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Estranho justicEiro, dE
      GEorGE FlEtchEr, Por cinco
         milhõEs dE dólarEs, dE
       jamEs licknEr, VinGança a
      qualquEr PrEço, dE dErrick
       Burns, Paraíso sanGrEnto,
           dE stEVE Buttokiss,
      dEsaParEcimEnto dE judith,
     dE Graham carson, Estranha
      FidElidadE, dE jamEs lickEr,
        Paladino da EsPinGarda,
         dE stanwEll mcmillan,
      criminosos Pouco comuns,
     dE Graham carson, VontadE
       dE dEus, dE k. luGEr, inútil
     rEsGatE, dE donald winGatE,
         o nomE não imPorta, dE
        ryokE inouE, o Escritor
         BrasilEiro quE Entrou
      Para o GuinnEss contando

                                         Foto: Christina Rufatto
            histórias Em sériE.
              REPORTAGEM TAyNÉE mENDES

                                                                 O recordista Ryoki Inoue: livro novo em 6 horas
O sino da igreja central anuncia as 6 primeiras horas          atrasavam a linha de montagem porque passavam                                            A 190 quilômetros de São Paulo, a pequena Gonçalves,          muitos manuais de redação e estilo. Mas Ryoki afirma
 do dia. No topo da serra da Mantiqueira, o município           horas a fio, trancados no banheiro, devorando os livros                                  onde Ryoki mora há quatro anos, tem apenas 4.500              convicto que nunca seguiu nenhum deles.
 de Gonçalves aos poucos desperta. O padeiro prepara            de espionagem de Ryoki. “Se estivesse no lugar do                                        habitantes. Lá, todos o conhecem de vista. Mas poucos
 seus pães, o agricultor cuida de seu plantio. Na mesma
 hora, um profissional incomum se levanta para mais
                                                                empregador, eu faria o mesmo”, o escritor comenta.
                                                                “Não vale a pena perder um dia de trabalho por causa
                                                                                                                                                         sabem que aquele homem de ascendência japonesa,
                                                                                                                                                         olheiras pesadas, cabelos e barba grisalhos, braços curtos    por exigência dos
                                                                                                                                                                                                                       editores, Ryoki já
 um dia. Aconchega-se em sua cadeira, liga seus dois            de meus livros!”                                                                         e andar elegante embora arqueado, é um recordista
 computadores, um PC e um laptop, acende o cachimbo                                                                                                      mundial de livros. Quando as ideias não fluem, ele se enfia
 e começa a preencher a tela branca de seu monitor com          Ryoki tem, ele mesmo, uma rotina industrial. Passa,                                      na cozinha. A culinária disputa, ao lado do cachimbo, o
 o esboço de uma história que lhe veio à mente em plena
 noite. Eram 3 da manhã quando ele despertou a mulher,
                                                                em média, 10 horas por dia afundado em seus dois
                                                                computadores. Acorda às 6 horas da manhã, vai direto
                                                                                                                                                         primeiro lugar entre seus hobbies favoritos. A mulher
                                                                                                                                                         Nicole, que é artista plástica e também escritora, está
                                                                                                                                                                                                                       teve de usar 8
 Nicole: “Amor, acorda! Acabei de ter uma ideia para mais
 um livro. Quero saber o que você acha”.
                                                                para o escritório. Muitas vezes, às 2 da madrugada, ainda
                                                                é possível escutá-lo teclando em seu computador. Com
                                                                                                                                                         sempre a seu lado: Nicole e Ryoki são parceiros fiéis –
                                                                                                                                                         quando ele precisa de ideias, sempre consulta a esposa.       pseudônimos
                                                                esses hábitos férreos, Ryoki, que largou a medicina para
 Madrugadas maldormidas não são raras na vida de Nicole         se dedicar à literatura, já bateu todos os recordes. Sua                                 Com cômodos largos e móveis antigos, a pequena casa           Metódico, antes de começar um romance sempre faz
 Kirsteller Inoue, mulher do recordista mundial em livros       produção literária costuma ser comparada à de Georges                                    de Ryoki lembra uma fazenda. Ainda assim, o espaço            uma minuciosa pesquisa de campo ou na internet para
 publicados, José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. Em julho        Simenon, o escritor francês que, com sua imaginação                                      parece insuficiente. Nas paredes brancas, paisagens           confirmar a validade de seu projeto. Convencido de que
 de 2008, Ryoki atingiu a marca de 1.079 livros. Sua mente      inesgotável, se tornou um dos mais produtivos autores                                    bucólicas pintadas pela mulher remetem a um passado           está no caminho certo, só então ele monta um esboço
 não descansa. Em plena madrugada, ele não hesita em            de narrativas policiais. Imaginação? Com 1.079 livros                                    remoto. Um cheiro forte, mistura de mofo, nicotina e          do livro que pretende escrever, esmiuçando detalhes,
 acordar a esposa para saber se sua fabulosa ideia pode         publicados, 70 outros arquivados, contratos assinados                                    papel velho, impregna o ambiente de seu escritório.           construindo os personagens, localizando o enredo no
 gerar um fabuloso romance.                                     com cinco editoras e capaz de escrever quatro livros de                                  “É o verdadeiro aroma da intelectualidade”, brinca. Sua       tempo e no espaço. Para isso, mantém um banco de
                                                                uma só vez, Ryoki não atribui seu sucesso à imaginação.                                  biblioteca, acomodada em velhas estantes de cedro, mal        dados de cerca de 20 gigabytes em seu computador.
