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Antropologia, ISCTE - 2008
Antropologia, Empresa e consumo.
Tutor: Profª Drª Graça Índias Cordeiro
Rui Assis
Aluno Nº 25416
Turma AC2
Licenciatura Antropologia
Rui Assis 1
Antropologia, ISCTE - 2008
Introdução
O Homem não pode “despir” o seu back ground cultural e social. As empresas e o
consumo fazem parte da minha história enquanto indivíduo e agente social, pelo que
juntar-lhe a teoria antropológico é um enorme desafio. A “carga” história, codificada
nas minhas sinapses pelos termos de outras disciplinas académicas, como a Gestão ou o
Marketing (dominadoras neste universo), adiciona a este desafio uma responsabilidade
académica pelo dever de respeito por todos os professores, autores, colegas e academia
em geral. Sei que tratarei de um universo a explorar em Portugal. Neste caso, é um
privilégio ter uma relação de dezoito anos com uma empresa multinacional ligada ao
consumo. Tentarei adicionar valor à produção de conhecimento antropológico aplicado
nas empresas, de uma forma independente, ou seja, financeiramente independente1
. Há
várias teorias em prática nos EUA e Inglaterra. Acredito nas culturas locais2
e nos
termos das suas necessidades. Uma exposição sobre este tema pressupõe uma busca de
conhecimentos de outras disciplinas e a consequente relação interdisciplinar, pois falar
de empresas e de comportamentos de consumo, que são temas específicos, obriga-me a
dar prioridade à resolução e compreensão desta problemática, sem teorizar
demasiadamente. Acredito que os estudos antropológicos podem contribuir para que as
empresas sejam socialmente responsáveis,3
baseando-se em 12 convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), na declaração dos direitos do Homem das
Nações Unidas e na Convenção das Nações Unidas dos direitos das Crianças, a norma
SA 8000. Não devo falar de consumo, sem falar de consumo verde, ou consumo
socialmente consciente (produtos cuja produção não tem mão de obra infantil, trabalho
forçado, discriminação, falta de segurança ou qualquer outro atentado contra o Homem
e contra o planeta).
Tenho a profunda convicção que os Licenciados em Antropologia não devem ser mais
valorizados, mas são mais capazes nas matérias atrás apontadas. Só com a sensibilidade
dos Antropólogos, e a sua inclusão nas empresas, teremos modelos e políticas
económicas sustentáveis. Basta desmistificar o papel da Antropologia e aplicá-las na
produção de conhecimento útil para as empresas, consumo e consumidores.
1
Alusão ao crescimento da Antropologia, séc. XIX, ligada às empresas e governos coloniais.
2
Para alguns autores a Globalização (o seu instrumento capitalista e a sua extensão tecnológica) pode
provocar a “uniformização cultural”.
3
Social accountability international (SA 8000). Destinada a auxiliar as empresas, a SA 8000, especifica
requisitos de RSE, contribuindo para uma uniformização internacional de padrões, é auditável, está
sujeita a revisões periódicas, e permite a verificação do sistema por uma terceira parte.
Rui Assis 2
Antropologia, ISCTE - 2008
Exposição
Em 1987, na Europa, Jeremy Boissevain, no livro “Amigos de amigos: redes sociais,
manipuladores e coalizações” apresenta um conflito entre a Antropologia tradicional
(aquela que o autor aprendeu) e a Antropologia Social contemporânea. Este autor acusa
a hierarquia académica de personificar um sistema de vassalagem, onde as crenças
científicas dos funcionalistas estruturais sustentam os seu papeis e vice-versa. Uma vez
no topo da hierarquia de poder das comunidades académicas, estas hierarquias inibem o
desenvolvimento da pesquisa científica (Boissevain 1987, 216). A produção do
conhecimento Antropológico, pelo menos o da “velha escola” – funcionalismo
estrutural, entrou em colapso. Mas a Antropologia tem capacidade de demarcação, pelo
seu “objecto” em permanente evolução, das demais ciências sociais no que respeita ao
conhecimento. O aparecimento da Antropologia do Consumo e Antropologia
Económica (com um papel objectivo, fora das academias) é disso um bom exemplo. O
conhecimento do mundo moderno é feito de maneira sistemática, mas empírica.
O desafio é pensar sempre em termos de interdisciplinaridade. Os antropólogos têm que
ser objectivos e reconhecer que precisam das outras ciências Sociais. Não podemos
formar decisões apenas com técnicas de observação participante. De um ponto de vista
pragmático não devemos ter a ambição de tentar destronar as ciências instaladas no
interior das empresas (Gestão, Gestão de Rec. Humanos, Administração, Marketing,
Sociologia), mas provar que somos os melhor preparados para compreender alguns
problemas que afectam as empresas e o seu objecto, os consumidores, como por
exemplo: sociedades multi étnicas e identificação local. A evolução das diásporas de
povos africanos, de leste, Brasil, com implicações no que respeita ao consumo, é um
facto. As empresas de produtos globais devem perceber estes constrangimentos locais.
Por outro lado, cada vez mais o colaborador é, erradamente, um indicador de gestão.
Mais tarde ou mais cedo terá que emergir uma ciência que compense os erros actuais de
outras teorias. Uma ciência que restitua empatia nas relações laborais e hierárquicas.
Que compreenda os colaboradores de uma empresa e os seus clientes nos seus próprios
termos. Este facto será ainda mais importante se compreendermos que a nossa cultura
empresarial e social não é meritocrata, ou seja, até podem existir projectos de carreira,
avaliações rigorosas e prémios de realização de objectivos. Mas na altura de escolher
um indivíduo para um cargo, na decisão, o factor confiança pessoal ou estratégica terá
Rui Assis 3
Antropologia, ISCTE - 2008
sempre um peso superior ao mérito eventual de outros indivíduos. O que me preocupa é
que esta problemática tem um cariz cultural (as excepções são de empresas estrangeiras
a laborar em Portugal). Habituamo-nos a assistir ás dinastias “Aristocratas”das famílias
Mello, Espírito Santo, Soares dos Santos,4
às centenas de nomeações políticas (sempre
que muda um Governo), até à falta (sistematização) da cultura do mérito nas empresas
em geral. O capital social e económico do individuo, nas empresas, pode sobrepor-se ao
seu próprio mérito.
Hoje, o antropólogo já não procura o outro, enquanto estereótipo, ou seja, antes se um
oriental se aproximasse dos padrões ocidentais, deixava de ter interesse para o
antropólogo. Mas, agora a questão, para o antropólogo, deve ser: como ajudar a manter
as culturas que estão a ser ocidentalizadas? Como lhes proporcionar o conforto da sua
cultural “natural”? Quantos Indianos existem em Portugal, que nunca foram à Índia?
Este é um dos exemplos de organização inside que lhes permite manter os padrões de
consumo da sua cultura (via Londres – maior diáspora de Indianos). Se tal não
acontecer, como disse Nigel Rapport, “estaremos todos a ser crioulisados”. Assim,
devemos aplicar os conhecimentos antropológicos empreendendo mais informação
sobre a diversidade cultural promovendo mais tolerância e compreensão, do ponto de
vista da dos seus bens de consumo. Hoje já se fala em etnomarketing. Os bens já podem
funcionar como um sistema de informação. Já é dada importância às manifestações
locais, mas em que os contextos são tudo menos locais. Appadurai chamou-lhe falácia5
,
porque os objectos, imagens e discursos não são equivalentes, convergentes e
isomórficos ou espacialmente consistentes. Estão numa disjunção. Têm diferentes
velocidades, eixos, pontos de referência e variam de diferentes regiões e estruturas, ou
sociedades. Provocam problemas no próprio quotidiano, equidade, sofrimento.
A imaginação social é um dos aspectos positivos da globalização que condiciona a vida
comum dos cidadãos –sujeitos sociais, que os leva a resistirem colectivamente. Mas
4
“A família, as relações e os sentimentos de parentesco são cruciais para a produção
e reprodução do desempenho económico destes grupos empresariais … A existência e o
êxito continuado das empresas familiares de grande dimensão constrói-se sobre uma
articulação de lógicas, que por serem consideradas antagónicas, tornam-se um desafio
às Ciências Sociais e Económicas, que insistem em afastar a família e parentesco das
análises macroeconómicas”, Antónia Pedroso de Lima (2004).
5
Appadurai, Arjun. 2000/2002. Grassroots
Rui Assis 4
Antropologia, ISCTE - 2008
também é ela que permite o controlo e a disciplina dos mesmos - pelos mercados,
estados e outros interesses. Há uma necessidade de emergência de imaginação
académica para perceber o que está no fundo da “international civil society.
A Antropologia tem uma visão holista das sociedades e das comunidades que estuda. Os
antropólogos ganham empatia com as comunidades que estudam. Mas a agenda
antropológica em Portugal não deve depender essencialmente de lógicas académicas.
Deve ser mais prática, mais útil e menos teórica, usando a sua principal característica, a
investigação etnográfica. As maiores convulsões sociais acontecem fora das academias,
então a Antropologia também tem que sair fora das alçadas das Universidades. Em
Portugal há um impasse que levou a um divórcio entre a satisfação do desenvolvimento
da teoria antropológica e a outra que não se conhece (Antropologia aplicada).
A Antropologia, as empresas e o consumo
“The world of goods” oferece-nos uma forma original para se compreender o consumo,
não como um impulso psicológico, nem como resultado da manipulação do sistema
capitalista, mas como um conjunto de rituais que criam padrões de comportamento e se
diferenciam de sociedade para sociedade. Nesta obra antropóloga Mary Douglas (1979),
disse que o fluxo dos bens afecta a sociedade. Há um “comportamento consumista” e
um diálogo entre as teorias economicistas e o que os antropólogos afirmam sobre os
motivos que levam as pessoas a desejarem coisas. Douglas dá muitos argumentos
convincentes para a utilização das mercadorias como um meio de comunicação em
todas as sociedades, negando as interpretações tendenciosas da história que relaciona o
consumo fundamentado nos padrões da moda. O consumidor fornece uma análise
comparativa e reflexiva na forma como as pessoas usam o consumo, tanto consciente
como inconscientemente, pois fornecem informações sobre si próprios. Este acto
permite-nos conhecer uma pessoa profundamente. Assim, através do consumo podemos
interpretar vários fenómenos culturais e familiares. Uma das grandes dificuldades da
Antropologia tem sido entrar no interior das famílias. Hoje, existem painéis de estudo
de lares e consumidores, com base no consumo de bens. Os agentes económicos devem
incorporar, nas suas estratégias de decisão, as bases dos sistemas multiculturais, pois
podem dizer-nos muito sobre as lógicas de comportamento do consumidor de uma
sociedade. Faz, então, sentido o surgimento em Portugal de uma Antropologia do
Consumo, que nos permita conhecer as dimensões culturais do consumo? Sim, e existe,
mas na área de Marketing, ou seja, uma antropóloga (Douglas) descobriu esta forma de
aplicação da Antropologia e, em Portugal, são as outras ciências da empresa que a
Rui Assis 5
Antropologia, ISCTE - 2008
estudam. Não são os potenciais antropólogos. Na área de marketing existe um interesse
em perceber que produtos e serviços vão além das percepções individuais e de suas
dimensões tangíveis. Eles são símbolos culturais. Sabem que há uma dimensão cultural
fundamental em tudo que diz respeito a consumo.
A relação dos Homens com os objectos não se restringe ao seu valor material ou
utilitário. Os bens também possuem uma dimensão simbólica e que nos remetem para
valores culturais. Assim, há um valor simbólico na relação do Homem com o objecto.
