O artigo critica o julgamento do mensalão no STF por ter negado direitos básicos à defesa e criado regras de ocasião para interpretar o direito penal brasileiro. Afirma que a maioria dos ministros parece disposta a ultrapassar limites legais para condenar os réus petistas, flexibilizando provas e invertendo princípios como o da presunção da inocência.
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8 O HERÓI DO MENSALÃO
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22 HÁ REMÉDIO CONTRA O CAIXA Roberto Davis
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32 PROBLEMAS AMAZÔNICOS DIRETOR ADMINISTRATIVO
Canteiros do tipo plataforma serão a Marcos Montenegro
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solução para as constantes paralisações DIRETOR EDITORIAL
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na construção de hidrelétricas?
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26 A CAMINHO DA DITADURA Sérgio Miranda
A Abert foi fundada para a derrubada de
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34 APOIO GERAL SUPERVISÃO EDITORIAL
Raimundo Rodrigues Pereira
presidente Dilma anunciou o Programa de EDIÇÃO
Investimento em Logística Armando Sartori
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28 ALARME FALSO? Thiago Domenici
REDAÇÃO
declarações de suposta “escalada de violência” 38 PARA TODOS
em São Paulo no 1º semestre deste ano O samba de terreiro ressurge: ao lado
EDIÇÃO DE ARTE
Pedro Ivo Sartori
mostram suas composições
REVISÃO
[André Carvalho] Silvio Lourenço [OK Linguística]
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
42 MAGIA DA CIÊNCIA
Além de matar a curiosidade de pré-
Artur de Lima
é boa leitura para adultos
REPRESENTANTE EM BRASÍLIA
ADMINISTRAÇÃO
44 POLARIZAÇÃO CRESCENTE
Livro de Marcio Pochmann destaca Aparecida Carvalho
crescimento dos trabalhadores da base da
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4 | retratodoBRASIL 63
3. Ponto de Vista
Calandra, presidente
da Associação dos
Magistrados do Brasil:
“Nunca vi presidente de
tribunal votar duas vezes
para condenar alguém”
ABr
Um julgamento de exceção
Na Ação Penal 470, do chamado mensalão, o STF, pressionado pela
grande mídia, negou direitos básicos à defesa e, assim, criou regras
de ocasião para interpretar o direito penal brasileiro
EM MEADOS DE setembro, caminhan- do julgamento, o do relator Joaquim tinha, então, recuado: reorganizou seu
do-se para o segundo mês de apre- Barbosa. Ele começou pela análise de voto e votou, como Barbosa, também na
ciação, pelos ministros do Supremo crimes que teriam sido cometidos no forma fatiada.
Tribunal Federal (STF), do mérito da uso de recursos públicos, um dos sete Na primeira derrota, os defensores
Ação Penal 470 (AP 470), que julga blocos em que subdividiu seu voto, e queriam garantir aos réus o direito,
os envolvidos no chamado mensalão, anunciou que, depois, passaria a palavra expresso na Constituição brasileira,
confirmam-se as previsões pessimistas para os demais ministros votarem sobre da dupla jurisdição: poder apelar da
feitas no início desse processo, quando o mesmo assunto. sentença a um tribunal mais alto. No
uma petição da maioria dos advogados Houve, então, certo tumulto no julgamento pelo STF, corte acima de
dos acusados alertou para a possibili- tribunal. O revisor do voto de Barbosa, todas, esse direito praticamente não
dade de ser feito um “julgamento de Ricardo Lewandowski, disse que o en- existe. E é preciso destacar que somente
exceção”. Na ocasião, os defensores dos caminhamento contrariava o regimento dois dos réus têm de ser julgados pelo
réus já tinham sido derrotados em sua do STF e ameaçou renunciar. O ministro STF, porque são deputados e têm foro
pretensão de desmembrar a ação penal, Marco Aurélio de Mello condenou a pro- privilegiado; 36 dos 38 não o têm. Os
enviando para os tribunais inferiores posta de Barbosa. O presidente do STF, defensores dos réus foram derrotados
os acusados sem foro privilegiado. No Ayres Britto, iniciou uma contagem de sob o argumento de que se tratava de
julgamento de um caso muito parecido, votos para decidir a forma de votação, um processo único, no qual todos os acu-
o dito mensalão tucano, que envolve mas não a concluiu e acabou decidindo sados têm ligação com o grande crime
políticos do PSDB de Minas Gerais, o que cada um votaria como quisesse, o que teria sido cometido, o da compra de
STF tinha desmembrado o processo. Por que, como alguns ministros argumen- votos por um “núcleo político” do PT e
que não fazê-lo no caso do mensalão pe- taram imediatamente, causaria uma do qual faria parte José Dirceu, então
tista, diziam os advogados? O segundo confusão tremenda. O julgamento foi chefe da Casa Civil do governo do ex-
protesto foi contra mais uma medida suspenso depois do voto de Barbosa, presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No
excepcional: o fatiamento das decisões feito da forma fatiada, como escolhera, e caso do fatiamento, ao argumentarem
dos ministros. Isso ocorreu em função recomeçou na sessão seguinte, após um que o processo é um todo e seria mais
do encaminhamento do primeiro voto acordo entre os ministros. Lewandowski justo ouvir o voto integral de cada
63 retratodoBRASIL | 5
4. ministro, os advogados dos acusados declarou que o PT estava pagando um exemplo curioso: “Tem-se admitido,
foram derrotados sob o argumento da uma mesada a parlamentares e assim em matéria de prova, uma certa elastici-
conveniência: dividir o julgamento em corrompendo o Congresso. A Comissão dade na prova acusatória, valorizando-
partes facilitaria a compreensão das Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) se o depoimento das vítimas. É como nos
decisões. dos Correios, por exemplo, comandou casos de estupro. Nos delitos de poder
Afinal, pode-se perguntar: é um investigações. Do seu trabalho resulta- não pode ser diferente”. A ministra
grande e único crime que obriga enfiar ram cassações de mandatos e renúncias parece estar muito impressionada com
38 pessoas num mesmo saco, mesmo de parlamentares e na sua conclusão ela os comentaristas dos grandes jornais
desrespeitando direitos claros da gran- encaminhou o pedido de indiciamento conservadores, que querem a conde-
de maioria deles? Ou se trata de criar criminal de dezenas de pessoas. nação dos petistas a qualquer preço, e
sete fatias de crimes que devem ser A CPMI não condenou criminalmente confunde seus clamores com indícios
puxados de uma cartola de modo pla- ninguém. Os depoimentos que ouviu, as para condenar o “poderoso” Cunha, um
nejado, para criar um clima que ajude a perícias que promoveu, as acusações ex-metalúrgico – como Lula –, que foi
condenar os petistas a qualquer preço, que fez são indícios que podem ser usa- presidente da Câmara dos Deputados.
como mostramos nesta edição, em “O dos na AP 470, é óbvio. Mas as provas Cunha foi condenado, entre outros,
herói do mensalão”. O artigo descreve essenciais, diz a lei brasileira, são produ- pelo crime de peculato por 9 votos a 2.
as gestões do ministro Barbosa, que zidas judicialmente, são as que estão nos Rosa e Fux, por exemplo, votaram pela
atua mais como promotor do que como autos do processo. O valor determinante condenação, a despeito de a acusação
juiz nesse caso, empenhado praticamen- para um julgamento é o das provas apre- não ter conseguido provar ter ele co-
te numa campanha de opinião pública sentadas diante de um juiz, num ato no metido qualquer delito numa licitação
para vender a tese do mensalão. qual o contraditório, a participação da usada para condená-lo, pela qual uma
A maioria do STF parece disposta das agências do publicitário Marcos
a ultrapassar limites. Segundo depoi- Ao negar à Valério ganhou concorrência para gerir
mentos de vários de seus ministros, a 10 milhões de reais a serem usados para
corte não sabe o que fará no caso de um maioria dos promover as atividades da Câmara.
