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Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
1
O COTIDIANO
DE UMA VIDA
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO.SEGUNDA.TERÇA.QUARTA.Q
UINTA.SEXTA.SÁBADO.DOMINGO
2
INTRODUÇÃO
« O tempo é vida »
Ele passa inexoravelmente.
Nunca pára e segue, levando o passado, as
esperanças, o presente e o futuro. Ele não
espera. Continua o seu curso para a
eternidade.
Celso estarrecido, mais que
surpreso, constatava essa realidade e tentava
reter o passado no presente, valendo-se de
sua recordação. Recordar o quê, se
perguntava. O dia em que almocei com
Gisele? Os momentos agradáveis passados
com Cíntia? Ou a tristeza experimentada
quando perdi aquele concurso?
Resolveu, então, passar em
revista o seu dia-a-dia, monótono ou não. E se
deparou com um universo de coisas que
aconteciam e que sequer eram percebidas e
que dariam para encher volumes e volumes.
À noite, em fração de segundos,
aconteciam coisas fora do controle e se vivia
momentos intensos e que por vezes pareciam
intermináveis. Por exemplo, o corre-corre para
se levar um enfermo ao pronto-socorro e
esperar ali o desfecho de um episódio
deprimente e quase sempre infeliz.
3
Pela manhã, alguns procuravam
se recordar após uma noite passada em claro.
Outros começavam o seu dia, se prometendo
mil maravilhas, alguns remoendo um problema
que lhes parecia sem solução. E outros e
outros vivendo os mais variados instantes e
situações.
Paulo, naquela noite, em plena
festa, foi obrigado a transportar para um
hospital o seu filho que botava sangue pelo
nariz. No pronto-socorro do hospital não viu
vivalma. A sala de atendimento parecia
deserta. Somente ao fundo se ouvia o som de
um ronco profundo. O plantonista dormia a
sono solto.
- Hei você!, aqui há uma pessoa
que precisa de atendimento.
O rapaz, com a cara amassada,
esfregava os olhos assustados e balbuciou,
bocejando:
- O que foi? Aguarde um
instante.
- Qual seu nome, perguntou,
esboçando preencher uma ficha que lhe
tremia nas mãos.
- O que está sentindo?
4
- Não sou eu, é meu filho que
está sangrando.
- ah! vou chamar o médico de
plantão.
O silêncio voltou a tomar conta
da sala, em penumbra. Que se prolongou
além da conta...
Voltei a gritar:
Hei! há alguém aí? Onde estão
todos?
Ninguém respondeu.
O ambiente estava tétrico. O
silêncio assustava.
Passado algum tempo, vinha do
fundo do corredor um sussurro, parecido com
um gemido, a princípio, foi crescendo e se
transformou num ronco medonho.
- Não pode ser! O atendente
pegou no sono, de novo.
Impaciente, o pai bateu palmas e
ouviu-se um estalido lá dentro. Uma voz,
então, disse:
5
- o médico de plantão está a
caminho.
O silêncio voltou a imperar
naquele recinto semi-iluminado.
O tempo passou e passou...
Uma luz ao longe foi acesa e a
porta cerrada bateu.
A luz da sala, onde estávamos
aguardando se acendeu e uma pessoa de
branco:
- entrem, por favor.
- O que houve?
O menino assustado disse:
- já parou.
- O pai, se dirigindo ao doutor:
- O sangue não parava de jorrar
de seu nariz!
O médico, sonolento, examinou
a criança. Deu algumas orientações se
6
voltasse a hemorragia e concluiu o seu
trabalho.
Essa foi uma noite inesquecível.
O dia, também nos reserva uma
quantidade de matizes, os mais variados e
inusitados. É o cotidiano.
1°Capítulo
SEGUNDA
-Detesto esse dia.
-Domingo, para mim, quando vai
caindo a noite, é uma tristeza.
-Por quê?
-Começo a pensar na maldita
segunda-feira.
-É mesmo! A semana deveria se
iniciar às terças.
-Ora, mas a semana começa no
domingo.
7
-Isso é o que dizem os
otimistas. Para mim, o domingo encerra o fim-
de-semana e a segunda é detestável.
-Que vida, hem!
- Alguém já me disse que isso é
psicológico. O dia da semana não interfere no
ânimo.
- Eu não sei. O certo é que a
segunda, quando não cai num feriado, é um
dia que ninguém gosta de esperar.
Gil, avesso aos preconceitos,
queria que a segunda fosse um dia como
outro qualquer.
Na noite de domingo se
preparava para enfrentar a segunda,
organizando suas coisas e procurando afastar
aquele pensamento de tristeza que sempre
passava por sua mente em fim de dia.
Engraçado, até os programas de
tv eram enfadonhos. A voz do apresentador
irritava. O encontro das famílias é que salvava
o dia. No mais, era um tudo sem graça.
Enfim, nascia o dia não
esperado. Segunda-feira.
Um dia como outro qualquer.
8
Carlos acordava bem cedinho. Ia
direto para o banho. Não importava se na
noite anterior tomara uma “chuveirada”.
Estava bem disposto. Preparava
o café da manhã. Cantarolava. Parecia estar
de bem com a vida.
O telefone da copa soa forte.
Corre até ele.
- Alô? Não, não existe essa
pessoa aqui.
Volta à cozinha e continua
comendo aquele pãozinho torrado. O café
está quente demais, queima o lábio.
O telefone toca de novo.
- Quem é?
- O quê?
- Sim, dentro de meia hora
estarei no escritório.
Pega o carro e segue em direção
ao centro da cidade. Passa perto de um grave
acidente. O trânsito engarrafa. O sol naquele
dia fervia.
9
De dentro do carro, lê na banca
de revista, perto, a manchete do jornal que o
deixa desconcertado e pensativo.
- Me dá um trocado?
O vidro do carro semi-aberto
deixou passar a voz cavernosa de um
mendigo.
O susto foi inevitável.
- Não, não tenho trocado.
O sinal abriu. Arrancou o veículo.
Fechou o vidro de seu lado e continuou o seu
caminho.
Próximo ao estacionamento,
outra fila de carros engarrafados.
- Hoje chego tarde!
Apertou o botão do rádio e o
locutor acabava de dar uma notícia triste,
envolvendo a morte de um político.
Desligou o rádio.
O seu estado interno estava
completamente diferente daquele que
10
experimentou ao se levantar da cama,
naquela manhã.
Ainda não havia chegado ao
trabalho.
Entrou no elevador de seu
prédio e lê ao fundo um bilhete pregado:
«Condômino, colabore, evite o “apagão”.
Economize luz. A Direção.»
O trabalho o absorveu o tempo
todo. Saia de um problema para outro e quase
não se deu conta do tempo que passou. Já
era hora do almoço.
Meio dia se passara. Não fizera
metade do planejado para aquele dia. Em
instante algum se recordara de seus
propósitos de aperfeiçoamento individual.
Quem havia estado aqui trabalhando,
absorvido?
O telefone toca.
- Não sei?
- Parece-me que estamos diante
de uma epidemia. Devemos esperar para ver.
- Marque a consulta. À noite
falaremos sobre isso. Até lá.
11
- Fechou o escritório e saiu.
O almoço estava à espera.
Comeu. Dirigiu-se à saleta contígua, afrouxou
o sinto da calça e se refestelou no sofá.
Quanto momento feliz vivi na
semana que passou! Quanto momento
sensível pude experimentar! O que senti não
foram sensações materiais, mas espirituais, foi
uma festa do espírito.
Como é formoso viver em um
mundo sem imposturas, sem egoísmo, sem
vaidades, em que todos se respeitam!
- Antes achava que a vida se
findasse com a morte física, que egoísta fui!
que ingênuo, que ignorante!
A sua posição mudou. Para ele
a vida é eterna. A morte significa o fim de uma
etapa física, a morte não passa de uma
cessação das funções biológicas. Mas
terminada a atividade da parte física acabaria
tudo? Não, porque o homem é constituído de
um corpo e de um espírito.
Acordou, sobressaltado.
Sonhara. Quanto tempo havia passado ali
naquele sofá? Apenas quinze minutos. O
12
sonho foi intenso. Parecia que o tempo havia
parado.
Levantou dali. Arrumou-se e
voltou ao trabalho. O dia estava chegado ao
fim. A segunda-feira terminava e os últimos
raios de sol passavam pela vidraça do
cômodo.
- Quantas palavras inúteis falei
hoje? Quanto tempo perdi divagando,
imaginando? O que fiz hoje de útil para o meu
aperfeiçoamento? Os movimentos
conscientes foram maiores que os períodos
de inconsciência?
- Sinto possuir muitas energias,
porém, devo aproveitá-las melhor, para não
perdê-las. Aprendi que as energias bem
aproveitadas retornam, não se gastam.
O homem continuou refletindo
sobre o que experimentara naquela malfadada
segunda-feira.
- O que aprendi de novo e
prático para aplicação em minha vida diária?
- O homem em toda sua vida
física pode vivê-la sem a participação, em
nenhuma oportunidade, do seu espírito.
13
Para finalizar seu dia de
segunda-feira, Paulo, antes de se deitar, como
fazia de costume, foi à estante e pegou um
livro e, ao acaso, abriu-o em uma de suas
páginas e ali estava:
«Muito sensível foi a separação,
meu bom amigo, e por isso rogo-lhe aceitar
minhas mais respeitosas condolências. É o
caminho que devemos seguir todos os que
encarnamos nesta humana pessoa, só que
uns se vão sabendo que o espírito não morre
e outros cerram seus olhos como se a vida se
apagasse para toda a eternidade. O que não é
possível evitar é que os que nos precedem
deixem em nós um profundo pesar, porque,
como você bem o disse, parece que vai com
eles uma parte de si mesmo, tal é o arraigo do
sentimento que nos une».
A madrugada ia alta. E
aquele ser se debatia em elucubrações
mentais, procurando entender o enigma da
vida. Por fim, fechou os olhos e se acomodou
nos braços de Morfeu.
14
2º Capítulo
TERÇA
Às quatro e trinta da manhã o
telefone toca em sua cabeceira.
- Alô? Não. Essa pessoa não
mora aqui.
- Por que se costuma errar uma
ligação? E acordar um cidadão em plena
madrugada.
Voltou a dormir. Sonhou.
O despertador, implacável, às
seis da matina soou, como se dissesse: - não
se dorme mais nessa casa!
- Levantei. Espreguicei como me
ensinara o meu fisioterapeuta. Sentei-me na
cama, seguindo as ordens do médico e por
fim levantei.
- Não posso me esquecer do
trecho daquele livro que li. As palavras batiam
em minha mente. O som retumbava e me
perguntava:
- Eu sou daqueles que acham
que a morte é o fim de tudo?
15
Lá fora, a chuva caia,
retumbando em uma calha ao pé da escada.
Era abril.
Um menino, de voz esganiçada
gritava no passeio: - O Estado, o Estado...
Tive um impulso de ligar o
computador para ler meus e-mails. Não o fiz,
porque estava fazendo um esforço para evitar
me deter muito naquele aparelho com tela e
um teclado convidativo.
Peguei o jornal do dia, jogado à
soleira da porta da sala, ainda, com respingos
de chuva e as manchetes da primeira página
eram deprimentes. Não tive vontade de
continuar lendo.
Após o café, segui a rotina e me
dirigi ao escritório.
No rádio do carro, no trajeto,
uma voz se ouvia:
- Ser feliz internamente não quer
dizer que se esqueça os problemas que a vida
nos apresenta. Os problemas fazem parte da
vida e não a vida se resume nos problemas.
16
Em outro ponto da cidade,
Gustavo enfrentava algumas situações
constrangedoras.
- Por que quero viver? A vida
para mim tem outro objetivo que antes não
tinha. Já sei a finalidade de minha existência?
Carlos, em plena adolescência,
idade dos sonhos, encostado num poste à
porta do colégio, conversava animadamente,
com outros de sua idade.
-Não sei se namoro essa
menina! O que sinto por ela? Parece-me
simpática. Sinto-me bem perto dela!
-Isso é que é. Logo você
pensando em namorar?
-Estou mesmo gostando dessa
pessoa.
-O que sinto por ela não sei se é
suficiente para namorá-la. Estou indeciso. Não
sei o que fazer!
-São coisas dessa fase de idade!
Segui meu caminho, naquele dia
chuvoso.
17
Nesse clima de chuva o
pessimismo dá seu contorno.
-Esse estado interno de
pessimismo não reflete o resultado da
ignorância do verdadeiro objetivo dessa vida?
-Para que vivo? Será que o
homem vive para pagar, para cumprir uma
pena duma falta que não tem consciência de
que cometera? Será a vida um vale de
lágrimas?
-Não, a vida há que vivê-la com
alegria, porque é um campo experimental, é o
lugar onde o espírito do ser humano deve
evoluir e para isso há necessidade de que se
integre à vida, seja dono dela e não os
pensamentos.
Por contingências profissionais,
Gustavo se dirigia para uma empresa e iria
estar com o seu presidente.
- Como vai?