A relação de consumo não é uma relação imediatista e utilitária com base na troca de
um bem por dinheiro. O consumo é uma forma de relação social e de construção de
identidade social. Os produtos estão relacionados com a faixa etária, género, condição
social e económica. Os bens são símbolo de status. Os produtos são a implementação
táctica das estratégias das empresas. Por outro lado, o ser humano classifica o mundo
com o objectivo de o entender, e para que isto seja possível partilha códigos e símbolos,
cujos significados são entendidos nos termos de cada cultura (englobando costumes,
valores, hábitos e crenças) que o indivíduo trás para a empresa e que a empresa deve ter
em consideração no momento em que pensa a construção dos seus valores colectivos.
Daniel Miller, em 1987, valoriza os objectos como uma ferramenta de análise, ou seja,
enquanto cultura material, que nos conduz às relações entre pessoas e objectos e
consequentes teorias de consumo. O consumidor tem identidade própria e capacidade
para escapar à hegemonia dos sistemas dominantes. A Nova Guiné é um exemplo de
convivência entre a produção das grandes marcas multinacionais e os interesses
estratégicos da população, no âmbito da sua subsistência e reprodução familiar, através
do entendimento desta cultura material. O Homem tem uma relação com o mundo. É
impossível separar o self do mundo, ou da natureza. Isto só poderia acontecer através da
alienação da dialéctica do Homem com os objectos, o que é impossível, pois dão-nos
informação sobre nós mesmos.
Em “Theory of shopping” (1998), Miller avança com uma teoria pessoal de consumo
com base no estudo etnográfico do aprovisionamento de um agregado familiar de um
bairro no Norte de Londres. É feita uma análise entre o acto de compra (impacto social)
e um sacrifício social, em ambos os actos as pessoas têm que dar algo de si, em prol de
um bem maior.
Rui Assis 6
Antropologia, ISCTE - 2008
Tal como no caso português, as compras de bens de consumo estão associadas ao sexo
feminino.
Ilustração: Fernanda Guedes.
Fonte: Point of Purchase Advertising International (Popai)
No que respeita aos hábitos de consumo, as liquidações funcionam porque 66% das
decisões são feitas na própria loja e em menos de cinco segundos depois de avistado o
objecto do desejo.
A Antropologia Cultural é imprescindível para se conhecer uma sociedade. Qualquer
produto é desenvolvido a pensar em conquistar um determinado mercado, tem um
cliente alvo. Nesta fase, as empresas devem estabelecer parcerias e encomendar estudos
da Antropologia, pois só esta ciência é capaz de perceber o ser humano contemporâneo
e as suas razões de consumo. A principal deficiência das pesquisas sobre o
comportamento dos consumidores é o facto de não terem em consideração as questões
culturais. Para uma correcta análise da dimensão dos valores culturais, devemos estudar
o consumidor através de métodos que estejam mais próximos dos que são utilizados
pela Antropologia, no âmbito do estudo das culturas, o método etnográfico.
Comprar não dá prazer, mas dá uma sensação de bem estar. Decifrar as razões pelas
quais comprar é tão bom é um desafio para os estudiosos do comportamento humano.
“Na hora da decisão de compra, os prazeres são muito mais fortes que as necessidades”,
disse Everardo Rocha, antropólogo brasileiro. Comprar é um acto de afirmação.
Atrevo-me a expor um exemplo, a que assisto frequentemente no âmbito da minha
actividade profissional. É do conhecimento comum que o país anda a reboque das crises
internacionais, e que já estamos no meio de uma dessas crises (apesar de não estar certo
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Antropologia, ISCTE - 2008
de termos saído da última). O preço dos cereais aumentou 40% por causa do aumento da
procura deste cultivo para a produção de biodiesel, que por sua vez viu a sua procura
aumentada por causa do aumento do preço do barril de petróleo. Estes dois factores
juntos (cereais e petróleo), condicionam o preço de tudo (transportes, alimentação,
electricidade, etc). Ao papel da mulher, na nossa sociedade culturalmente machista,
cabe a função de gerir o orçamento doméstico. À falta de outras alternativas, a mulher
começou a cortar na qualidade dos bens que leva para casa no seu cabaz de compras,
quer seja nos detergentes (marcas importadas pelas insígnias discounters, por exemplo:
Lidl. Ou, ainda mais grave, as gestoras dos lares domésticos começaram a aplicar a
mesma estratégia na alimentação. Ou compram cereais sem marca (nem sequer é a
marca do Distribuidor: Jumbo - Auchan, Continente ou Pingo Doce).
Estes produtos escolhidos são aquilo que neste universo se denomina por produtos
entrada de gama (não confundir com primeiro preço, que pressupõe uma ligação ao
distribuidor e consequente responsabilização, por exemplo: os produtos do pulso – na
imagem, no Jumbo – Auchan). Estes produtos “entrada de gama” têm várias
particularidades negativas e uma que é valorizada pelos consumidores. São produtos
sem marcas conhecidas em Portugal, não estão vinculadas à loja onde são vendidos (em
caso de problema de qualidade é sempre possível dizer que a culpa é da marca, “nós já
compramos os produtos embalados”), nem sempre a rotulagem cumpre os requisitos
mínimos obrigatórios ( o consumidor não saberá com exactidão quais são os
ingredientes e o modo de preparação), são marcas sem capital social ou notoriedade
adquirida (como são as marcas que têm uma imagem de qualidade internacional a
Rui Assis 8
Antropologia, ISCTE - 2008
defender e não correm riscos, por exemplo Nestlé), mas são muito baratas (a sua
proveniência é duvidosa e a responsabilidade social da sua produção também). Nesta
matéria poderia ainda referir os produtos dos bazares, vulgo chineses, onde a
contrafacção e o método de responsabilização da produção já nem é questionado (pelas
questões de mão de obra infantil e trabalho forçado, reconhecidas internacionalmente).
Neste contexto, surge a “luta” da nossa carne mertolenga ou Alentejana contra a carne
de terceira importada da Argentina ou Brasil. A maioria da carne importada é mais
barata, mas de pior qualidade. Podemos ainda citar o exemplo do excelente azeite
português (da magnífica azeitona Galega), que é “abafado” pelos preços do azeite
espanhol (da azeitona Picual), mais preparado para as regras do jogo capitalista e do
mass market. Para além das questões culturais e de identificação nacional, associadas ao
azeite. Não entrarei pelas questões da democratização do consumo e optimização da
compra para proporcionar aos consumidores os melhores condições, até nos produtos
que se situam no quarto quartil de preços. Mas acredito que a partir dos fenómenos do
estudo dos fenómenos do consumo das famílias portuguesas poderemos obter
conhecimento fundamental para atribuir credibilidade a uma Antropologia adaptada aos
problemas do quotidiano, fora da Universidade.
Investiguei velhos artigos da APA e descobri uma frase espantosa do ponto de vista do
auntoconhecimento interdisciplinar e humildade pessoal: “O maior inimigo da
Antropologia é o Antropólogo” disse Raul Iturra na sua entrevista à revista “a página
da educação” realizada nos tempos em que era presidente da APA. A frase de Iturra,
que aqui relembro, provocou-me um sentimento absoluto de paixão pela capacidade de
auto-crítica de uma ciência em permanente ebulição no seu terreno de sabedoria e
adaptação no seu objecto. Lembrei-me de uma obra em que participou, “Lugares de
Aqui”, e na relação da frase “ O maior inimigo…” com as nossas aldeias e a inevitável
ligação com o nosso tema: Antropologia, empresas, consumo e o “chapéu” desta
disciplina: Antropologia Aplicada.
Se o pior inimigo da Antropologia é o antropólogo, então, são os antropólogos que
devem reconhecer que não fizeram o melhor trabalho na aplicação da Antropologia e no
seu reconhecimento social. Alguns autores não gostam de pensar nos alunos como
clientes6
, mas é dessa forma que devemos encarar o novo sistema de ensino. Então
façamos um “produto” (resultado da nossa produção de conhecimento) que se aproxime
da sociedade e da comunidade empresarial. “Actualmente Lisboa não sabe o que o
6
Readings Bill, 2003 “A universidade em ruínas.” Coimbra: Angelus Novus
Rui Assis 9
Antropologia, ISCTE - 2008
Minho faz e o Norte ignora o trabalho de Coimbra”. Iturra proferiu mais esta frase
crítica e indignou-se com o facto de se acabar com a disciplina de Antropologia Cultural
no secundário e reforçou a ideia de que “a Antropologia caiu nas mão de colegas muito
ambiciosos, que fazem da sua vertente científica um reino muito privado …
Antropologia leva ao isolamento…”. A Antropologia que começou por ter, como razão
de estudo do seu objecto, um cliente (Governos ou empresas coloniais) que financiava
as investigações. Distanciou-se do mundo exterior, refugiando-se nas Universidades.
Isolados, os Antropólogos não conseguirão combater o lobby das outras ciências. A
história da Antropologia merece que esta disciplina do saber continue a ter o seu espaço.
A sociedade precisa do saber científico dos Antropólogos. A academia Universitária
precisa que os Antropólogos se unam pela Antropologia.
Mas, como vêem, os Antropólogos, as aldeias de hoje?
Há uma descaracterização cultural das nossas aldeias, a partir da estrutura produtiva -
área que poderia ser estudada pela Antropologia do Consumo. As nossas terras estão a
ser vendidas aos espanhóis, que vêm cultivar os seus produtos, alargando, assim, o
limite económico das suas fronteiras. As nossas terras passaram a ser uma extensão de
Espanha, sobretudo no que concerne à azeitona. Estes, não compram as nossas terras
para cultivar a nossa azeitona Galega, mas para aumentar a capacidade produtiva e
negocial, no mercado mundial, da sua azeitona Picual. A azeitona Galega proporciona
um dos melhores azeites do Mundo. Esta questão aparentemente económica, é
sobretudo cultural. Nestas aldeias as unidades familiares dependas da grandes células
económicas (as quintas, herdades agrícolas), que são geridas por pessoas ligadas aos
donos das terras, neste caso espanhóis. Todos sabemos da importância das hierarquias
no pensamento destas populações, ou seja, com um capataz espanhol, a produzir azeite
espanhol de acordo com as novas tecnologias trazidas por estas grandes empresas
(rotura com a agricultura tradicional), com colegas de “jorna” moldavos e romenos. O
que resta das velhas tradições? Então, se os antropólogos fizessem mais trabalho de
campo em algumas das nossas aldeias, do Alentejo, Trás os Montes ou Beira Alta,
concluiriam que as noções de território estão adulteradas e que aquelas aldeias já não
são portuguesas, do ponto de vista cultural. São pequenos aglomerados habitacionais,
que pertencem ao mapa económico de Espanha, cujos habitantes são, além dos
espanhóis, romenos e moldavos. É a Globalização na sua pior manifestação. Na minha
opinião, o terreno antropológico não pode ser apenas o estudo da diversidade cultural,
mas também a compreensão, interpretação e explicação destes movimentos sociais e
Rui Assis 10
Antropologia, ISCTE - 2008
económicos, com motivações iniciadas pelas empresas vocacionadas para a produção de
bens mass market, neste caso azeite. Está em causa a nossa identidade nacional, atacada
a partir dos nossos valores e cultura tradicional. Readings diria que, se os Antropólogos
se unissem, com pragmatismo, à volta desta explicação, dando resposta a uma
necessidade de manutenção de identidade cultural nacional, então a sociedade atribuiria
um valor incalculável à Antropologia.
Por outro lado, esta união, constituiria um lobby fortíssimo em prol da própria
Antropologia, a favor do seu merecido lugar ao centro das ciências Sociais.
Expandir projectos de parceria com outras ciências já instaladas
nas empresas.
Melhorar a eficiência e a eficácia da Antropologia nas Empresas
Sociologia
(estudos
consumidor)
Gestão de
Recursos
Humanos
(+ empatia)
Economia
(Produção
sustentada)
Marketing
(Direccionado,
tendências)
Antropologia
(aplicada)
Melhor ambiente social
RA – Antropologia – ISCTE 2008
“O lobby da Psicologia, o da Sociologia, da História, são mais fortes do que o nosso.
