ou algo
assim.
Marley começou a cantar como nunca! no dia em que
fomos visitá-lo cantamos juntos várias músicas da nossa
época e relembramos bandas do tempo da adolescência e
que fizeram sucesso. Foi um momento inesquecível, só que
o Marley tocava um violão com quatro cordas, velho e
acabado.
Decidi fazer algo por ele e, depois de um tempo
agradável, convenci os amigos a parar um pouco com as
canções e levar o Marley ao mais próximo “shopping”, para
comprar-lhe um violão novo.
Foi uma alegria tremenda na vida dele! falei-lhe que
poderia escolher o melhor violão da loja e ele o fez.
Escolheu um acústico preto e de ótima marca.
Voltamos à sua casa, ele mostrou algumas músicas de sua
autoria e a festa foi até o amanhecer.
Surgiu a idéia de que Marley deveria gravar um CD.
Concordei imediatamente devido ao seu visível potencial
como cantor, as composições e a voz que estavam em
perfeita harmonia para o mercado musical daquele tempo.
Com certeza, ele iria obter muito sucesso e, mesmo que o
seu foco não fosse o dinheiro, certamente, ele o conseguiria
no mercado musical. Faltava aquele “empurrão” e a ajuda
financeira de alguma pessoa, para que um sonho viesse a
se tornar realidade. Decidi que essa pessoa seria eu.
Uma semana depois, percorremos quase toda cidade em
busca de uma boa gravadora.
Não encontramos nenhuma que combinasse com as
nossas idéias de trabalho e fomos ao bar de um amigo para
vê-lo e também tomar uma cerveja, já que não o víamos há
um bom tempo.
Chamava-se Júnior. Ele era dono de um bar na periferia da
cidade, e traficante de maconha e cocaína.
42. Sempre que o via era uma festa mas sempre, também,
estava sob a reação das drogas. Raríssimas vezes o vi
sóbrio.
Falamos com ele sobre o CD que Marley estava para
gravar e que precisávamos de uma gravadora de boa
qualidade e com um bom preço.
Logo o Júnior se lembrou de um de seus clientes que lhe
vendia maconha.
“ Plus, conheço um camarada que pode fazer o serviço.
Gente fina e profissional. Cliente de primeira, esse eu
garanto”.
“ Ok, liga para ele agora e vê se dá para agendar um
horário conosco”.
“ Agora, Plus”.
Júnior ligou e marcou para o próximo dia encontrarmos
com Dimitri, o sócio do estúdio de gravação.
Logo após a conversa ao telefone, Júnior, decidiu fechar o
bar, pois ficaríamos mais à vontade e somente os amigos.
Trouxe a cocaína e a maconha e disse:
“ Vamos comemorar a gravação desse CD”.
E ali ficamos a noite toda curtindo aquele momento
maluco.
Eu fiquei mais na bebida, fumei um “baseado”,
experimentei um pouco só da cocaína, pois tinha um certo
receio de “entrar de cabeça” nela e não dar conta de sair
daquele pesadelo.
Todos os que eu conhecia e que usavam cocaína não se
controlaram e afundaram além do que queriam. Eu não
gostava muito de ser dominado por nada, por isso, era
cauteloso em lidar com tudo que pudesse me dominar.
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Encontramos Dimitri no dia seguinte e vi logo que ele era
o camarada mais maluco que eu já havia conhecido. Calmo,
43. magro e bem alto. Ele nos recebeu alegre e aberto às
nossas idéias.
Marley pegou o violão e cantou algumas músicas de sua
autoria. Dimitri telefonou para o seu sócio encontrar-se
conosco de imediato, pois queria que ele ouvisse aquelas
letras e a melodia. O sócio dele chegou e, quando ouviu,
gostou, achando que aquele trabalho daria futuro. Valeria a
pena investir conhecimento e tempo com o Marley.
Negociamos o preço da gravação de doze músicas e
saímos dali na certeza de que o sonho de Marley iria se
realizar.
Meu amigo gravou o seu CD, com muito esforço e
dedicação. Foram dias de imensa alegria! eram sonhos que
pouco a pouco iam acontecendo.
Ele fumava muito, em média duas carteiras de cigarro por
dia, devido a ansiedade.
Com o CD pronto decidi que iria colocar algumas coisas
em ordem na transportadora e levaria o Marley para São
Paulo, cidade onde as coisas aconteciam na área das artes e
televisão. Arrumei minha bagagem e fui com Marley e
Dimitri a São Paulo procurar uma casa para alugar e fazer
contatos com músicos e cantores.
Nessa viagem conheci quem era Dimitri.
Chegamos a um hotel pela manhã e resolvemos dormir
um pouco, antes de fazer algum contato.
Dimitri esperou que eu e Marley dormisse e começou a
fazer algumas rezas naquele quarto, invocando algum tipo
de entidade.
Acordei com o barulho e vi Dimitri com os olhos virados,
em transe, fazendo perguntas para o Marley enquanto ele
dormia e ele respondia como se estivesse acordado.
Fingi que dormia para não interromper a sessão e também
porque eu queria ver qual era a intenção do Dimitri.
Mesmo sem entender nada, percebi que se tratava de
uma espécie de bruxo ou algo desse tipo; fiquei imaginando
como ele conseguia fazer Marley falar, dormindo!
44. Dimitri perguntava ao Marley coisas relacionadas a
dinheiro e o que ele daria em troca para obter o sucesso.
Não suportando mais a situação entrei no meio da
conversa, interrompi Dimitri e falei em alta voz:
Que parada é essa aqui? que palhaçada é essa, Dimitri,
isso é macumba ou o quê?
Como se nada tivesse acontecido, ninguém me respondeu
e continuaram imóveis como se estivessem dormindo e não
escutassem nada daquilo que eu falara.
Levantei-me e fui averiguar o rosto de cada um, se
realmente estavam dormindo, e estavam. Como pedras!
Vestí-me, acordei os dois e falei: vamos sair e organizar a
nossa vida que o tempo está passando e esse hotel é mal
assombrado. Vocês estavam fazendo um ritual meio maluco
aqui nesse quarto e eu estou fora desse “esquema”.
Dimitri me olhou, espantado, mas ficou calado.