empate de votos. Com a aposentadoria Quando, em 1994, julgou o ex-presidente
de Cezar Peluso, logo após o encerra- réus a dupla Fernando Collor de Mello por crime de
mento da primeira fatia da discussão, peculato – o de ter recebido de presente
permaneceram dez ministros. Eles jurisdição, de seu tesoureiro de campanha, Paulo
estariam discutindo o que acontecerá César (PC) Farias, um automóvel Fiat –,
se houver uma decisão com cinco de
“o STF pode ser o STF decidiu em sentido oposto. Absol-
um lado e cinco de outro: o presidente veu Collor de Mello porque a acusação
da corte, Ayres Britto, votará ou não
visto como um não conseguiu provar a existência de
pelo desempate? É uma duvida desca- órgão que vestiu um ato de ofício, uma decisão formal
bida. In dubio pro reo, lembrou Nelson por meio da qual ele, como funcionário
Calandra, presidente da Associação dos a toga para matar, público, teria favorecido PC Farias em
Magistrados do Brasil, referindo-se a um troca do Fiat recebido. Rosa e Fux con-
dos pilares do direito penal, o princípio não para julgar” denaram Cunha porque não aceitaram
da presunção da inocência, segundo o sua explicação para ter recebido 50 mil
qual, em caso de dúvida, o acusado deve reais de Valério. Cunha disse nos autos
ser considerado inocente. “Nunca vi parte contrária, é indispensável, para – e apresentou provas – que os 50 mil
presidente de tribunal votar duas vezes que seja garantido outro princípio do reais foram gastos com uma pesquisa
para condenar alguém”, disse Calandra. processo penal: o do amplo direito de eleitoral e que pediu o dinheiro a Delúbio
A palavra de ordem que prevalece defesa. Sob o argumento de que estão Soares, tesoureiro do PT, num esquema
no STF no julgamento do mensalão julgando um crime dos poderosos, com de caixa dois cujo intermediário foi Va-
petista parece ser: flexibilizar o direito ampla capacidade de manipulação e lério. Rosa e Fux sabiam que havia um
penal. “O juiz formará sua convicção ocultação de provas de suas atividades ato de ofício – a abertura do processo
pela livre apreciação da prova produzida “tenebrosas”, para usar a expressão de licitação pela Câmara para a contra-
em contraditório judicial, não podendo de um deles, os ministros que formam tação da agência de Valério – assinado
fundamentar sua decisão exclusivamen- a atual maioria, empenhada em conde- por Cunha. Mas esse ato de ofício, está
te nos elementos informativos colhidos nar os mensaleiros, estão invertendo o provado nos autos, foi perfeitamente
na investigação”, diz o Código Penal princípio: relativizam a importância das legal. Rosa e Fux passaram a dizer então
brasileiro no artigo 155. Isso significa provas produzidas em juízo e ampliam o que não é necessária a existência de um
dizer, no caso: os juízes não podem ba- peso dos indícios e contextos que sacam ato de ofício para provar um crime de
sear suas decisões principalmente nos aqui e ali da fase do inquérito policial ou peculato. Pode-se dizer que:
indícios colhidos pelas investigações do das investigações da CPMI. 1. tinham diante de si um crime de
Congresso Nacional e nas duas dezenas Vejam-se, por exemplo, os votos dos caixa dois confessado;
de inquéritos da Polícia Federal (PF) ministros Luiz Fux e Rosa Weber na con- 2. mas precisavam de um crime
feitos a partir da denúncia do mensalão, denação do deputado João Paulo Cunha maior, o do mensalão, inventado por
quando o deputado Roberto Jefferson por crime de peculato. A ministra deu Jefferson;
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5. STF
3. por isso, flexibilizaram a tese do
ato de ofício necessário;
4. e, ao fazê-lo, esqueceram outro
princípio: o de que, no direito penal
brasileiro, cabe ao Ministério Público
provar a acusação que faz.
Desprezaram os depoimentos dos
outros réus, Soares e Valério, os quais
dizem serem os 50 mil reais enviados a
Cunha dinheiro de caixa dois das cam-
panhas petistas. A tese do mensalão foi
criada pela acusação; a do caixa dois,
pela defesa. Rosa e Fux não tiveram
a dúvida que, por recomendação dos
princípios do direito penal, favorece o
réu: ficaram com as explicações que
favorecem a tese de Jefferson. Votou
em sentido contrário, pela absolvição de
Cunha, acompanhando o revisor Lewan-
dowski, o ministro Dias Toffoli. Ele disse
bem: Cunha não tinha que provar ser
inocente, podia até ter ficado calado. “A
acusação é quem tem de fazer a prova.
A defesa não tem que provar sua versão. Olga: em 1936, o STF permitiu que ela, grávida, fosse extraditada para a Alemanha nazista
Essa é uma das maiores garantias que a
humanidade alcançou. Estou rebatendo
[a acusação contra Cunha não apenas] casos graves de condenação política. presidente, no entanto, estava no Rio
em relação ao fato concreto, mas como Um, de março de 1936, quando negou Grande do Sul, sem qualquer sombra
premissa constitucional que esta corte pedido de habeas corpus para a mili- de dúvida. Tinha sido lá que, anos antes,
deve seguir.” tante comunista alemã Olga Benário, fora organizada a resistência, afinal
Roberto Gurgel, o procurador-geral de origem judaica, grávida de uma filha vitoriosa, para garantir sua posse em
da República, que cumpre o papel de de seu companheiro, o líder comunista 1961, quando o então presidente, Jânio
acusador no processo, considerou que brasileiro Luiz Carlos Prestes. Os dois Quadros, renunciou e ele, como vice,
essa flexibilização caiu como o queijo estavam presos no Brasil e o governo teve seu mandato contestado pelos
sobre o seu prato de macarrão. Disse, de Adolf Hitler pediu a extradição de militares. O STF aceitou o argumento da
após a condenação de Cunha, que o Olga ao governo comandado por Getúlio direita e deu posse ao sucessor consti-
julgamento estava sendo encaminhado Vargas. A defesa de Olga solicitou ha- tucional, Ranieri Mazzilli, presidente da
muito favoravelmente à sua acusação e beas corpus ao STF por dois motivos: a Câmara, que governou como preposto
que a aceitação de provas mais tênues extradição colocaria sua vida em risco, dos golpistas por 15 dias.
para acusados de menor poder, como pois os campos de concentração nazis- Renato Janine Ribeiro, professor de
Cunha, mostrava a tendência da corte tas eram conhecidos pelo tratamento ética e filosofia da Universidade de São
suprema de aceitar provas mais tênues cruel dispensado aos detidos, especial- Paulo (USP), reconhece, como Retrato
ainda no caso da sua proposta de con- mente se fossem comunistas ou judeus, do Brasil, em artigo publicado pelo diá-
denação de Dirceu, apontado por ele e e ainda colocaria sob o poder de um rio Valor Econômico, que “o Supremo,
pela grande mídia conservadora como governo estrangeiro a filha de um bra- pressionado por uma mídia sobretudo
o comandante do mensalão. Como se sileiro. O STF negou o pedido. Olga foi oposicionista, negou direitos básicos
sabe, nos autos, além dos depoimentos deportada e morta num dos campos de à defesa”. Ao negar à grande maioria
dos réus Jefferson e Emerson Palmieri, extermínio de Hitler (Anita Leocádia, sua dos réus a dupla jurisdição, diz ele, “ao
do PTB – que podem ser levados em filha, sobreviveu e hoje, com 75 anos, é chegar à mesquinhez de proibir a defesa
conta apenas como indícios, porque dos professora aposentada da Universidade de usar o power point que facilitaria a
réus não é cobrado o juramento de dizer Federal do Rio de Janeiro; uma mulher exposição de seus argumentos, o STF
a verdade –, Gurgel não tem mais nenhu- com o mesmo nome está sendo julgada pode ser visto como um órgão que vestiu
ma testemunha ou prova documental ou na AP 470). a toga para matar, não para julgar”. Ele
pericial contra Dirceu. A outra decisão foi a que legalizou, conclui, com razão: “A imagem da corte
Em debate promovido pelo Centro digamos assim, o golpe militar que der- está em risco. Ninguém é legalmente
de Estudos da Mídia Alternativa Barão rubou João Goulart da Presidência da culpado até ser condenado em processo
de Itararé, realizado em meados do mês República em 1964. A direita golpista justo [...] O Supremo não mostrou essa
passado em São Paulo, o jornalista e levou ao STF um pedido para declarar cautela”. Nós acrescentamos: e o que é
escritor Fernando Morais disse que o vaga a Presidência sob o argumento pior, pode estar criando precedente para
STF tem em seu passivo histórico dois de que Goulart abandonara o País. O uma fieira de outros abusos.
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6. Política 1
O HERÓI DO
Para lembrar:
Na Justiça brasileira, pessoas com foro
privilegiado – deputados como João Paulo
Cunha, José Dirceu, Roberto Jefferson e
MENSALÃO
só podem ser processadas e julgadas pelo
gadas na chamada primeira instância, com
direito a recorrer a uma alçada superior.