Eles fazem de tudo uma estatística e não vivem com as pessoas - criam o que é
conveniente para a produção de dinheiro e produtos, disse Iturra.
A comunidade académica e empresarial pensará que, se a Antropologia não apresenta
um produto final com relevância para a sociedade, então não fará mal que acabe.
Vamo-nos focar no nosso cenário. O preço da alimentação sobe, as gestoras domésticas
optam por produtos de qualidade inferior (o que se coloca na mesa dos lares não tem o
mesmo significado simbólico e social – ninguém vê), e surge um momento de
festividades e exaltações nacionalistas, o Euro 2008 de futebol. Os homens, lideres
culturais das famílias, decidem ir às compras e começam a comprar tecnologia de top,
ou seja, plasmas, ecrãs LCD das melhores marcas. Tudo isto, na sua maioria, a crédito,
claro. O que é importante é ter as melhores condições para ver a bola. Afinal trata-se da
Rui Assis 11
Antropologia, ISCTE - 2008
Selecção e da nossa exaltação de identidade nacional. Depois da meia dúzia de jogos
que a selecção fará, voltarão as exigências e rigor da gestão doméstica, a cargo das
senhoras. Crescerá o consumo de produtos duvidosos e sem garantias, que provocarão
um maior desequilíbrio na balança das importações e exportações7
. Talvez por isto,
todas as tentativas de valorização dos produtos portugueses, não vingam. Talvez este
seja um dos motivos pelo qual apenas 5% dos consumidores portugueses se preocupa
em fazer compras responsáveis do ponto de vista social e ambiental. Apesar de serem
consumidores literalmente especializados (Tadajewsky, 2006). O que daria mais um
proveitoso estudo etnográfico ao abrigo do tema do consumo em Portugal.
Para muitos antropólogos “a produção, troca e o consumo” era suficiente para a
definição substantiva da economia. Mas os estudos sócio-culturais não se devem limitar
a descrever e a produzir etnografias holistas. Richard Wilk propõe que a Antropologia
Económica deveria ser a soma de todas as categorias e tipos de Economia, apesar do
Antropólogo querer ir mais longe e tentar explicar, comparar e saber as razões. Assim, a
Economia, no seu sentido formal, obedece a princípios naturais e universais do
pensamento humano. Estes princípios podem ser os mesmos que propiciam e servem de
alavanca à Economia não formal (doméstica), ou de comportamento (informal). Ou seja,
o preenchimento de necessidades materiais, sociais culturais, que não são bem
sucedidas com a economia formal. De facto, a este nível, o mercado Global formal não
consegue satisfazer todas as necessidades sociais das famílias. Cada país tem as suas
preocupações locais. Formalmente, o governo Português apresentou 100 compromissos
para uma política de família, durante a comemoração do X aniversário do Ano
Internacional da Família, no Teatro Dona Maria II, em Lisboa. Analisei os 100
compromissos e na sua maioria constituem avisos de prevenção, isto é,
existe uma consciência formal dos problemas económicos e sociais, mas não há
medidas objectivas para garantir os direitos e deveres das família, por exemplo:
compromisso 8 – “Prevenir o sobreendividamento sensibilizando-as para uma
economia doméstica equilibrada e um consumo consciente”8
. Deste modo, estas
preocupações económicas, sociais e culturais provam que o modelo de protecção social
português é insuficiente, assumido formalmente pelo Governo, evidenciando um défice
no cumprimento das necessidades básicas da primeira célula do complexo tecido
7
França e Espanha e Inglaterra têm um regime de protecção à produção nacional e às marcas/empresas
nacionais. Hoje compramos mais barato um queijo da marca President do que um queijo dos Açores.
8
http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B52D898BB-619E-4390-8AC2-4E29997BCF7D%7D
Rui Assis 12
Antropologia, ISCTE - 2008
económico, a família. “A família é parte constitutiva do sistema económico e
político…” (Comas 1998, 112). A análise do consumo das famílias, pelo método
etnográfica, é uma excelente forma de as conhecer.
Independentemente da classe social, comprar significa: comprar sonhos e não meros
produtos. São os sonhos (com a sua carga simbólica) que realizam as pessoas. A
sedução do consumo é um fenómeno Global. O que está em jogo é participar de um
universo de valores culturais que determinado produto oferece. Consumir estes produtos
é ter a ilusão de pertencer ao universo simbólico que ele propõe. Todos os produtos e
serviços são, ao mesmo tempo, um muro e uma ponte. Quando alguém compra uma
mala Louis Vuitton constrói um muro em relação às pessoas que não têm Louis Vuitton.
Ao mesmo tempo, cria uma ponte com todos os outros consumidores de Louis Vuitton.
Os produtos são marcadores culturais que aproximam ou distanciam as pessoas. É o
poder da marca na mente dos consumidores que os faz pagar valores consideráveis para
terem uma mala Louis Vuitton. A marca é o principal activo de um produto ou empresa.
O que importa é o seu valor simbólico. Não adiantam todas as campanhas publicitárias a
dizer que a marca tem muita qualidade. Se os consumidores não lhe atribuirem essa
qualidade e não estiverem predispostos a pagar por essa qualidade, na prática, a marca
não terá qualidade. Será uma má marca. Todos os valores simbólicos são legíveis
culturalmente e interpretados pela sociedade. Os produtores das marcas podem querer
que elas sejam uma coisa, mas se a sociedade não fizer essa leitura, do que eles querem
passar, não serão essa coisa. Este é mais um exemplo da importância da relação inter
disciplinar, pois os marketeers não vão fazer o trabalho dos antropólogos e vice-versa.
O estudo etnográfico permite um estudo em detalhe e capta o ponto de vista das pessoas
envolvidas, ou os códigos de valores das pessoas envolvidas.A sedução do consumo é
um fenómeno mundial. Os países que tiveram uma economia fechada, como os antigos
Estados soviéticos na Europa dos anos 80, abrigam populações fortemente consumistas.
Até hoje, anos depois da abertura económica, o consumidor ainda busca formas de
compensar a emoção adiada tantas vezes em compras que ele não podia fazer. No
universo internacional da empresa Auchan, os oito hipermercados existentes em
Moscovo atingem um volume de vendas anual superior ao total de hipermercados em
Portugal. O consumo é a forma mais óbvia de demonstrar inserção num determinado
meio, mesmo que ele esteja longe da realidade económica do indivíduo. Na sociedade
actual, os hábitos de consumo mais refinados “ajudam” na interacção e reconhecimento
social. Afinal, é dessa necessidade humana de projectar uma imagem acima de suas
Rui Assis 13
Antropologia, ISCTE - 2008
posses que vivem as marcas exclusivas. Comprar é participar numa linguagem colectiva
de significados e identificações9
. É como fazer parte de uma tribo. A tribo dos
consumidores deste ou daquele produto. Se existe uma identificação com uns, é porque
existe diferenciação de outros, ou seja, as pessoas buscam uma afirmação pessoal nas
compras. A sensação agradável de comprar é potencializada pelos elogios que as outras
pessoas fazem às escolhas. Se as pessoas forem elogiadas e valorizadas pela compra que
fizeram, sentir-se-ão recompensadas e felizes, e vão continuar a comprar (como se fosse
refém dos tais códigos e significações que lhe atribuem identidade cultural). 40% dos
consumidores, quando vão às compras, adquirem mais produtos do que aqueles que
necessitam ou previamente planearam, pois estão sempre “afundados” em emoções
quando fazem qualquer tipo de compra. São raros os casos de indivíduos que fazem
compras de forma estritamente objectiva e programada, como se elas fossem equações
matemáticas. Não é por acaso que as empresas ligadas ao consumo fazem avultados
investimentos em análises entender a estrutura mental do consumidor. O americano
John MacCracken é o responsável pela empresa ABM, que gere o programa ECR
(efficient consumer response), em Portugal, ou seja, um programa de gestão e
informação integrada, envolvendo toda a cadeia de abastecimento.
9
“ Os símbolos permitem que os seres humanos produzam e transmitam cultura” (Nick Agafonoff)
Rui Assis 14
Antropologia, ISCTE - 2008
Page - 3
Auchan Proprietary Data
9 June 2008
ECR Vision…ECR Vision…
Four prim ary focus areas…
…t ied t oget her w it h int egrat ed scorecards
Os grandes casos de sucesso são pontos de venda que envolvem o comprador num clima
de lazer e entretenimento. O objectivo principal é gerar promoções de forma eficiente e
direccionada. O melhor exemplo são as lojas temáticas americanas, como as da Nike,
Sony e Disney.
O acto de compra está conotado com mecanismos de prazer da natureza humana que
mesmo as menores transacções são satisfatórias. Por exemplo, uma mulher quando
compra produtos de limpeza, pode obter prazer na valorização que ela terá por manter a
casa limpa e asseada para a sua família. Essa valorização é-lhe atribuída culturalmente.
Rui Assis 15
Antropologia, ISCTE - 2008
Page - 17
Auchan Proprietary Data
9 June 2008
2008 Participating Suppliers…2008 Participating Suppliers…
Suppliers = 25 + Private Label
Algumas das empresas que participam no programa de gestão eficiente de promoções ao consumidor.
Nick Agafonoff, num texto recente (2006), “Qualitative Market Research” considera a
etnografia e o seu potencial como um método aplicado nas pesquisas qualitativas
comerciais. Estas análises ad hoc podem dar um verdadeiro sentido cultural às
pesquisas de mercado. Sugere uma reinterpretação da etnografia como caso de estudo e
de dados que podem ajudar a produzir tácticas e estratégicas, insights sobre aspectos do
comportamento do consumidor e da cultura. O objectivo do seu trabalho foi aprofundar
a natureza da etnografia para avaliar o seu potencial como método aplicado nas
pesquisas comerciais qualitativas. Mas antes temos que saber o que é a etnografia
(primeira pergunta levantada por quem nos solicita as análises) e o que faz um bom
etnógrafo. Um bom etnógrafo é alguém que procura activamente em descobrir o que
significa pertencer a um grupo social através de uma variedade de métodos.
“Mergulhando os dedos na água”, mesmo com toda a subjectividade do observador
participante. A etnografia é um importante instrumento adicional de investigação,
portanto. Tal como Agafonoff, penso que o primeiro obstáculo que temos que superar,
em Portugal, é convencer a sociedade do valor da etnografia, enquadrando-a
conceptualmente. O autor deu-lhe uma definição sociológica: “o acto de observar
directamente o comportamento de um grupo social e produzir uma descrição do
mesmo”. Literalmente, etnografia significa “desenho do grupo social”. Em outras
Rui Assis 16
Antropologia, ISCTE - 2008
palavras, etnografia é um tipo específico de ilustração de uma vida cultural ou social, ou
experiência mundo. Todos os meios tecnológicos, em conjunto, servem para gravar e
comunicar os dados etnográficos fornecidos numa riquíssima variedade de percepção e
compreensão em grupos sociais e culturais. Nenhum destes meios é necessariamente ao
outro e cada um é agraciado com os seus próprios pontos fortes e fracos como
instrumento de investigação. No entanto, o advento da era digital promete um novo
mundo de inovação na documentação e apresentação dos resultados da investigação
etnográfica, atribuindo-lhe um inquestionável valor qualitativo. A etnografia é usada
como ferramenta de investigação para compreender o comportamento de compra do
consumidor desde que foi inventada a primeira “gôndola” (linear onde são expostos os
produtos) nos supermercados. Os observadores tentaram observar as expedições dos
shoppers e tomar notas detalhadas sobre o seu comportamento e decisão de compra.