Saímos em direção a uma área residencial e encontramos
uma boa casa para alugar no bairro de Interlagos, próximo
ao Autódromo.
Ali daria, até mesmo, para montar um estúdio de ensaio
onde Marley ficaria à vontade.
Aluguei a casa e voltamos para cidade de Goiânia.
45. 7
A IMPORTÂNCIA DO
PERDÃO
Chegando à Goiânia recebi uma notícia que abalou as
minhas estruturas. Fui informado, por meu irmão Xavier,
que o meu pai sofrera um derrame cerebral danificando boa
parte do seu cérebro.
Abalado, corri em direção ao hospital, que era um pronto
socorro.
Lá, encontrei meu pai, literalmente jogado a um canto da
sala, sobre uma uma maca e agonizando. Que decepção!
cheguei perto dele e percebi que um lado de seu corpo
estava totalmente paralisado e ele tentava, em desespero,
falar comigo, mas não conseguia pronunciar palavra, ao não
ser: “filho”.
Vi o pavor em seus olhos, o medo da morte, da separação
e uma profunda solidão.
Chamei o médico e lhe perguntei se não iam fazer nada
pelo meu pai ao que ele, com ar de cansaço, respondeu:
“ Amigo, o que você quer que eu faça? seu pai já foi
medicado e, daqui a pouco, ele volta ao normal. Você não
está vendo que a sala tem mais vinte pessoas esperando
atendimento?”
“ Claro que estou vendo mas também percebo que
preciso retirá-lo daqui o mais rápido possível; o que não
vejo mesmo é a mínima preocupação da sua parte quanto
ao fato de ele vir a falecer ou não.”
46. Fomos até ao pátio do hospital, eu e o Xavier, onde havia
algumas ambulâncias e conseguimos logo alugar uma
delas. Transferimos nosso pai para um hospital a fim de que,
mais rápida e eficazmente, ele fosse melhor atendido.
Logo na chegada, um grupo de médicos o examinou,
fizeram-lhe uma tomografia da cabeça e um deles, que
também participara dos exames, trouxe-nos a notícia:
“ Preciso falar com alguém da família do paciente”.
“ Somos nós doutor, pode falar”. Respondi.
“ Este homem está mal e não posso dar-lhes esperança de
que ele viva; se viver, correrá o risco de ter vida vegetativa
para o resto dos seus anos, ou seja, será vítima da síndrome
do cativeiro”.
“ Síndrome de quê, doutor?”
“ Do cativeiro. É um estado provocado por uma lesão
cerebral, igual à que seu pai sofreu e em que, a pessoa fica
presa em seu próprio corpo, consciente, porém, sem
controle sobre ele. É que ficam anulados todos os sinais que
o cérebro envia para as demais partes do corpo”.
Na hora fiquei em estado de choque pois nunca vira um
médico falar daquela forma, sem nenhuma emoção, dizendo
a verdade dos fatos cruamente, por mais que eles fossem
dolorosos.
Passaram-se onze dias e Sandro, o filho do pastor, me
procurou a fim de consolar-me.
“ E aí Plus, como vão as coisas?”
“ Sandro estou mal, meu velho não reage.”
“ Vou ligar na Igreja do meu pai e pedir que um pastor vá
até ao hospital para orar pela vida dele.”
“ Sandro, você acha que pode mudar alguma coisa a ida
desse camarada até o hospital?”
“ Plus estou fora da igreja a um bom tempo,
“desandando” com vocês, mas já presenciei milagres e, se
seu pai morrer, pelo menos tentei fazer alguma coisa. Na
situação em que ele se encontra, os recursos humanos se
esgotaram”.
47. “ Tudo bem, eu não “curto” muito essa estória de igreja,
mas pede a esse camarada para dar uma chegada lá. Muito
obrigado, Sandro, pela sua preocupação”.
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Naquele mesmo dia chegou, na porta do hospital, um
homem humilde que veio de carona com outra pessoa,
perguntando pelo meu pai e pedindo permissão à
recepcionista para entrar na UTI. Concedida a solicitação ele
foi direto ao lugar em que o meu pai se encontrava. Não
falou nada com a família indo imediatamente cumprir o
objetivo para o qual fora enviado.
Ficou, talvez, uns quinze minutos na sala e voltou em
direção à saída, mas antes passou pela família e disse:
“ Este homem está salvo”.
Entrou no carro com seu acompanhante e saiu, sabendo
que cumprira sua missão naquele lugar.
Os familiares não gostaram da visita do Pastor algo que,
imagino, ele também percebera, razão pela qual, evitara
conversar conosco.
Na madrugada do dia seguinte, recebi uma ligação da
minha amada irmã Priscila.
Acordei assustado, peguei o telefone e olhei no visor para
certificar-me sobre quem estava ligando. Quando vi o nome
da minha irmã, meu coração gelou e, antes de atender, falei
para mim mesmo: “Meu pai morreu”.
“ Fala Priscila”.
“ Irmão, o nosso pai não suportou. Estou levantando
agora e te encontro aí na casa da sua mãe para
organizarmos o funeral”.
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48. Sentei-me na cama e comecei lembrar-me de quantas
vezes havia recebido ligações de meu pai e não as atendia;
quantas vezes meu pai me dizia que tínhamos que passar
mais tempo juntos, e mesmo, assim eu só o via uma vez por
mês.
O motivo disto era a mágoa que carregava em meu
coração de não ter tido a sua presença constante na minha
infância devido a separação entre ele e minha mãe, acabei
carregando comigo decepção em relação ao meu pai.
Antes da separação de meus pais éramos unidos e
vivíamos em família numa área nobre da cidade, mas,
quando meu pai decidiu começar uma nova vida e constituir
uma outra família, as coisas mudaram, então, eu e meus
amados irmãos Xavier e Fleury, junto com a nossa mãe,
tivemos que ir morar na casa do nosso avô, em uma região
afastada num local onde vivia uma população de baixa
renda.
Algumas vezes, no mês, nosso pai ia nos visitar.
Chegava à porta de casa e buzinava antes de parar o
carro. Quando ouvíamos o som da sua buzina ficávamos
alegres e eufóricos, por vê-lo.
Creio que toda criança tem em seu pai um herói e um
mentor; eu, particularmente, desejava ser como ele.
