O documento compara as negociações da Grécia com a troika à Conferência de Munique em 1938, onde os líderes europeus discutiram o destino da Checoslováquia sem a presença dos checos. Também destaca as declarações alemãs sobre Portugal e as dúvidas sobre a capacidade portuguesa de cumprir as metas, podendo o ministro das finanças português enfrentar o mesmo problema que o grego. Conclui que a Alemanha precisa da Europa para manter sua influência, mas não deve dar a ideia
As negociações com Atenas pareceram-se com a Conferência de Munique em 1938
1. José Miguel Sardica
Professor da Universidade Católica Portuguesa
«Deutschland über alles» («A Alemanha acima de “contentado” em retirar à Checoslováquia apenas
todos»), título do hino nacional germânico desde a região dos Sudetas. O alívio durou seis meses:
os tempos da República de Weimar, é um bom ró- em 1939, Hitler anexou o que restava da Checos-
tulo qualificativo das atitudes que a diplomacia lováquia e varreu do mapa a última democracia
de Berlim tem tomado nos últimos dias em rela- subsistente no leste europeu. Oxalá não seja esta
ção à Europa periférica e pobre. a história da Grécia no médio prazo.
Ao cabo de semanas de suspense e tumulto em Entretanto, a Portugal, os alemães enviam re-
Atenas, o parlamento grego, à beira do motim paros, avisos e recados. Angela Merkel, Martin
e a custo controlado Schulz e Christian Wulff
pelo governo de Lucas proferiram declarações
As negociações com Atenas
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Papademos, aprovou públicas que, em diver-
finalmente no passa- pareceram-se com a Conferência sos estilos, mostram o
do Domingo o plano de de Munique em 1938. Nessa zelo germânico em en-
austeridade (mais um) altura, enquanto Hitler, Mussolini, sinar aos “indígenas”
sem o qual a Alemanha Chamberlain e Daladier conversavam da periferia portuguesa
e a Europa não desblo- como devem comportar-
queariam o novo paco-
sobre o que fazer aos Sudetas e à se na Europa “deles”. E
te de ajuda de 130 mil Checoslováquia, os pobres delegados houve ainda a conversa
milhões de euros. O di- do governo checo aguardavam numa privada, mas tornada
álogo – se “diálogo” se sala ao lado para saberem se ainda pública, do ministro das
pode chamar às ordens teriam um país para onde voltar finanças alemão, Wol-
dadas por um Estado so- fgang Schäuble, com o
berano a outro – foi tão
quando os grandes acabassem a seu homólogo portu-
duro que o ministro das discussão guês, Vítor Gaspar. Os
finanças Evangelos Veni- pressurosos ministros
zelos chegou a invocar a humilhação que sentia Miguel Relvas e Paulo Portas interpretaram a
como representante de um país com 25 séculos de abertura de Schäuble para vir a equacionar um
história. As negociações com Atenas pareceram- plano de reestruturação da ajuda a Portugal
se com a Conferência de Munique em 1938. Nessa como um elogio e um voto de confiança de Berlim
altura, enquanto Hitler, Mussolini, Chamberlain a Lisboa. Duvido que tenha sido isso. O que o mi-
e Daladier conversavam sobre o que fazer aos nistro alemão disse implicitamente é que Berlim
Sudetas e à Checoslováquia, os pobres delegados tem dúvidas sobre a capacidade de Portugal cum-
do governo checo aguardavam numa sala ao lado prir as suas metas e que daqui a uns meses Gaspar
para saberem se ainda teriam um país para onde poderá estar no mesmo aperto de Venizelos.
voltar quando os gran- A Alemanha está pro-
des acabassem a discus- O que o ministro alemão disse fundamente, porventu-
são. Assim está o gover- implicitamente é que Berlim tem ra mais do que quere-
no grego sempre que o dúvidas sobre a capacidade de ria, inserida no espaço
directório europeu ou a Portugal cumprir as suas metas e que europeu. Não podendo
troika se reúnem. Estará ser uma superpotência
daqui a uns meses Gaspar poderá
a Grécia a salvo? Só por mundial, precisa da Eu-
milagre. Os cortes que estar no mesmo aperto de Venizelos. ropa para continuar a
Atenas terá que fazer, ser a Alemanha rica e
em salários, pensões, empregos e despesa pública dominante que é. Não deve dar ao mundo a ideia
são de tal ordem que os custos sociais vão dispa- de que a Grécia, Portugal e quem mais venha po-
rar, num país onde o desemprego já ultrapassa os derão ser expulsos do Euro quando e como der
20% e em que 1/3 da população já vive na pobre- mais jeito a Berlim – e muito menos de que os
za. Os delegados checos enviados à Conferência grandes da Europa sustentam os pequenos como
de Munique regressaram a Praga com um suspiro a corda segura o enforcado. Se assim for, adeus
de alívio: afinal, os grandes da Europa tinham-se Europa!
r/com renascença comunicação multimédia, 2012