A cara do sujeito estava
amarrada. Sua respiração ofegante. Não
inspirava qualquer atitude simpática e cordial.
-Esse brigou com a vida,
pensou. Ou com a mulher, talvez!
18
No dia-a-dia surgem imprevistos
e situações que exigem uma colocação
interior. Há inúmeras formas de se portar
diante desses instantes inesperados.
Gustavo não se intimidou e deu
a conhecer àquele homem, que demonstrava
não estar ouvindo nem uma de suas palavras,
o que pretendia com aquela visita.
-Observei a movimentação dos
pensamentos que acorreram à mente e atuei
com eles procurando resolver o problema. O
estado interno de tranqüilidade existente antes
de tal circunstância, foi substituído por um
estado de inquietação, característico dos
pensamentos que dominavam a casa mental.
-Foi interessante perceber que,
ao chegar em casa, ainda, sob os efeitos
daquela movimentação interna, meu
comportamento ficou alterado e agi algumas
vezes impulsivamente.
Está retratada aí a influência que
têm os pensamentos em nosso ser interno e o
efeito que causam em nossas atuações.
Ficou demonstrado que não
houve o domínio completo da situação,
19
embora o problema tivesse sido
encaminhado satisfatoriamente para uma
solução favorável.
Paulo, em um canto da cidade
dizia para seus botões:
-ainda, em muitos momentos,
sou levado por pensamentos alheios ao meu
pensar e sentir, não sou dono de meus
pensamentos, eles governam minha vontade.
Continuou ele suas
elucubrações, alheio por completo ao que
acontecia ao seu redor, naquela noite fria:
-internamente possuo forças,
que sem uma consciência cabal de sua
existência, são mal empregadas e atuam
desordenadamente.
Findou o dia. A noite com seu
manto escureceu tudo e mais nada se podia
ver com esses olhos voltados para fora.
A bem da verdade, os olhos
físicos vêem, mas não enxergam, porque o
que faz enxergar é a luz do entendimento.
Pode-se ver, mas não entender aquilo que
está sob a vista se falta o conhecimento, ou
melhor, a luz do conhecimento. Um selvagem
que vê pela primeira vez um carro não
entende, mas associa aquilo com algo que
20
conhece, um animal, por exemplo. Assim, a
visão sem o conhecimento não é nada. Quem
conhece vê melhor, ou dizendo de outra
forma, entende o que vê.
3º Capítulo
QUARTA
Para alguns, meio da semana.
Começa-se a pensar em seu fim, tão
esperado. Que tétrico, passa-se a semana,
pensando em seu fim, para descansar, ficar à
toa! Isso é vida?
Paulo, naquele dia, comprara um
carro novo e se maravilhava com a
possibilidade de exibi-lo para os amigos do
trabalho.
Augusto, como não tinha
dinheiro nem para andar de ônibus,
encontrava a alegria colhendo objetos usados
no lixo. Certo dia encontrou uma televisão que
aparentemente não tinha defeito, funcionava
normalmente. Estava ali jogada fora, porque
certamente o seu último dono comprara o
último modelo e não a conseguira vender e
nem dar aquele traste e não teve outra
alternativa, senão jogá-la fora. Esse é o
destino de objetos considerados «úteis»
21
nesse mundo consumista. Certamente meu
avô não conseguiria entender isso!
A chuva durante todo o dia não deu trégua. O
trânsito na cidade grande fica caótico. Os
bueiros não dão vazão à água que corre nas
enxurradas, nos cantos das ruas. Vi uma
mulher descalça passeando na enxurrada.
Lembrei-me das épocas de criança em que
passava as tardes andando com os pés nas
águas que corriam na beirada do passeio.
Que tempo bom aquele! O da infância. Fase
descompromissada da vida e cheia de
fantasias e belos momentos. A chuva naquele
tempo era diferente, também não era pra
menos. Os olhos infantis vêem as coisas de
outro modo e muito mais coloridas e belas!
Recordei-me aqui de um relato
que ouvi ao falar da chuva. Uma criança, em
meio a um temporal, da janela de sua casa
olhava aquela chuvarada e disse: - Mãe, corra
aqui, veja que tempo lindo. A mãe foi à janela
e, decepcionada, respondeu: - Filha, essa
tromba d´água? A menina não contendo a sua
alegria, ponderou: -Mãe, a chuva é boa. Molha
as plantas, faz nascer as frutas, corre pelo
solo. É de grande utilidade para a Natureza.
Ontem aprendi isso na escola. Por isso estou
vendo que essa chuva é linda. Não é? A mãe
ouvindo aquilo se calou e se pos a refletir
22
sobre a importância da chuva e seu papel
nessa terra. Sentiu-se bem. E passou a ver
beleza naquela água que não cansava de cair
do céu.
Que quarta-feira! Você há de
convir que um aguaceiro na cidade é um
verdadeiro caos. Um transtorno. Batidas de
carros. Árvores caindo atrapalhando o
trânsito. Não! A chuva por aqui é algo
insuportável.
Carlos ia de moto para entregar
uma pizza encomendada. A água que caia
não era empecilho. Cortava os carros e em
ziguezague rompia no outro quarteirão. Para
não ficar parado no sinal subia no passeio e ia
em frente atender a mais um cliente. A final de
contas quanto mais encomenda entregava
mais reais podia juntar, não importando os
riscos que corria naquele corre-corre infernal.
Paulo, naquele dia, dava muitas
aulas e estava no final da manhã cansado e
pensando no fim-de-semana.
Alfredo, ao contrário, não fazia
nada naquela quarta. O tempo custava a
passar. -Que dia enfadonho, exclamava.
Pudera, quando se está na inércia, a
sensação é de cansaço e esgotamento! A
atividade é sempre produtiva e acumula
23
energias, desde que seja construtiva e
proveitosa, é claro. Disse alguém que pensa,
que a vida é atividade e a própria Natureza
nos está a demonstrar isso a todo instante.
Carlos, em seu escritório, em
meio a papéis, passava o tempo ao telefone
conversando fiado com uma antiga colega de
faculdade.
-Como está você? Bem!?
Sabe que passei pela Vera outro dia e ela
nem sequer me olhou.
-Ora, de certo ela não viu você.
-Que nada! Fingiu não me ver.
-Pode ser.
-E a Augusta?
-Nunca mais a vi.
-O Pedro está morando em São
Paulo.
-A turma não vai se reunir para
comemorarmos os vinte e cinco anos de
formatura?
24
-Ah? Essa gente não quer
saber disso.
-Bem, até logo, tenho que
desligar, o meu celular está tremendo na
mesa, alguém quer falar comigo.
- Até a próxima.
Roberto, em seu quarto, não
saia da frente do computador. A cena na tela
Sansung era uma página da internet com uma
infinidade de links para os mais variados
assuntos atuais.
Marli, interessada em conhecer
outros países, percorria os sites que tratavam
de turismo e procurava um lugar para passar
as férias.
Catão envolvido, como sempre,
em seus problemas financeiros. Nunca que o
dinheiro chegava. Quanto mais recebia mais
gastava. Não havia jeito! Era um círculo
vicioso.
José, na roça, não tinha nada e
tinha tudo. Nada lhe faltava. Quando a fome
apertava, ia ao terreiro pegava uma galinha
caipira e fazia um ensopado. Passava o dia,
ora na varanda da casa grande, indo de lá
para a cozinha tomar, de vez em quando, uma
25
xícara de café adoçado com rapadura. O bule
encostado na chaleira descansava os
fundilhos no fogo brando de um velho fogão a
lenha que não desligava nunca.
O banho do Zé era de fazer
inveja ao cidadão acostumado a se banhar em
hotel cinco estrelas. A água percorria uma
serpentina que passando pelo fogão a lenha
saia quentinha, por igual, num chuveiro
daqueles de peneira larga que despencava
cabeça abaixo banhando aquele corpo
surrado inteirinho.
Não havia nada melhor. Nessa
vida cada um desfruta e experimenta o que
pode. O que é estímulo para um não significa
nada para outro. E o tempo passa
testemunhando os matizes dessa vida
multicor.
Um homem se esforçava em se
realizar individualmente, visando o próprio
aperfeiçoamento, e, para isso, enfrentava uma
série de dificuldades e obstáculos que, se
superados, contribuiriam, em muito, para
mudar de posição interna e ver as coisas de
outra forma.
O estudo da própria psicologia é
muito útil nesse aspecto, porque ensina a ver
nessas dificuldades e obstáculos, uma grande
26
oportunidade de superação e de prova de
suas convicções e firmeza nesse propósito de
ser melhor.
No dia-a-dia surgem imprevistos
e situações que exigem uma colocação
interna. Há inúmeras formas de se portar
diante desses instantes inesperados, porém,
deverá haver uma melhor, acorde com o ideal
de evolução e é esta a que se deve buscar e
aspirar.
A luta deverá continuar sem
esmorecimentos. Outros empecilhos virão em
outro nível. Dever-se-á encará-los como
chances de auto-aperfeiçoamento. Sem eles,
talvez, as conquistas espirituais não tivessem
o colorido que deveriam ter.
Alfredo, em sua atividade
profissional percebeu a permanência de
determinados pensamentos que se
sobressaltaram e o fizeram agir rapidamente.
Observou a movimentação
daqueles agentes causais do comportamento
que acorriam à sua mente e atuou com eles
procurando resolver o problema que se lhe
apresentava.
Constatou que o estado interno
de tranqüilidade existente antes da tal
27
circunstância foi substituído por um de
inquietação, característico dos pensamentos
que acorreram àquela mente.
Foi interessante perceber que,
ao chegar em casa, ainda sob os efeitos
daquela movimentação interna, seu
comportamento ficou alterado e agiu algumas
vezes impulsivamente.
Está retratada aí a influência que
têm os pensamentos no estado de ânimo do
ser e o efeito que causa em suas atuações.
Demonstrado está que não
houve o domínio completo da situação,
embora o problema tivesse sido encaminhado
satisfatoriamente para uma solução favorável.
Acontece que os pensamentos
que estiveram transitando pela mente de
Alfredo, durante a vivência, comprometeram a
tranqüilidade interna, a paz interior e
comprometeram sua conduta e seu
comportamento.
Naquele dia, o fórum estava
lotado como de costume, e o causídico com a
intenção de reparar uma falha processual de
publicação irregular de um ato, se viu
censurado nessa conduta pela outra parte e
se exaltou. Falou alto, quis impor o seu ponto
28
de vista e se descontrolou emocionalmente,
ofendendo-se com o ocorrido.
Estava atento ao que lhe
passava em seu interior e ficou assustado,
porque percebeu uma reação involuntária que
fugiu ao seu controle. Não se conteve.
Demonstrou que não teve controle de seus
pensamentos. Eles saíram de sua mente sem
qualquer censura e foram parar no externo,
comprometendo, naturalmente, o seu
conceito.
Ora, a repercussão, então, nos
demais que assistiram a cena foi a pior
possível, causando um mal estar no ambiente
forense.
Extraiu da experiência a
conclusão de que deveria estar mais atento ao
seu interior e para evitar outras circunstâncias
semelhantes, deveria se preparar com
antecedência, a fim de estabelecer o controle
da situação, não se deixando atingir pelo que
vem de fora e de terceiros.
Que situação difícil! Pois a todo
instante sofremos influências do meio em que
nos colocamos e que nos circundam.
Os inúmeros problemas que a
vida apresenta contribuem, em muito, para
29
promover esses movimentos mentais durante
o correr dos dias.
Paulo estava sereno, ao
contrário de ontem, em que se viu agitado,
tentando solucionar questões que poderiam
esperar seu tempo.
-Compreendo que tenho que
cultivar a paciência inteligente, cuidar de
outras coisas e esperar a oportunidade para
solucionar alguns problemas.
Há problemas que têm que ser
solucionados, resolvidos por parte, sem apuro.
-Ontem - lembrou -, a
irritabilidade esteve presente no cenário
interno, entretanto, ocupou um espaço de
tempo pequeno, mas provocou um desgaste
mental e físico, refletido no cansaço.
-Ansiedade para realizar o que
se havia proposto para o dia. Porém, em
vários momentos da execução do trabalho me
vi interrompido e, ao perceber que não teria
mais tempo para dar continuidade ao que
havia iniciado, devendo adiar a tarefa, me fez
experimentar uma sensação de não
cumprimento e impotência. Afinal de contas,
não conseguira cumprir com o planejado,
30
apesar das interferências externas, alheias
ao meu controle.
Do outro lado da rua, em um
prédio, um profissional, em meio a suas
atividades, reclamava:
-ora sou levado a enfrentar a
crítica, ou melhor, o exame crítico de meu
trabalho ou ponto de vista, em outros
momentos devo conter minha impulsividade
ou irritabilidade diante de uma observação
alheia, adversa ou contrária ao meu pensar ou
modo de ver as coisas.
-em outras circunstâncias devo,
com humildade, ouvir pareceres contrários
aos meus. Ou permitir que meu trabalho seja
apreciado por outros que, muitas vezes, não
têm os conhecimentos específicos para fazer
uma crítica construtiva.