Meu pai era piloto de avião e, dentro de mim, eu decidi
que seria como ele - um piloto de avião.
Em uma de suas visitas, quando buzinou, eu saí correndo
ao seu encontro para ver o “meu herói” e percebi que ele
tinha bebido além do que costumava.
Desceu do carro e me abraçou com muita força chegando
a tirar-me o fôlego. Efeito da pressão sobre o meu peito, eu
lhe disse:
“ Pai, o senhor vai nos levar para sair hoje?”
“ Hoje não filhote” - essa era a forma que me chamava -
“mas amanhã, passo aqui às oito da manhã para te pegar e
irmos em uma pescaria naquele rio que você tanto deseja
ir”.
49. Fiquei muito feliz, era meu sonho pescarmos juntos no rio
Araguaia que, naquela época, tinha muito peixe, de várias
espécies e tamanhos.
Trocamos algumas palavras, ele entregou um dinheiro
para as despesas mensais, e logo partiu com a promessa de
voltar no dia seguinte às oito da manhã.
Como meus irmãos, não eram chegados à pescaria, não
se importaram com o convite feito a mim, pelo meu pai.
Entrei em casa, o mais rápido possível, e comecei a me
organizar para aquela que seria a mais importante pescaria
de toda a minha vida, tão aguardada, no rio Araguaia, o
sonho de qualquer pescador naquela época.
Peguei a minha mochila e fui logo escolhendo as roupas
mais próprias para o local: camisas de mangas compridas e
calças, compridas também, pois já sabia sobre os ataques
dos mosquitos naquele rio. Peguei a minha maleta de
equipamentos de pesca - minha preciosidade - que eu
adquirira com muito esforço e dedicação.
Na terreno da casa do nosso avô, onde morávamos,
cresciam juntos plantas alguns capins, então, eu era o
responsável pela limpeza do quintal pois o mato dava um
aspecto feio ao jardim. Fazia isto uma vez por mês e meu
avô me pagava. Eu, pegava o dinheiro, e ia ao centro da
cidade para comprar anzóis, linha e todo o meu material de
pesca.
Tinha muito apreço por aquela maleta; foram meses de
suor no quintal, arrancando matinho e, agora, não via a
hora de chegar o dia seguinte para desfrutar do meu
trabalho.
Passei quase a noite toda em claro devido a ansiedade
que sentia em meu coração.
Amanheceu e eu me levantei. Meu café estava sobre a
mesa pois, minha mãe já estava de pé. Olhou-me fixamente
e falou:
“ Filho, seu pai bebeu um pouco demais ontem”.
50. “ Eu sei mãe, mas não vou deixar ele beber no caminho
para o rio, não.” Respondi sem entender bem o significado
daquelas palavras.
Levantei-me da mesa, peguei a minha mochila e disse
para minha mãe que iria esperar pelo meu pai sentado na
esquina da rua. Ela me abraçou, beijou-me na cabeça e
disse que podia ir em paz e que tomasse cuidado com
aquele rio.
Sai de casa e fiquei assentado na calçada do bar da
esquina. Olhei em meu pequeno e singelo relógio de pulso
digital e vi que já eram oito e vinte da manhã e meu pai
ainda não viera para me buscar.
Sr. Mário, o dono do bar, me perguntou se eu estava
esperando por alguém, pois observara que eu estava
olhando insistentemente na direção da rua, de acesso
àquela esquina.
“ Ei garoto, quem você esta esperando?”
“ Meu pai, ele hoje vai me levar para pescar lá no rio
Araguaia. Ele está um pouco atrasado mas logo, logo eu vou
ver o carro dele apontar naquela outra esquina”.
“ Ok! tudo bem. Fique à vontade e, se quiser, pode pegar
uma cadeira para ficar mais confortável. Este chão deve
estar duro”.
“ Obrigado, Sr. Mário. Estou bem aqui.”
Todo carro que surgia no início da rua me fazia gelar o
coração. Não existiam telefones celulares, naquela época,
senão, eu ligava para meu pai para saber qual o motivo da
demora.
Já eram dez horas da manhã e, nada.
Meus amigos estavam andando de bicicleta e me viram
sentado naquele lugar com a mochila do lado e
perguntaram:
“ Plus, aonde você vai?”
“ Vou pescar com meu pai. Ele está vindo para me
buscar”.
51. Já estava cansado de dar a mesma resposta a todos que
passavam e comecei a ficar envergonhado.
Um sentimento de frustração invadiu a minha mente e o
meu coração.
Deu uma hora da tarde e nada daquele carro aparecer na
rua. Ví vindo, na direção da esquina, um carro da mesma
côr e modelo do carro do meu pai e me levantei logo. Bati a
mão no ombro de um amigo, que havia parado por um
instante naquele lugar, e disse:
“ Meu pai está vindo. Agora tenho que ir”.
Tinha certeza que era o carro dele, gritei de alegria. O tal
carro da mesma côr e modelo se aproximava cada vez mais
perto e o gelo no coração de um menino, que já não se
controlava de tanta alegria, começou a aumentar, mas o
carro passou por mim devagar, olhei e o motorista e não era
o meu pai. Era uma mulher loira que conduzia o veículo.
Pensei comigo: “não pode ser, é o mesmo carro, até a côr
é igual”... Mas de novo, senti-me frustrado.
Meu amigo ficou rindo do lado. “Olha Plus, seu pai é tão
bonito!”
Minha mãe chegou ao local, pegou-me no braço dizendo:
“ Filho, vamos para casa, pois seu pai já foi”.
“ Não pode ser mãe, ele não iria me esquecer”.
“ Pois ele se esqueceu. Tentei te falar aquela hora em
casa que seu pai estava um pouco tonto e que não se
lembraria do compromisso feito contigo. Ele já foi para o rio
meu filho.”
“ Mãe, me deixa esperar só mais alguns minutos e já vou
para casa”.
Fiquei alí até as sete da noite, movido pelo desejo
desenfreado de estar com meu pai naquele rio, que tanto
sonhara em conhecer.
Antes de eu sair daquela calçada, Sr. Mário, me deu um
refrigerante e disse que era um presente e que eu não
precisaria pagar.
52. Acho que ele tentou compensar a minha decepção com o
refrigerante. Era o máximo que ele podia fazer por mim.