Uma etapa inicial do processo judicial
é o inquérito, cujas investigações são
Como o ministro Barbosa armou para o público sua feitas pela polícia. Ele é dirigido por um
promotor, um advogado do Ministério
“historinha” e, com ela, rebaixou o nível do debate que
deveria ter sido feito sobre o grande escândalo político reitos constitucionais dos acusados, como,
por exemplo, uma busca em sua residência,
por Raimundo Rodrigues Pereira ilustração Amarildo
devem ser aprovadas por um juiz a quem
o inquérito precisa ser comunicado. No
caso de nossa história, em função do foro
NÃO HÁ A menor dúvida de que o PT, privilegiado, o inquérito, de número 2.245,
que se dizia o grande partido da ética na geral da República, Roberto Gurgel. Do
política, paga hoje o preço de, ao chegar mesmo gênero foi a avaliação de Antonio
à Presidência da República, em 2003, ministro Barbosa.
ter mergulhado fundo no pântano dos cargo e encaminhou, em 2006, a denúncia
panhas eleitorais. A avaliação de que o agora em julgamento na suprema corte de mover uma ação penal destinada a julgar
chamado mensalão é “o mais atrevido e Justiça do País. os acusados. Em caso positivo, encaminha
escandaloso esquema de corrupção da denúncia ao juiz e este a examina para
história do Brasil” é outra coisa. Está nas ção que supervaloriza os erros cometidos dizer se a aceita ou não. No caso, Barbosa
pelo PT é da oposição ao governo do
A seguir, encaminhou seu voto ao plenário
e já está formulada nas conclusões da
principal das comissões parlamentares Na ação penal, presidida por um
de inquérito que investigaram o caso juiz, são preparados os chamados autos
a partir de julho de 2005, após a do processo, com depoimentos, perícias,
denúncia espetacular de Roberto documentos, apresentados a ele sob as
Jefferson. Mas, com certeza, a regras do contraditório, ou seja, as duas
pessoa que transformou esse partes, acusação e defesa, devem ter amplo
acesso às provas produzidas, com o direito
rência de justiça para ser vendida
à opinião pública foi o ministro
Joaquim Barbosa, que cuida lização dos autos, a ação vai a julgamento;
do mensalão desde que o caso no caso, o da AP 470 começou no início
de agosto passado.
Barbosa surgiu como um herói para
a grande mídia conservadora do Brasil
um inquérito na corte, visto que
diversas pessoas acusadas tinham
o chamado foro privilegiado.
um voto de 430 páginas, lidas ao longo
de 36 horas em cinco dias, defendendo a
abertura da AP 470 foi amplamente aceito.
Até então Barbosa era relativamente
estigmatizado. Fora escolhido para ser
logo no começo de seu primeiro mandato,
por ser negro, numa espécie de exercício
modo, foi mal recebido por expoentes da
8 | retratodoBRASIL 63
7. mídia mais conservadora que são contra “historinha”, como disse na ocasião ao diá- milhões de reais por meio dos chamados
esse critério para preenchimento de parte rio O Estado de S. Paulo, pelo capítulo 5, no bônus de volume, isto é, recursos dados
das vagas públicas em várias instâncias; no qual Souza tentava provar a corrupção de pelos veículos de promoção e mídia em
caso, o STF. Cunha e Pizzolato. Depois foi para o 3, no função do volume de serviços cobrados
O seu encaminhamento vitorioso da qual Souza procurava mostrar que o dinhei- do BB, que seriam devidos ao banco, mas
denúncia contra o mensalão petista, o cha- ro do esquema Soares–Valério viria, de fato, foram dados para uma empresa de Valério
memos assim, mudou radicalmente essa de desvio de dinheiro público. Deixou por com a anuência de Pizzolato; e um “grande
imagem e lhe valeu elogios estridentes. “O último o capítulo no qual Dirceu é acusado peculato”, pelo desvio de 73,8 milhões de
Brasil jamais teve um deplorável escândalo de formar uma quadrilha, articulada com reais, que também seriam do BB e foram
como o mensalão. Como compensação, outras duas – uma de publicitários e outra dados para a mesma empresa de Valério,
também jamais teve um ministro como de banqueiros –, para corromper o Con- a partir de um fundo de incentivos ao uso
Joaquim Barbosa”, disse Veja em sua edi- de cartões da bandeira Visa.
ção do início de setembro de 2007, num mais compreensível, “o capítulo anterior O que Barbosa fez ao começar pelas
artigo de capa no qual enumerava suas jogava luz sobre o capítulo subsequente”, “historinhas” de corrupção é o oposto do
qualidades de menino pobre que estudou como disse, na época, Barbosa ao Estadão. que se recomenda num debate intelectual
Barbosa reorganizou a denúncia do sério. Como disse o pensador italiano An-
desde falar várias línguas, vestir-se em lo- procurador-geral, mas com um voto tonio Gramsci, nesse tipo de discussão, na
jas chiques pelo mundo e conhecer com unitário. No julgamento, quando, como luta de ideias, ao contrário do que se faz
detalhes a vida em Paris, Nova York, Los relator, foi o primeiro a votar, já quase no na guerra, quando se come o pirão pelas
Angeles e San Francisco. beiradas, procurando destruir o inimigo
da acusação, pelo procurador-geral Gurgel, atacando-o por seus pontos mais fracos,
M as, essencialmente, Veja elogiava
o fato de Barbosa ter se con-
vencido da tese apresentada na
denúncia de Souza em 2006, e encampada
pela revista desde meados de 2005, de que
e das defesas, pelos advogados dos 38 réus,
ele acabou impondo – com a ajuda do pre-
sidente da corte, Ayres Britto – a votação
fatiada, para espanto dos ministros Ricardo
Lewandowski, revisor da AP 470, e Marco
deve-se começar pelo ponto forte, o
essencial da argumentação adversária. O
adversário, como se faz com o inimigo na
guerra, mas derrotar suas ideias errôneas
“uma quadrilha liderada pelo ex-ministro Aurélio de Mello e protestos da maioria dos e, dessa forma, contribuir para elevar o
José Dirceu movimentara dezenas de mi- advogados dos réus. nível popular de consciência e informação.
lhões de reais para corromper parlamen- O fatiamento parece ter sido o grande
tares em troca de apoio político”. Veja
destacava, essencialmente, a sagacidade
de Barbosa em transformar a denúncia
do procurador-geral numa peça para o
convencimento do público. Diz a revis-
truque de Barbosa. É uma espécie de
técnica como a de comer o pirão a partir
das beiradas, onde está mais frio. No caso,
começar a julgar a complexíssima tese do
mensalão a partir de um ponto que é quase
B arbosa não é nenhum Gramsci. Fez
o contrário, procurou contar uma
“historinha”. Estavam em debate
duas posições. De um lado, a dos maiores
criminalistas do País, que defendem os
ta: “Sua obsessão era a forma do voto, um senso comum: o de que os políticos são acusados com a tese do caixa dois. Essa tese
a estrutura, a ordem dos capítulos [...] corruptos e é grande o desvio de dinheiro foi desenvolvida por Soares e Valério, já em
Joaquim Barbosa fez um voto inteligente. 2005. Eles apresentaram provas e testemu-
Subverteu a ordem da denúncia preparada setores da classe média e da burguesia brasi- nhos de terem repassado clandestinamente
pelo procurador-geral da República”. leira devem fazer isso até com uma espécie 55 milhões de reais para pagar dívidas de
Souza apresentou uma denúncia di- de consciência culpada: deve-se notar que, campanha do PT e partidos associados a
vidida em sete capítulos. No quinto, por no mensalão, a acusação tenta provar um ele nas eleições. Disseram que o dinheiro
exemplo, falava de 50 mil reais recebidos desvio de dinheiro público de perto de 100 vinha de empréstimos tomados – pelo
pelo deputado João Paulo Cunha, na época milhões de reais. Já a Receita Federal está PT, mas, principalmente, pelas empresas
presidente da Câmara dos Deputados, cobrando de centenas de milhares de pes- de Valério – nos bancos mineiros Rural
e 326 mil reais recebidos por Henrique soas físicas e jurídicas 86 bilhões de reais em e Mercantil de Minas Gerais. De outro
Pizzolato, então diretor de Comunicação “débitos vencidos”. Desse total, 42 bilhões lado estava a tese da maioria da CPMI dos
e Marketing do Banco do Brasil (BB). Eles são atribuídos a 317 grandes contribuintes Correios, a tese do mensalão. Ela dizia que
tinham apresentado essas quantias como (15 pessoas físicas e 302 jurídicas) – ou seja, os 55 milhões de reais admitidos pelos
sendo dinheiro do caixa dois confessado um montante que equivale a mais de 420 acusados como caixa dois não existiam.