-hoje também me perguntei
sobre a melhor forma de educar meus filhos.
A educação deve visar o futuro,
a formação para a vida. Uma repreensão tem
que ter essa projeção transcendental? -
expressava Gustavo, em uma roda de pais
que esperavam a saída dos filhos do colégio.
Um deles disse:
31
-quando atuo com meus filhos,
orientando-os, tenho em conta essa
repercussão? Ou somente cuido de corrigi-los
no erro praticado no momento?
Um jovem estudioso e confiante
no seu futuro e no da humanidade refletia
encostado num poste de luz, numa esquina,
no centro da cidade, em meio ao burburinho
ambiente:
-Em meio a muitas reclamações
sobre as dificuldades dos tempos,
experimento uma fase em que o que ganho
com o meu trabalho me basta e vai além do
meu gasto, atendendo plenamente as minhas
necessidades de sobrevivência.
Posso, agora, mais que nunca
me dedicar mais aos assuntos do espírito,
sem sofrer as angústias das dificuldades
econômicas, essa é uma conquista que
acalento de há muito.
Muitas de minhas preocupações
giravam em torno de uma estabilidade
econômica e hoje ela é uma realidade.
-O que fazer para mantê-la?
Como mantê-la?
32
-Como fazer dessa experiência
um elemento que contribuirá para minha
evolução? O que extrair de eterno dessa
conquista?
-Essa é uma conquista que tem
que ser confirmada a cada dia. Devo buscar
com inteligência manter o campo conquistado.
-Também compreendo que esse
é um resultado de um esforço tenaz em tal
sentido.
-Com o auxílio do conhecimento
de minha psicologia soube aproveitar as
oportunidades que a vida profissional me
oferecem e fui conquistando paulatinamente
esse estado de que hoje desfruto.
-A constância, a perseverança, a
luta e o empenho em todo o momento
estavam e estiveram presentes.
-Alimentei o pensamento de que
o que ganharia seria somente com o trabalho
honesto e honrado, sem esperar nada de
ninguém. Dava sempre de mim. Nunca fugi ao
trabalho. Sempre trabalhei não para buscar a
riqueza, mas para alcançar um equilíbrio
econômico-financeiro, além, é claro, da
satisfação pessoal experimentada com o
trabalho em si.
33
-Estou seguro de que hoje
desfruto do que plantei no passado e sei que
tenho que plantar hoje o que quero colher no
futuro.
-O que quero para o futuro?
-Quero ver minha família
progredindo. Meus filhos virando homens de
bem. E todos desfrutando de intensa
felicidade. E que Deus sempre presida esses
augustos instantes de intensa e profunda
alegria.
Não tenho o direito de me
queixar de nada, senão por não fazer mais do
que faço.
-Entretanto o estado de
inconsciência é tamanho e muitas vezes me
pego lamentando, queixando-me e irritado
com as coisas que se passam comigo.
Tamanha ingratidão! Em sã consciência, não
tenho motivos para me entristecer e, muito
menos, lamentar. São muitos os motivos que
tenho para ser feliz.
Numa dessas quartas, por
coincidência, iniciava um novo ano. Em
épocas assim, as esperanças se renovam. Há
um renascer de esperanças. Planeja-se e
34
espera-se que o novo ano traga coisas boas.
Só que não se deve esperar nada além do
que se plantou.
A pergunta é: o que o ano
espera de mim?
João aspirava, no ano que
despontava, ter uma vida financeira
equilibrada e manter esse equilíbrio, o que
considerava o mais difícil. Um desafio. Um
fator de êxito - ponderava ele - é não
comprometer o ser futuro, criando
compromissos além das forças e da
capacidade de previsão.
Maria Tereza, espiritualista,
afirmava, nessas ocasiões que realizaria
muito no campo espiritual. Para ela as
conquistas nessa área são as mais difíceis,
porque nos faltam o conhecimento e a
experimentação.
Clara, do lar, via no ano que
surgia, a educação dos filhos, como uma meta
a atingir. Os filhos são seres humanos sob
nosso cuidado - asseverava - e não podem
ser tolhidos em sua evolução, por uma rígida
ou irresponsável condução educacional.
-Quero que meus filhos sejam
livres, sem temores de qualquer ordem e que
35
cresçam valentes e dispostos a lutar pela
vida e para a vida.
-Ao educá-los não posso tolhê-
los em suas iniciativas e nem torná-los
submissos.
-A educação deve ser sem
imposturas e regada com muito afeto e amor.
-Clara, como fazer isso, sem
conhecimentos?
-Ah! Helena, não sei.
Carlos mais uma vez cometia um
erro, dentre os tantos cometidos na vida.
-Os erros e as falhas
acompanham nossas atuações. Diz o ditado
popular que errar é humano, porém o erro ou
a falha que envolve outros seres nos faz
sofrer.
-Como reparar, então, o erro
cometido?
-Corrigir o erro é evitar suas
conseqüências. O erro tem origem na mente.
36
-O preparo, os estudos
contribuem para detectar o erro na mente e
evitar que se concretize.
-Uma vez concretizado o erro,
como fazer? Arcar com suas conseqüências e
extrair da experiência desagradável o
elemento que faltou para vencer.
-Devemos aprender com as
falhas e os erros cometidos.
-Em todas as atividades estamos
sujeitos a erros e falhas, mas nem por isso
devemos deixar de agir, de atuar e de
continuar lutando para o aperfeiçoamento.
-Quando se comete um erro, não
havia consciência, porque quando se atua
com consciência não é possível errar. O
conhecimento, portanto, evita o erro.
-Carlos, você entende, então
que o erro advém da ignorância?
-Por que o homem erra?
-Porque atua inconscientemente,
sem conhecimento de causa. Quem é
consciente em todos os seus atos sempre
comete acertos e não erros.
37
Um doutor em medicina, que
ouvia aquele diálogo não se conteve e
indagou, pensativo, de que consciência vocês
estão falando?
Esse assunto é complexo,
ponderou o interlocutor. Voltemos ao da
educação infantil.
Priscila, atenta ao que se dizia
naquele lugar, quis se fazer presente e
acrescentou:
-No estudo que estou fazendo
sobre o caráter da criança, conclui que é
papel do pai colaborar na formação do caráter
dos filhos.
-Qual o caráter que quero para
meus filhos?
-Quero que sejam alegres,
tenham bom estado de ânimo, estejam bem
dispostos para o trabalho e muitas outras
coisas que definem um ser com bons
princípios.
-E o que você tem feito para
contribuir com essa formação?
-Caráter para mim é o que define
o ser, são aqueles traços psicológicos e
38
morais que individualizam o ser e lhe
imprimem uma fisionomia.
-E o que leva à formação do
caráter na criança?
-Li certa vez, em algum lugar,
que eram os estímulos positivos, aqueles
naturais.
A quarta-feira é longa. Muitas
coisas acontecem em lugares diversos e nem
bem chegamos ao meio-dia e me encontrei,
ao sair para o almoço, com o amigo que não
via há algum tempo e o convidei para
comermos uma refeição bem ali na frente.
-Alfredo, foi um grande prazer
em encontrá-lo.
-O que você tem feito nesse
mundo de Deus?
-vigiar a minha conduta.
-O quê?
-Isso que você ouviu. Vigiar a
minha conduta. Eis aí um dos grandes
exercícios espirituais que se deve realizar.
- Em que devo me modificar, se
há tantos aspectos a serem mudados na vida!
39
-Às vezes me pergunto: Como
está a minha convivência no lar? Que
pensamentos não devem mais atuar nesse
particular?
E a educação dos filhos?
-Meus filhos estão vivendo a
fase da infância. Tenho desfrutado dessa
etapa da vida deles? Como melhorar e
superar essa participação?
-Como me superar na educação
de meus filhos?
-Compreendo que a cada dia
devo me superar em todos os aspectos.
-Que pensamentos hoje atuam
dentro de mim?
-É certo que a vida diária nos
absorve muito tempo. É certo, também, que
tempo é objeto de conquista. Como, então,
conquistá-lo para o convívio com nossos
seres queridos?
Marisa, uma professora
dedicada, no intervalo das atividades
escolares, dialogava com suas colegas sobre
suas preocupações.
40
-Estou empenhada nessa tarefa
de melhor educar e orientar meus filhos. Não
deixá-los sem orientação. Ensinar a eles a
cultivar bons pensamentos e sentimentos.
-A dedicação aos filhos é uma
aspiração e um dever dos pais.
-Hoje, mais do que nunca, os
pensamentos do mal encontram as mentes
mais desguarnecidas e vulneráveis a suas
investidas sempre avassaladoras. É preciso
combater esse ataque impiedoso que atinge
as mentes mais ternas e, portanto, mais
indefesas e presas fáceis de suas maldades.
Ouvindo aquilo, Clarice não se
conteve e perguntou:
-O que devemos fazer para
fortalecer essas “mentezinhas” que se
encontram aos meus cuidados?
O dia chuvoso castigava aqueles
que tinham que se locomover para um lado e
outro da cidade, em cumprimento aos seus
afazeres habituais.
Os anos vão passando e o
cenário da vida toma outros contornos.
41
Surgem a estabilidade
emocional e o delineamento dos passos a
serem dados no caminho do existir.
A maturidade acontece e fico a
pensar naqueles sonhos juvenis que ficaram
para trás e muitos deles se tornaram realidade
na etapa de hoje, que um dia pertenceram ao
futuro.
A luta pela sobrevivência cede
espaço às conquistas do espírito, pois os
atrativos do material já não ocupam tanto
tempo da mente.
A escala de valores com o
tempo vai mudando e vou aprendendo dar a
verdadeira dimensão às coisas.
O que anteriormente tinha
muito valor para mim, hoje, tem o valor que
deve ter, ou seja, não vale mais nem menos
do que deve valer.
A minha mente ainda se
ocupa muito com os pensamentos do mundo
físico, deixando pouco espaço para os
pensamentos de ordem superior.
Preciso intensificar o
treinamento exigido pelo processo de
evolução consciente.
42
-O que você quer dizer com isso,
Arthur?
-O navegar em direção ao
mundo interno precisa percorrer distâncias
maiores e o permanecer na superfície não é
nessa altura da viagem recomendável.
-O apego a coisas dispensáveis
contribui para o retardamento no caminhar
transcendente.
Há ocupações que não devem
ocupar mais tempo que o necessário para
cumpri-las em benefício dos afazeres do
espírito.
Lamentavelmente o tempo
dedicado a ele, meu espírito, é ínfimo,
insuficiente ao que necessita para reinar em
minha vida.
À tarde, Carlos, saindo de um
engarrafamento em direção ao centro, irritado,
procurou mudar o seu estado interno
lastimável, recordou:
-Muito já andei nesse caminho
do conhecimento de si mesmo, mas me sinto
ainda nos começos. Às vezes invade algum
pensamento em que minha mente querendo
43
convencer-me de que o empreendimento é
impossível.
-Depois de um trecho no andar
há o risco de se adotar um «modus vivendi».
Tudo corre bem. As arestas estão aparadas.
Há um acomodamento interno. E alguns
pensamentos estão sob controle. E não passa
disso.
-Há, entretanto, uma inquietude:
- preciso avançar. Caminhar além. Sair do
engarrafamento. Realizar mais. Superar o
estágio atual. Sair desse marasmo! Como? De
que meios me valer?
-Ainda me vejo muito apegado
às coisas materiais, às atividades correntes e
preocupações das coisas da alma.
-Não estou satisfeito com o
estado interno em que me encontro. Sinto que
tenho que me empenhar para dar um passo
além nessa cruzada do alto-aperfeiçoamento.
Terminado um dia de trabalho
intenso, Cláudio se dirige para sua casa.
Aproxima-se do portão eletrônico abre-o e
começa a entrar na garage e é surpreendido
por alguém que lhe encosta o cano de um
revólver na testa. É obrigado a sair do carro
rapidamente e levam-no para dentro de casa.
44
Assustado Cláudio é ameaçado
de morte e o ladrão acompanhado de outros
três, percorrem os cômodos da residência e
retiram televisão, vídeo, som, roupas, relógios,
tudo de valor e transportam para o carro.
Prendem os moradores em um
dos quartos e fogem no carro de Cláudio,
levando o que podiam.
Passado algum tempo chega
Antônio em casa e liberta os seus e a polícia é
chamada e faz a ocorrência.
Os envolvidos estão surpresos e
chocados com o acontecido. Jamais
esperavam que essa violência acontecesse
com eles.
A casa foi revirada de pernas
para o ar. Os quartos estavam abarrotados de
coisas espalhadas para todos os lados. As
gavetas dos armários jogadas e papéis,
roupas, objetos, tudo espalhado pelo chão.
Felizmente ninguém se
machucou gravemente, a não ser algumas
escoriações em Cláudio provocadas por
chutes e coronhadas.
45
-Não se vive hoje mais em paz!
Sempre há um risco por perto!
-A que ponto chegamos!
Exclamou Pedro.
-Não temos mais sossego até
em nossas casas.
-Alarme nenhum é capaz de
inibir tamanha ousadia desses bandidos.