Agradeci, peguei a minha mochila e voltei para minha
casa, pensando e questionando em minha mente: “Por
quê?”
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Sentado na cama, após a ligação da minha irmã Priscila,
falando-me sobre a morte do meu pai, relembrei desse dia e
cheguei à conclusão de que eu o amava muito e que jamais
deveria ter deixado aquela mágoa fazer parte da minha vida
por tanto tempo.
Ele me levou para pescar outras vezes, em lugares
maravilhosos! foi um bom pai que errava, como qualquer
outro ser humano, mas nós, muitas vezes preferimos
ignorar a situação e até mesmo, uma pessoa, como uma
forma de punição, ao invés de perdoá-la. E quando se
percebe que o fim chegou naquela vida que desprezamos e
não tem como voltar atrás, encaramos a realidade e
percebemos que o orgulho falou mais alto do que o amor.
Cheguei à conclusão ali, sentado na minha cama que, não
usar o direito de perdoar é roubar o seu próprio destino.
Quantos momentos maravilhosos eu poderia ter vivido
com meu pai! quantas palavras poderíamos ter trocado, se
ao menos, eu atendesse às suas ligações!
Fiquei pensando nos filhos de casais separados - ou não -
que estavam vivendo a mesma realidade, retendo o amor e
o perdão, levando uma vida misturada de revolta e
carência, cuja base é um lar destruído.
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Levantei-me, vesti um terno, e fui encontrar-me com
Xavier para irmos ao hospital e tomar as decisões referentes
ao funeral do nosso pai.
53. Havia enterrado Fredy, meu melhor amigo, morto em um
acidente de carro. Nem bem cicatrizara a ferida, e já me vi
obrigado a ter que enterrar o meu pai, falecido aos
cinquenta anos de idade.
54. 8
MUDANÇA DE PLANO
Passada uma semana do enterro do meu pai, sentei-me
com Marley e Wilson considerando qual a melhor forma de
nos mudarmos para o estado de São Paulo a fim de darmos
um impulso na carreira artística do Marley.
As preparações, aceleradas como estavam, causavam
muito medo e desconforto ao meu amigo cantor e ele pediu-
nos para irmos mais devagar com os planos.
Separei algum dinheiro para investir naquele projeto pois
precisaríamos pagar a algumas rádios para tocarem as
músicas dele até que elas se tornassem conhecidas
embora, eu sentisse, que haveria interesse das emissoras
pelo trabalho que ele fizera o que faltava, mesmo, eram:
uma oportunidade na vida e o capital inicial, que ele não
tinha, mas acreditando no talento dele, eu apareci.
Marley tinha muito medo de fazer sucesso e sair do
anonimato e isto me fazia sorrir.
Na noite seguinte fui a casa do Dimitri, tirar algumas
dúvidas quanto aos custos para a organização de uma
banda, saber dos músicos que ele conhecia em São Paulo e
que, possivelmente, fariam parte dessa banda e também
sobre o valor que uma rádio nos cobraria para divulgar as
músicas do Marley. Chegamos à conclusão de que tudo
funcionaria da melhor forma possível.
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55. Era tarde da noite e eu já estava de saída quando Dimitri
me chamou para ir com ele ao sótão da sua casa dizendo
que precisávamos colocar tudo aquilo que conversamos na
presença do seu “guia espiritual”.
“ Quem é ele Dimitri ?”
“ Plus, ele é um deus que abre as portas a qualquer
sucesso”.
“ Dimitri o motivo, aqui, não é tanto o sucesso. Marley não
precisa de ser famoso ou rico, ele apenas quer transmitir
nas canções suas idéias e sentimentos e desde já te digo,
estou nisso só até que ele deslanche e consiga andar com
as próprias pernas, depois, eu estou fora. Você sabe que
tenho minha transportadora para cuidar e não posso me
envolver nisso mais do que já o fiz.
“ Tudo bem Plus, mas deixe-me colocar este projeto na
presença de meu guia”.
Subimos ao sótão, onde havia um altar todo preparado,
com velas coloridas e um livro, que parecia ser de magias,
aberto sobre uma pequena mesa.
Em silencio total, fiquei observando tudo aquilo, meus
olhos fitos em Dimitri que, agora, pronunciava palavras
ininteligíveis. Ele revirou os olhos e se prostrou diante do
altar em atitude de dedicação. Ficou totalmente em transe
como se outra pessoa houvesse se apossado do seu corpo.
Calado, eu não via a hora daquilo tudo acabar.
Ele se levantou e me chamou para voltarmos dizendo que
já estava tudo feito.
“ Ok Dimitri, vamos”.
Dei partida na camionete, engatando a ré para sair
depressa dali.
“ Tchau, Dimitri!
“ Tchau, Plus!”
Fui direto ao encontro do Marley e contei-lhe o que
acontecera na casa do Dimitri falando-lhe, também, do tal
“guia” espiritual.
A reação dele foi imediata:
56. “ Esse camarada é bruxo e não vai conosco para São
Paulo. Sei muito bem como funcionam esses pactos; em
todos eles, a pessoa tem que dar algo em troca. Logo, logo
esse “guia” pede a nossa alma”.
“ Marley, eu não entendo de bruxarias e pactos, na
verdade, nem dou muita “moral” para essas coisas mas, se
você acha que ele não deva ir conosco, resolvam isto entre
vocês. Ele participa deste projeto e é o responsável por
grande parte dele” .
“ Deixa comigo Plus, vou escrever uma carta e você a
entrega, pois não quero me encontrar com ele”.
“ Uma carta, brother? liga para ele e fala a verdade!”
“ Não, Eu sei que me expresso melhor escrevendo. É por
isso que faço músicas.”
“ Ok. Faz a carta que eu entrego. Vou ser o seu “pombo
correio” só por um dia; mas não se acostuma, porque a
próxima será cobrada, e minha hora tem um preço
exorbitante”.
Voltei à camionete e fui para o apartamento, pois já
passava das duas da manhã e eu tinha que liberar os meus
caminhões bem cedo para irem em direção ao nordeste do
país.
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Acordei atrasado e zonzo pelas informações da
madrugada. Apressei-me, em direção à transportadora,
onde os motoristas, nervosos e contrariados pela minha
demora, me esperavam.