por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e vezes o dinheiro envolvido no mensalão. Seriam dinheiro público os 76,7 (73,8 +
Marcos Valério, dono de agências de pu- Cunha e Pizzolato foram as vítimas 2,9) milhões de reais da soma do grande
blicidade com serviços prestados ao BB e à e do pequeno peculatos de Pizzolato,
Câmara. O procurador-geral dizia que, nos - desviados do BB para Valério. As quantias
dois casos, o dinheiro era, de fato, suborno. ção de Barbosa, Pizzolato foi condenado
No terceiro capítulo, Souza apresentava quase unanimemente pelos outros dez como empréstimos pelo publicitário com
dois tipos de operações da agência DNA ministros por quatro crimes: corrupção ajuda dos banqueiros do Rural. Os 326 mil
com o BB como sendo a fonte de desvio de passiva, porque teria recebido 326 mil reais que chegaram a Pizzolato seriam o
2,9 milhões de reais e 73,8 milhões de reais reais para favorecer Valério; lavagem de suborno para ele fazer o desvio. Os ban-
de dinheiro público para as empresas de dinheiro, por ter recebido dinheiro em queiros do Rural teriam feito a simulação
Valério. Barbosa mudou a ordem da apre- espécie e ocultado essa movimentação; um porque estariam interessados num prêmio
sentação dos supostos crimes: começou sua “pequeno peculato”, por ter desviado 2,9 que Dirceu, chefe da quadrilha política,
63 retratodoBRASIL | 9
8. Para Barbosa, Valério tirou R$ 76,7 milhões do BB
na “mão grande”. Ele ignorou as notas em poder da
CBMP que comprovam os serviços do publicitário
poderia obter do Banco Central para eles: a do PT a governador nas eleições de 2002. dessa tese, buscando em seu apoio todos
“bilionária” liquidação do Banco Mercantil A segunda maior parte – 11,2 milhões de os indícios e suposições da fase do inqué-
de Pernambuco, como diz Gurgel em sua reais – foi para o PL, que estava coligado rito e praticamente ignorando as provas e
peça acusatória. E Dirceu e sua quadrilha com o PT desde a formação da chapa testemunhos produzidos para os autos pela
política queriam o dinheiro para comprar presidencial, com Lula encabeçando-a e defesa, os quais, pela lei brasileira, deveriam
o apoio de partidos no Congresso para o com o empresário mineiro José Alencar ser os determinantes para a condenação
governo Lula. como vice. Mais 4 milhões foram para o dos acusados. Como disse o experiente so-
Como juiz, a nosso ver, para encarar PTB, de Roberto Jefferson. No primeiro ciólogo Wanderley Guilherme dos Santos,
o debate de frente, Barbosa deveria ter turno da eleição presidencial de 2002, o em entrevista publicada pelo jornal Valor
começado por dar seu veredicto sobre a PTB formou a chamada aliança trabalhista, Econômico em 21 de setembro: “Temo que
acusação, isto é, dizer se a tese do mensalão com o PDT e o PSB, para apoiar Anthony uma condenação dos principais líderes do
fora ou não provada. Deveria fazer isso Garotinho, o candidato à Presidência dessa PT, e do PT como partido, acabe tendo por
examinando a argumentação da defesa, a última agremiação. No segundo, o partido fundamento não evidências apropriadas,
tese do caixa dois, e fazer isso com todo o de Jefferson apoiou a candidatura de Lula. mas o discurso paralelo que vem sendo
empenho, para eliminar qualquer dúvida Por que o valerioduto não repassou verbas construído”. O jornal então lhe perguntou
razoável em favor dos acusados, em res- para o PSB pagar suas campanhas de 2002? se ele achava que os ministros estavam
peito ao princípio in dubio pro reo. Por que não deu dinheiro para o PCdoB, “dizendo, nas entrelinhas do julgamento”,
outro de seus aliados históricos? Por que que “o tribunal condenará alguns réus sem
N ote-se bem: ninguém pode dizer
que os réus são inocentes se o
propósito for corrigir os males do
processo eleitoral brasileiro, totalmente cor-
rompido pelo dinheiro. Muitos dos acusa-
PTB, PP e PL são partidos, como se diz,
É claro que pode ter havido compra de
partidos, que candidatos possam ter usado
o esquema clandestino Valério-Soares
fundamentar essas condenações em provas
concretas”. Ele respondeu: “É uma espécie
de vale-tudo. Esse é meu temor. O que os
ministros expuseram até agora é a intimi-
dade do caixa dois de campanhas eleitorais
dos são participantes confessos, em maior para melhorar suas contas pessoais e que, e o que esse caixa dois provoca. A questão
ou menor grau, de um crime eleitoral: o uso portanto, a tese do caixa dois não dá conta fundamental é: por que existe o caixa dois?
de todos os detalhes e não ajuda, de forma Isso eles se recusam a discutir, como se
de candidatos e partidos. Ao escrever sobre alguma, diga-se mais, a limpar as estrebarias o que eles estão julgando não fosse algo
esse tema, poucos meses depois do ocor- formadas pelo dinheiro e pelos poderosos comum – que pode variar em magnitude,
rido (ver no livro As duas teses do mensalão, que o oferecem para orientar, em função mas que está acontecendo agora, não te-
Editora Manifesto, 2012, o capítulo “O PT de seus interesses, o processo democrático. nho a menor dúvida. Como se o que eles
no seu labirinto”, escrito em setembro de Quem, dentre os defensores da tese do estão julgando fosse alguma coisa inédita e
2005), já dizíamos, por exemplo, o que está caixa dois, pode ter certeza de que os ban- peculiar, algum projeto maligno”.
sendo observado agora por alguns analistas: queiros do Rural e do BMG não queriam
os 4,1 milhões de reais repassados por meio
do chamado valerioduto para o PP não
podiam ser vistos como verba para paga-
mento de despesas de campanhas passadas.
A adesão do PP à base do governo Lula foi
favores do governo? É claro que queriam.
Mas o problema em discussão não é
esse. A tese do caixa dois é a da defesa.
Ela não tem, a serem seguidos os princí-
pios do direito penal, o ônus da prova. É
B arbosa adotou o método da “his-
torinha” para ganhar o público a
partir dos preconceitos existentes
contra a política. E também porque, obser-
vada na sua estrutura, a tese do mensalão é
tardia. Em 2002 esse partido, assim como o a acusação que está sendo julgada na AP muito complexa e frágil. Ela precisa de uma
PMDB, se coligou com o PSDB no apoio 470. É a tese do mensalão, encaminhada superorganização criminosa. Precisa de
à candidatura de José Serra à Presidência. É pelo procurador-geral Gurgel na sua três quadrilhas – associação criminosa que
outro, no entanto, o caso de PT, PTB, PL sustentação oral feita em 2 de agosto, na envolve, em cada uma, pelo menos quatro
e de seus políticos que receberam dinheiro abertura do julgamento da AP 470. E é a pessoas – unidas num mesmo propósito e
do esquema. Dos 55 milhões distribuídos forma como o relator Barbosa está levando com divisão de tarefas. As três quadrilhas
através do esquema Soares-Valério, a maio- os seus colegas do STF a julgá-la. devem ter uma hierarquia, porque, segundo
ria foi para o próprio PT: 23,6 milhões de É nossa opinião que, ao não dar um essa tese, Dirceu, da quadrilha política, é
reais – sendo o equivalente a 10 milhões voto unitário inicial à altura das dimensões o poderoso chefão e seria o articulador e
de reais depositado numa conta no exte- que o julgamento adquiriu, Barbosa visou, comandante do grande esquema.