-O que fazer? Inquiriu um que
passava por ali e acompanhava os
acontecimentos.
Terminado o trabalho dos
policiais os moradores da casa assaltada
foram colocar as coisas no lugar e ao pegar
uma peça de roupa ali, um objeto aqui,
lamentavam o acontecido e sentiam a falta de
mais coisas que teriam sido subtraídas pelos
assaltantes despudorados.
4º Capítulo
QUINTA
Bem cedo Augusto está
envolvido em um engarrafamento quando se
dirigia para o trabalho. Na esquina um
46
tumulto. Uma pessoa tinha sido assaltada e
não sabia o que fazer. Seu dinheiro foi levado
pelo moleque que a havia empurrado metendo
a mão em seu bolso e surrupiando o salário
que havia retirado do banco. Não sabia o que
fazer. Estava desesperada.
Ali na frente um pedinte
implorava uns trocados a um transeunte para
comer algo. Estava esfomeado. Precisava se
alimentar.
Da janela de uma casa velha,
próxima à esquina, ouvia-se de dentro do
cômodo uma música antiga cantarolada por
uma voz que saia trêmula e invadia todo o
quarteirão.
-Pensava que Paulo tivesse
encontrado o apartamento que estava
procurando pra morar.
Paulo vinha de mudança para
BH deixando sua cidade natal lá pras bandas
de Diamantina, um lugarejo chamado
Monjolos, próximo à cidade história de Serro,
Ivituruí, na linguagem tupi-guarani.
Quantas pessoas deixam o seu
rincão e se aventuram indo para a cidade
grande tentar a sorte, deixando de lado os
seus sonhos de menino para conseguir
47
dinheiro e se sustentar nessa sociedade de
consumo que engole o ser carcomendo-lhe as
entranhas até fazê-lo insensível às belezas
naturais!
Carlos via televisão. E um
escritor entrevistado falava das idéias que
surgem como que por encanto em nossa
mente e não há método e nem técnica que as
façam aparecer. São como passarinhos que
vêm não se sabe de onde a pousar em nosso
ombro.
De onde vêm as idéias? Elas
aparecem. Estão no mundo mental. Ali viajam
e encontram albergue em mentes que as
acolhem e as transformam em imagens, as
mais variadas.
Para esse escritor, o deus da
Bíblia não queria viver no Céu, sua morada,
para viver na Terra, que havia criado para o
homem. Lembrou que no Paraíso caminhava
sentindo no rosto a brisa gostosa da manhã.
O paraíso era maravilhoso. Aí resolveu se
transformar em homem e veio à sua Terra,
fruto de sua Criação, para viver nela. Dizia-se
que veio para redimir o homem de seus
pecados e morreu para depois ressuscitar
para continuar vivendo aqui na Terra.
48
O entrevistado, em resposta a
uma pergunta, disse que todo mundo sabe
que vai morrer, mas ninguém quer ir, quer
ficar, a vida aqui é muito boa. Todos lutam
para viver, vão ao médico, se cuidam, fazem
ginásticas, caminham, fazem dieta. Se o céu
fosse tão bom como dizem ninguém ficaria tão
apegado aqui nesta vida!
Para esse entrevistado Deus é o
que há de belo e de bom. Não é esse
vingativo e que castiga, pregado pelas
crenças, não foi à toa que o pregaram em
uma cruz e o recordam todos numa
determinada data. Ninguém o recorda subindo
aos Céus.
-Olha – dizia Pedro a seu amigo
num banco de jardim – esse tal Céu deve ser
uma monotonia só. Todos tranqüilos, sem
problemas, andando daqui para ali, sem
qualquer alteração numa quietude que
angustia. Isso não deve ser bom! Em
contrapartida, o inferno é bem movimentado.
Não é rotineiro. É quente variado e cheio de
novidades.
-Pedro, vira essa boca pra lá.
Isso que você está dizendo é sacrilégio. Deus
castiga!
49
A tarde chega ao seu final. O
relógio da estação ferroviária, na parte mais
alta do prédio principal da praça da estação,
marca quatro e quarenta e quatro. O sol muda
de cor e vai assumindo a coloração
avermelhada refletindo nas nuvens e nas
vidraças daqueles arranha-céus, típicos de
metrópole.
Os quarteirões vão se enchendo
de carros. São os trabalhadores, a maioria
deles, executivos, se dirigindo a suas casas
ou aos locais de lazer após um dia inteiro de
trabalho rotineiro, envolvidos em e-mails,
Internet, laptops, computadores, índices de
bolsa, dólar, gráficos e outras invenções
desse mundo artificial dos homens.
Isso é de humanos? O que os
humanos vieram fazer aqui nesta terra, nesse
paraíso criado por seu Deus? Para se
envolverem com computadores, Windows,
programas, e-mails, mergulharem de cabeça
num mundo virtual e fugirem da realidade
desta vida?
A vida no campo, imagem pálida
do paraíso bíblico, é rara. Há crianças que
nunca viram uma galinha, um patinho
correndo no quintal da casa!
50
-Quintal? O que é isso?
Exclama Alberto.
-Você não sabe? É um lugar
aprazível geralmente no fundo das casas nas
pacatas cidades do interior e também nas
casas de fazenda e retiros no meio rural. Os
animais domésticos, galinhas, patos,
marrecos, galos, gansos, cachorro, gatos
vivem juntos ali, ciscando, comendo bichinhos
no chão.
-Que saudade de minha infância
na roça!
-Brincava descalço em contato
com a terra. Corria atrás das galinhas soltas
no quintal. Como eram ariscas! Era uma
dificuldade agarrar uma!
Parece mentira, recordar dessas
coisas que hoje não existem mais, nem na
imaginação das pessoas. São coisas de outro
mundo.
Hoje a criançada brinca de
videogame, bonecos falantes alimentados por
baterias, naves espaciais, foguetes atômicos,
robôs, computadores, celulares, teclados e
outras invenções que distanciam os seres do
humano. Isso é humano ou “robô humano”?
51
Pensam em introduzir um chip
no recém-nascido para identificá-lo. E o
indivíduo?
A tarde cai. A cidade se
ilumina. E as luzes dos carros, luminosos,
luminárias, holofotes, ofuscam o céu estrelado
e na cidade grande não se vê as estrelas
piscando no céu. A lua, coitada, ninguém a vê
e sequer se lembram dela. O chamado
humano não vê as maravilhas naturais porque
está distraído com os eletrônicos, os
celulares, os carros...
O rio que banhava a cidade foi
canalizado!
A árvore milenar que vivia na
esquina da rua foi cortada para a ampliação
da rua que não agüentava mais o trânsito
intenso da grande metrópole.
-Em minha cidade, há uns anos
atrás havia mangueiras nas ruas principais e
davam fruta da época. A gente corria após
uma ventania para apanhar as mangas que
caiam e corriam e se esbarravam no meio fio.
Numa esquina, Cláudia dizia a
Alfredo:
-Quer saber de uma coisa,
acho que o Paraíso é aqui mesmo.
52
-Aqui onde?
-Aqui na Terra. Deus criou a
Terra, este Paraíso, e pos aqui o homem e a
mulher para viverem em paz e desfrutarem
das maravilhas da natureza.
-Por que, então, há tanta
violência, tanta tristeza?
-Não sei. O certo é que a
natureza é tão pródiga e exuberante e nós
nem sequer a observamos como deveria. O
que fazemos é destruí-la e colocar em seu
lugar construções humanas, frias, sem graça.
5°Capítulo
SEXTA
É um dia como outro qualquer.
Está marcada para as 18 horas
uma solenidade de naturalização de
estrangeiros na 1ª Vara da Justiça Federal, no
prédio contíguo.
Os convidados vão chegando e
o ambiente fica repleto. Depois do horário
marcado chegam o juiz e seu assistente.
53
Cumprimentam os presentes e o MM. Juiz
pede que todos fiquem de pé para ouvirmos o
Hino Nacional Brasileiro.
Todos cantam, menos o juiz que
preside a audiência.
Os estrangeiros, prestes a
receberem a cidadania brasileira, cantam o
Hino para perplexidade da autoridade que não
abre a boca.
Um cubano postado à frente do
magistrado esgoela o Hino com a fronte
erguida em demonstração inequívoca de que
conhece a fundo a letra e a canta
acompanhando os acordes e com segurança
pronuncia sem sotaque as palavras
brasileiras.
Os demais estrangeiros cantam
o Hino Nacional para alegria dos presentes
convidados.
É uma cena comovedora.
Comovente e patética, porque a autoridade
que preside o evento não abriu a boca.
Termina a execução do Hino
tocado em uma vitrola. O magistrado pede
que todos ocupem os seus assentos. E, em
seguida, faz um discurso, evocando a
54
liberdade, a cidadania, as lutas pela
liberdade, recordando da Revolução Francesa
e chega até nossos dias, em que os políticos
dão um péssimo exemplo de malversação de
dinheiro público.
Em seu discurso diz que o
brasileiro é alegre apesar de tudo e convida
os que irão receber a cidadania brasileira a
cultivarem essa alegria.
Em seguida, chama cada um por
seu nome e pede que renunciem a sua
cidadania de origem.
A cena constrange porque cada
um é forçado a renunciar a sua origem e
manifestar que quer ser brasileiro.
E o clima patético não para por
aí. Todos são obrigados a ler um texto que
lhes foi entregue minutos antes, em
português, extraído da Constituição Brasileira.
A chinesa, com muito sotaque,
custa a ler as suas três ou quatro linhas. O
cubano, que cantou o Hino com altivez. Lê o
texto a todo pulmão, quase sem sotaque,
reafirmando a sua condição de receber, com
louvor, o título de naturalizado brasileiro.
55
Os demais, mais dois cubanos,
mais uma chinesa, uma italiana e um
boliviano, - ia me esquecendo da árabe -, que
lêem razoavelmente o trecho da Carta Magna
que lhes coube e, desse modo, o juiz encerra
a solenidade, parabenizando a todos pelo
novo nascimento, agora, como brasileiros
naturalizados.
Batem palmas e aquela
audiência se encerra para alívio de alguns. Os
novos brasileiros se dirigem ao saguão ao
lado e recebem os cumprimentos dos amigos
e familiares.
Cada grupinho é formado e em
poucos minutos se dispersam. O salão se
esvazia e cada novo brasileiro vai,
naturalmente, comemorar o acontecimento
juntamente com os seus em um restaurante
da cidade.
-Que sexta-feira!
6°Capítulo
SÁBADO
Pela manhã, bem cedo, Paulo
desperta e prepara o seu café expresso. O sol
brilha forte convidando a uma promissora
56
caminhada na praça da Liberdade. Nome
sugestivo de um local eclético onde se vê de
tudo. Vendedor de bugigangas, moças
passeando com seus cãezinhos peludos,
alguns até de sapatinhos nas quatro patas,
uma aberração, fora do natural!
O pensamento de fazer
exercícios físicos, caminhadas, domina a
mente de todos aqueles que se dispõem a
andar até quilômetros, dando voltas e mais
voltas naquela praça, estilo belga, se não me
falha a memória!
Pedro caminha, caminha,
pensando na vida. Pensando ou imaginando?
Não se sabe. É difícil saber, porque muitas
vezes, por desorganização mental se usa uma
faculdade no lugar de outra, em completa
desorientação. Vivemos assim, desorientados,
andando ao sabor dos pensamentos que nos
dominam e ditam a nossa conduta e
comportamento.
O dia transcorre plácido. O calor
é abrasador. O efeito estufa é notável, não só
nos terremotos, maremotos, tufões, furacões,
mas na sensação insuportável de um calor
que sufoca e o vento que insiste em soprar,
transmite um bafo sufocante. Que dia!
57
O som do carro de um jovem
parado na esquina, com as portas abertas é
ensurdecedor. Ninguém agüenta, mas está ali
poluindo o ambiente da rua...
Carlos, em casa, não agüenta
mais a monotonia daquela tarde ensolarada.
Na televisão, os programas são intragáveis e
mesmo assim ele não consegue desligar o
aparelho e não sai da frente da telinha, como
que hipnotizado. Seus olhos fixos naquele
foco imaginam mil coisas e não sai do lugar.
Isso faz bem ou mal? Não sei.
Alguns dizem que sim, faz muito mal.
O Dr. Antônio Medeiros, um
advogado dos velhos tempos da máquina de
escrever Remington, Olivetti, hoje obsoletas,
recostado na poltrona da ampla sala de estar
de sua casa, se deixa entregar nos braços do
passado e se recorda dos fatigantes dias de
trabalho intenso no escritório de advocacia.
Sozinho ali deixa escapar um sorriso porque
se lembrou de que certa vez um cliente aflito
ao telefone lhe pediu que traduzisse uma
expressão, segundo ele, no idioma inglês, que
havia lido em um contrato de locação que teria
que assinar.
-Leia para mim, de novo, o
que você quer que traduza.
58
-com sotaque de americano do
velho oeste, repetiu:
-“in fine”
-o quê?
-“in fine!”