 1980. Rio de Janeiro. Toca a sirene do colégio Imperatriz      “Imaginação? Escrever uma romance é fruto de 98% suor                                    comporta todos os livros que possui. Ao lado de clássicos,    Entre seus truques de escritor está o de sempre começar
 Leopoldina. Na próxima rua, uma banca de jornais recebe        e o resto talento e sorte. É quase um trabalho braçal!”                                                                                                um livro pelo último capítulo. “Assim você já sabe aonde
 jovens clientes. Folheiam o jornal de esportes, revistas                                                                                                                                                              quer chegar e não se perde.”
 em quadrinhos e uns livrinhos de bolso, muito baratos,         Conhecido como o “rei dos livros de bolso”, Ryoki já
 com atrativas capas amarelas. Mário Feijó está ansioso         chegou a assinar 95% dos títulos disponíveis no mercado.                                                                                               Os ponteiros se aproximam da meia-noite. Ryoki está no
 para comprar os novos livros pockets, lançados a cada          Logo depois de seu nome entrar para o Guinness Book,                                                                                                   auge de seu processo criativo. Seu olhar se torna cada
 semana, de James Monroe, Jeff Taylor ou Bill Purse,            ele chegou a merecer uma reportagem de capa no Wall                                                                                                    vez mais intenso e fremente. Está completamente alheio
 autores de aventuras de faroeste, espionagem e ação            Street Journal. Para produzi-la, o jornalista americano Matt                                                                                           ao choro da neta, às chamadas de telefone e aos latidos
 policial, combinação irresistível para qualquer garoto de      Moffett o desafiou a escrever um romance em apenas 6                                                                                                   de seus seis cães. Não está ali, mas “dentro” de seu livro,
 12 ou 13 anos da época.                                        horas. Sentou-se ao lado de Ryoki às 11 da noite e só saiu                                                                                             em Roma talvez, presenciando uma experiência secreta
                                                                às 5 da manhã, quando o escritor colocou o ponto final                                                                                                         de cientistas. Copos manchados de café se
 Aos poucos, Feijó e seus amigos notaram que Monroe,            na 160ª página de seu romance, Sequestro Fast-Food,                                                                                                                          espalham pela mesa. A Nona
 Taylor e Purse tinham estilos muito semelhantes de             publicado pela editora Olho d’Água.                                                                                                                                          Sinfonia de Beethoven enche
 narrativa. Na verdade, não passavam de pseudônimos                                                                                                                                                                                          o ambiente. A música o ajuda a
 de um mesmo autor: Ryoki. “Difícil imaginar que um             Por exigência de editores que não acreditam na força                                                                                                                         escrever. Aprecia a música erudita,
 escritor sozinho pudesse produzir tanto. Mais tarde,           comercial de nomes brasileiros ou japoneses, Ryoki já                                                                                                                        mas, quando está trabalhando
 descobri que ele existia e era o “alter ego” de todos          teve de usar 38 pseudônimos de origem americana. Por                                                                                                                         em uma narrativa urbana, não




                                                                                                                               Foto: Christina Rufatto
 aqueles escritores gringos que líamos para descansar           vingança, ele começou a inventar sobrenomes fictícios                                                                                                                        dispensa o jazz.
 a cabeça da matemática”, relembra Feijó, que hoje, não         com significados indecentes. Foi assim que surgiram
 por acaso, também é escritor. Em 1990, o International         pseudônimos como James Licker, Steve Buttockiss, Bill                                                                                                                       Nas horas vagas, Ryoki ministra
 Guinness Book of Records já registrava o nome de Ryoki         Purse e Charles Hardwood. Se um aumento no preço dos                                                                                                                        cursos de escrita rápida pela
 como o homem que mais escreveu e publicou livros em            originais era recusado, o escritor mais prolífico do mundo                                                                                                                  internet. É um homem prático. O
 todo o planeta.                                                usava sua criatividade, também, para se vingar de editores                                                                                                                  que não o impede de alimentar um
                                                                que o contrariavam. “Eu achava uma tradução para o                                                                                                                         sonho: assistir nas telas de cinema
 Nos anos 1980, os livros de Ryoki eram tão populares           sobrenome de meu editor e dava um jeito de ferrar com                                                                                                                      à adaptação de um de seus livros.