Hoje, o recurso ao vídeo, ajuda-nos a não tomar decisões subjectivas sobre estes
comportamentos. Há ainda o recurso a uma entrevista pós shop, mostrando as imagens
do shopper e este faz a sua própria análise ao seu comportamento. O resultado é
profundo do ponto de vista da reacção do consumidor à publicidade in store. Esta
observação participante, pode fornecer-nos muitos dados qualitativos, pois os
consumidores dizem-nos o que realmente é importante para eles (a partir do seu ponto
de vista). Destas sessões podem sair visões estratégicas, a partir dos rituais e
necessidades dos consumidores. Assim, um dos resultados pode ser o desenvolvimento
de novos produtos, antecipando essas necessidades. Quanto ao consumidor, o recurso a
esta técnica pode ajudar a equipa de vendas de uma loja a identificar os vários tipos
existentes e promover uma interacção com estes clientes, aumentando as vendas. Tal
como o autor, também eu penso que a análise de comportamentos de consumo pode ser
o futuro da etnografia (por causa da interacção simbólica, já apontada). O mundo social
é como uma dinâmica dialéctica de interacção simbólica, como uma paisagem do
consumidor.
Mark Tadjewsky introduz um novo método qualitativo que é teoricamente sustentado na
Antropologia Cognitiva. A compreensão do complexo “verde” no comportamento do
consumidor e análise do ciclo de vida. Examina o contexto do “comportamento verde”,
dos consumidores ambientalmente interessados. A Antropologia cognitiva é diferente,
mas complementar ao conhecimento da compreensão do comportamento do
consumidor, numa abordagem psicológica. O autor consegue, através de várias
entrevistas qualitativas, recuperar informações sobre o ciclo de vida num contexto de
Rui Assis 17
Antropologia, ISCTE - 2008
compra e é neste contexto que compreende as transformações ocorridas durante esse
ciclo. Assim, torna-se mais fácil delinear estratégias de Marketing (com comunicação
direccionada – Green Marketing). Tasjewsky baseia a sua teoria numa profundidade de
entrevistas qualitativas (reforçando a ideia da importância da etnografia no estudo do
comportamento dos consumidores), criticando a concepção das investigações
tradicionais (sem a etnografia) por causa do problema da classificação em caixas
(“frames”), ou caixas negras.A Antropologia da Cognição aproxima-se do consumidor
num sentido prático, “sabendo o que está a fazer”. Esta abordagem encoraja os
pesquisadores académicos Há uma integração das informações de busca e
processamento do comportamento dos consumidores, dos seus problemas e da
elaboração e resolução de problemas do comportamento, bem como realça o papel da
experiência do antropólogo em processos de escolha. Normalmente as variáveis
exógenas, independentes, são vistas como as que influenciam as variáveis endógenas,
dependentes, tais como motivação, cognição ou escolha comportamento. Mas esta é
uma visão extremamente simplista. O contexto tem uma grande influência sobre a
tomada de decisão. A Antropologia Cognitiva coloca o contexto no centro das atenções.
As suas análises são orientadas contextualmente, onde é possível explicar o
comportamento real, já que ocorre num contexto específico de uma determinada tarefa.
Para analisar este comportamento fundamentado, temos que ter um pensamento prático,
onde entra o know-how do investigador para a resolução de problemas e orientar o
raciocínio. Esta opinião é intuitivamente atraente, uma vez que na nossa vida de práticas
quotidianas de consumo, temos que recorrer à negociação, mas poucos têm respostas
óptimas. Assim, acabamos com o problema do framing. Concentramo-nos nos atributos
ou situações que podem influenciar a escolha ou comportamento de compra, através da
experiência pessoal (carga histórica)dos próprios consumidores. Seguidamente
explorados e documentados pelo antropólogo cognitivo10
.
Mas, então quais são as dificuldades que um recém licenciado em Antropologia pode
enfrentar, no que respeita ao impacto dos seus estudos etnográficos sobre as pessoas?
Apesar da conotação histórica da Antropologia ao serviço do Colonialismo, esta ciência
vê-se como defensora dos menos poderosos e como um instrumento de politica pública.
Outras ciências, como o Marketing, assistem à mudança cultural do trabalho e do
10
O autor levanta questões étnicas, que não abordarei propositadamente. Pretendo colocar a Antropologia
ao lado das outras ciências da empresa e consumo. Nesta fase importa realçar as vantagens do método
etnográfico (seja pela via cognitiva ou outra).
Rui Assis 18
Antropologia, ISCTE - 2008
planeta. Para John Sherry Jr., a etnografia,actualmente, assume uma importância
crescente na comercialização e no esforço para influenciar a resistência dos
consumidores contra as forças da globalização. Mas é necessário uma abordagem ética
do mercado e do comportamento dos consumidores, uma vez que a etnografia se torne
uma corrente metodológica querida, em estudos de mercado.
A linguagem do Marketing tenta representar um novo paradigma social. Há uma
linearidade discursiva que pode levar a crioulização cultural e a uma nova coordenação
do quotidiano, criando novas necessidades de monitorização. Passou a ser uma
ferramenta de interacção social, criando uma sociedade em rede. O individuo, enquanto
agente social, pode ser “classificado” como pertencente a um determinado grupo que se
identifica com uma marca ou com um estilo criado por essa marca. Ma este novo
paradigma social, tem expectativas ilimitadas e, ao mesmo tempo, enganosas. Ilimitadas
por se pensar que se pode saber tudo (conhecimento Global) em tempo real. À
comunicação Global associa-se os valores de liberdade. Enganosas porque não só não
são ilimitadas, como parecem ilimitadas. É um paradoxo perverso. É certo que a
tecnologia11
aumenta poderosamente as possibilidades de comunicação e até de
conhecimento Global. Abre novas perspectivas, cria novas relações sociais e imprime
novos ritmos à ciência e à cultura. Abre novas fronteiras. Mas são virtudes limitadas.
Ou falsas no seu propósito enganador de potencialidades ilimitadas. A sociedade da
comunicação e do consumo mantém traços tradicionais nas estruturas de poder,
hierarquias de valores, desigualdades sociais e outros privilégios déspotas. Esta lógica
de comunicação e consumo global cria a ilusão de igualdade (todos os que têm
possibilidades de obter um determinado bem de consumo, têm as mesmas condições
teóricas), por um lado, e cria novas desigualdades (diferença hemisfério Norte versus
hemisfério Sul). Enraíza novos despotismos, protege novos segredos, destrói a
diversidade cultural e oculta a falta de pluralidade. A comunicação do Marketing e
consumo Global esconde problemas sociais, políticos, económicos, étnicos ou religiosos
que necessitam de resolução e soluções adequadas. Só a Etnografia pode ajudar a
compreender estes problemas e do ponto de vista da análise do consumo, interpretar o
comportamento dos consumidores no seu contexto. O Antropólogo deve investir na
conceitualização da cultura do consumo. Todos os antropólogos são também
consumidores, o que lhes confere autoridade crítica nas suas reflexões. Na elaboração
11
Sara Pink, 2006, O Futura da Antropologia Visual (a importância da hipermédia na etnografia e na
sociedade em geral)
Rui Assis 19
Antropologia, ISCTE - 2008
destas reflexões deve existir um diálogo interpretativo e que postule o relativismo
cultural e a incomensurabilidade entre a culturas, sem pôr em causa o relativismo ético,
de modo a que as sensibilidades sócio-culturais e históricas no seu contexto, enquanto
origem e representação de fenómenos, seja apreciado e tido em conta na análise.
Exploração de uma identidade nacional ocidental:
Mercado Roque Santeiro - Luanda: negócios a céu aberto.
Conclusão
O futuro da Antropologia depende de como os novos praticantes passarão a mensagem
da importância da etnografia e nos estudos dos fenómenos do quotidiano (sobretudo a
partir do comportamento dos consumidores). Os novos antropólogos têm a obrigação
Rui Assis 20
Antropologia, ISCTE - 2008
combinar escrita (teórica, descritiva, pedagógica e antropologia aplicada) com
narrativas audiovisuais e fotográficas com representações de conhecimentos e
experiências. Criando textos que podem ser referências e assim interagir com os
organismos existentes do conhecimento. Este novo discurso antropológico já está a
transformar a antropologia.
A Etnografia é a ciência chave para representar e interpretar os lares dos consumidores
no seu contexto cultural, numa interacção disciplinar. Conhecendo as necessidades dos
consumidores (através do método de observação participante) as indústrias podem
antecipar a concepção de produtos e os distribuidores comerciais (Hipermercados,
supermercados) podem adaptar o lay-out das suas gôndolas para servir os seus clientes
com mais eficácia. Por outro lado, as empresas devem continuar a “patrocinar” a
Antropologia e o método da observação participante.
O consumo está ligado a representações simbólicas de índole cultural, que só podem ser
interpretadas pelo antropólogo. O consumo é fundamental para todos os estudos sobre
os humanos, propiciando um crescente aumento do interesse da Antropologia da
Cognição.
As questões de ética e responsabilidade começam a ser percebidas a partir das outras
ciências, o que significa que o futura da Antropologia pode ser animador, sobretudo na
sua aplicação fora das Universidades.
O trabalho de campo é a aplicação da Antropologia, por definição, deve ser
contemplado nos estudos das empresas e do comportamento dos consumidores.
Por outro lado é tempo de abrir as portas das Universidades à literatura empresarial, tal
como já fazemos com os romances identificadores de contextos sociais e históricos
(exemplo África), talvez pela criação recente, nos anos 80 da NAPA ( nos EUA).
“O Homem é um empreendedor que tenta manipular normas e relações sociais para
seu proveito próprio, ao invés de o encarar como um membro de um grupo
passivamente obediente ás suas normas e pressões” (Boissevain 1987, 201).
Bibliografia
Agafonoff, Nick, Qualitative Market Research,. Bradford: 2006, Vol.
9, Iss. 2, p. 115-125.
Rui Assis 21
Antropologia, ISCTE - 2008
Appadurai, Arjum, 2002. "Grassroots globalization and the research
imagination,” in Globalization. London: Duke University Press.
Boissevain Jeremy, 1987.”Amigos de amigos: redes sociais,
manipuladores e coalizações”. In Feldman-Bianco. Org Antropologia das
Sociedades Contemporâneas. São Paulo. Global. Pp 195-223
Chevalier, Jacques 1983 "There is nothing simple about simple commodity
production ." Journal of Peasant Studies 10 (July): 153-186.
D’Argemir, Comas, 1998, “Debates: Mercantilización de todas las cosas?
Lo que no se mercantiliza” in:Antropologia Economica, Barcelona: Ariel,
p. 115-137,
Douglas, Mary e Baron Isherwood, 1979, The world of goods, towards an
anthropology of consumption, Routledge Taylor & Francis (2005), London.
Miller, Daniel 1998, A Theory of Shopping, Cornell University Press
Ithaca, New York.
Miller, Daniel, 1987, Material Culture And Mass Consumption, Basil
Blacwell, NY.
PINK Sara, 2006, “The Future of Visual Anthropology”. Engaging
the Senses, London, Routledge.
Sherry Jr, John, Journal of Business Ethics, Dordrecht: Jun 2008. Vol. 80,
Iss. 1, p. 85-95.
Tadajewski, Mark e Sigmund Wagner-Tsukamoto, Qualitative Market
Research, Bradford: 2006, Vol. 9, Iss. 1, p. 8-25.
Wilk, Richard, 1996 “Complex Economics Human Beings” in::Economies
& Cultures. Foundations of Economic Anthropology, Westview Press, p.