-Ora, amigo, essa expressão não
é em inglês. Trata-se de uma expressão
latina, muito comum nos contratos, que
significa, no fim.
Em outra ocasião, o velho
causídico foi consultado e do outro lado da
linha um cliente lhe pediu, com um certo ar de
pressa, que lhe enviasse por fax – aparelho
muito recente e raro ainda nos escritório,
naquela época – a lei número tal. O
advogado, prestativo, num primeiro momento,
acenou que sim, mas imediatamente
percebeu que se tratava nada menos do que o
regulamento do ICMS e que jamais poderia
ser remetido via fax, pelo volume, era um texto
que continha mais de 500 artigos...
59
7°Capítulo
DOMINGO
“Hoje é domingo, pé de
cachimbo...”
-Quando criança ouvia isso
de meu pai.
Domingo. Para muitos um
dia insuportável. Para outros, um dia como os
demais. E há aqueles que consideram o
domingo um dia santo, imaculado e propício à
reflexão e adequado para se planejar a
semana que vem.
Quem passa a semana na
cidade, quer ir para o campo e muitos,
imbuídos desse pensamento, pegam o carro e
vão pra o sítio e ali desfrutam de uns instantes
com a natureza.
Outros, mais preguiçosos,
acordam mais tarde. Também há os “atletas
de fim-de-semana” que não deixam de fazer
uma caminhada ou praticar um esporte,
principalmente, se o dia está ensolarado.
Paulo, no domingo,
trabalha, porque sua folga acontece na
segunda-feira.
60
O domingo é um dia de folga.
A vida recomeça no dia seguinte,
segunda-feira.
Esse é o cotidiano de uma vida...
***

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O cotidiano de uma vida

  • 1. 0 Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
  • 2. 1 O COTIDIANO DE UMA VIDA SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.SEGUNDA.TERÇA.QUARTA.Q UINTA.SEXTA.SÁBADO.DOMINGO
  • 3. 2 INTRODUÇÃO « O tempo é vida » Ele passa inexoravelmente. Nunca pára e segue, levando o passado, as esperanças, o presente e o futuro. Ele não espera. Continua o seu curso para a eternidade. Celso estarrecido, mais que surpreso, constatava essa realidade e tentava reter o passado no presente, valendo-se de sua recordação. Recordar o quê, se perguntava. O dia em que almocei com Gisele? Os momentos agradáveis passados com Cíntia? Ou a tristeza experimentada quando perdi aquele concurso? Resolveu, então, passar em revista o seu dia-a-dia, monótono ou não. E se deparou com um universo de coisas que aconteciam e que sequer eram percebidas e que dariam para encher volumes e volumes. À noite, em fração de segundos, aconteciam coisas fora do controle e se vivia momentos intensos e que por vezes pareciam intermináveis. Por exemplo, o corre-corre para se levar um enfermo ao pronto-socorro e esperar ali o desfecho de um episódio deprimente e quase sempre infeliz.
  • 4. 3 Pela manhã, alguns procuravam se recordar após uma noite passada em claro. Outros começavam o seu dia, se prometendo mil maravilhas, alguns remoendo um problema que lhes parecia sem solução. E outros e outros vivendo os mais variados instantes e situações. Paulo, naquela noite, em plena festa, foi obrigado a transportar para um hospital o seu filho que botava sangue pelo nariz. No pronto-socorro do hospital não viu vivalma. A sala de atendimento parecia deserta. Somente ao fundo se ouvia o som de um ronco profundo. O plantonista dormia a sono solto. - Hei você!, aqui há uma pessoa que precisa de atendimento. O rapaz, com a cara amassada, esfregava os olhos assustados e balbuciou, bocejando: - O que foi? Aguarde um instante. - Qual seu nome, perguntou, esboçando preencher uma ficha que lhe tremia nas mãos. - O que está sentindo?
  • 5. 4 - Não sou eu, é meu filho que está sangrando. - ah! vou chamar o médico de plantão. O silêncio voltou a tomar conta da sala, em penumbra. Que se prolongou além da conta... Voltei a gritar: Hei! há alguém aí? Onde estão todos? Ninguém respondeu. O ambiente estava tétrico. O silêncio assustava. Passado algum tempo, vinha do fundo do corredor um sussurro, parecido com um gemido, a princípio, foi crescendo e se transformou num ronco medonho. - Não pode ser! O atendente pegou no sono, de novo. Impaciente, o pai bateu palmas e ouviu-se um estalido lá dentro. Uma voz, então, disse:
  • 6. 5 - o médico de plantão está a caminho. O silêncio voltou a imperar naquele recinto semi-iluminado. O tempo passou e passou... Uma luz ao longe foi acesa e a porta cerrada bateu. A luz da sala, onde estávamos aguardando se acendeu e uma pessoa de branco: - entrem, por favor. - O que houve? O menino assustado disse: - já parou. - O pai, se dirigindo ao doutor: - O sangue não parava de jorrar de seu nariz! O médico, sonolento, examinou a criança. Deu algumas orientações se
  • 7. 6 voltasse a hemorragia e concluiu o seu trabalho. Essa foi uma noite inesquecível. O dia, também nos reserva uma quantidade de matizes, os mais variados e inusitados. É o cotidiano. 1°Capítulo SEGUNDA -Detesto esse dia. -Domingo, para mim, quando vai caindo a noite, é uma tristeza. -Por quê? -Começo a pensar na maldita segunda-feira. -É mesmo! A semana deveria se iniciar às terças. -Ora, mas a semana começa no domingo.
  • 8. 7 -Isso é o que dizem os otimistas. Para mim, o domingo encerra o fim- de-semana e a segunda é detestável. -Que vida, hem! - Alguém já me disse que isso é psicológico. O dia da semana não interfere no ânimo. - Eu não sei. O certo é que a segunda, quando não cai num feriado, é um dia que ninguém gosta de esperar. Gil, avesso aos preconceitos, queria que a segunda fosse um dia como outro qualquer. Na noite de domingo se preparava para enfrentar a segunda, organizando suas coisas e procurando afastar aquele pensamento de tristeza que sempre passava por sua mente em fim de dia. Engraçado, até os programas de tv eram enfadonhos. A voz do apresentador irritava. O encontro das famílias é que salvava o dia. No mais, era um tudo sem graça. Enfim, nascia o dia não esperado. Segunda-feira. Um dia como outro qualquer.
  • 9. 8 Carlos acordava bem cedinho. Ia direto para o banho. Não importava se na noite anterior tomara uma “chuveirada”. Estava bem disposto. Preparava o café da manhã. Cantarolava. Parecia estar de bem com a vida. O telefone da copa soa forte. Corre até ele. - Alô? Não, não existe essa pessoa aqui. Volta à cozinha e continua comendo aquele pãozinho torrado. O café está quente demais, queima o lábio. O telefone toca de novo. - Quem é? - O quê? - Sim, dentro de meia hora estarei no escritório. Pega o carro e segue em direção ao centro da cidade. Passa perto de um grave acidente. O trânsito engarrafa. O sol naquele dia fervia.
  • 10. 9 De dentro do carro, lê na banca de revista, perto, a manchete do jornal que o deixa desconcertado e pensativo. - Me dá um trocado? O vidro do carro semi-aberto deixou passar a voz cavernosa de um mendigo. O susto foi inevitável. - Não, não tenho trocado. O sinal abriu. Arrancou o veículo. Fechou o vidro de seu lado e continuou o seu caminho. Próximo ao estacionamento, outra fila de carros engarrafados. - Hoje chego tarde! Apertou o botão do rádio e o locutor acabava de dar uma notícia triste, envolvendo a morte de um político. Desligou o rádio. O seu estado interno estava completamente diferente daquele que
  • 11. 10 experimentou ao se levantar da cama, naquela manhã. Ainda não havia chegado ao trabalho. Entrou no elevador de seu prédio e lê ao fundo um bilhete pregado: «Condômino, colabore, evite o “apagão”. Economize luz. A Direção.» O trabalho o absorveu o tempo todo. Saia de um problema para outro e quase não se deu conta do tempo que passou. Já era hora do almoço. Meio dia se passara. Não fizera metade do planejado para aquele dia. Em instante algum se recordara de seus propósitos de aperfeiçoamento individual. Quem havia estado aqui trabalhando, absorvido? O telefone toca. - Não sei? - Parece-me que estamos diante de uma epidemia. Devemos esperar para ver. - Marque a consulta. À noite falaremos sobre isso. Até lá.
  • 12. 11 - Fechou o escritório e saiu. O almoço estava à espera. Comeu. Dirigiu-se à saleta contígua, afrouxou o sinto da calça e se refestelou no sofá. Quanto momento feliz vivi na semana que passou! Quanto momento sensível pude experimentar! O que senti não foram sensações materiais, mas espirituais, foi uma festa do espírito. Como é formoso viver em um mundo sem imposturas, sem egoísmo, sem vaidades, em que todos se respeitam! - Antes achava que a vida se findasse com a morte física, que egoísta fui! que ingênuo, que ignorante! A sua posição mudou. Para ele a vida é eterna. A morte significa o fim de uma etapa física, a morte não passa de uma cessação das funções biológicas. Mas terminada a atividade da parte física acabaria tudo? Não, porque o homem é constituído de um corpo e de um espírito. Acordou, sobressaltado. Sonhara. Quanto tempo havia passado ali naquele sofá? Apenas quinze minutos. O
  • 13. 12 sonho foi intenso. Parecia que o tempo havia parado. Levantou dali. Arrumou-se e voltou ao trabalho. O dia estava chegado ao fim. A segunda-feira terminava e os últimos raios de sol passavam pela vidraça do cômodo. - Quantas palavras inúteis falei hoje? Quanto tempo perdi divagando, imaginando? O que fiz hoje de útil para o meu aperfeiçoamento? Os movimentos conscientes foram maiores que os períodos de inconsciência? - Sinto possuir muitas energias, porém, devo aproveitá-las melhor, para não perdê-las. Aprendi que as energias bem aproveitadas retornam, não se gastam. O homem continuou refletindo sobre o que experimentara naquela malfadada segunda-feira. - O que aprendi de novo e prático para aplicação em minha vida diária? - O homem em toda sua vida física pode vivê-la sem a participação, em nenhuma oportunidade, do seu espírito.
  • 14. 13 Para finalizar seu dia de segunda-feira, Paulo, antes de se deitar, como fazia de costume, foi à estante e pegou um livro e, ao acaso, abriu-o em uma de suas páginas e ali estava: «Muito sensível foi a separação, meu bom amigo, e por isso rogo-lhe aceitar minhas mais respeitosas condolências. É o caminho que devemos seguir todos os que encarnamos nesta humana pessoa, só que uns se vão sabendo que o espírito não morre e outros cerram seus olhos como se a vida se apagasse para toda a eternidade. O que não é possível evitar é que os que nos precedem deixem em nós um profundo pesar, porque, como você bem o disse, parece que vai com eles uma parte de si mesmo, tal é o arraigo do sentimento que nos une». A madrugada ia alta. E aquele ser se debatia em elucubrações mentais, procurando entender o enigma da vida. Por fim, fechou os olhos e se acomodou nos braços de Morfeu.
  • 15. 14 2º Capítulo TERÇA Às quatro e trinta da manhã o telefone toca em sua cabeceira. - Alô? Não. Essa pessoa não mora aqui. - Por que se costuma errar uma ligação? E acordar um cidadão em plena madrugada. Voltou a dormir. Sonhou. O despertador, implacável, às seis da matina soou, como se dissesse: - não se dorme mais nessa casa! - Levantei. Espreguicei como me ensinara o meu fisioterapeuta. Sentei-me na cama, seguindo as ordens do médico e por fim levantei. - Não posso me esquecer do trecho daquele livro que li. As palavras batiam em minha mente. O som retumbava e me perguntava: - Eu sou daqueles que acham que a morte é o fim de tudo?
  • 16. 15 Lá fora, a chuva caia, retumbando em uma calha ao pé da escada. Era abril. Um menino, de voz esganiçada gritava no passeio: - O Estado, o Estado... Tive um impulso de ligar o computador para ler meus e-mails. Não o fiz, porque estava fazendo um esforço para evitar me deter muito naquele aparelho com tela e um teclado convidativo. Peguei o jornal do dia, jogado à soleira da porta da sala, ainda, com respingos de chuva e as manchetes da primeira página eram deprimentes. Não tive vontade de continuar lendo. Após o café, segui a rotina e me dirigi ao escritório. No rádio do carro, no trajeto, uma voz se ouvia: - Ser feliz internamente não quer dizer que se esqueça os problemas que a vida nos apresenta. Os problemas fazem parte da vida e não a vida se resume nos problemas.
  • 17. 16 Em outro ponto da cidade, Gustavo enfrentava algumas situações constrangedoras. - Por que quero viver? A vida para mim tem outro objetivo que antes não tinha. Já sei a finalidade de minha existência? Carlos, em plena adolescência, idade dos sonhos, encostado num poste à porta do colégio, conversava animadamente, com outros de sua idade. -Não sei se namoro essa menina! O que sinto por ela? Parece-me simpática. Sinto-me bem perto dela! -Isso é que é. Logo você pensando em namorar? -Estou mesmo gostando dessa pessoa. -O que sinto por ela não sei se é suficiente para namorá-la. Estou indeciso. Não sei o que fazer! -São coisas dessa fase de idade! Segui meu caminho, naquele dia chuvoso.