rior para Duda Mendonça, que, como se de modo doloso – para usar um termo As deformações decorrentes do enca-
sabe, foi o marqueteiro da campanha de jurídico –, abrir caminho para a vitória da minhamento dado à AP 470 por Barbosa
Lula à Presidência e de vários candidatos tese do mensalão. Empenhou-se na defesa podem ser vistas com mais precisão em
10 | retratodoBRASIL 63
9. Angeli/Folhapress
alguns absurdos cometidos no tratamento retirada do dinheiro do BB, como se o bosa mostrou ao País pela televisão, o BB
- banco fosse uma padaria de cujo caixa um não tinha qualquer controle das contas da
drilha dos banqueiros teria grande interesse dirigente pudesse retirar dinheiro com a -
em falsificar os empréstimos da dupla viço algum, apenas carregado a grana para
Valério-Soares, de olho, por exemplo, na apresentou, mostram que essa acusação é os esquemas fantásticos de Soares-Valério
liquidação “bilionária” do Banco Mercan-
Fundo de Incentivo Visanet, para o uso dos
como disse repetidas vezes o advogado de cartões de bandeira Visa, a partir do qual a processo está a avaliação de uma equipe de
um dos banqueiros, o ex-ministro Márcio 20 auditores do BB, feita ao longo de quatro
Thomaz Bastos, que essa liquidação foi
provam o que Valério diz até hoje, aparente-
Barbosa mostrou, como prova da falsidade no essencial, por uma empresa multina- mente com razão: que sua empresa realizou
dos empréstimos para o valerioduto, o fato - todos os serviços de promoção pelos quais
de um sócio de Valério ter recebido em sua ciation, estabelecida em San Francisco, na
conta um depósito de adiantamento de
dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet
e imediatamente ter aplicado o montante
no Banco Rural, como se isso fosse uma
uma obrigação de toda pessoa sensata, no
a utilização de cartões de sua bandeira, Visa,
B -
são Parlamentar Mista de Inquérito
tese do mensalão, mandou indiciar, pelos
desvios que imaginou terem sido feitos no
sistema em que vivemos, aplicar a juros Fundo de Incentivo Visanet durante quatro
anos de seu uso pelo BB, cinco pessoas,
convênios que o governo federal faz com mais de 20 outros bancos –, estabelece cla-
estados e municípios, por exemplo, não administração petista: Luiz Gushiken e Pi-
fossem de adiantamento de boa parte de de cada pagamento feito por meio dos
dinheiro e de prestação de contas a posteriori cartões Visa, para promoção dos próprios
E nos quais todos os secretários de Fazenda cartões e através de cada um de seus sócios, isso ocorreu apenas porque seu cliente era
com bom senso mandam aplicar o dinheiro
-
Mas o dolo principal de Barbosa é depois de o Fundo de Incentivo Visanet ter
sido fechado em função do escândalo do
mensalão, tentou fazer valer, sem sucesso, do governo Lula e superior hierárquico de
Esses 76,7 milhões de reais dos supostos uma decisão do então presidente do STF,
dois desvios de dinheiro do BB substituem Nelson Jobim, que mandava a companhia Embora responsável, em última instância,
os 55 milhões de reais que, na tese do men- pela publicidade alocada pelo governo Lula,
salão, não existem e teriam sido inventados se entrasse na história, Gushiken destruiria a
pelos banqueiros, por Valério e por Soares Visa – não pelo BB e muito menos por parte da tese que ainda hoje une a massa dos
conservadores: a de que o ex-comunista, ex-
voto, ao omitir dezenas de provas e teste- guerrilheiro e ex-comandante da equipe que
munhos da defesa, Barbosa praticamente serviços de promoção dos cartões emitidos elegeu Lula, José Dirceu, é o chefão mais
diz que Pizzolato, sozinho, comandou a -
63 retratodoBRASIL | 11
10. Política 2
UMA HISTÓRIA
EXEMPLAR
Henrique Pizzolato foi condenado no STF, de forma
quase unânime, por quatro crimes. Pode ter sido uma
decisão errada, em todos os casos
por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira
HENRIQUE PIZZOLATO FOI diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil e veio a campanha de Lula, da qual
(BB) do início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até pouco depois Gushiken foi, junto com José Dirceu,
do estouro do mensalão, em agosto de 2005, quando foi afastado como um dos denunciados no um dos dirigentes. Pizzolato começou
escândalo. Em agosto passado, sete anos depois, foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) então a trabalhar ativamente para eleger
por quatro crimes: corrupção passiva, dois peculatos e lavagem de dinheiro. Foram 44 votos; cada Lula. Como a Previ tem investimentos
um dos 11 ministros votou em cada uma das acusações. Só um voto não foi por sua condenação, o junto a grandes empresas em diversos
de Marco Aurélio de Mello, que o absolveu do crime de lavagem de dinheiro. setores – hoteleiro, ferroviário, portuá-
Na história que publicamos a seguir tentaremos provar que todas as quatro condenações são rio, bancário, mineração, infraestrutura,
injustas, mesmo a por corrupção, em cuja defesa ele apresentou uma versão, de fato, pouco convincente turismo, lazer e imobiliário –, o partido
para 326 mil reais que recebeu do valerioduto, esquema montado pelo então tesoureiro do PT, lhe deu a função de apresentar o plano
Delúbio Soares, e pelo publicitário mineiro Marcos Valério. Nosso argumento nesse caso: ao réu de governo petista em reuniões com os
cabe o benefício da dúvida; a acusação, à qual cabe o ônus da prova, não provou que Pizzolato não líderes patronais dos sindicatos, asso-
repassou o dinheiro para o PT do Rio de Janeiro, como ele alega. Diremos mais: a condenação pelos
dois peculatos, essencial para “provar” a teoria do mensalão, simplesmente não se sustenta nos fatos. de obter apoio. Lula eleito, Gushiken
foi ser ministro da Secretaria de Comu-
nicação Social e Assuntos Estratégicos
UM HOMEM CONDENADO da Presidência da República e superior
Trinta e dois anos de carreira até o topo do Banco do Brasil. hierárquico de Pizzolato em relação aos
E, de repente, Pizzolato se transformou num pária assuntos relativos à publicidade do BB.
Tudo parecia ir muito bem até 3
Henrique Pizzolato tem 60 anos. For- tário. Depois, foi eleito presidente do de agosto de 2005, quando a vida de
mou-se em arquitetura, com especiali- Sindicato dos Bancários do Rio Grande Pizzolato virou de cabeça para baixo.
zação em urbanismo. Estudou também do Sul e do Paraná, para onde se mudou Em manchetes de jornais, foi acusado
comunicação social durante três anos. antes de ir para o Rio de Janeiro, em de receber R$ 326.660,27 encaminhados
Em 1974, ainda universitário, passou em Copacabana, onde mora até hoje. Foi a ele pelo empresário Marcos Valério, da
concurso para escriturário do Banco do no movimento sindical que Pizzolato agência de publicidade DNA. Valério já
Brasil (BB), onde, ao longo de 32 anos conheceu, por volta de 1985, Luiz era tido como o operador do mensalão,
de carreira, ocupou diversos cargos, até Gushiken, então presidente do Sindicato o grande escândalo do início do governo
chegar ao topo, em fevereiro de 2003, dos Bancários de São Paulo e depois Lula, e a Comissão Parlamentar Mista
como diretor de Marketing e Comuni- deputado federal pelo PT. Durante de Inquérito (CPMI) dos Correios, a
cação, nomeado pelo recém-empossado cinco meses, ele, Gushiken e Eduardo mais importante de três formadas para
presidente do banco, Cássio Casseb. Já Jorge, também deputado federal pelo investigar o caso, pegava fogo. O di-
conhecia Casseb do conselho da Brasil PT, dividiram um apartamento em Bra- nheiro fora sacado por um contínuo da
Telecom, no qual este representava a sília. Pizzolato os convidou a trocar os Previ, Luiz Eduardo Ferreira da Silva,
Telecom Itália e ele, a Previ, o fundo de quartos de hotel pagos pela Câmara dos em uma agência do Banco Rural, no
Deputados pelo apartamento funcional centro do Rio de Janeiro. Levado a de-
em sua nomeação também, é claro, sua da Associação Nacional dos Funcioná- por na Polícia Federal (PF), o contínuo
militância no PT, no qual ingressou logo rios do BB, da qual era dirigente. Em
na fundação, ainda estudante universi- 2002 seu mandato na Previ terminou pediu que fosse buscar “documentos”
12 | retratodoBRASIL 63
11. FolhaPress
Pizzolato: a acusação de corrupção
é a que mais dói. “Fui humilhado,
execrado em praça pública. Tudo
com insinuações, hipóteses.