 que chegavam a influir na qualidade da vida profissional.      o personagem”, sorri vingativo. “Um editor de sobrenome                                                                                                                    Ainda não sabe qual o próximo
 Naquela época, uma grande montadora de automóveis              Coelho”, por exemplo, “inspirou o personagem Jack                                                                                                                          romance que irá escrever. Mas uma
 decidiu que só contrataria operários que não tivessem o        Rabbitt, que sempre se dá mal”, diz, entre uma tragada e                                                                                                                   coisa ele garante: “Vai vender como
 hábito de ler livros de bolso. O motivo: alguns funcionários   outra de seu emblemático cachimbo.                                                                                                                                         pão quente!”.

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  • 2. O sino da igreja central anuncia as 6 primeiras horas atrasavam a linha de montagem porque passavam A 190 quilômetros de São Paulo, a pequena Gonçalves, muitos manuais de redação e estilo. Mas Ryoki afirma do dia. No topo da serra da Mantiqueira, o município horas a fio, trancados no banheiro, devorando os livros onde Ryoki mora há quatro anos, tem apenas 4.500 convicto que nunca seguiu nenhum deles. de Gonçalves aos poucos desperta. O padeiro prepara de espionagem de Ryoki. “Se estivesse no lugar do habitantes. Lá, todos o conhecem de vista. Mas poucos seus pães, o agricultor cuida de seu plantio. Na mesma hora, um profissional incomum se levanta para mais empregador, eu faria o mesmo”, o escritor comenta. “Não vale a pena perder um dia de trabalho por causa sabem que aquele homem de ascendência japonesa, olheiras pesadas, cabelos e barba grisalhos, braços curtos por exigência dos editores, Ryoki já um dia. Aconchega-se em sua cadeira, liga seus dois de meus livros!” e andar elegante embora arqueado, é um recordista computadores, um PC e um laptop, acende o cachimbo mundial de livros. Quando as ideias não fluem, ele se enfia e começa a preencher a tela branca de seu monitor com Ryoki tem, ele mesmo, uma rotina industrial. Passa, na cozinha. A culinária disputa, ao lado do cachimbo, o o esboço de uma história que lhe veio à mente em plena noite. Eram 3 da manhã quando ele despertou a mulher, em média, 10 horas por dia afundado em seus dois computadores. Acorda às 6 horas da manhã, vai direto primeiro lugar entre seus hobbies favoritos. A mulher Nicole, que é artista plástica e também escritora, está teve de usar 8 Nicole: “Amor, acorda! Acabei de ter uma ideia para mais um livro. Quero saber o que você acha”. para o escritório. Muitas vezes, às 2 da madrugada, ainda é possível escutá-lo teclando em seu computador. Com sempre a seu lado: Nicole e Ryoki são parceiros fiéis – quando ele precisa de ideias, sempre consulta a esposa. pseudônimos esses hábitos férreos, Ryoki, que largou a medicina para Madrugadas maldormidas não são raras na vida de Nicole se dedicar à literatura, já bateu todos os recordes. Sua Com cômodos largos e móveis antigos, a pequena casa Metódico, antes de começar um romance sempre faz Kirsteller Inoue, mulher do recordista mundial em livros produção literária costuma ser comparada à de Georges de Ryoki lembra uma fazenda. Ainda assim, o espaço uma minuciosa pesquisa de campo ou na internet para publicados, José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. Em julho Simenon, o escritor francês que, com sua imaginação parece insuficiente. Nas paredes brancas, paisagens confirmar a validade de seu projeto. Convencido de que de 2008, Ryoki atingiu a marca de 1.079 livros. Sua mente inesgotável, se tornou um dos mais produtivos autores bucólicas pintadas pela mulher remetem a um passado está no caminho certo, só então ele monta um esboço não descansa. Em plena madrugada, ele não hesita em de narrativas policiais. Imaginação? Com 1.079 livros remoto. Um cheiro forte, mistura de mofo, nicotina e do livro que pretende escrever, esmiuçando detalhes, acordar a esposa para saber se sua fabulosa ideia pode publicados, 70 outros arquivados, contratos assinados papel velho, impregna o ambiente de seu escritório. construindo os personagens, localizando o enredo no gerar um fabuloso romance. com cinco editoras e capaz de escrever quatro livros de “É o verdadeiro aroma da intelectualidade”, brinca. Sua tempo e no espaço. Para isso, mantém um banco de uma só vez, Ryoki não atribui seu sucesso à imaginação. biblioteca, acomodada em velhas estantes de cedro, mal dados de cerca de 20 gigabytes em seu computador. 