  • 18. 17 Nesse clima de chuva o pessimismo dá seu contorno. -Esse estado interno de pessimismo não reflete o resultado da ignorância do verdadeiro objetivo dessa vida? -Para que vivo? Será que o homem vive para pagar, para cumprir uma pena duma falta que não tem consciência de que cometera? Será a vida um vale de lágrimas? -Não, a vida há que vivê-la com alegria, porque é um campo experimental, é o lugar onde o espírito do ser humano deve evoluir e para isso há necessidade de que se integre à vida, seja dono dela e não os pensamentos. Por contingências profissionais, Gustavo se dirigia para uma empresa e iria estar com o seu presidente. - Como vai? A cara do sujeito estava amarrada. Sua respiração ofegante. Não inspirava qualquer atitude simpática e cordial. -Esse brigou com a vida, pensou. Ou com a mulher, talvez!
  • 19. 18 No dia-a-dia surgem imprevistos e situações que exigem uma colocação interior. Há inúmeras formas de se portar diante desses instantes inesperados. Gustavo não se intimidou e deu a conhecer àquele homem, que demonstrava não estar ouvindo nem uma de suas palavras, o que pretendia com aquela visita. -Observei a movimentação dos pensamentos que acorreram à mente e atuei com eles procurando resolver o problema. O estado interno de tranqüilidade existente antes de tal circunstância, foi substituído por um estado de inquietação, característico dos pensamentos que dominavam a casa mental. -Foi interessante perceber que, ao chegar em casa, ainda, sob os efeitos daquela movimentação interna, meu comportamento ficou alterado e agi algumas vezes impulsivamente. Está retratada aí a influência que têm os pensamentos em nosso ser interno e o efeito que causam em nossas atuações. Ficou demonstrado que não houve o domínio completo da situação,
  • 20. 19 embora o problema tivesse sido encaminhado satisfatoriamente para uma solução favorável. Paulo, em um canto da cidade dizia para seus botões: -ainda, em muitos momentos, sou levado por pensamentos alheios ao meu pensar e sentir, não sou dono de meus pensamentos, eles governam minha vontade. Continuou ele suas elucubrações, alheio por completo ao que acontecia ao seu redor, naquela noite fria: -internamente possuo forças, que sem uma consciência cabal de sua existência, são mal empregadas e atuam desordenadamente. Findou o dia. A noite com seu manto escureceu tudo e mais nada se podia ver com esses olhos voltados para fora. A bem da verdade, os olhos físicos vêem, mas não enxergam, porque o que faz enxergar é a luz do entendimento. Pode-se ver, mas não entender aquilo que está sob a vista se falta o conhecimento, ou melhor, a luz do conhecimento. Um selvagem que vê pela primeira vez um carro não entende, mas associa aquilo com algo que
  • 21. 20 conhece, um animal, por exemplo. Assim, a visão sem o conhecimento não é nada. Quem conhece vê melhor, ou dizendo de outra forma, entende o que vê. 3º Capítulo QUARTA Para alguns, meio da semana. Começa-se a pensar em seu fim, tão esperado. Que tétrico, passa-se a semana, pensando em seu fim, para descansar, ficar à toa! Isso é vida? Paulo, naquele dia, comprara um carro novo e se maravilhava com a possibilidade de exibi-lo para os amigos do trabalho. Augusto, como não tinha dinheiro nem para andar de ônibus, encontrava a alegria colhendo objetos usados no lixo. Certo dia encontrou uma televisão que aparentemente não tinha defeito, funcionava normalmente. Estava ali jogada fora, porque certamente o seu último dono comprara o último modelo e não a conseguira vender e nem dar aquele traste e não teve outra alternativa, senão jogá-la fora. Esse é o destino de objetos considerados «úteis»
  • 22. 21 nesse mundo consumista. Certamente meu avô não conseguiria entender isso! A chuva durante todo o dia não deu trégua. O trânsito na cidade grande fica caótico. Os bueiros não dão vazão à água que corre nas enxurradas, nos cantos das ruas. Vi uma mulher descalça passeando na enxurrada. Lembrei-me das épocas de criança em que passava as tardes andando com os pés nas águas que corriam na beirada do passeio. Que tempo bom aquele! O da infância. Fase descompromissada da vida e cheia de fantasias e belos momentos. A chuva naquele tempo era diferente, também não era pra menos. Os olhos infantis vêem as coisas de outro modo e muito mais coloridas e belas! Recordei-me aqui de um relato que ouvi ao falar da chuva. Uma criança, em meio a um temporal, da janela de sua casa olhava aquela chuvarada e disse: - Mãe, corra aqui, veja que tempo lindo. A mãe foi à janela e, decepcionada, respondeu: - Filha, essa tromba d´água? A menina não contendo a sua alegria, ponderou: -Mãe, a chuva é boa. Molha as plantas, faz nascer as frutas, corre pelo solo. É de grande utilidade para a Natureza. Ontem aprendi isso na escola. Por isso estou vendo que essa chuva é linda. Não é? A mãe ouvindo aquilo se calou e se pos a refletir
  • 23. 22 sobre a importância da chuva e seu papel nessa terra. Sentiu-se bem. E passou a ver beleza naquela água que não cansava de cair do céu. Que quarta-feira! Você há de convir que um aguaceiro na cidade é um verdadeiro caos. Um transtorno. Batidas de carros. Árvores caindo atrapalhando o trânsito. Não! A chuva por aqui é algo insuportável. Carlos ia de moto para entregar uma pizza encomendada. A água que caia não era empecilho. Cortava os carros e em ziguezague rompia no outro quarteirão. Para não ficar parado no sinal subia no passeio e ia em frente atender a mais um cliente. A final de contas quanto mais encomenda entregava mais reais podia juntar, não importando os riscos que corria naquele corre-corre infernal. Paulo, naquele dia, dava muitas aulas e estava no final da manhã cansado e pensando no fim-de-semana. Alfredo, ao contrário, não fazia nada naquela quarta. O tempo custava a passar. -Que dia enfadonho, exclamava. Pudera, quando se está na inércia, a sensação é de cansaço e esgotamento! A atividade é sempre produtiva e acumula
  • 24. 23 energias, desde que seja construtiva e proveitosa, é claro. Disse alguém que pensa, que a vida é atividade e a própria Natureza nos está a demonstrar isso a todo instante. Carlos, em seu escritório, em meio a papéis, passava o tempo ao telefone conversando fiado com uma antiga colega de faculdade. -Como está você? Bem!? Sabe que passei pela Vera outro dia e ela nem sequer me olhou. -Ora, de certo ela não viu você. -Que nada! Fingiu não me ver. -Pode ser. -E a Augusta? -Nunca mais a vi. -O Pedro está morando em São Paulo. -A turma não vai se reunir para comemorarmos os vinte e cinco anos de formatura?
  • 25. 24 -Ah? Essa gente não quer saber disso. -Bem, até logo, tenho que desligar, o meu celular está tremendo na mesa, alguém quer falar comigo. - Até a próxima. Roberto, em seu quarto, não saia da frente do computador. A cena na tela Sansung era uma página da internet com uma infinidade de links para os mais variados assuntos atuais. Marli, interessada em conhecer outros países, percorria os sites que tratavam de turismo e procurava um lugar para passar as férias. Catão envolvido, como sempre, em seus problemas financeiros. Nunca que o dinheiro chegava. Quanto mais recebia mais gastava. Não havia jeito! Era um círculo vicioso. José, na roça, não tinha nada e tinha tudo. Nada lhe faltava. Quando a fome apertava, ia ao terreiro pegava uma galinha caipira e fazia um ensopado. Passava o dia, ora na varanda da casa grande, indo de lá para a cozinha tomar, de vez em quando, uma
  • 26. 25 xícara de café adoçado com rapadura. O bule encostado na chaleira descansava os fundilhos no fogo brando de um velho fogão a lenha que não desligava nunca. O banho do Zé era de fazer inveja ao cidadão acostumado a se banhar em hotel cinco estrelas. A água percorria uma serpentina que passando pelo fogão a lenha saia quentinha, por igual, num chuveiro daqueles de peneira larga que despencava cabeça abaixo banhando aquele corpo surrado inteirinho. Não havia nada melhor. Nessa vida cada um desfruta e experimenta o que pode. O que é estímulo para um não significa nada para outro. E o tempo passa testemunhando os matizes dessa vida multicor. Um homem se esforçava em se realizar individualmente, visando o próprio aperfeiçoamento, e, para isso, enfrentava uma série de dificuldades e obstáculos que, se superados, contribuiriam, em muito, para mudar de posição interna e ver as coisas de outra forma. O estudo da própria psicologia é muito útil nesse aspecto, porque ensina a ver nessas dificuldades e obstáculos, uma grande
  • 27. 26 oportunidade de superação e de prova de suas convicções e firmeza nesse propósito de ser melhor. No dia-a-dia surgem imprevistos e situações que exigem uma colocação interna. Há inúmeras formas de se portar diante desses instantes inesperados, porém, deverá haver uma melhor, acorde com o ideal de evolução e é esta a que se deve buscar e aspirar. A luta deverá continuar sem esmorecimentos. Outros empecilhos virão em outro nível. Dever-se-á encará-los como chances de auto-aperfeiçoamento. Sem eles, talvez, as conquistas espirituais não tivessem o colorido que deveriam ter. Alfredo, em sua atividade profissional percebeu a permanência de determinados pensamentos que se sobressaltaram e o fizeram agir rapidamente. Observou a movimentação daqueles agentes causais do comportamento que acorriam à sua mente e atuou com eles procurando resolver o problema que se lhe apresentava. Constatou que o estado interno de tranqüilidade existente antes da tal
  • 28. 27 circunstância foi substituído por um de inquietação, característico dos pensamentos que acorreram àquela mente. Foi interessante perceber que, ao chegar em casa, ainda sob os efeitos daquela movimentação interna, seu comportamento ficou alterado e agiu algumas vezes impulsivamente. Está retratada aí a influência que têm os pensamentos no estado de ânimo do ser e o efeito que causa em suas atuações. Demonstrado está que não houve o domínio completo da situação, embora o problema tivesse sido encaminhado satisfatoriamente para uma solução favorável. Acontece que os pensamentos que estiveram transitando pela mente de Alfredo, durante a vivência, comprometeram a tranqüilidade interna, a paz interior e comprometeram sua conduta e seu comportamento. Naquele dia, o fórum estava lotado como de costume, e o causídico com a intenção de reparar uma falha processual de publicação irregular de um ato, se viu censurado nessa conduta pela outra parte e se exaltou. Falou alto, quis impor o seu ponto
  • 29. 28 de vista e se descontrolou emocionalmente, ofendendo-se com o ocorrido. Estava atento ao que lhe passava em seu interior e ficou assustado, porque percebeu uma reação involuntária que fugiu ao seu controle. Não se conteve. Demonstrou que não teve controle de seus pensamentos. Eles saíram de sua mente sem qualquer censura e foram parar no externo, comprometendo, naturalmente, o seu conceito. Ora, a repercussão, então, nos demais que assistiram a cena foi a pior possível, causando um mal estar no ambiente forense. Extraiu da experiência a conclusão de que deveria estar mais atento ao seu interior e para evitar outras circunstâncias semelhantes, deveria se preparar com antecedência, a fim de estabelecer o controle da situação, não se deixando atingir pelo que vem de fora e de terceiros. Que situação difícil! Pois a todo instante sofremos influências do meio em que nos colocamos e que nos circundam. Os inúmeros problemas que a vida apresenta contribuem, em muito, para
  • 30. 29 promover esses movimentos mentais durante o correr dos dias. Paulo estava sereno, ao contrário de ontem, em que se viu agitado, tentando solucionar questões que poderiam esperar seu tempo. -Compreendo que tenho que cultivar a paciência inteligente, cuidar de outras coisas e esperar a oportunidade para solucionar alguns problemas. Há problemas que têm que ser solucionados, resolvidos por parte, sem apuro. -Ontem - lembrou -, a irritabilidade esteve presente no cenário interno, entretanto, ocupou um espaço de tempo pequeno, mas provocou um desgaste mental e físico, refletido no cansaço. -Ansiedade para realizar o que se havia proposto para o dia. Porém, em vários momentos da execução do trabalho me vi interrompido e, ao perceber que não teria mais tempo para dar continuidade ao que havia iniciado, devendo adiar a tarefa, me fez experimentar uma sensação de não cumprimento e impotência. Afinal de contas, não conseguira cumprir com o planejado,
  • 31. 30 apesar das interferências externas, alheias ao meu controle. Do outro lado da rua, em um prédio, um profissional, em meio a suas atividades, reclamava: -ora sou levado a enfrentar a crítica, ou melhor, o exame crítico de meu trabalho ou ponto de vista, em outros momentos devo conter minha impulsividade ou irritabilidade diante de uma observação alheia, adversa ou contrária ao meu pensar ou modo de ver as coisas. -em outras circunstâncias devo, com humildade, ouvir pareceres contrários aos meus. Ou permitir que meu trabalho seja apreciado por outros que, muitas vezes, não têm os conhecimentos específicos para fazer uma crítica construtiva. -hoje também me perguntei sobre a melhor forma de educar meus filhos. A educação deve visar o futuro, a formação para a vida. Uma repreensão tem que ter essa projeção transcendental? - expressava Gustavo, em uma roda de pais que esperavam a saída dos filhos do colégio. Um deles disse:
  • 32. 31 -quando atuo com meus filhos, orientando-os, tenho em conta essa repercussão? Ou somente cuido de corrigi-los no erro praticado no momento? Um jovem estudioso e confiante no seu futuro e no da humanidade refletia encostado num poste de luz, numa esquina, no centro da cidade, em meio ao burburinho ambiente: -Em meio a muitas reclamações sobre as dificuldades dos tempos, experimento uma fase em que o que ganho com o meu trabalho me basta e vai além do meu gasto, atendendo plenamente as minhas necessidades de sobrevivência. Posso, agora, mais que nunca me dedicar mais aos assuntos do espírito, sem sofrer as angústias das dificuldades econômicas, essa é uma conquista que acalento de há muito. Muitas de minhas preocupações giravam em torno de uma estabilidade econômica e hoje ela é uma realidade. -O que fazer para mantê-la? Como mantê-la?