Não apresentaram uma prova”
no Banco Rural. Lá chegando, disse ter feito isso a mando de Gushiken, um da Ação Penal 470 (AP 470) – ou seja,
no depoimento, foi levado a uma sala dos maiores dirigentes do governo Lula. em depoimento judicial, tendo ele, como
interna do banco, onde lhe entregaram O mensalão não mais iria sair do advogado, ao lado, em 14 de fevereiro de
dois embrulhos em papel pardo, os noticiário dos jornais nos próximos sete 2008 – o juiz da 7ª Vara Federal Criminal,
quais disse ter levado pessoalmente anos. Pizzolato disse, em depoimento Marcelo Granado, abriu a audiência para
a Pizzolato, em seu apartamento em judicial, depois, que a sua inquirição toda a imprensa, fato que, diz ele, “não
Copacabana. Foi a notícia mais quente pelos deputados e senadores na CPMI ocorreu em nenhum outro depoimento
dos jornais do dia seguinte. As matérias foi uma tortura, que se sentiu “humilha- dos litisconsortes passivos, para utilizar a
destacavam que, pouco tempo depois do”, “achincalhado”. Hoje vive recluso própria expressão do STF”. Lobato diz
do recebimento do dinheiro, Pizzolato no apartamento em Copacabana. Não que ainda tentou anular o depoimento,
comprara um apartamento de 400 mil fala com a imprensa. Para Retrato do mas o ministro Joaquim Barbosa negou
Brasil, sua única concessão foi enviar o pedido sob o fundamento de que o
sua culpabilidade. Quinze dias depois, pela internet, a 7 de setembro, através de processo não está sob sigilo.
Pizzolato depôs na CPMI dos Correios. seu advogado, Marthius Sávio Lobato, Depois de aberta a AP 470, Barbosa
Seu advogado pediu habeas corpus ao em Brasília, uma declaração da Receita expediu as chamadas “cartas de ordem”
Federal com a qual buscava provar que, para que os réus fossem ouvidos pela
calado, o que foi negado. Pizzolato disse após uma devassa em suas contas, nada Justiça em seus estados de origem. Em
no depoimento que suas ações no BB fora apurado contra ele. Mas RB teve 2008, quando terminou seu depoimen-
tinham sido aprovadas por Gushiken, o cerca de oito horas de conversas com to no Rio, o juiz Granado concedeu a
que causou sensação ainda maior por- Lobato, que estudou na Universidade Pizzolato o direito de, “como pessoa
que, àquela altura, a questão do dinheiro de Brasília, onde foi aluno de Gilmar humana”, dizer mais algumas palavras
que teria recebido de Valério já estava Mendes, um dos ministros do STF hoje em sua defesa, se quisesse. Pizzolato
associada a outra denúncia, maior: a de no julgamento do caso. disse: “Eu queria dizer da minha revolta,
ter desviado 73,8 milhões de reais do BB Lobato diz que considera seu cliente da minha insatisfação da forma como
ilegalmente para as empresas do publi- um injustiçado. Conta que, na primeira eu fui envolvido nesses fatos, porque
citário. Pizzolato então estaria dizendo vez em que Pizzolato falou para os autos
63 retratodoBRASIL | 13
12. destruída, tive a minha família exposta, pessoa do PT que o procurou. Diz que da venda de dólares que comprara – ele
fui humilhado, fui execrado em praça não abriu os envelopes, não quis saber mostrou o comprovante de aquisição.
pública, fui julgado, fui satanizado em o nome do emissário do partido e nunca Em depoimento judicial, Valério
público [...] tudo a partir de insinuações, mais viu a cara dele. disse que o diretório do PT do estado
não foi apresentado um documento; Lobato nega todos os crimes dos do Rio de Janeiro, de acordo com o
tudo a partir de hipóteses”. quais Pizzolato é acusado. Diz que então tesoureiro do PT, Soares, tinha
Lobato disse a RB que Pizzolato Barbosa não analisou as provas apre- débitos de campanha de 2002, estava
tinha saído dessa fossa e se animara sentadas por ele nos autos. No caso da se preparando para as eleições munici-
corrupção, diz, Barbosa e os juízes prin- pais de 2004 e foi o que mais recebeu
sua defesa, entregues ao STF em 30 de cipalmente especularam sobre a versão recursos do esquema comandado por
agosto do ano passado. Mas a sentença Soares. O tesoureiro do PT, então, so-
dos ministros do STF o teria arrasado. O licitou a ele que remetesse um total de
crime de corrupção passiva é, talvez, o
que mais lhe doa. A acusação é a de que
Valério: pessoas indicadas para o recebimento
ele embolsou os 326 mil reais repassados
por Valério, justamente para facilitar os
Delúbio foram Manuel Severino, Carlos Ma-
nuel e Pizzolato, disse Valério. Os R$
desvios dos dois crimes de peculato,
um de 2,9 milhões de reais e outro de
mandou 326.660,67 repassados via Pizzolato
seriam parte desse total. Valério disse
73,8 milhões de reais. E, para encobrir
a corrupção cometeu outro crime, o R$ 2.676.660,67 também que Pizzolato trabalhou na
campanha eleitoral de 2002 com Soares,
de “lavagem de dinheiro”, ocultando
origem, movimentação e destino dos para o PT-RJ. no Rio de Janeiro.
Lobato diz, com razão, que o ônus
recursos recebidos de Valério a 15 de da prova é da acusação: “Cadê a prova
janeiro de 2004. R$ 326.660,67 de que Pizzolato pegou esse dinheiro
No seu depoimento, Pizzolato disse para ele?”. Ao depor na CPMI em
que naquele dia recebeu uma ligação via Pizzolato 2005, Pizzolato abriu para a Justiça,
em seu celular de uma mulher que dizia imediatamente, todos os seus sigilos
ser a secretária de Valério, pedindo que
para o PT” em um “escritório” no cen- que Pizzolato deu para a encomenda para comprar o apartamento que a
tro da cidade. Pelo fato de estar muito recebida de Valério. A acusação, diz acusação sugeria ter saído de suborno
ocupado, diz Pizzolato, acertou com a Lobato, primeiro trabalhou muito para recebido. Em 2005, por exemplo, rece-
secretária mandar outra pessoa em seu provar que Pizzolato teria comprado um bia 4 mil reais da Previ, 19 mil reais do
lugar, no dia seguinte, com o compro- apartamento de 400 mil reais, no mês BB, 18 mil reais a título de participação
misso de entregar os documentos ao seguinte ao recebimento de dinheiro de no conselho da Embraer e mais 4 mil
representante do PT que iria procurá-lo Valério, mas fracassou. Pizzolato provou reais devido à atuação no conselho da
no mesmo dia. Pizzolato diz que rece- que comprou o apartamento com suas Associação Nacional dos Funcionários
beu uns envelopes do contínuo Silva e economias, com um cheque do BB e do BB. Lobato mostra a RB o imposto
os repassou, como combinado, a uma mais 100 mil reais em espécie, resultado de renda de Pizzolato que está nos
autos. Em 2003, seu patrimônio era
de R$ 1.304.725,45. Em 2004, de R$
O relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio, nas alturas: a oposição comemora 1.768.090,23, já incluído o apartamento
comprado em fevereiro daquele ano. Seu
FolhaPress
rendimento bruto anual em 2004 foi de
R$ 717.611,46 – aproximadamente 60
mil reais por mês. “A Receita Federal
e a Polícia Federal não conseguiram
encontrar nenhuma irregularidade nas
contas de Pizzolato”, diz Lobato.
Pizzolato tem razão? Ele pode ter
omitido fatos e o nome de pessoas em
sua versão da história, o que a tornou
pouco crível. Mas, aceitando-se a tese do
caixa dois, sua versão pode ser verdadei-
da dúvida, nesse caso. Mais ainda porque
os dois crimes de peculato de que é acu-
sado, e pelos quais ele teria recebido o
suborno, podem ter sido simplesmente
inventados para sustentar a tese do men-
salão, como relatamos a seguir.