135-156
Webgrafia
http://www.rami.com.br/dicas2.asp
http://sbrt.ibict.br/upload/sbrt1000-4.html
Rui Assis 22
Antropologia, ISCTE - 2008
http://www.aprendebrasil.com.br/educacao_fisica/alunos/alunos11.asp
http://comarte.upf.br/index.php
http://64.233.183.104/search?
q=cache:wqTsBoGzhO8J:www.aguaforte.com/osurbanitas5/Dornelles052007.html+Ant
ropologia+empresa+consumo&hl=pt-PT&ct=clnk&cd=10&gl=pt
Acedido em 08/06/08.
http://www.jstor.org/pss/3203396
http://www.estadodomundo.gulbenkian.pt/index.htm?no=10201117
http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B52D898BB-619E-4390-8AC2-
4E29997BCF7D%7D
Acedido em 09/06/08.
Rui Assis 23

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  • 1. Antropologia, ISCTE - 2008 Antropologia, Empresa e consumo. Tutor: Profª Drª Graça Índias Cordeiro Rui Assis Aluno Nº 25416 Turma AC2 Licenciatura Antropologia Rui Assis 1
  • 2. Antropologia, ISCTE - 2008 Introdução O Homem não pode “despir” o seu back ground cultural e social. As empresas e o consumo fazem parte da minha história enquanto indivíduo e agente social, pelo que juntar-lhe a teoria antropológico é um enorme desafio. A “carga” história, codificada nas minhas sinapses pelos termos de outras disciplinas académicas, como a Gestão ou o Marketing (dominadoras neste universo), adiciona a este desafio uma responsabilidade académica pelo dever de respeito por todos os professores, autores, colegas e academia em geral. Sei que tratarei de um universo a explorar em Portugal. Neste caso, é um privilégio ter uma relação de dezoito anos com uma empresa multinacional ligada ao consumo. Tentarei adicionar valor à produção de conhecimento antropológico aplicado nas empresas, de uma forma independente, ou seja, financeiramente independente1 . Há várias teorias em prática nos EUA e Inglaterra. Acredito nas culturas locais2 e nos termos das suas necessidades. Uma exposição sobre este tema pressupõe uma busca de conhecimentos de outras disciplinas e a consequente relação interdisciplinar, pois falar de empresas e de comportamentos de consumo, que são temas específicos, obriga-me a dar prioridade à resolução e compreensão desta problemática, sem teorizar demasiadamente. Acredito que os estudos antropológicos podem contribuir para que as empresas sejam socialmente responsáveis,3 baseando-se em 12 convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na declaração dos direitos do Homem das Nações Unidas e na Convenção das Nações Unidas dos direitos das Crianças, a norma SA 8000. Não devo falar de consumo, sem falar de consumo verde, ou consumo socialmente consciente (produtos cuja produção não tem mão de obra infantil, trabalho forçado, discriminação, falta de segurança ou qualquer outro atentado contra o Homem e contra o planeta). Tenho a profunda convicção que os Licenciados em Antropologia não devem ser mais valorizados, mas são mais capazes nas matérias atrás apontadas. Só com a sensibilidade dos Antropólogos, e a sua inclusão nas empresas, teremos modelos e políticas económicas sustentáveis. Basta desmistificar o papel da Antropologia e aplicá-las na produção de conhecimento útil para as empresas, consumo e consumidores. 1 Alusão ao crescimento da Antropologia, séc. XIX, ligada às empresas e governos coloniais. 2 Para alguns autores a Globalização (o seu instrumento capitalista e a sua extensão tecnológica) pode provocar a “uniformização cultural”. 3 Social accountability international (SA 8000). Destinada a auxiliar as empresas, a SA 8000, especifica requisitos de RSE, contribuindo para uma uniformização internacional de padrões, é auditável, está sujeita a revisões periódicas, e permite a verificação do sistema por uma terceira parte. Rui Assis 2
  • 3. Antropologia, ISCTE - 2008 Exposição Em 1987, na Europa, Jeremy Boissevain, no livro “Amigos de amigos: redes sociais, manipuladores e coalizações” apresenta um conflito entre a Antropologia tradicional (aquela que o autor aprendeu) e a Antropologia Social contemporânea. Este autor acusa a hierarquia académica de personificar um sistema de vassalagem, onde as crenças científicas dos funcionalistas estruturais sustentam os seu papeis e vice-versa. Uma vez no topo da hierarquia de poder das comunidades académicas, estas hierarquias inibem o desenvolvimento da pesquisa científica (Boissevain 1987, 216). A produção do conhecimento Antropológico, pelo menos o da “velha escola” – funcionalismo estrutural, entrou em colapso. Mas a Antropologia tem capacidade de demarcação, pelo seu “objecto” em permanente evolução, das demais ciências sociais no que respeita ao conhecimento. O aparecimento da Antropologia do Consumo e Antropologia Económica (com um papel objectivo, fora das academias) é disso um bom exemplo. O conhecimento do mundo moderno é feito de maneira sistemática, mas empírica. O desafio é pensar sempre em termos de interdisciplinaridade. Os antropólogos têm que ser objectivos e reconhecer que precisam das outras ciências Sociais. Não podemos formar decisões apenas com técnicas de observação participante. De um ponto de vista pragmático não devemos ter a ambição de tentar destronar as ciências instaladas no interior das empresas (Gestão, Gestão de Rec. Humanos, Administração, Marketing, Sociologia), mas provar que somos os melhor preparados para compreender alguns problemas que afectam as empresas e o seu objecto, os consumidores, como por exemplo: sociedades multi étnicas e identificação local. A evolução das diásporas de povos africanos, de leste, Brasil, com implicações no que respeita ao consumo, é um facto. As empresas de produtos globais devem perceber estes constrangimentos locais. Por outro lado, cada vez mais o colaborador é, erradamente, um indicador de gestão. Mais tarde ou mais cedo terá que emergir uma ciência que compense os erros actuais de outras teorias. Uma ciência que restitua empatia nas relações laborais e hierárquicas. Que compreenda os colaboradores de uma empresa e os seus clientes nos seus próprios termos. Este facto será ainda mais importante se compreendermos que a nossa cultura empresarial e social não é meritocrata, ou seja, até podem existir projectos de carreira, avaliações rigorosas e prémios de realização de objectivos. Mas na altura de escolher um indivíduo para um cargo, na decisão, o factor confiança pessoal ou estratégica terá Rui Assis 3
  • 4. Antropologia, ISCTE - 2008 sempre um peso superior ao mérito eventual de outros indivíduos. O que me preocupa é que esta problemática tem um cariz cultural (as excepções são de empresas estrangeiras a laborar em Portugal). Habituamo-nos a assistir ás dinastias “Aristocratas”das famílias Mello, Espírito Santo, Soares dos Santos,4 às centenas de nomeações políticas (sempre que muda um Governo), até à falta (sistematização) da cultura do mérito nas empresas em geral. O capital social e económico do individuo, nas empresas, pode sobrepor-se ao seu próprio mérito. Hoje, o antropólogo já não procura o outro, enquanto estereótipo, ou seja, antes se um oriental se aproximasse dos padrões ocidentais, deixava de ter interesse para o antropólogo. Mas, agora a questão, para o antropólogo, deve ser: como ajudar a manter as culturas que estão a ser ocidentalizadas? Como lhes proporcionar o conforto da sua cultural “natural”? Quantos Indianos existem em Portugal, que nunca foram à Índia? Este é um dos exemplos de organização inside que lhes permite manter os padrões de consumo da sua cultura (via Londres – maior diáspora de Indianos). Se tal não acontecer, como disse Nigel Rapport, “estaremos todos a ser crioulisados”. Assim, devemos aplicar os conhecimentos antropológicos empreendendo mais informação sobre a diversidade cultural promovendo mais tolerância e compreensão, do ponto de vista da dos seus bens de consumo. Hoje já se fala em etnomarketing. Os bens já podem funcionar como um sistema de informação. Já é dada importância às manifestações locais, mas em que os contextos são tudo menos locais. Appadurai chamou-lhe falácia5 , porque os objectos, imagens e discursos não são equivalentes, convergentes e isomórficos ou espacialmente consistentes. Estão numa disjunção. Têm diferentes velocidades, eixos, pontos de referência e variam de diferentes regiões e estruturas, ou sociedades. Provocam problemas no próprio quotidiano, equidade, sofrimento. A imaginação social é um dos aspectos positivos da globalização que condiciona a vida comum dos cidadãos –sujeitos sociais, que os leva a resistirem colectivamente. Mas 4 “A família, as relações e os sentimentos de parentesco são cruciais para a produção e reprodução do desempenho económico destes grupos empresariais … A existência e o êxito continuado das empresas familiares de grande dimensão constrói-se sobre uma articulação de lógicas, que por serem consideradas antagónicas, tornam-se um desafio às Ciências Sociais e Económicas, que insistem em afastar a família e parentesco das análises macroeconómicas”, Antónia Pedroso de Lima (2004). 5 Appadurai, Arjun. 2000/2002. Grassroots Rui Assis 4
  • 5. Antropologia, ISCTE - 2008 também é ela que permite o controlo e a disciplina dos mesmos - pelos mercados, estados e outros interesses. Há uma necessidade de emergência de imaginação académica para perceber o que está no fundo da “international civil society. A Antropologia tem uma visão holista das sociedades e das comunidades que estuda. Os antropólogos ganham empatia com as comunidades que estudam. Mas a agenda antropológica em Portugal não deve depender essencialmente de lógicas académicas. Deve ser mais prática, mais útil e menos teórica, usando a sua principal característica, a investigação etnográfica. As maiores convulsões sociais acontecem fora das academias, então a Antropologia também tem que sair fora das alçadas das Universidades. Em Portugal há um impasse que levou a um divórcio entre a satisfação do desenvolvimento da teoria antropológica e a outra que não se conhece (Antropologia aplicada). A Antropologia, as empresas e o consumo “The world of goods” oferece-nos uma forma original para se compreender o consumo, não como um impulso psicológico, nem como resultado da manipulação do sistema capitalista, mas como um conjunto de rituais que criam padrões de comportamento e se diferenciam de sociedade para sociedade. Nesta obra antropóloga Mary Douglas (1979), disse que o fluxo dos bens afecta a sociedade. Há um “comportamento consumista” e um diálogo entre as teorias economicistas e o que os antropólogos afirmam sobre os motivos que levam as pessoas a desejarem coisas. Douglas dá muitos argumentos convincentes para a utilização das mercadorias como um meio de comunicação em todas as sociedades, negando as interpretações tendenciosas da história que relaciona o consumo fundamentado nos padrões da moda. O consumidor fornece uma análise comparativa e reflexiva na forma como as pessoas usam o consumo, tanto consciente como inconscientemente, pois fornecem informações sobre si próprios. Este acto permite-nos conhecer uma pessoa profundamente. Assim, através do consumo podemos interpretar vários fenómenos culturais e familiares. Uma das grandes dificuldades da Antropologia tem sido entrar no interior das famílias. Hoje, existem painéis de estudo de lares e consumidores, com base no consumo de bens. Os agentes económicos devem incorporar, nas suas estratégias de decisão, as bases dos sistemas multiculturais, pois podem dizer-nos muito sobre as lógicas de comportamento do consumidor de uma sociedade. Faz, então, sentido o surgimento em Portugal de uma Antropologia do Consumo, que nos permita conhecer as dimensões culturais do consumo? Sim, e existe, mas na área de Marketing, ou seja, uma antropóloga (Douglas) descobriu esta forma de aplicação da Antropologia e, em Portugal, são as outras ciências da empresa que a Rui Assis 5