  • 33. 32 -Como fazer dessa experiência um elemento que contribuirá para minha evolução? O que extrair de eterno dessa conquista? -Essa é uma conquista que tem que ser confirmada a cada dia. Devo buscar com inteligência manter o campo conquistado. -Também compreendo que esse é um resultado de um esforço tenaz em tal sentido. -Com o auxílio do conhecimento de minha psicologia soube aproveitar as oportunidades que a vida profissional me oferecem e fui conquistando paulatinamente esse estado de que hoje desfruto. -A constância, a perseverança, a luta e o empenho em todo o momento estavam e estiveram presentes. -Alimentei o pensamento de que o que ganharia seria somente com o trabalho honesto e honrado, sem esperar nada de ninguém. Dava sempre de mim. Nunca fugi ao trabalho. Sempre trabalhei não para buscar a riqueza, mas para alcançar um equilíbrio econômico-financeiro, além, é claro, da satisfação pessoal experimentada com o trabalho em si.
  • 34. 33 -Estou seguro de que hoje desfruto do que plantei no passado e sei que tenho que plantar hoje o que quero colher no futuro. -O que quero para o futuro? -Quero ver minha família progredindo. Meus filhos virando homens de bem. E todos desfrutando de intensa felicidade. E que Deus sempre presida esses augustos instantes de intensa e profunda alegria. Não tenho o direito de me queixar de nada, senão por não fazer mais do que faço. -Entretanto o estado de inconsciência é tamanho e muitas vezes me pego lamentando, queixando-me e irritado com as coisas que se passam comigo. Tamanha ingratidão! Em sã consciência, não tenho motivos para me entristecer e, muito menos, lamentar. São muitos os motivos que tenho para ser feliz. Numa dessas quartas, por coincidência, iniciava um novo ano. Em épocas assim, as esperanças se renovam. Há um renascer de esperanças. Planeja-se e
  • 35. 34 espera-se que o novo ano traga coisas boas. Só que não se deve esperar nada além do que se plantou. A pergunta é: o que o ano espera de mim? João aspirava, no ano que despontava, ter uma vida financeira equilibrada e manter esse equilíbrio, o que considerava o mais difícil. Um desafio. Um fator de êxito - ponderava ele - é não comprometer o ser futuro, criando compromissos além das forças e da capacidade de previsão. Maria Tereza, espiritualista, afirmava, nessas ocasiões que realizaria muito no campo espiritual. Para ela as conquistas nessa área são as mais difíceis, porque nos faltam o conhecimento e a experimentação. Clara, do lar, via no ano que surgia, a educação dos filhos, como uma meta a atingir. Os filhos são seres humanos sob nosso cuidado - asseverava - e não podem ser tolhidos em sua evolução, por uma rígida ou irresponsável condução educacional. -Quero que meus filhos sejam livres, sem temores de qualquer ordem e que
  • 36. 35 cresçam valentes e dispostos a lutar pela vida e para a vida. -Ao educá-los não posso tolhê- los em suas iniciativas e nem torná-los submissos. -A educação deve ser sem imposturas e regada com muito afeto e amor. -Clara, como fazer isso, sem conhecimentos? -Ah! Helena, não sei. Carlos mais uma vez cometia um erro, dentre os tantos cometidos na vida. -Os erros e as falhas acompanham nossas atuações. Diz o ditado popular que errar é humano, porém o erro ou a falha que envolve outros seres nos faz sofrer. -Como reparar, então, o erro cometido? -Corrigir o erro é evitar suas conseqüências. O erro tem origem na mente.
  • 37. 36 -O preparo, os estudos contribuem para detectar o erro na mente e evitar que se concretize. -Uma vez concretizado o erro, como fazer? Arcar com suas conseqüências e extrair da experiência desagradável o elemento que faltou para vencer. -Devemos aprender com as falhas e os erros cometidos. -Em todas as atividades estamos sujeitos a erros e falhas, mas nem por isso devemos deixar de agir, de atuar e de continuar lutando para o aperfeiçoamento. -Quando se comete um erro, não havia consciência, porque quando se atua com consciência não é possível errar. O conhecimento, portanto, evita o erro. -Carlos, você entende, então que o erro advém da ignorância? -Por que o homem erra? -Porque atua inconscientemente, sem conhecimento de causa. Quem é consciente em todos os seus atos sempre comete acertos e não erros.
  • 38. 37 Um doutor em medicina, que ouvia aquele diálogo não se conteve e indagou, pensativo, de que consciência vocês estão falando? Esse assunto é complexo, ponderou o interlocutor. Voltemos ao da educação infantil. Priscila, atenta ao que se dizia naquele lugar, quis se fazer presente e acrescentou: -No estudo que estou fazendo sobre o caráter da criança, conclui que é papel do pai colaborar na formação do caráter dos filhos. -Qual o caráter que quero para meus filhos? -Quero que sejam alegres, tenham bom estado de ânimo, estejam bem dispostos para o trabalho e muitas outras coisas que definem um ser com bons princípios. -E o que você tem feito para contribuir com essa formação? -Caráter para mim é o que define o ser, são aqueles traços psicológicos e
  • 39. 38 morais que individualizam o ser e lhe imprimem uma fisionomia. -E o que leva à formação do caráter na criança? -Li certa vez, em algum lugar, que eram os estímulos positivos, aqueles naturais. A quarta-feira é longa. Muitas coisas acontecem em lugares diversos e nem bem chegamos ao meio-dia e me encontrei, ao sair para o almoço, com o amigo que não via há algum tempo e o convidei para comermos uma refeição bem ali na frente. -Alfredo, foi um grande prazer em encontrá-lo. -O que você tem feito nesse mundo de Deus? -vigiar a minha conduta. -O quê? -Isso que você ouviu. Vigiar a minha conduta. Eis aí um dos grandes exercícios espirituais que se deve realizar. - Em que devo me modificar, se há tantos aspectos a serem mudados na vida!
  • 40. 39 -Às vezes me pergunto: Como está a minha convivência no lar? Que pensamentos não devem mais atuar nesse particular? E a educação dos filhos? -Meus filhos estão vivendo a fase da infância. Tenho desfrutado dessa etapa da vida deles? Como melhorar e superar essa participação? -Como me superar na educação de meus filhos? -Compreendo que a cada dia devo me superar em todos os aspectos. -Que pensamentos hoje atuam dentro de mim? -É certo que a vida diária nos absorve muito tempo. É certo, também, que tempo é objeto de conquista. Como, então, conquistá-lo para o convívio com nossos seres queridos? Marisa, uma professora dedicada, no intervalo das atividades escolares, dialogava com suas colegas sobre suas preocupações.
  • 41. 40 -Estou empenhada nessa tarefa de melhor educar e orientar meus filhos. Não deixá-los sem orientação. Ensinar a eles a cultivar bons pensamentos e sentimentos. -A dedicação aos filhos é uma aspiração e um dever dos pais. -Hoje, mais do que nunca, os pensamentos do mal encontram as mentes mais desguarnecidas e vulneráveis a suas investidas sempre avassaladoras. É preciso combater esse ataque impiedoso que atinge as mentes mais ternas e, portanto, mais indefesas e presas fáceis de suas maldades. Ouvindo aquilo, Clarice não se conteve e perguntou: -O que devemos fazer para fortalecer essas “mentezinhas” que se encontram aos meus cuidados? O dia chuvoso castigava aqueles que tinham que se locomover para um lado e outro da cidade, em cumprimento aos seus afazeres habituais. Os anos vão passando e o cenário da vida toma outros contornos.
  • 42. 41 Surgem a estabilidade emocional e o delineamento dos passos a serem dados no caminho do existir. A maturidade acontece e fico a pensar naqueles sonhos juvenis que ficaram para trás e muitos deles se tornaram realidade na etapa de hoje, que um dia pertenceram ao futuro. A luta pela sobrevivência cede espaço às conquistas do espírito, pois os atrativos do material já não ocupam tanto tempo da mente. A escala de valores com o tempo vai mudando e vou aprendendo dar a verdadeira dimensão às coisas. O que anteriormente tinha muito valor para mim, hoje, tem o valor que deve ter, ou seja, não vale mais nem menos do que deve valer. A minha mente ainda se ocupa muito com os pensamentos do mundo físico, deixando pouco espaço para os pensamentos de ordem superior. Preciso intensificar o treinamento exigido pelo processo de evolução consciente.
  • 43. 42 -O que você quer dizer com isso, Arthur? -O navegar em direção ao mundo interno precisa percorrer distâncias maiores e o permanecer na superfície não é nessa altura da viagem recomendável. -O apego a coisas dispensáveis contribui para o retardamento no caminhar transcendente. Há ocupações que não devem ocupar mais tempo que o necessário para cumpri-las em benefício dos afazeres do espírito. Lamentavelmente o tempo dedicado a ele, meu espírito, é ínfimo, insuficiente ao que necessita para reinar em minha vida. À tarde, Carlos, saindo de um engarrafamento em direção ao centro, irritado, procurou mudar o seu estado interno lastimável, recordou: -Muito já andei nesse caminho do conhecimento de si mesmo, mas me sinto ainda nos começos. Às vezes invade algum pensamento em que minha mente querendo
  • 44. 43 convencer-me de que o empreendimento é impossível. -Depois de um trecho no andar há o risco de se adotar um «modus vivendi». Tudo corre bem. As arestas estão aparadas. Há um acomodamento interno. E alguns pensamentos estão sob controle. E não passa disso. -Há, entretanto, uma inquietude: - preciso avançar. Caminhar além. Sair do engarrafamento. Realizar mais. Superar o estágio atual. Sair desse marasmo! Como? De que meios me valer? -Ainda me vejo muito apegado às coisas materiais, às atividades correntes e preocupações das coisas da alma. -Não estou satisfeito com o estado interno em que me encontro. Sinto que tenho que me empenhar para dar um passo além nessa cruzada do alto-aperfeiçoamento. Terminado um dia de trabalho intenso, Cláudio se dirige para sua casa. Aproxima-se do portão eletrônico abre-o e começa a entrar na garage e é surpreendido por alguém que lhe encosta o cano de um revólver na testa. É obrigado a sair do carro rapidamente e levam-no para dentro de casa.
  • 45. 44 Assustado Cláudio é ameaçado de morte e o ladrão acompanhado de outros três, percorrem os cômodos da residência e retiram televisão, vídeo, som, roupas, relógios, tudo de valor e transportam para o carro. Prendem os moradores em um dos quartos e fogem no carro de Cláudio, levando o que podiam. Passado algum tempo chega Antônio em casa e liberta os seus e a polícia é chamada e faz a ocorrência. Os envolvidos estão surpresos e chocados com o acontecido. Jamais esperavam que essa violência acontecesse com eles. A casa foi revirada de pernas para o ar. Os quartos estavam abarrotados de coisas espalhadas para todos os lados. As gavetas dos armários jogadas e papéis, roupas, objetos, tudo espalhado pelo chão. Felizmente ninguém se machucou gravemente, a não ser algumas escoriações em Cláudio provocadas por chutes e coronhadas.