14 | retratodoBRASIL 63
13. ONDE ESTAVAM OS DOCUMENTOS? participação no FIV, em 2001, o BB
Barbosa disse que o BB não tinha recibos do dinheiro gasto por
Valério. Mas sabia que estavam com a CBMP, controlada pela Visa recursos do FIV não passariam por seu
orçamento. E nunca fez um contrato
Visanet é o nome fantasia da Compa- Ele previa a cobertura para atividades
nhia Brasileira de Meios de Pagamento de promoção de todo tipo. No seu agência DNA para o uso dos recursos
(CBMP), fundada no Brasil em 1995 e item III.4, definia as “ferramentas do FIV. Essa situação persistiu até
que passou a operar mais amplamente mercadológicas”, a serem usadas. meados de 2004.
a partir de 2001. O capital controlador A DNA trabalhava com publicidade
da CBMP é da Visa International Ser- dessas ferramentas, como: “publicidade e promoção para o BB desde 1995.
vice (Visa), que tem 10%; do Bradesco, em mídias de massa”, “TV, rádio, Entre 2001 e 2002 dividia os trabalhos
com 39%; e do BB, 32%. O restante revistas, jornais, outdoors, mobiliário de promoção com uso do dinheiro do
está dividido entre cerca de 20 outros urbano, front e back lights, painéis, FIV com outras agências contratadas
sócios – bancos como Itaú, Santander etc.”; “merchandising, trabalhos
e BankBoston. Pode-se dizer, porém, de planejamento, criação, layout, ainda no governo FHC – destaque-se,
que o controle da CBMP sempre foi editoração, produção, veiculação e para melhor entendimento de nossa
da Visa, empresa americana do mundo comissão de agência de publicidade”; história –, o BB decidiu dividir os tra-
- balhos das suas agências entre as áreas
mas décadas. Ela é a possuidora dos para portador no ponto de venda, de negócios chamadas de “governo”,
direitos dos cartões de crédito e débito nas agências bancárias, via internet, “atacado” e “varejo” e escalou a DNA
da bandeira com seu nome, emitidos em correio, telefone ou locais de grande para o varejo, em que se encontravam
cerca de 200 países. fluxo de portadores para estimular os serviços para promoção de seus
A partir de 2001 a CBMP começou venda do plástico; de planejamento e cartões com bandeira Visa.
a operar no Brasil o Fundo de Incentivo O ministro Barbosa conhece bem
Visanet (FIV), “com o objetivo único”, de divulgação e de apoio, contratação toda essa história. Sabe, por exemplo,
como diz um de seus documentos, “de de promotores, compra de benefícios, que os originais dos recibos dos servi-
realizar ações de marketing destinadas a brindes, prêmios, taxas governamentais ços da DNA prestados ao BB eram da
incentivar o uso dos cartões Visa pelos de aprovação e alvarás”. E por aí afora. CBMP e que a companhia resistiu judi-
consumidores”. O FIV era formado O FIV era administrado por um cialmente por longo tempo a entregar
por uma porcentagem dos negócios comitê gestor, formado por um presi- tais recibos, mesmo com o escândalo
com os cartões e a CBMP destinava dente, um diretor de Finanças e Admi- do mensalão, depois de ter sido de-
os recursos assim obtidos a ações de nistração e outro de Marketing, todos terminado, a 11 de janeiro de 2006,
promoção e marketing dos mesmos, pelo então presidente do STF, Nelson
a serem comandadas pelos sócios. O os recursos estavam sendo emprega- Jobim, o acesso de peritos do Instituto
dinheiro movimentado pelos cartões dos “de acordo com as diretrizes, a Nacional de Criminalística “a todos os
da bandeira Visa é monumental: no estratégia do negócio e as condições do documentos da empresa no período de
mundo, passa de 5 trilhões de dólares Regulamento”. Os recibos dos gastos 2001 até janeiro de 2006”. Em junho de
por ano. No Brasil, é mais de 1 bilhão da agência de publicidade DNA, de Va- 2006, quando Barbosa já era, no STF, o
de reais anualmente, somando-se ape- ministro encarregado de supervisionar
nas os negócios feitos com os cartões com a CBMP, que fazia pagamentos o andamento do inquérito 2.245, rela-
Visa do BB. tivo ao mensalão, ele recebeu uma
A CBMP arrecadou para o FIV
José Cruz /Agência Senado
cerca de meio bilhão de reais entre 2001
-
cerrado; na verdade, mudou de nome,
devido à má repercussão das histórias
divulgadas a respeito dele no mensalão.
O BB foi o líder dos negócios com
cartões de bandeira Visa nesse período.
Sua parte no FIV foi grande e crescente:
aproximadamente 150 milhões de reais
entre os anos de 2001 e 2004: 60 mi-
lhões de reais nos anos 2001–2002 – no
governo Fernando Henrique Cardoso, Já em 2005 Valério afirmava
portanto – e 90 milhões de reais nos ter feito os trabalhos pagos pelo
anos 2003–2004, já no governo Lula, Fundo de Incentivos Visanet: na
quando Pizzolato era diretor de Comu- foto, advogados dele entregam
nicação e Marketing do BB. o que seriam suas provas à
Desde a criação da CBMP, o FIV CPMI dos Correios (o relator,
tinha um regulamento que cada sócio Serraglio, à esquerda; ao centro,
deveria observar para usar os recursos. o presidente, Amir Lando)
63 retratodoBRASIL | 15
14. petição do então procurador-geral,
Antonio Fernando de Souza, relatando
STF
Souza requisitou “busca e apreen-
-
-
vou os pedidos do procurador-geral e
-
Receitas do FIV Adiantamentos Gastos com notas
Gastos sem
utilizadas pelo às agencias de fiscais em poder
notas fiscais
Banco do Brasil publicidade da CBMP
R$ milhões R$ milhões % R$ milhões % %
2001 28,83 26,4 91,57 28,76 99,76 0,24
2002 32,03 21,9 68,37 31,99 99,88 0,12
2003 38,43 29,7 77,28 38,28 99,61 0,39 -
2004 52,01 34,1 65,56 51,45 98,92 1,08
BARBOSA NÃO VIU
Os números da auditoria mostram o que o relator
provavelmente não quis ver
A tabela acima foi construída a partir da auditoria feita por 20 técnicos do BB por
quatro meses, logo após a denúncia do mensalão. Ela mostra que o Fundo de Incenti-
vo Visanet (FIV) foi operado pelo BB, entre 2001 e 2004, da mesma forma, tanto nos
anos do governo FHC (2001–2002) como nos anos do governo Lula (2003–2004).
Diz o relatório da auditoria que as regras para uso do fundo pelo BB tiveram
duas fases: uma, de sua criação, em 2001 , até meados de 2004, quando o banco,
em função de não ter adotado “definições formais acerca dos direcionamentos -
estratégicos”, como tipo de “eventos ou ações que poderiam ser patrocinados”,
adotou “como referencial básico, o Regulamento de Constituição e Uso do Fun- nos anos 2001–2002; que os recursos
do” da CBMP, que é sua “legítima proprietária”; e outra, do segundo semestre
de 2004 até dezembro de 2005, quando o banco criou uma norma própria para
o controle dos recursos do fundo. total a ser gasto, antes de as despesas
Os auditores fizeram simulações por amostragem para verificar a porcentagem
das ações de incentivo para as quais existiam comprovantes, no banco, de que elas
tinham sido de fato realizadas. Procuraram os documentos existentes no próprio
banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os ser-
viços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Referente ao período gestão do FIV, para evitar possíveis
2001–2002, não foram localizados esses documentos. Já com relação aos anos
2003 e 2004, entre as 93 ações encaminhadas à Visanet, nas 33 ações selecionadas
como amostra para a análise, para três delas não havia qualquer documento e para
20 havia parte dos documentos. Ou seja: somando-se as ações com falta absoluta
de documentos às com falta parcial, estas chegavam a 45% do total de recursos
despendidos. Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP,
que, por estatuto, era a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação. A
falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena em proporção aos
valores dos gastos autorizados, como se vê ma última coluna da tabela.
Para condenar Pizzolato, o relator Barbosa não destacou esses dados. Não os
viu ou não os quis ver?
16 | retratodoBRASIL 63
15. O PEQUENO PILAR DO MENSALÃO de contrato por BVs, exatamente no
É a acusação que trata dos bônus de volume. E tem lei do período em que Pizzolato estava no
Congresso, contra a qual se insurge o presidente do STF banco. O banco, no entanto, respondeu
de modo mais amplo. Disse que existiam
Os dois peculatos – desvios de 2,9 plicou depois que o BV se distingue
milhões de reais e 73,8 milhões de reais tratavam do BB, envolvendo justamente
do BB – que Pizzolato teria cometido relação entre o BB e os fornecedores as cinco grandes agências que prestavam
a favor da agência DNA, de Valério, de mídia. “Os fornecedores – jornais, serviços para o banco entre 2000 e
formam os pilares de sustentação do rádios, televisões – costumam oferecer 2005: Grottera, Lowe, DNA, D+Brasil
mensalão. Se a acusação não consegue e Ogilvy.
provar esses dois desvios, a tese do para que o período de compra seja mais O BB mostrou a Barbosa que
mensalão desmorona (ver “O herói do longo. Por exemplo, eu comprei 60 dias apresentou recursos contra decisão
mensalão”, nesta edição). O pequeno de espaço no Valor Econômico. O Valor
peculato trata do bônus de volume (BV). Econômico me faz uma proposta: se você auditoria nas cinco agências, para poder
comprar noventa dias ou seis meses eu juntar, aos autos do processo naquele
que a DNA de Valério embolsava inde-
o caderno especial de domingo, porque a serviços de BVs emitidas por essas
BB, dadas a ela, pelas empresas com as vou lançar um caderno especial, um cinco agências. O BB mostrou que
quais contratava serviços para promo- encarte. Pode dizer também: eu te dou isso não foi aceito por nenhuma delas.