“ Plus, você está distante dos negócios. Pensa em parar
com a transportadora? ou quer investir em algo diferente e
mudar de ramo?”
“ Gente, calma! cheguei um pouco atrasado por estar
organizando algumas outras coisas mas sei das minhas
responsabilidades; não pretendo mudar de negócio e só vou
57. precisar que o meu tio administre a transportadora por
alguns dias”.
Referia-me ao tio Noel que trabalhava comigo e era o
mais sistemático e correto dos motoristas.
“ Preciso passar alguns dias em São Paulo mas,
quinzenalmente, estarei em Goiânia e darei atenção a todos
vocês”.
“ Vai fazer o que em São Paulo, Plus?”
“ Vamos trabalhar, pessoal! as carretas estão carregadas
e o tempo está passando. São Paulo é responsabilidade
minha”.
Eles partiram para as respectivas viagens e eu, fui tratar
de deixar tudo organizado para meu tio Noel, com relação à
administração da transportadora.
Visitei os fornecedores, quitei todas as faturas e fiz um
novo estoque de pneus. Essas eram as duas atividades
dentro da firma, que mais exigiam a minha presença: fazer
os pagamentos e comprar pneus, o mais, tio Noel conduziria
tudo muito bem.
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Ao final do expediente e com tudo organizado, fechei o
escritório por um tempo, liguei o alarme do galpão e voltei
para casa pensando em descansar um pouco. Foi quando vi,
no banco do passageiro, o que faltava para que eu
terminasse as minhas obrigações daquele dia, a carta que
Marley escrevera para entregar ao Dimitri.
Parti para a casa dele, pensando no que lhe diria: “Dimitri,
você está fora do nosso projeto... seus olhos revirados me
deram pânico... o Marley acha que você é um bruxo e que
vai pôr tudo a perder”... Blá, blá, blá.
Realmente, esta era uma situação nova para mim e eu
não sabia como lidar com ela.
Dimitri, tinha muita esperança de ir conosco além, é claro,
da influência dele no meio musical, o que ajudaria muito na
58. carreira do Marley.
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Cheguei à sua casa mas preferi não descer do carro, ao
invés disso, usei o celular, pedindo-lhe que saísse:
“ Ei Dimitri, dá uma chegada aqui na porta que eu preciso
falar com você e entregar-lhe algo.
“ Você já está aí na porta Plus?”
“ Estou sim e confesso que tenho um pouco de pressa.”
Ele saiu, feliz por me ver, talvez pensando que eu
trouxesse boas notícias mas, infelizmente, era chegada a
hora de lhe entregar a carta e esperar a sua reação.
“ Dimitri, o Marley pediu para eu lhe entregar esta carta.
Vou esperar você ler e, depois, podemos conversar a
respeito”.
“ Ok Plus, vamos ver o que tem aqui”.
Logo, ao começar a leitura, já pude ver mudança em seu
semblante. Pairou no ar uma decepção misturada com
raiva.
“ Plus, o que é isto? que negócio é este aqui?
Ele estava revoltado.
“ Isto é a conclusão do Marley a seu respeito e que não
pode ser mudada, a menos que, você mesmo, vá adiante
com este assunto e discuta com ele o teor desta carta”.
“ Qual é a do Marley, “cara”? o que ele pensa que é?”
“ Dimitri, me perdoe, acontece que quando falei para ele,
essa coisa toda de consagração para fazer sucesso, ele se
fechou contigo e disse que não troca a alma dele por fama
alguma, que prefere seguir sem você. Desculpe-me mas, a
decisão de Marley permanece”.
“ Ok Plus, saiba que esse camarada não vai muito longe.
Já se acha uma “estrela” porque consegue reunir algumas
pessoas em torno do seu violão em uma mesa de bar. Eu,
na verdade, só queria adiantar as coisas”.
59. image
Não concordando com aquelas palavras entrei na
camionete, acenei-lhe, agradecendo por tudo e fui para
minha casa. No caminho, pus-me a pensar sobre os últimos
acontecimentos: a cena no hotel em São Paulo quando
Dimitri tirava palavras da boca do Marley enquanto ele
dormia; o altar no sótão e, ele mesmo, em estado de transe.
Comecei a ligar os fatos, concluindo que, definitivamente, a
idéia do “guia espiritual” de Dimitri não caberia em nosso
projeto.
Ele usava aquilo para proveito próprio a fim de conseguir
o que queria. Tirara informações de um camarada em pleno
sono e eu presenciei isso. Pensei : “se ele for conosco, o
próximo pode ser eu e, dormindo, fica difícil de se manter
alguma privacidade”. Eu não gostava de ser interrogado por
ninguém, então, não tive mais nenhuma dúvida de que
Marley fizera a coisa certa.
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No dia seguinte iniciei os preparativos da nossa ida para
São Paulo.
Precisávamos de um lugar com maiores possibilidades
artísticas.
Então, resolvi apressar um pouco as coisas.
Deixei uma mensagem no celular do Marley esclarecendo
que partiríamos para São Paulo até o final da semana.
“ Pôxa Plus, mais por que a pressa?”
“ Marley, aceleremos as coisas; chega de falar. Vamos
agir”.
Ele concordou e, no fim de semana partimos para São
Paulo juntamente com Wilson.
Foi só alegria aquela viagem! ficávamos imaginando e
verbalisávamos tudo o que ia nos acontecer!
60. Dez horas de viagem e Wilson deve ter enrolado uns dez
cigarros de maconha durante o percurso. Era um autêntico
viciado, se ficasse sem maconha entrava em desespero
completo.
Acabei entrando, também, naquela “onda” de fumar
“baseado”, o que começou a virar rotina; algo quase
imperceptível mas quando vi, aquilo já era parte de minha
vida.
Com o passar do tempo a maconha já não fazia tanto
efeito, pois fumávamos como descontrolados e passamos a
usar cocaína, porém, confesso que tinha muito medo desta
droga por causa do sentimento de poder, que ela dava, de
se sentir imbatível.
Isto me preocupava, porque, tudo em minha vida era
muito calculado e eu sentia que as drogas e o álcool
estavam me fazendo perder o auto-controle em minhas
decisões, nas diversas áreas da minha vida. Para mim, já
era normal tomar uma garrafa de “whisky” em poucas
horas.