  • 6. Antropologia, ISCTE - 2008 estudam. Não são os potenciais antropólogos. Na área de marketing existe um interesse em perceber que produtos e serviços vão além das percepções individuais e de suas dimensões tangíveis. Eles são símbolos culturais. Sabem que há uma dimensão cultural fundamental em tudo que diz respeito a consumo. A relação dos Homens com os objectos não se restringe ao seu valor material ou utilitário. Os bens também possuem uma dimensão simbólica e que nos remetem para valores culturais. Assim, há um valor simbólico na relação do Homem com o objecto. A relação de consumo não é uma relação imediatista e utilitária com base na troca de um bem por dinheiro. O consumo é uma forma de relação social e de construção de identidade social. Os produtos estão relacionados com a faixa etária, género, condição social e económica. Os bens são símbolo de status. Os produtos são a implementação táctica das estratégias das empresas. Por outro lado, o ser humano classifica o mundo com o objectivo de o entender, e para que isto seja possível partilha códigos e símbolos, cujos significados são entendidos nos termos de cada cultura (englobando costumes, valores, hábitos e crenças) que o indivíduo trás para a empresa e que a empresa deve ter em consideração no momento em que pensa a construção dos seus valores colectivos. Daniel Miller, em 1987, valoriza os objectos como uma ferramenta de análise, ou seja, enquanto cultura material, que nos conduz às relações entre pessoas e objectos e consequentes teorias de consumo. O consumidor tem identidade própria e capacidade para escapar à hegemonia dos sistemas dominantes. A Nova Guiné é um exemplo de convivência entre a produção das grandes marcas multinacionais e os interesses estratégicos da população, no âmbito da sua subsistência e reprodução familiar, através do entendimento desta cultura material. O Homem tem uma relação com o mundo. É impossível separar o self do mundo, ou da natureza. Isto só poderia acontecer através da alienação da dialéctica do Homem com os objectos, o que é impossível, pois dão-nos informação sobre nós mesmos. Em “Theory of shopping” (1998), Miller avança com uma teoria pessoal de consumo com base no estudo etnográfico do aprovisionamento de um agregado familiar de um bairro no Norte de Londres. É feita uma análise entre o acto de compra (impacto social) e um sacrifício social, em ambos os actos as pessoas têm que dar algo de si, em prol de um bem maior. Rui Assis 6
  • 7. Antropologia, ISCTE - 2008 Tal como no caso português, as compras de bens de consumo estão associadas ao sexo feminino. Ilustração: Fernanda Guedes. Fonte: Point of Purchase Advertising International (Popai) No que respeita aos hábitos de consumo, as liquidações funcionam porque 66% das decisões são feitas na própria loja e em menos de cinco segundos depois de avistado o objecto do desejo. A Antropologia Cultural é imprescindível para se conhecer uma sociedade. Qualquer produto é desenvolvido a pensar em conquistar um determinado mercado, tem um cliente alvo. Nesta fase, as empresas devem estabelecer parcerias e encomendar estudos da Antropologia, pois só esta ciência é capaz de perceber o ser humano contemporâneo e as suas razões de consumo. A principal deficiência das pesquisas sobre o comportamento dos consumidores é o facto de não terem em consideração as questões culturais. Para uma correcta análise da dimensão dos valores culturais, devemos estudar o consumidor através de métodos que estejam mais próximos dos que são utilizados pela Antropologia, no âmbito do estudo das culturas, o método etnográfico. Comprar não dá prazer, mas dá uma sensação de bem estar. Decifrar as razões pelas quais comprar é tão bom é um desafio para os estudiosos do comportamento humano. “Na hora da decisão de compra, os prazeres são muito mais fortes que as necessidades”, disse Everardo Rocha, antropólogo brasileiro. Comprar é um acto de afirmação. Atrevo-me a expor um exemplo, a que assisto frequentemente no âmbito da minha actividade profissional. É do conhecimento comum que o país anda a reboque das crises internacionais, e que já estamos no meio de uma dessas crises (apesar de não estar certo Rui Assis 7
  • 8. Antropologia, ISCTE - 2008 de termos saído da última). O preço dos cereais aumentou 40% por causa do aumento da procura deste cultivo para a produção de biodiesel, que por sua vez viu a sua procura aumentada por causa do aumento do preço do barril de petróleo. Estes dois factores juntos (cereais e petróleo), condicionam o preço de tudo (transportes, alimentação, electricidade, etc). Ao papel da mulher, na nossa sociedade culturalmente machista, cabe a função de gerir o orçamento doméstico. À falta de outras alternativas, a mulher começou a cortar na qualidade dos bens que leva para casa no seu cabaz de compras, quer seja nos detergentes (marcas importadas pelas insígnias discounters, por exemplo: Lidl. Ou, ainda mais grave, as gestoras dos lares domésticos começaram a aplicar a mesma estratégia na alimentação. Ou compram cereais sem marca (nem sequer é a marca do Distribuidor: Jumbo - Auchan, Continente ou Pingo Doce). Estes produtos escolhidos são aquilo que neste universo se denomina por produtos entrada de gama (não confundir com primeiro preço, que pressupõe uma ligação ao distribuidor e consequente responsabilização, por exemplo: os produtos do pulso – na imagem, no Jumbo – Auchan). Estes produtos “entrada de gama” têm várias particularidades negativas e uma que é valorizada pelos consumidores. São produtos sem marcas conhecidas em Portugal, não estão vinculadas à loja onde são vendidos (em caso de problema de qualidade é sempre possível dizer que a culpa é da marca, “nós já compramos os produtos embalados”), nem sempre a rotulagem cumpre os requisitos mínimos obrigatórios ( o consumidor não saberá com exactidão quais são os ingredientes e o modo de preparação), são marcas sem capital social ou notoriedade adquirida (como são as marcas que têm uma imagem de qualidade internacional a Rui Assis 8
  • 9. Antropologia, ISCTE - 2008 defender e não correm riscos, por exemplo Nestlé), mas são muito baratas (a sua proveniência é duvidosa e a responsabilidade social da sua produção também). Nesta matéria poderia ainda referir os produtos dos bazares, vulgo chineses, onde a contrafacção e o método de responsabilização da produção já nem é questionado (pelas questões de mão de obra infantil e trabalho forçado, reconhecidas internacionalmente). Neste contexto, surge a “luta” da nossa carne mertolenga ou Alentejana contra a carne de terceira importada da Argentina ou Brasil. A maioria da carne importada é mais barata, mas de pior qualidade. Podemos ainda citar o exemplo do excelente azeite português (da magnífica azeitona Galega), que é “abafado” pelos preços do azeite espanhol (da azeitona Picual), mais preparado para as regras do jogo capitalista e do mass market. Para além das questões culturais e de identificação nacional, associadas ao azeite. Não entrarei pelas questões da democratização do consumo e optimização da compra para proporcionar aos consumidores os melhores condições, até nos produtos que se situam no quarto quartil de preços. Mas acredito que a partir dos fenómenos do estudo dos fenómenos do consumo das famílias portuguesas poderemos obter conhecimento fundamental para atribuir credibilidade a uma Antropologia adaptada aos problemas do quotidiano, fora da Universidade. Investiguei velhos artigos da APA e descobri uma frase espantosa do ponto de vista do auntoconhecimento interdisciplinar e humildade pessoal: “O maior inimigo da Antropologia é o Antropólogo” disse Raul Iturra na sua entrevista à revista “a página da educação” realizada nos tempos em que era presidente da APA. A frase de Iturra, que aqui relembro, provocou-me um sentimento absoluto de paixão pela capacidade de auto-crítica de uma ciência em permanente ebulição no seu terreno de sabedoria e adaptação no seu objecto. Lembrei-me de uma obra em que participou, “Lugares de Aqui”, e na relação da frase “ O maior inimigo…” com as nossas aldeias e a inevitável ligação com o nosso tema: Antropologia, empresas, consumo e o “chapéu” desta disciplina: Antropologia Aplicada. Se o pior inimigo da Antropologia é o antropólogo, então, são os antropólogos que devem reconhecer que não fizeram o melhor trabalho na aplicação da Antropologia e no seu reconhecimento social. Alguns autores não gostam de pensar nos alunos como clientes6 , mas é dessa forma que devemos encarar o novo sistema de ensino. Então façamos um “produto” (resultado da nossa produção de conhecimento) que se aproxime da sociedade e da comunidade empresarial. “Actualmente Lisboa não sabe o que o 6 Readings Bill, 2003 “A universidade em ruínas.” Coimbra: Angelus Novus Rui Assis 9
  • 10. Antropologia, ISCTE - 2008 Minho faz e o Norte ignora o trabalho de Coimbra”. Iturra proferiu mais esta frase crítica e indignou-se com o facto de se acabar com a disciplina de Antropologia Cultural no secundário e reforçou a ideia de que “a Antropologia caiu nas mão de colegas muito ambiciosos, que fazem da sua vertente científica um reino muito privado … Antropologia leva ao isolamento…”. A Antropologia que começou por ter, como razão de estudo do seu objecto, um cliente (Governos ou empresas coloniais) que financiava as investigações. Distanciou-se do mundo exterior, refugiando-se nas Universidades. Isolados, os Antropólogos não conseguirão combater o lobby das outras ciências. A história da Antropologia merece que esta disciplina do saber continue a ter o seu espaço. A sociedade precisa do saber científico dos Antropólogos. A academia Universitária precisa que os Antropólogos se unam pela Antropologia. Mas, como vêem, os Antropólogos, as aldeias de hoje? Há uma descaracterização cultural das nossas aldeias, a partir da estrutura produtiva - área que poderia ser estudada pela Antropologia do Consumo. As nossas terras estão a ser vendidas aos espanhóis, que vêm cultivar os seus produtos, alargando, assim, o limite económico das suas fronteiras. As nossas terras passaram a ser uma extensão de Espanha, sobretudo no que concerne à azeitona. Estes, não compram as nossas terras para cultivar a nossa azeitona Galega, mas para aumentar a capacidade produtiva e negocial, no mercado mundial, da sua azeitona Picual. A azeitona Galega proporciona um dos melhores azeites do Mundo. Esta questão aparentemente económica, é sobretudo cultural. Nestas aldeias as unidades familiares dependas da grandes células económicas (as quintas, herdades agrícolas), que são geridas por pessoas ligadas aos donos das terras, neste caso espanhóis. Todos sabemos da importância das hierarquias no pensamento destas populações, ou seja, com um capataz espanhol, a produzir azeite espanhol de acordo com as novas tecnologias trazidas por estas grandes empresas (rotura com a agricultura tradicional), com colegas de “jorna” moldavos e romenos. O que resta das velhas tradições? Então, se os antropólogos fizessem mais trabalho de campo em algumas das nossas aldeias, do Alentejo, Trás os Montes ou Beira Alta, concluiriam que as noções de território estão adulteradas e que aquelas aldeias já não são portuguesas, do ponto de vista cultural. São pequenos aglomerados habitacionais, que pertencem ao mapa económico de Espanha, cujos habitantes são, além dos espanhóis, romenos e moldavos. É a Globalização na sua pior manifestação. Na minha opinião, o terreno antropológico não pode ser apenas o estudo da diversidade cultural, mas também a compreensão, interpretação e explicação destes movimentos sociais e Rui Assis 10