ção dos cartões Visa do BB, em função mais 5% de desconto”. Nesse caso, o
do volume dessas contratações. No banco participa da negociação. E todo relativas a BVs, por dizerem respeito a
interrogatório judicial de Pizzolato, em negociações privadas entre elas e seus
2008, o juiz Granado leu um trecho da fornecedores, nada tinham a ver com
denúncia do então procurador-geral que
Pelas datas dos do Brasil” e não estavam contempladas
pagas pelos fornecedores de serviços entre os documentos que poderiam ser
para a DNA – jornais, TVs, empresas de pedidos se vê,
promoção contratadas pelo publicitário As defesas de Pizzolato e Valério
para os trabalhos de estímulo ao uso
dos cartões Visa do BB – deveriam ter
claramente. mostraram nos autos, com testemunhos
importantes – de vários destacados
sido repassadas ao BB pela agência de
Valério e não o foram. O próprio Gra-
O relator e o e marketing –, que o Ministério Público
nado informou que esse procedimento
era antigo: cinco agências, entre 2000
procurador tinha feito uma interpretação equivoca-
e 2005, embolsaram esses BVs e não
apenas a DNA.
geral queriam não pertence à empresa contratante (no
caso, o BB), e sim à agência de publi-
Pizzolato fez, então, primeiro, um
esclarecimento. Mostrou que existem
pegar Pizzolato diretor-geral da Rede Globo, Octávio
Florisbal, que criou o BV no mercado
fruto da relação entre a agência de pu- de propaganda e marketing brasileiro.
blicidade e o fornecedor de mídia – TVs, Ele disse que “praticamente todos os
rádios, jornais, revistas, etc. “O nome para o BB, disse Pizzolato ao juiz. Nesse veículos impedem que a agência repasse
esses volumes ou esses valores para os
volume”, disse Pizzolato. Não se restrin- Pizzolato a Granado.
ge ao volume de publicidade veiculado O próprio procurador-geral Souza, empresa em que eu trabalho, toda vez
pela agência por um cliente, como o na denúncia apresentada ao STF em que nós temos conhecimento de que
BB. Todas as agências que prestavam uma determinada agência está repas-
serviços para o banco tinham vários qual constava que a DNA teria recebido
clientes e o BV era dado pelas empresas esses BVs indevidamente desde 2000, um determinado anunciante, nós sus-
de mídia às agências pelo volume total num valor de 4,3 milhões de reais. Mas, pendemos esse plano, porque esse não
de anúncios veiculados. “Isso, doutor, é como Souza já tinha como foco Pizzo- é o objetivo”. Florisbal citou normas
praticado em todo o mercado, público lato, ele destacou que, desse dinheiro, do mercado de publicidade, decisões
e privado”, disse Pizzolato a Grana- “2,9 milhões se referiam ao período de e acordo recente “entre anunciantes,
do. O próprio Tribunal de Contas da 31/03/2003 a 14/06/2005, da gestão agências e veículos” para comprovar que
de Pizzolato na Diretoria de Marketing o BV é “direito da agência e não deve
auditoria a que Granado tinha se refe- do Banco do Brasil”. Como já se disse, ser repassado aos anunciantes, sejam
Barbosa também visava pegar Pizzolato, da iniciativa privada, sejam anunciantes
diz que o BV foi praticado no Banco quando, em 2009, com a AP 470 já em de estatais”.
do Brasil de 2000 a 2005, por todas as pleno curso, enviou interrogatório à Barbosa, o relator do julgamento
cinco agências que prestaram serviços direção do BB da época pedindo infor- do mensalão, citou diversas vezes, para
ao banco nessa época”. Pizzolato ex- mações sobre eventual descumprimento condenar Pizzolato, os termos do
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16. ABr
Ana Arraes, no centro da foto, o ministro
Vilaça, à esquerda, e Ayres Britto, à
direita: pelo TCU, ela reafirmou as regras
e ele considerou que era absurdo ser
diferente. Já o presidente do STF se
rebelou contra a lei
ABr
STF
contrato entre o BB e a DNA. Leu um volume. Não vejo cabimento nisso”. a polêmica que havia, o que era “uso e
dos seus itens, que diz que a agência O fato é que a Lei 12.232/2010, costume” foi colocado na lei. O minis-
deveria “envidar esforços para obter as que dispõe sobre as normas gerais para tro Ayres Britto, presidente do STF, ao
melhores condições nas negociações licitação e contratação de serviços de condenar Pizzolato e Valério, saiu-se
junto a terceiros e transferir, integral- publicidade pela União, foi editada
mente, ao banco, os descontos especiais para regulamentar o que já existia nas
(além dos normais previstos em tabelas), relações de fato entre agências e anun- preparada intencionalmente, maquina-
ciantes públicos e privados. O projeto damente, para coonestar com os autos
ciais de pagamento e outras vantagens”. que deu origem à lei é do então depu- desta Ação Penal 470”. Para Britto, a lei
tado e hoje ministro da Justiça, José “é um atentado descarado ao artigo 5º,
Eduardo Cardozo. É de 2008 e legaliza inciso 36, da Constituição, que fala do
mídia” oferecidas pelos fornecedores a retenção, pelas agências, dos BVs nos princípio de segurança jurídica, dispo-
para estimular vendas por períodos contratos com as empresas estatais. O sitivo que é verdadeira cláusula pétrea”.
mais longos. projeto aprovado foi o emendado pelos O presidente da suprema corte, ago-
No TCU, ao analisar o caso DNA– parlamentares Milton Monti (PR–SP) e ra, além de dar sentença, parece querer
BB, a ministra Ana Arraes considerou Claudio Vignati (PT–SC). Vignati diz mandar o Congresso fazer nova lei. E
que a emenda foi pedida pelo setor de revisar dezenas e dezenas de contratos
BV. Tomou como base a Lei 12.232, publicidade, porque as agências sempre feitos pelas estatais, que respeitaram os
sancionada em 2010, que autoriza isso retiveram na prática os BVs. Para sanar BVs nas últimas décadas.
explicitamente, em dois artigos, um
deles referindo-se a contratos encerra-
dos antes de a lei entrar em vigor. Ela O DESVIO NA “CASA DA MÃE JOANA”
tomou por base a votação de processos A se acreditar nas descrições do relator e do revisor da AP 470,
Pizzolato teria tirado 73,8 milhões de reais do BB na “mão grande”
empresas, relatados pelo ministro do
TCU Marcos Vinicios Vilaça. Ao funda- Quanto ao grande peculato, o desvio de na forma de adiantamentos, sem que se
73,8 milhões de reais do BB para Valério, tenha comprovado a realização de qual-
que teria sido feito sob o comando de Pi- quer propaganda ou promoção. Também
ção de BV é algo impossível de contro- zzolato, tanto o relator Joaquim Barbosa isoladamente ele teria prorrogado um
lar, porque o prêmio depende, primeiro, como o revisor Ricardo Lewandowski contrato de publicidade com a DNA,
da política de incentivos do ofertante apresentaram em seus votos para os no período de abril a setembro de 2003.
e, segundo, dos investimentos feitos à nove colegas do STF um cenário abso- E, além disso, sem qualquer processo
ordem de outros contratos que a agência lutamente incrível. Entre 2003 e 2004, no licitatório, Pizzolato teria dado a conta
possui. Tenho assistido, perplexo, ao cargo de diretor do BB, Pizzolato teria de publicidade do Banco Popular, lan-
Tribunal orientar as entidades públicas comandado, sozinho, o desvio daqueles çado na época pelo BB, para a mesma
a efetuarem auditorias em agências de milhões de reais do banco para a agência agência do operador do mensalão, como
publicidade para apuração do bônus de de publicidade DNA, principalmente se fosse o dono de uma espécie de “casa
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