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Fizemos uma boa viagem e, enfim, chegamos a São Paulo.
Fomos para Interlagos, bairro onde aluguei a casa que nos
serviria de escritório. Com algumas alterações também
seria ali o lugar de ensaio para os futuros “shows” da banda
do Marley.
A casa ficava em uma área nobre da cidade e tudo
favorecia o sucesso desta nossa nova caminhada.
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Logo na primeira noite, acordamos, em pânico por causa
do barulho dos tiros de metralhadora e fuzil vindos do lado
de fora. Disse para os companheiros que as duas pistolas
61. que eu tinha em mãos não fariam efeito algum contra
aquele arsenal de barulho estrondoso.
São Paulo cidade bacana, porém, cheia de tiros na noite.
É que, havia uma favela próxima ao bairro que
escolhemos onde, às vezes, os traficantes trocavam tiros.
Mas logo nos acostumamos e os tiros se tornaram como
música de ninar para nossos ouvidos.
A vizinhança, curiosa, não compreendia o motivo pelo
qual estávamos naquela casa. Sempre que nos viam saindo
ficavam de olho na placa do nosso carro e apontavam, uns
aos outros. para o nome do Estado que constava nela.
Ficavam se questionando o porquê de mudarmos do estado
de Goiás para o estado de São Paulo.
Até que, um dia, chegamos com os instrumentos musicais
que compramos no centro da cidade e, nos ensaios com o
barulho deles, todos os vizinhos ficaram sabendo o motivo
pelo qual havíamos trocado um Estado pelo outro: era a
música e o acesso rápido às gravadoras.
Começamos a nos entrosar e conhecemos alguns jovens,
vendedores na loja de instrumentos musicais, que eram
bons instrumentistas e, na minha mente, a banda já havia
começado.
62. 9
UM VAZIO QUASE
PALPÁVEL
Já havia alguns meses que estávamos em São Paulo e
tudo ia bem com os ensaios da banda prestes a começar,
mas, Wilson estava completamente dependente das drogas.
Nossa convivência se tornara insuportável. Conversei com
Marley e lhe disse que não compraria mais drogas e que
precisávamos prosseguir com o trabalho. Eu via que as
coisas caminhavam muito lentamente, nada acontecia
devido ao nosso vício.
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No mesmo dia, acabou a maconha e não me preocupei.
Marley também se controlou, mas, Wilson entrou em
desespero e começou a ficar inquieto e a dizer que
precisava de dinheiro e que queria as chaves do carro para
ir ao encontro de algum traficante.
A princípio recusei-me a dar dinheiro e não moveria uma
palha para ir atrás de drogas.
Realmente eu estava cansado daquela vida estúpida de
ficar drogado vinte quatro horas por dia.
Wilson não compreendeu e começou a ficar agressivo, foi
quando Marley chamou-me à parte e disse:
“ Plus, arruma uma “grana” e as chaves do carro pra mim,
porque vou com Wilson buscar esta droga. Ele está
desesperado e agora, neste momento, não podemos mudar
a situação”.
63. “ Ok Marley, aqui está o dinheiro e a chave do carro, mas
cheguei ao meu limite; não posso deixar que isto nos
domine”. Na verdade, em São Paulo, as drogas estavam
presentes todos os dias nas nossas vidas.
Uso de drogas começa como uma brincadeira, curiosidade
ou um momento de descontração e, quando você menos
espera, já esta atolado até o pescoço, na dependência.
“ Marley, quando vocês voltarem, conversaremos sobre
isto”.
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Eles sairam e eu fiquei em casa, pensando no que eu
estava fazendo com a minha vida e me vi cansado dela;
comecei a perguntar a mim mesmo a finalidade pela qual
eu estava no planeta Terra, se tinha algum outro propósito a
não ser o de viver a duzentos quilômetros por hora, na
loucura de curtir a vida, sem me dar tempo de pensar que
poderia haver outra forma de ser realmente feliz.
Naquele dia cheguei à conclusão que eu era o homem
mais triste que conhecia; estava rodeado de pessoas, mas
sozinho intimamente; tinha tudo o que queria, mas
continuava triste e vazio por dentro, não sabia nem o
motivo pelo qual estava vivo a não ser para viver o que
sabia viver e não me dar ao direito de conhecer uma nova
vida.
Senti que precisava de algo mais, porém não sabia o que
era.
Já havia tentado encontrar o prazer no sexo, com garotas
lindas, e não encontrei; nas bebidas e drogas e também não
encontrei; no dinheiro que trazia “status”, e fiquei frustrado.
Acendi um cigarro e fiquei imerso em meus pensamento
até que chegaram com a droga e Wilson totalmente maluco
com ela.
64. Chamei o Marley para tomarmos uma decisão a respeito
dele, pois seria impossível continuarmos daquela forma.
Como precisava ir à Goiânia e ficar por lá uns vinte dias
para resolver alguns problemas em minha transportadora e
fazer alguns acertos com os fornecedores, decidimos partir
no outro dia pela manhã e não mais voltaríamos com Wilson
para São Paulo.
Precisávamos muito dele e, por mais que fosse uma
decisão difícil de ser tomada, nós decidimos por ela.
No caminho para Goiânia discutimos algumas vezes e
Wilson passou a ficar mais e mais agressivo esmurrando o
painel do No caminho para Goiânia discutimos algumas
vezes e Wilson passou a ficar mais e mais agressivo
esmurrando o painel do carro, como um descontrolado, e
acabamos nos ofendendo, falando o que não devíamos.
Nunca havíamos discutido em mais de dezoito anos de
amizade, e isso me deu mais ânimo para procurar outra
forma de conduzir a minha vida.
Cheguei no limite daquela “vidinha” medíocre que estava
levando até os meus vinte e quatro anos de idade.
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Deixamos Wilson na casa da mãe dele e fomos ao
encontro da família do Marley. Chegando lá encontrei
Stefany, sua prima, que morava em outro Estado e fôra
passar uma semana com a família do Marley.
Jovem linda, parecia uma modelo, porém viciada em
cocaína. Já havia sofrido duas “overdoses” e não desistia do
vício que, para ela, era algo incontrolável.