  • 11. Antropologia, ISCTE - 2008 económicos, com motivações iniciadas pelas empresas vocacionadas para a produção de bens mass market, neste caso azeite. Está em causa a nossa identidade nacional, atacada a partir dos nossos valores e cultura tradicional. Readings diria que, se os Antropólogos se unissem, com pragmatismo, à volta desta explicação, dando resposta a uma necessidade de manutenção de identidade cultural nacional, então a sociedade atribuiria um valor incalculável à Antropologia. Por outro lado, esta união, constituiria um lobby fortíssimo em prol da própria Antropologia, a favor do seu merecido lugar ao centro das ciências Sociais. Expandir projectos de parceria com outras ciências já instaladas nas empresas. Melhorar a eficiência e a eficácia da Antropologia nas Empresas Sociologia (estudos consumidor) Gestão de Recursos Humanos (+ empatia) Economia (Produção sustentada) Marketing (Direccionado, tendências) Antropologia (aplicada) Melhor ambiente social RA – Antropologia – ISCTE 2008 “O lobby da Psicologia, o da Sociologia, da História, são mais fortes do que o nosso. Eles fazem de tudo uma estatística e não vivem com as pessoas - criam o que é conveniente para a produção de dinheiro e produtos, disse Iturra. A comunidade académica e empresarial pensará que, se a Antropologia não apresenta um produto final com relevância para a sociedade, então não fará mal que acabe. Vamo-nos focar no nosso cenário. O preço da alimentação sobe, as gestoras domésticas optam por produtos de qualidade inferior (o que se coloca na mesa dos lares não tem o mesmo significado simbólico e social – ninguém vê), e surge um momento de festividades e exaltações nacionalistas, o Euro 2008 de futebol. Os homens, lideres culturais das famílias, decidem ir às compras e começam a comprar tecnologia de top, ou seja, plasmas, ecrãs LCD das melhores marcas. Tudo isto, na sua maioria, a crédito, claro. O que é importante é ter as melhores condições para ver a bola. Afinal trata-se da Rui Assis 11
  • 12. Antropologia, ISCTE - 2008 Selecção e da nossa exaltação de identidade nacional. Depois da meia dúzia de jogos que a selecção fará, voltarão as exigências e rigor da gestão doméstica, a cargo das senhoras. Crescerá o consumo de produtos duvidosos e sem garantias, que provocarão um maior desequilíbrio na balança das importações e exportações7 . Talvez por isto, todas as tentativas de valorização dos produtos portugueses, não vingam. Talvez este seja um dos motivos pelo qual apenas 5% dos consumidores portugueses se preocupa em fazer compras responsáveis do ponto de vista social e ambiental. Apesar de serem consumidores literalmente especializados (Tadajewsky, 2006). O que daria mais um proveitoso estudo etnográfico ao abrigo do tema do consumo em Portugal. Para muitos antropólogos “a produção, troca e o consumo” era suficiente para a definição substantiva da economia. Mas os estudos sócio-culturais não se devem limitar a descrever e a produzir etnografias holistas. Richard Wilk propõe que a Antropologia Económica deveria ser a soma de todas as categorias e tipos de Economia, apesar do Antropólogo querer ir mais longe e tentar explicar, comparar e saber as razões. Assim, a Economia, no seu sentido formal, obedece a princípios naturais e universais do pensamento humano. Estes princípios podem ser os mesmos que propiciam e servem de alavanca à Economia não formal (doméstica), ou de comportamento (informal). Ou seja, o preenchimento de necessidades materiais, sociais culturais, que não são bem sucedidas com a economia formal. De facto, a este nível, o mercado Global formal não consegue satisfazer todas as necessidades sociais das famílias. Cada país tem as suas preocupações locais. Formalmente, o governo Português apresentou 100 compromissos para uma política de família, durante a comemoração do X aniversário do Ano Internacional da Família, no Teatro Dona Maria II, em Lisboa. Analisei os 100 compromissos e na sua maioria constituem avisos de prevenção, isto é, existe uma consciência formal dos problemas económicos e sociais, mas não há medidas objectivas para garantir os direitos e deveres das família, por exemplo: compromisso 8 – “Prevenir o sobreendividamento sensibilizando-as para uma economia doméstica equilibrada e um consumo consciente”8 . Deste modo, estas preocupações económicas, sociais e culturais provam que o modelo de protecção social português é insuficiente, assumido formalmente pelo Governo, evidenciando um défice no cumprimento das necessidades básicas da primeira célula do complexo tecido 7 França e Espanha e Inglaterra têm um regime de protecção à produção nacional e às marcas/empresas nacionais. Hoje compramos mais barato um queijo da marca President do que um queijo dos Açores. 8 http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B52D898BB-619E-4390-8AC2-4E29997BCF7D%7D Rui Assis 12
  • 13. Antropologia, ISCTE - 2008 económico, a família. “A família é parte constitutiva do sistema económico e político…” (Comas 1998, 112). A análise do consumo das famílias, pelo método etnográfica, é uma excelente forma de as conhecer. Independentemente da classe social, comprar significa: comprar sonhos e não meros produtos. São os sonhos (com a sua carga simbólica) que realizam as pessoas. A sedução do consumo é um fenómeno Global. O que está em jogo é participar de um universo de valores culturais que determinado produto oferece. Consumir estes produtos é ter a ilusão de pertencer ao universo simbólico que ele propõe. Todos os produtos e serviços são, ao mesmo tempo, um muro e uma ponte. Quando alguém compra uma mala Louis Vuitton constrói um muro em relação às pessoas que não têm Louis Vuitton. Ao mesmo tempo, cria uma ponte com todos os outros consumidores de Louis Vuitton. Os produtos são marcadores culturais que aproximam ou distanciam as pessoas. É o poder da marca na mente dos consumidores que os faz pagar valores consideráveis para terem uma mala Louis Vuitton. A marca é o principal activo de um produto ou empresa. O que importa é o seu valor simbólico. Não adiantam todas as campanhas publicitárias a dizer que a marca tem muita qualidade. Se os consumidores não lhe atribuirem essa qualidade e não estiverem predispostos a pagar por essa qualidade, na prática, a marca não terá qualidade. Será uma má marca. Todos os valores simbólicos são legíveis culturalmente e interpretados pela sociedade. Os produtores das marcas podem querer que elas sejam uma coisa, mas se a sociedade não fizer essa leitura, do que eles querem passar, não serão essa coisa. Este é mais um exemplo da importância da relação inter disciplinar, pois os marketeers não vão fazer o trabalho dos antropólogos e vice-versa. O estudo etnográfico permite um estudo em detalhe e capta o ponto de vista das pessoas envolvidas, ou os códigos de valores das pessoas envolvidas.A sedução do consumo é um fenómeno mundial. Os países que tiveram uma economia fechada, como os antigos Estados soviéticos na Europa dos anos 80, abrigam populações fortemente consumistas. Até hoje, anos depois da abertura económica, o consumidor ainda busca formas de compensar a emoção adiada tantas vezes em compras que ele não podia fazer. No universo internacional da empresa Auchan, os oito hipermercados existentes em Moscovo atingem um volume de vendas anual superior ao total de hipermercados em Portugal. O consumo é a forma mais óbvia de demonstrar inserção num determinado meio, mesmo que ele esteja longe da realidade económica do indivíduo. Na sociedade actual, os hábitos de consumo mais refinados “ajudam” na interacção e reconhecimento social. Afinal, é dessa necessidade humana de projectar uma imagem acima de suas Rui Assis 13
  • 14. Antropologia, ISCTE - 2008 posses que vivem as marcas exclusivas. Comprar é participar numa linguagem colectiva de significados e identificações9 . É como fazer parte de uma tribo. A tribo dos consumidores deste ou daquele produto. Se existe uma identificação com uns, é porque existe diferenciação de outros, ou seja, as pessoas buscam uma afirmação pessoal nas compras. A sensação agradável de comprar é potencializada pelos elogios que as outras pessoas fazem às escolhas. Se as pessoas forem elogiadas e valorizadas pela compra que fizeram, sentir-se-ão recompensadas e felizes, e vão continuar a comprar (como se fosse refém dos tais códigos e significações que lhe atribuem identidade cultural). 40% dos consumidores, quando vão às compras, adquirem mais produtos do que aqueles que necessitam ou previamente planearam, pois estão sempre “afundados” em emoções quando fazem qualquer tipo de compra. São raros os casos de indivíduos que fazem compras de forma estritamente objectiva e programada, como se elas fossem equações matemáticas. Não é por acaso que as empresas ligadas ao consumo fazem avultados investimentos em análises entender a estrutura mental do consumidor. O americano John MacCracken é o responsável pela empresa ABM, que gere o programa ECR (efficient consumer response), em Portugal, ou seja, um programa de gestão e informação integrada, envolvendo toda a cadeia de abastecimento. 9 “ Os símbolos permitem que os seres humanos produzam e transmitam cultura” (Nick Agafonoff) Rui Assis 14
  • 15. Antropologia, ISCTE - 2008 Page - 3 Auchan Proprietary Data 9 June 2008 ECR Vision…ECR Vision… Four prim ary focus areas… …t ied t oget her w it h int egrat ed scorecards Os grandes casos de sucesso são pontos de venda que envolvem o comprador num clima de lazer e entretenimento. O objectivo principal é gerar promoções de forma eficiente e direccionada. O melhor exemplo são as lojas temáticas americanas, como as da Nike, Sony e Disney. O acto de compra está conotado com mecanismos de prazer da natureza humana que mesmo as menores transacções são satisfatórias. Por exemplo, uma mulher quando compra produtos de limpeza, pode obter prazer na valorização que ela terá por manter a casa limpa e asseada para a sua família. Essa valorização é-lhe atribuída culturalmente. Rui Assis 15
  • 16. Antropologia, ISCTE - 2008 Page - 17 Auchan Proprietary Data 9 June 2008 2008 Participating Suppliers…2008 Participating Suppliers… Suppliers = 25 + Private Label Algumas das empresas que participam no programa de gestão eficiente de promoções ao consumidor. Nick Agafonoff, num texto recente (2006), “Qualitative Market Research” considera a etnografia e o seu potencial como um método aplicado nas pesquisas qualitativas comerciais. Estas análises ad hoc podem dar um verdadeiro sentido cultural às pesquisas de mercado. Sugere uma reinterpretação da etnografia como caso de estudo e de dados que podem ajudar a produzir tácticas e estratégicas, insights sobre aspectos do comportamento do consumidor e da cultura. O objectivo do seu trabalho foi aprofundar a natureza da etnografia para avaliar o seu potencial como método aplicado nas pesquisas comerciais qualitativas. Mas antes temos que saber o que é a etnografia (primeira pergunta levantada por quem nos solicita as análises) e o que faz um bom etnógrafo. Um bom etnógrafo é alguém que procura activamente em descobrir o que significa pertencer a um grupo social através de uma variedade de métodos. “Mergulhando os dedos na água”, mesmo com toda a subjectividade do observador participante. A etnografia é um importante instrumento adicional de investigação, portanto. Tal como Agafonoff, penso que o primeiro obstáculo que temos que superar, em Portugal, é convencer a sociedade do valor da etnografia, enquadrando-a conceptualmente. O autor deu-lhe uma definição sociológica: “o acto de observar directamente o comportamento de um grupo social e produzir uma descrição do mesmo”. Literalmente, etnografia significa “desenho do grupo social”. Em outras Rui Assis 16
