Lembrar o que não deve ser esquecido sobre Auschwitz
1. OPINIÃO Lembrar o que não deve ser esquecido
José Miguel Sardica
Professor da Universidade Católica Portuguesa
Aproveito o dia de hoje, em que o Campeonato Eu- Ricardo Montolivo, médio da seleção italiana, confes-
ropeu de Futebol a decorrer na Polónia e Ucrânia faz sou-se “atordoado pela experiência” e mergulhado
uma pausa para falar, não do futebol em si já jogado, “num grande vazio”. O avançado inglês Theo Walcott
mas das emoções úteis que por vezes rodeiam estes achou o cenário “irreal”; tinham-lhe explicado a histó-
grandes acontecimentos desportivos. E não me estou ria na escola, “mas nunca poderia imaginar algo deste
a referir à loucura patriótica dos adeptos e das ban- calibre”, disse. Ao seu lado, o colega Wayne Rooney
deiras ou ao desespero com que os mesmos recebem a (jogador conhecido pela imagem de hooligan que em
notícia de uma derrota ou de uma eliminação. regra o acompanha), fixado nas pilhas de roupa e de
Na semana que antecedeu o início da competição, sapatos, apenas acrescentou: “sabemos que as crian-
os jogadores e treinadores das seleções nacionais da ças de hoje estão interessadas em jogadores de fute-
Itália, da Inglaterra, da Holanda e da Alemanha apro- bol, mas nestas alturas devemos olhar para o desporto
PÁG. veitaram uma pausa nos seus treinos para visitarem noutra perspetiva. Será muito bom se a nossa visita
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o campo de concentração e extermínio de Auschwitz, ajudar mais gente a compreender o que realmente se
situado em território polaco, a pouco mais de 40 km passou aqui”. A comitiva inglesa foi acompanhada por
de Cracóvia. Não sei de quem foi a ideia e como ela Avram Grant, israelita e antigo treinador do Chelsea,
se generalizou; mas foi uma excelente ideia, pelo im- que perdeu quinze familiares em Auschwitz. Emocio-
pacto mediático e didático que essas visitas tiveram, nado, Grant agradeceu à Federação Inglesa de Fute-
sobretudo junto dos públicos mais jovens, pouco ha- bol: “É muito importante que estejam aqui. É impor-
bituados a verem os seus heróis dos estádios vaguea- tante falar sobre isto e difundir a mensagem do que
rem cabisbaixos entre os crematórios e as câmara de se passou aqui”. Já Oliver Bierhoff, diretor técnico da
gás de tão maldito local. Eis um caso em que gente “Maanschaft” (a selecção alemã), explicou que, com
famosa emprestou a sua imagem à rememoração de a visita a Auschwitz, a delegação germânica quisera
um dos mais odiosos episódios da história civilizacional “fazer um gesto” e mostrar com ele “um capítulo ne-
do século XX – e lembrar Auschwitz e o genocídio ali gro da história alemã que não se pode repetir”. Talvez
perpetrado, à medida que o tempo vai passando, tem os jogadores, por eles próprios, não se lembrassem de
de ser uma tarefa de todos, principalmente dos que, ocupar uma tarde ou uma manhã com tão tenebrosa
por serem conhecidos das grandes multidões, podem visita; e acompanhados pelas câmaras, lá foram dizen-
exercer sobre estas alguma pedagogia para a memó- do o que lhes parecia apropriado ou conveniente. Mas
ria. Das declarações produzidas pelas estrelas da bola fizeram-no, e com isso realizaram um gesto significa-
ressalta um tom comum – o de que é preciso “ir lá” e tivo, que talvez contribua para recordar ao planeta o
“estar lá” para começar (mas só começar...) a perce- horror do especialíssimo crime de “hooliganismo” to-
ber a extensão do crime nazi e a “banalização do mal” tal cometido anos a fio na mesma Polónia que hoje
(na expressão de Hannah Arendt) que dali irradiou. recebe o festivo Euro 2012.
À espera de bom senso Para a Grécia quebrar o ciclo vicioso da austeridade-
recessão, precisa que os seus parceiros lhe concedam
Não é verdade que as decisões egoístas que apenas mais tempo e os principais credores aceitem rever as
maximizam o bem estar individual garantam a ges- condições da ajuda. Sem isso, não voltará a paz às ruas
tão eficiente das sociedades. No recente congresso da e os radicais do Syriza (que, em 2009, valiam menos
ACEGE, o economista Diogo Lucena desmontou esta de 5% dos votos e agora já valem 27%) acabarão por
falácia liberal provando que, em múltiplas situações, receber o poder no colo.
as estratégias altruístas, que incluem valores como a Nesse cenário, a saída do euro será uma inevitabilida-
solidariedade, aumentam o bem estar colectivo. Ou de e a democracia grega poderá ser a primeira vitíma.
seja, o “amor ao próximo” tem valor económico e Mas toda a Europa será arrastada na queda de Atenas,
pode ser um critério eficiente de gestão. com Berlim à cabeça.
Pena a senhora Merkl desconhecer estas teorias eco- A esperança de mudança vem agora do esforço con-
nómicas mais inovadoras. junto de Obama e Hollande, mas cabe a cada país-
Os gregos são, obviamente, os primeiros interessados membro da União fazer ouvir a sua voz exigindo mais
em mudar de vida. Daqui a poucas horas, saberemos solidariedade global, na Europa e no mundo. É bom
se o seu voto de domingo conseguirá traduzir-se num ver Cavaco Silva, no artigo hoje publicado no “i” e di-
novo Governo com condições para promover essa mu- rigido aos lideres na cimeira do Rio, a juntar a voz de
dança. Mas são todos os outros países do euro (com Portugal a este clamor de bom senso.
Portugal e Espanha na linha da frente!) os principais
interessados no sucesso do ajustamento grego. Graça Franco
r/com renascença comunicação multimédia, 2012