Stefany, começou a se relacionar comigo e passamos a
usar cocaína juntos, mas logo me afastei dela, sentindo que
eu não estava ajudando a garota que tinha o olhar mais
triste que eu já conhecera.
Já não via brilho no olhar dela mas, sim, uma pessoa
distante e desamparada, trancada em um mundo paralelo,
65. acorrentada por um inimigo que havia criado em sua mente
e que não lhe permitia pedir socorro - o vício.
Ela voltou para o seu Estado e, no dia em que chegou, foi
à uma festa para receber um amigo que vivia nos Estados
Unidos e que havia regressado ao Brasil.
No meio dessa festa, Stefany decidiu ir para casa
descansar, pois sentia-se muito cansada e tinha
compromissos para o dia seguinte. Despediu-se de todos e
saiu mas, o jovem recém chegado, a seguiu e, no meio do
caminho, a abordou mostrando que tinha cocaína suficiente
para suprir a necessidade dos dois por um longo período.
Ela ficou firme e decidiu não entrar em seu carro mas
continuar a caminho de sua casa. O jovem voltou para festa
onde comentou com os amigos a sua frustração.
Stefany deitou-se em sua cama mas não conseguiu
dormir, então, decidiu voltar para festa, que estava
programada para se prolongar até de manhã.
Saiu de mansinho, para não incomodar ninguém e foi ao
seu destino. Chegando lá, comentou com os amigos que
não conseguira dormir e que queria curtir mais a noite.
O jovem, que estava com a cocaína, logo que a viu puxou-
a pelo braço e disse:
“ Vamos sair daqui e procurar um lugar onde possamos
ficar mais tranquilos para usarmos esta cocaína”.
Ao que ela respondeu:
“ Vamos, voltei para isso”.
Entraram no carro e não andaram dez minutos. O jovem,
que já estava completamente bêbado e drogado, colidiu o
carro com outro veículo em uma curva e, os dois, morreram
de imediato.
Quando fiquei sabendo disto me entristeci e, assustado,
pensei a que ponto um ser humano chega pelo prazer, até
aonde vamos para satisfazer o desejo obscuro que sufoca o
vazio da nossa alma.
Chorei ao lembrar que não ajudara aquela garota e
porque tinha feito a mesma coisa com Stefany que aquele
66. jovem tentou fazer através da droga, e não obteve o mesmo
sucesso que eu tive.
Mais uma vez senti a morte ao meu lado, um vazio, um
sentimento de perca, como no dia em que presenciei o fim
de meu amigo Fredy.
Quantos agora, neste momento, estão em alguma parte
do mundo se debatendo contra algum tipo de desejo
desesperador que o levará à morte em poucos minutos e
ninguém se preocupa com eles! Porque, na verdade, o que
vale é nosso sucesso pessoal e a forma como
administraremos a realização dos nossos prazeres. O lema é
respeitarmos a ética do individualismo.
As “Stefanys”, que encontrem um acidente nas curvas da
vida para finalizarem suas lutas... e esquecemos que, neste
mundo doente, nós somos os atores principais e podemos
mudar a estória desse filme de “terror”, começando pela
nossa própria estória de vida.
No dia após o acidente fui ao encontro do Marley e vi a
sua tristeza pelo que ocorrera com a sua prima.
Estávamos prontos para voltar à São Paulo, mas
resolvemos sair um pouco e ir uma boate tomar um bom
“whisky”, dançar com algumas garotas e tentar apagar
aquele transtorno.
Chegando lá, encontramos alguns amigos e, no primeiro
instante, foi muito divertido; dançamos e brindamos pelo
próximo CD do Marley e por nossas futuras vitórias, mas,
logo comecei a olhar ao meu redor e perceber que nada
daquilo estava me satisfazendo, tudo era a mesma coisa.
Marley notou e me perguntou:
“ Plus, o que está acontecendo? você já está assim há um
bom tempo, na verdade, há mais de um mês”.
“ Assim como, Marley?”
“ Esquisito, calado, sorri por sorrir, está junto de todos,
mas parece que ao mesmo tempo esta longe de tudo.
“ Marley, tenho só vinte quatro anos e estou cansado
disso tudo brother, cansado dessa mesmice e esta corrida
67. para acompanhar o sistema, preciso de algo novo”.
“ Realmente você não está legal cara. Vamos embora
deste lugar ou você vai surtar aqui”.
“ Não sou maluco não Marley, maluco é esse povo que
vive de boate em boate dançando e pulando, bebendo e se
drogando; se não arruma com quem transar na noite vai
para casa e se masturba por horas navegando na internet,
mentindo para si e para todos que está tudo bem enquanto
está tudo uma verdadeira desgraça. Não sabem, e nem se
preocupam em saber, no que vai dar essa loucura toda. Já
enterrei muitos amigos jovens nessa loucura de vida Marley,
só não quero ser o próximo a ser enterrado. Ainda não .Vou
sair fora disso tudo, pode escrever o que estou falando.
Chega!”
“ Ok Plus, agora vamos despedir da galera e vamos sair
fora.”
“ Já é hora Marley, vamos mesmo, porque amanhã temos
que sair cedo para São Paulo. Vamos em frente com este
projeto, pois agora falta pouco, muito pouco, para as suas
músicas começarem a tocar nas rádios.” Despedimos de
todos e partimos.
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Horas depois já estávamos a caminho de São Paulo,
escutávamos o CD do Marley, repetindo várias vezes
algumas músicas e discutindo o que poderia ser mudado
para melhorar a qualidade de algumas melodias. Chegamos
à noite na casa que havíamos alugado e tudo estava da
forma que foi deixado, porém, sentimos falta do Wilson.
68. 10
VOCÊ NUNCA MAIS SERÁ
O MESMO
No outro dia, pela manhã, fiz contato com um baterista e
ele aceitou tocar na banda; logo conseguiu arrumar um
baixista para nós.
Liguei para o rapaz que havia nos vendido os
instrumentos musicais e, que soubemos, ser um ótimo
guitarrista e o convidamos para trabalhar conosco. Ele
também aceitou. Tudo estava se encaixando, graças à
qualidade do vocalista e a minha disponibilidade em investir
na banda.
No final da tarde, fui com Marley em um “shopping
center”, para comprarmos algumas roupas e tomarmos uma
cerveja.