1980. Rio de Janeiro. Toca a sirene do colégio Imperatriz “Imaginação? Escrever uma romance é fruto de 98% suor comporta todos os livros que possui. Ao lado de clássicos, Entre seus truques de escritor está o de sempre começar Leopoldina. Na próxima rua, uma banca de jornais recebe e o resto talento e sorte. É quase um trabalho braçal!” um livro pelo último capítulo. “Assim você já sabe aonde jovens clientes. Folheiam o jornal de esportes, revistas quer chegar e não se perde.” em quadrinhos e uns livrinhos de bolso, muito baratos, Conhecido como o “rei dos livros de bolso”, Ryoki já com atrativas capas amarelas. Mário Feijó está ansioso chegou a assinar 95% dos títulos disponíveis no mercado. Os ponteiros se aproximam da meia-noite. Ryoki está no para comprar os novos livros pockets, lançados a cada Logo depois de seu nome entrar para o Guinness Book, auge de seu processo criativo. Seu olhar se torna cada semana, de James Monroe, Jeff Taylor ou Bill Purse, ele chegou a merecer uma reportagem de capa no Wall vez mais intenso e fremente. Está completamente alheio autores de aventuras de faroeste, espionagem e ação Street Journal. Para produzi-la, o jornalista americano Matt ao choro da neta, às chamadas de telefone e aos latidos policial, combinação irresistível para qualquer garoto de Moffett o desafiou a escrever um romance em apenas 6 de seus seis cães. Não está ali, mas “dentro” de seu livro, 12 ou 13 anos da época. horas. Sentou-se ao lado de Ryoki às 11 da noite e só saiu em Roma talvez, presenciando uma experiência secreta às 5 da manhã, quando o escritor colocou o ponto final de cientistas. Copos manchados de café se Aos poucos, Feijó e seus amigos notaram que Monroe, na 160ª página de seu romance, Sequestro Fast-Food, espalham pela mesa. A Nona Taylor e Purse tinham estilos muito semelhantes de publicado pela editora Olho d’Água. Sinfonia de Beethoven enche narrativa. Na verdade, não passavam de pseudônimos o ambiente. A música o ajuda a de um mesmo autor: Ryoki. “Difícil imaginar que um Por exigência de editores que não acreditam na força escrever. Aprecia a música erudita, escritor sozinho pudesse produzir tanto. Mais tarde, comercial de nomes brasileiros ou japoneses, Ryoki já mas, quando está trabalhando descobri que ele existia e era o “alter ego” de todos teve de usar 38 pseudônimos de origem americana. Por em uma narrativa urbana, não Foto: Christina Rufatto aqueles escritores gringos que líamos para descansar vingança, ele começou a inventar sobrenomes fictícios dispensa o jazz. a cabeça da matemática”, relembra Feijó, que hoje, não com significados indecentes. Foi assim que surgiram por acaso, também é escritor. Em 1990, o International pseudônimos como James Licker, Steve Buttockiss, Bill Nas horas vagas, Ryoki ministra Guinness Book of Records já registrava o nome de Ryoki Purse e Charles Hardwood. Se um aumento no preço dos cursos de escrita rápida pela como o homem que mais escreveu e publicou livros em originais era recusado, o escritor mais prolífico do mundo internet. É um homem prático. O todo o planeta. usava sua criatividade, também, para se vingar de editores que não o impede de alimentar um que o contrariavam. “Eu achava uma tradução para o sonho: assistir nas telas de cinema Nos anos 1980, os livros de Ryoki eram tão populares sobrenome de meu editor e dava um jeito de ferrar com à adaptação de um de seus livros. que chegavam a influir na qualidade da vida profissional. o personagem”, sorri vingativo. “Um editor de sobrenome Ainda não sabe qual o próximo Naquela época, uma grande montadora de automóveis Coelho”, por exemplo, “inspirou o personagem Jack romance que irá escrever. Mas uma decidiu que só contrataria operários que não tivessem o Rabbitt, que sempre se dá mal”, diz, entre uma tragada e coisa ele garante: “Vai vender como hábito de ler livros de bolso. O motivo: alguns funcionários outra de seu emblemático cachimbo. pão quente!”.