  • 17. Antropologia, ISCTE - 2008 palavras, etnografia é um tipo específico de ilustração de uma vida cultural ou social, ou experiência mundo. Todos os meios tecnológicos, em conjunto, servem para gravar e comunicar os dados etnográficos fornecidos numa riquíssima variedade de percepção e compreensão em grupos sociais e culturais. Nenhum destes meios é necessariamente ao outro e cada um é agraciado com os seus próprios pontos fortes e fracos como instrumento de investigação. No entanto, o advento da era digital promete um novo mundo de inovação na documentação e apresentação dos resultados da investigação etnográfica, atribuindo-lhe um inquestionável valor qualitativo. A etnografia é usada como ferramenta de investigação para compreender o comportamento de compra do consumidor desde que foi inventada a primeira “gôndola” (linear onde são expostos os produtos) nos supermercados. Os observadores tentaram observar as expedições dos shoppers e tomar notas detalhadas sobre o seu comportamento e decisão de compra. Hoje, o recurso ao vídeo, ajuda-nos a não tomar decisões subjectivas sobre estes comportamentos. Há ainda o recurso a uma entrevista pós shop, mostrando as imagens do shopper e este faz a sua própria análise ao seu comportamento. O resultado é profundo do ponto de vista da reacção do consumidor à publicidade in store. Esta observação participante, pode fornecer-nos muitos dados qualitativos, pois os consumidores dizem-nos o que realmente é importante para eles (a partir do seu ponto de vista). Destas sessões podem sair visões estratégicas, a partir dos rituais e necessidades dos consumidores. Assim, um dos resultados pode ser o desenvolvimento de novos produtos, antecipando essas necessidades. Quanto ao consumidor, o recurso a esta técnica pode ajudar a equipa de vendas de uma loja a identificar os vários tipos existentes e promover uma interacção com estes clientes, aumentando as vendas. Tal como o autor, também eu penso que a análise de comportamentos de consumo pode ser o futuro da etnografia (por causa da interacção simbólica, já apontada). O mundo social é como uma dinâmica dialéctica de interacção simbólica, como uma paisagem do consumidor. Mark Tadjewsky introduz um novo método qualitativo que é teoricamente sustentado na Antropologia Cognitiva. A compreensão do complexo “verde” no comportamento do consumidor e análise do ciclo de vida. Examina o contexto do “comportamento verde”, dos consumidores ambientalmente interessados. A Antropologia cognitiva é diferente, mas complementar ao conhecimento da compreensão do comportamento do consumidor, numa abordagem psicológica. O autor consegue, através de várias entrevistas qualitativas, recuperar informações sobre o ciclo de vida num contexto de Rui Assis 17
  • 18. Antropologia, ISCTE - 2008 compra e é neste contexto que compreende as transformações ocorridas durante esse ciclo. Assim, torna-se mais fácil delinear estratégias de Marketing (com comunicação direccionada – Green Marketing). Tasjewsky baseia a sua teoria numa profundidade de entrevistas qualitativas (reforçando a ideia da importância da etnografia no estudo do comportamento dos consumidores), criticando a concepção das investigações tradicionais (sem a etnografia) por causa do problema da classificação em caixas (“frames”), ou caixas negras.A Antropologia da Cognição aproxima-se do consumidor num sentido prático, “sabendo o que está a fazer”. Esta abordagem encoraja os pesquisadores académicos Há uma integração das informações de busca e processamento do comportamento dos consumidores, dos seus problemas e da elaboração e resolução de problemas do comportamento, bem como realça o papel da experiência do antropólogo em processos de escolha. Normalmente as variáveis exógenas, independentes, são vistas como as que influenciam as variáveis endógenas, dependentes, tais como motivação, cognição ou escolha comportamento. Mas esta é uma visão extremamente simplista. O contexto tem uma grande influência sobre a tomada de decisão. A Antropologia Cognitiva coloca o contexto no centro das atenções. As suas análises são orientadas contextualmente, onde é possível explicar o comportamento real, já que ocorre num contexto específico de uma determinada tarefa. Para analisar este comportamento fundamentado, temos que ter um pensamento prático, onde entra o know-how do investigador para a resolução de problemas e orientar o raciocínio. Esta opinião é intuitivamente atraente, uma vez que na nossa vida de práticas quotidianas de consumo, temos que recorrer à negociação, mas poucos têm respostas óptimas. Assim, acabamos com o problema do framing. Concentramo-nos nos atributos ou situações que podem influenciar a escolha ou comportamento de compra, através da experiência pessoal (carga histórica)dos próprios consumidores. Seguidamente explorados e documentados pelo antropólogo cognitivo10 . Mas, então quais são as dificuldades que um recém licenciado em Antropologia pode enfrentar, no que respeita ao impacto dos seus estudos etnográficos sobre as pessoas? Apesar da conotação histórica da Antropologia ao serviço do Colonialismo, esta ciência vê-se como defensora dos menos poderosos e como um instrumento de politica pública. Outras ciências, como o Marketing, assistem à mudança cultural do trabalho e do 10 O autor levanta questões étnicas, que não abordarei propositadamente. Pretendo colocar a Antropologia ao lado das outras ciências da empresa e consumo. Nesta fase importa realçar as vantagens do método etnográfico (seja pela via cognitiva ou outra). Rui Assis 18
  • 19. Antropologia, ISCTE - 2008 planeta. Para John Sherry Jr., a etnografia,actualmente, assume uma importância crescente na comercialização e no esforço para influenciar a resistência dos consumidores contra as forças da globalização. Mas é necessário uma abordagem ética do mercado e do comportamento dos consumidores, uma vez que a etnografia se torne uma corrente metodológica querida, em estudos de mercado. A linguagem do Marketing tenta representar um novo paradigma social. Há uma linearidade discursiva que pode levar a crioulização cultural e a uma nova coordenação do quotidiano, criando novas necessidades de monitorização. Passou a ser uma ferramenta de interacção social, criando uma sociedade em rede. O individuo, enquanto agente social, pode ser “classificado” como pertencente a um determinado grupo que se identifica com uma marca ou com um estilo criado por essa marca. Ma este novo paradigma social, tem expectativas ilimitadas e, ao mesmo tempo, enganosas. Ilimitadas por se pensar que se pode saber tudo (conhecimento Global) em tempo real. À comunicação Global associa-se os valores de liberdade. Enganosas porque não só não são ilimitadas, como parecem ilimitadas. É um paradoxo perverso. É certo que a tecnologia11 aumenta poderosamente as possibilidades de comunicação e até de conhecimento Global. Abre novas perspectivas, cria novas relações sociais e imprime novos ritmos à ciência e à cultura. Abre novas fronteiras. Mas são virtudes limitadas. Ou falsas no seu propósito enganador de potencialidades ilimitadas. A sociedade da comunicação e do consumo mantém traços tradicionais nas estruturas de poder, hierarquias de valores, desigualdades sociais e outros privilégios déspotas. Esta lógica de comunicação e consumo global cria a ilusão de igualdade (todos os que têm possibilidades de obter um determinado bem de consumo, têm as mesmas condições teóricas), por um lado, e cria novas desigualdades (diferença hemisfério Norte versus hemisfério Sul). Enraíza novos despotismos, protege novos segredos, destrói a diversidade cultural e oculta a falta de pluralidade. A comunicação do Marketing e consumo Global esconde problemas sociais, políticos, económicos, étnicos ou religiosos que necessitam de resolução e soluções adequadas. Só a Etnografia pode ajudar a compreender estes problemas e do ponto de vista da análise do consumo, interpretar o comportamento dos consumidores no seu contexto. O Antropólogo deve investir na conceitualização da cultura do consumo. Todos os antropólogos são também consumidores, o que lhes confere autoridade crítica nas suas reflexões. Na elaboração 11 Sara Pink, 2006, O Futura da Antropologia Visual (a importância da hipermédia na etnografia e na sociedade em geral) Rui Assis 19
  • 20. Antropologia, ISCTE - 2008 destas reflexões deve existir um diálogo interpretativo e que postule o relativismo cultural e a incomensurabilidade entre a culturas, sem pôr em causa o relativismo ético, de modo a que as sensibilidades sócio-culturais e históricas no seu contexto, enquanto origem e representação de fenómenos, seja apreciado e tido em conta na análise. Exploração de uma identidade nacional ocidental: Mercado Roque Santeiro - Luanda: negócios a céu aberto. Conclusão O futuro da Antropologia depende de como os novos praticantes passarão a mensagem da importância da etnografia e nos estudos dos fenómenos do quotidiano (sobretudo a partir do comportamento dos consumidores). Os novos antropólogos têm a obrigação Rui Assis 20
  • 21. Antropologia, ISCTE - 2008 combinar escrita (teórica, descritiva, pedagógica e antropologia aplicada) com narrativas audiovisuais e fotográficas com representações de conhecimentos e experiências. Criando textos que podem ser referências e assim interagir com os organismos existentes do conhecimento. Este novo discurso antropológico já está a transformar a antropologia. A Etnografia é a ciência chave para representar e interpretar os lares dos consumidores no seu contexto cultural, numa interacção disciplinar. Conhecendo as necessidades dos consumidores (através do método de observação participante) as indústrias podem antecipar a concepção de produtos e os distribuidores comerciais (Hipermercados, supermercados) podem adaptar o lay-out das suas gôndolas para servir os seus clientes com mais eficácia. Por outro lado, as empresas devem continuar a “patrocinar” a Antropologia e o método da observação participante. O consumo está ligado a representações simbólicas de índole cultural, que só podem ser interpretadas pelo antropólogo. O consumo é fundamental para todos os estudos sobre os humanos, propiciando um crescente aumento do interesse da Antropologia da Cognição. As questões de ética e responsabilidade começam a ser percebidas a partir das outras ciências, o que significa que o futura da Antropologia pode ser animador, sobretudo na sua aplicação fora das Universidades. O trabalho de campo é a aplicação da Antropologia, por definição, deve ser contemplado nos estudos das empresas e do comportamento dos consumidores. Por outro lado é tempo de abrir as portas das Universidades à literatura empresarial, tal como já fazemos com os romances identificadores de contextos sociais e históricos (exemplo África), talvez pela criação recente, nos anos 80 da NAPA ( nos EUA). “O Homem é um empreendedor que tenta manipular normas e relações sociais para seu proveito próprio, ao invés de o encarar como um membro de um grupo passivamente obediente ás suas normas e pressões” (Boissevain 1987, 201). Bibliografia Agafonoff, Nick, Qualitative Market Research,. Bradford: 2006, Vol. 9, Iss. 2, p. 115-125. Rui Assis 21
  • 22. Antropologia, ISCTE - 2008 Appadurai, Arjum, 2002. "Grassroots globalization and the research imagination,” in Globalization. London: Duke University Press. Boissevain Jeremy, 1987.”Amigos de amigos: redes sociais, manipuladores e coalizações”. In Feldman-Bianco. Org Antropologia das Sociedades Contemporâneas. São Paulo. Global. Pp 195-223 Chevalier, Jacques 1983 "There is nothing simple about simple commodity production ." Journal of Peasant Studies 10 (July): 153-186. D’Argemir, Comas, 1998, “Debates: Mercantilización de todas las cosas? Lo que no se mercantiliza” in:Antropologia Economica, Barcelona: Ariel, p. 115-137, Douglas, Mary e Baron Isherwood, 1979, The world of goods, towards an anthropology of consumption, Routledge Taylor & Francis (2005), London. Miller, Daniel 1998, A Theory of Shopping, Cornell University Press Ithaca, New York. Miller, Daniel, 1987, Material Culture And Mass Consumption, Basil Blacwell, NY. PINK Sara, 2006, “The Future of Visual Anthropology”. Engaging the Senses, London, Routledge. Sherry Jr, John, Journal of Business Ethics, Dordrecht: Jun 2008. Vol. 80, Iss. 1, p. 85-95. Tadajewski, Mark e Sigmund Wagner-Tsukamoto, Qualitative Market Research, Bradford: 2006, Vol. 9, Iss. 1, p. 8-25. Wilk, Richard, 1996 “Complex Economics Human Beings” in::Economies & Cultures. Foundations of Economic Anthropology, Westview Press, p. 135-156 Webgrafia http://www.rami.com.br/dicas2.asp http://sbrt.ibict.br/upload/sbrt1000-4.html Rui Assis 22
  • 23. Antropologia, ISCTE - 2008 http://www.aprendebrasil.com.br/educacao_fisica/alunos/alunos11.asp http://comarte.upf.br/index.php http://64.233.183.104/search? q=cache:wqTsBoGzhO8J:www.aguaforte.com/osurbanitas5/Dornelles052007.html+Ant ropologia+empresa+consumo&hl=pt-PT&ct=clnk&cd=10&gl=pt Acedido em 08/06/08. http://www.jstor.org/pss/3203396 http://www.estadodomundo.gulbenkian.pt/index.htm?no=10201117 http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B52D898BB-619E-4390-8AC2- 4E29997BCF7D%7D Acedido em 09/06/08. Rui Assis 23