Ao entrarmos no carro, Marley enrolou um cigarro de
maconha e fomos fumando até chegarmos ao shopping.
Entramos lá, como se estivéssemos andando sobre as
nuvens. Esquecemos das compras e fomos direto para uma
mesa pedir uma cerveja, e depois outra, e mais uma e
depois outras. Eu me vi novamente, completamente
embriagado e, bem na minha frente, avistei uma livraria.
Perguntei ao Marley se gostava de ler e qual tipo de livros
ele gostava, ao que ele respondeu:
“ Plus, eu gosto de ler brother, porém, ultimamente, estou
lendo somente as músicas que componho”.
“ Já li vários livros Marley, disse-lhe, mas do que eu mais
gostava eram os de estórias infantis, sem maldade ou
69. malícia, coisas que perdi hà muito tempo”.
Olhei para a vitrine da livraria e vi uma Bíblia. Perguntei
ao meu amigo:
“ O que é que tem naquele livro que deixa algumas
pessoas mais malucas do que nós dois? Dias atrás vi um
camarada em uma praça levantando um livro desses e
gritando, com convicção, que havia um novo Caminho,
capaz de trazer a paz em meio à guerra e às
dificuldades e ele dizia que esse Caminho era Jesus.
Cheguei a pensar que ele estava maluco e passei direto.
“ Plus, esse livro é a Bíblia. A Palavra de Deus”.
“ Você já o leu todo?”
“ Li, há anos atrás e esse maluco que você viu na praça
estava certo, não precisa ter dúvida alguma. Fiz parte de
uma igreja cristã, inclusive, foi lá onde aprendi a compor e
cantar e onde paticipei em vários eventos”.
“ Eu me lembro quando você ia na igreja, porque você
sumiu naquela época.
Conheço uma garota que é cristã, gente fina a menina,
mas queria me levar para igreja e saí fora. Marley, vai
naquela livraria e compra aquela Bíblia de presente para
mim, estou a fim de ler essa “parada”.
“ Pô Plus, estou liso brother. Sem nenhuma “grana” no
bolso”.
“ Toma aqui a “grana”. Agora, vai lá e compra a Bíblia de
presente para mim. Vou me transformar num desses
malucos”.
“ Não brinca com isso não, “cara”, isso é sério. Vamos
tomar nossa cerveja e ficar de “boa”.
“ Vai lá Marley, eu quero esse livro. É sério”.
Ele foi e voltou com a Bíblia embrulhada em um papel de
presente tendo um cartão, com a seguinte mensagem:
“Você nunca mais será o mesmo”.
Li e perguntei-lhe sobre o que vinha a ser aquela
mensagem. E ele me respondeu:
70. “ Plus, eu nunca vi uma pessoa desta forma em que você
está, se interessar em ler a Bíblia, a não ser que o próprio
Deus esteja nisto, ou seja, o próprio Deus está te
chamando para conhecê-lo.Não têm ninguém aqui
falando de Jesus ou Bíblia e você começa com este assunto,
e mais, você está totalmente “chapado!” se isso não for
Deus, dou minha cara para você bater. Pode se preparar,
você nunca mais será o mesmo!”
Marley coçou a cabeça, intrigado e ficou me olhando
folheando as páginas daquele livro do qual eu nada
entendia.
Chegamos em casa e eu fui logo enrolar um cigarro de
maconha, dei uma tragada e fui ler o meu novo livro - a
Bíblia.
Li umas três páginas e comecei a fazer perguntas ao
Marley a respeito de algumas estórias e ele me respondeu:
“ Plus, não me sinto apto para ficar falando sobre a Bíblia
e na verdade não quero nem ficar comentando, mas posso
lhe dizer que é melhor começar ler o Novo Testamento, que
é mais fácil de se entender e depois, se quiser, você passa
para o Velho Testamento”.
“ Onde é isso, Novo Testamento?”
Pegou a Bíblia, dando um suspiro, e me entregou
novamente aberta no primeiro livro do Novo Testamento:
Mateus.
Dei mais uma tragada na maconha e fui adiante com
minha leitura. Cheguei a uma parte onde dizia que Jesus
fora para um deserto onde ficou quarenta dias sem comer e
foi tentado por satanás. Parei de ler, dei mais uma tragada e
comecei meditar naquela loucura toda.
Será que esse camarada, Jesus existe mesmo? será que
esse desgraçado de satanás mexe comigo? será que era
esse safado que ficava atormentando a minha mente e
passava, como vultos, em meu apartamento onde eu
acabava dormindo com minhas pistolas nas mãos?
71. Coloquei a Bíblia em cima da mesa, apaguei o cigarro de
maconha e falei:
Por hoje já chega, estou maluco demais. Vou tomar um
banho e dormir.
Quando entrei debaixo do chuveiro comecei a escutar
uma voz na minha própria mente, como se fosse algo que
soprasse em meu ouvido e ia direto ao meu cérebro, que
dizia:
“ Por que você não lê a Bíblia sem fumar a maconha? por
que você não dá um tempo para sua mente ficar sã e então
volta a ler a Bíblia?”
Pensei comigo: “Agora é só o que me faltava, estou
escutando voz dentro da minha própria mente”.
E me veio um sentimento de temor que tomou conta do
meu ser. “Será que existe um Deus que vê tudo o que
acontece aqui na terra? será que tudo, a respeito de Jesus, é
verdade?”
Terminei o banho e, saindo do meu quarto, dei de cara
com Marley que me disse:
“ Plus, vou te dar uma “dica” brother, não significa que
precisa acatá-la. Não fique se drogando e lendo a Bíblia,
desta forma, você não vai conseguir entender nada da
mensagem que este livro tem a lhe oferecer.”
“ Ok Marley. Engraçado! Eu estava pensando justamente
isso durante o banho”.
“ Plus, então saiba que é isso o que você tem que fazer”.
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Fui dormir já fora do efeito da droga e com aquilo na
cabeça, questionando se havia alguma possibilidade de
haver algum ser no invisível que estava soprando palavras
em minha mente querendo me mostrar algo que eu ainda
não conhecia, e logo senti outra voz que dizia:
“ Isso é loucura, isso é uma verdadeira palhaçada, você
não precisa de nada e de ninguém, você sempre se virou,