  • 46. 45 -Não se vive hoje mais em paz! Sempre há um risco por perto! -A que ponto chegamos! Exclamou Pedro. -Não temos mais sossego até em nossas casas. -Alarme nenhum é capaz de inibir tamanha ousadia desses bandidos. -O que fazer? Inquiriu um que passava por ali e acompanhava os acontecimentos. Terminado o trabalho dos policiais os moradores da casa assaltada foram colocar as coisas no lugar e ao pegar uma peça de roupa ali, um objeto aqui, lamentavam o acontecido e sentiam a falta de mais coisas que teriam sido subtraídas pelos assaltantes despudorados. 4º Capítulo QUINTA Bem cedo Augusto está envolvido em um engarrafamento quando se dirigia para o trabalho. Na esquina um
  • 47. 46 tumulto. Uma pessoa tinha sido assaltada e não sabia o que fazer. Seu dinheiro foi levado pelo moleque que a havia empurrado metendo a mão em seu bolso e surrupiando o salário que havia retirado do banco. Não sabia o que fazer. Estava desesperada. Ali na frente um pedinte implorava uns trocados a um transeunte para comer algo. Estava esfomeado. Precisava se alimentar. Da janela de uma casa velha, próxima à esquina, ouvia-se de dentro do cômodo uma música antiga cantarolada por uma voz que saia trêmula e invadia todo o quarteirão. -Pensava que Paulo tivesse encontrado o apartamento que estava procurando pra morar. Paulo vinha de mudança para BH deixando sua cidade natal lá pras bandas de Diamantina, um lugarejo chamado Monjolos, próximo à cidade história de Serro, Ivituruí, na linguagem tupi-guarani. Quantas pessoas deixam o seu rincão e se aventuram indo para a cidade grande tentar a sorte, deixando de lado os seus sonhos de menino para conseguir
  • 48. 47 dinheiro e se sustentar nessa sociedade de consumo que engole o ser carcomendo-lhe as entranhas até fazê-lo insensível às belezas naturais! Carlos via televisão. E um escritor entrevistado falava das idéias que surgem como que por encanto em nossa mente e não há método e nem técnica que as façam aparecer. São como passarinhos que vêm não se sabe de onde a pousar em nosso ombro. De onde vêm as idéias? Elas aparecem. Estão no mundo mental. Ali viajam e encontram albergue em mentes que as acolhem e as transformam em imagens, as mais variadas. Para esse escritor, o deus da Bíblia não queria viver no Céu, sua morada, para viver na Terra, que havia criado para o homem. Lembrou que no Paraíso caminhava sentindo no rosto a brisa gostosa da manhã. O paraíso era maravilhoso. Aí resolveu se transformar em homem e veio à sua Terra, fruto de sua Criação, para viver nela. Dizia-se que veio para redimir o homem de seus pecados e morreu para depois ressuscitar para continuar vivendo aqui na Terra.
  • 49. 48 O entrevistado, em resposta a uma pergunta, disse que todo mundo sabe que vai morrer, mas ninguém quer ir, quer ficar, a vida aqui é muito boa. Todos lutam para viver, vão ao médico, se cuidam, fazem ginásticas, caminham, fazem dieta. Se o céu fosse tão bom como dizem ninguém ficaria tão apegado aqui nesta vida! Para esse entrevistado Deus é o que há de belo e de bom. Não é esse vingativo e que castiga, pregado pelas crenças, não foi à toa que o pregaram em uma cruz e o recordam todos numa determinada data. Ninguém o recorda subindo aos Céus. -Olha – dizia Pedro a seu amigo num banco de jardim – esse tal Céu deve ser uma monotonia só. Todos tranqüilos, sem problemas, andando daqui para ali, sem qualquer alteração numa quietude que angustia. Isso não deve ser bom! Em contrapartida, o inferno é bem movimentado. Não é rotineiro. É quente variado e cheio de novidades. -Pedro, vira essa boca pra lá. Isso que você está dizendo é sacrilégio. Deus castiga!
  • 50. 49 A tarde chega ao seu final. O relógio da estação ferroviária, na parte mais alta do prédio principal da praça da estação, marca quatro e quarenta e quatro. O sol muda de cor e vai assumindo a coloração avermelhada refletindo nas nuvens e nas vidraças daqueles arranha-céus, típicos de metrópole. Os quarteirões vão se enchendo de carros. São os trabalhadores, a maioria deles, executivos, se dirigindo a suas casas ou aos locais de lazer após um dia inteiro de trabalho rotineiro, envolvidos em e-mails, Internet, laptops, computadores, índices de bolsa, dólar, gráficos e outras invenções desse mundo artificial dos homens. Isso é de humanos? O que os humanos vieram fazer aqui nesta terra, nesse paraíso criado por seu Deus? Para se envolverem com computadores, Windows, programas, e-mails, mergulharem de cabeça num mundo virtual e fugirem da realidade desta vida? A vida no campo, imagem pálida do paraíso bíblico, é rara. Há crianças que nunca viram uma galinha, um patinho correndo no quintal da casa!
  • 51. 50 -Quintal? O que é isso? Exclama Alberto. -Você não sabe? É um lugar aprazível geralmente no fundo das casas nas pacatas cidades do interior e também nas casas de fazenda e retiros no meio rural. Os animais domésticos, galinhas, patos, marrecos, galos, gansos, cachorro, gatos vivem juntos ali, ciscando, comendo bichinhos no chão. -Que saudade de minha infância na roça! -Brincava descalço em contato com a terra. Corria atrás das galinhas soltas no quintal. Como eram ariscas! Era uma dificuldade agarrar uma! Parece mentira, recordar dessas coisas que hoje não existem mais, nem na imaginação das pessoas. São coisas de outro mundo. Hoje a criançada brinca de videogame, bonecos falantes alimentados por baterias, naves espaciais, foguetes atômicos, robôs, computadores, celulares, teclados e outras invenções que distanciam os seres do humano. Isso é humano ou “robô humano”?
  • 52. 51 Pensam em introduzir um chip no recém-nascido para identificá-lo. E o indivíduo? A tarde cai. A cidade se ilumina. E as luzes dos carros, luminosos, luminárias, holofotes, ofuscam o céu estrelado e na cidade grande não se vê as estrelas piscando no céu. A lua, coitada, ninguém a vê e sequer se lembram dela. O chamado humano não vê as maravilhas naturais porque está distraído com os eletrônicos, os celulares, os carros... O rio que banhava a cidade foi canalizado! A árvore milenar que vivia na esquina da rua foi cortada para a ampliação da rua que não agüentava mais o trânsito intenso da grande metrópole. -Em minha cidade, há uns anos atrás havia mangueiras nas ruas principais e davam fruta da época. A gente corria após uma ventania para apanhar as mangas que caiam e corriam e se esbarravam no meio fio. Numa esquina, Cláudia dizia a Alfredo: -Quer saber de uma coisa, acho que o Paraíso é aqui mesmo.
  • 53. 52 -Aqui onde? -Aqui na Terra. Deus criou a Terra, este Paraíso, e pos aqui o homem e a mulher para viverem em paz e desfrutarem das maravilhas da natureza. -Por que, então, há tanta violência, tanta tristeza? -Não sei. O certo é que a natureza é tão pródiga e exuberante e nós nem sequer a observamos como deveria. O que fazemos é destruí-la e colocar em seu lugar construções humanas, frias, sem graça. 5°Capítulo SEXTA É um dia como outro qualquer. Está marcada para as 18 horas uma solenidade de naturalização de estrangeiros na 1ª Vara da Justiça Federal, no prédio contíguo. Os convidados vão chegando e o ambiente fica repleto. Depois do horário marcado chegam o juiz e seu assistente.
  • 54. 53 Cumprimentam os presentes e o MM. Juiz pede que todos fiquem de pé para ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro. Todos cantam, menos o juiz que preside a audiência. Os estrangeiros, prestes a receberem a cidadania brasileira, cantam o Hino para perplexidade da autoridade que não abre a boca. Um cubano postado à frente do magistrado esgoela o Hino com a fronte erguida em demonstração inequívoca de que conhece a fundo a letra e a canta acompanhando os acordes e com segurança pronuncia sem sotaque as palavras brasileiras. Os demais estrangeiros cantam o Hino Nacional para alegria dos presentes convidados. É uma cena comovedora. Comovente e patética, porque a autoridade que preside o evento não abriu a boca. Termina a execução do Hino tocado em uma vitrola. O magistrado pede que todos ocupem os seus assentos. E, em seguida, faz um discurso, evocando a
  • 55. 54 liberdade, a cidadania, as lutas pela liberdade, recordando da Revolução Francesa e chega até nossos dias, em que os políticos dão um péssimo exemplo de malversação de dinheiro público. Em seu discurso diz que o brasileiro é alegre apesar de tudo e convida os que irão receber a cidadania brasileira a cultivarem essa alegria. Em seguida, chama cada um por seu nome e pede que renunciem a sua cidadania de origem. A cena constrange porque cada um é forçado a renunciar a sua origem e manifestar que quer ser brasileiro. E o clima patético não para por aí. Todos são obrigados a ler um texto que lhes foi entregue minutos antes, em português, extraído da Constituição Brasileira. A chinesa, com muito sotaque, custa a ler as suas três ou quatro linhas. O cubano, que cantou o Hino com altivez. Lê o texto a todo pulmão, quase sem sotaque, reafirmando a sua condição de receber, com louvor, o título de naturalizado brasileiro.
  • 56. 55 Os demais, mais dois cubanos, mais uma chinesa, uma italiana e um boliviano, - ia me esquecendo da árabe -, que lêem razoavelmente o trecho da Carta Magna que lhes coube e, desse modo, o juiz encerra a solenidade, parabenizando a todos pelo novo nascimento, agora, como brasileiros naturalizados. Batem palmas e aquela audiência se encerra para alívio de alguns. Os novos brasileiros se dirigem ao saguão ao lado e recebem os cumprimentos dos amigos e familiares. Cada grupinho é formado e em poucos minutos se dispersam. O salão se esvazia e cada novo brasileiro vai, naturalmente, comemorar o acontecimento juntamente com os seus em um restaurante da cidade. -Que sexta-feira! 6°Capítulo SÁBADO Pela manhã, bem cedo, Paulo desperta e prepara o seu café expresso. O sol brilha forte convidando a uma promissora
  • 57. 56 caminhada na praça da Liberdade. Nome sugestivo de um local eclético onde se vê de tudo. Vendedor de bugigangas, moças passeando com seus cãezinhos peludos, alguns até de sapatinhos nas quatro patas, uma aberração, fora do natural! O pensamento de fazer exercícios físicos, caminhadas, domina a mente de todos aqueles que se dispõem a andar até quilômetros, dando voltas e mais voltas naquela praça, estilo belga, se não me falha a memória! Pedro caminha, caminha, pensando na vida. Pensando ou imaginando? Não se sabe. É difícil saber, porque muitas vezes, por desorganização mental se usa uma faculdade no lugar de outra, em completa desorientação. Vivemos assim, desorientados, andando ao sabor dos pensamentos que nos dominam e ditam a nossa conduta e comportamento. O dia transcorre plácido. O calor é abrasador. O efeito estufa é notável, não só nos terremotos, maremotos, tufões, furacões, mas na sensação insuportável de um calor que sufoca e o vento que insiste em soprar, transmite um bafo sufocante. Que dia!
  • 58. 57 O som do carro de um jovem parado na esquina, com as portas abertas é ensurdecedor. Ninguém agüenta, mas está ali poluindo o ambiente da rua... Carlos, em casa, não agüenta mais a monotonia daquela tarde ensolarada. Na televisão, os programas são intragáveis e mesmo assim ele não consegue desligar o aparelho e não sai da frente da telinha, como que hipnotizado. Seus olhos fixos naquele foco imaginam mil coisas e não sai do lugar. Isso faz bem ou mal? Não sei. Alguns dizem que sim, faz muito mal. O Dr. Antônio Medeiros, um advogado dos velhos tempos da máquina de escrever Remington, Olivetti, hoje obsoletas, recostado na poltrona da ampla sala de estar de sua casa, se deixa entregar nos braços do passado e se recorda dos fatigantes dias de trabalho intenso no escritório de advocacia. Sozinho ali deixa escapar um sorriso porque se lembrou de que certa vez um cliente aflito ao telefone lhe pediu que traduzisse uma expressão, segundo ele, no idioma inglês, que havia lido em um contrato de locação que teria que assinar. -Leia para mim, de novo, o que você quer que traduza.
  • 59. 58 -com sotaque de americano do velho oeste, repetiu: -“in fine” -o quê? -“in fine!” -Ora, amigo, essa expressão não é em inglês. Trata-se de uma expressão latina, muito comum nos contratos, que significa, no fim. Em outra ocasião, o velho causídico foi consultado e do outro lado da linha um cliente lhe pediu, com um certo ar de pressa, que lhe enviasse por fax – aparelho muito recente e raro ainda nos escritório, naquela época – a lei número tal. O advogado, prestativo, num primeiro momento, acenou que sim, mas imediatamente percebeu que se tratava nada menos do que o regulamento do ICMS e que jamais poderia ser remetido via fax, pelo volume, era um texto que continha mais de 500 artigos...
  • 60. 59 7°Capítulo DOMINGO “Hoje é domingo, pé de cachimbo...” -Quando criança ouvia isso de meu pai. Domingo. Para muitos um dia insuportável. Para outros, um dia como os demais. E há aqueles que consideram o domingo um dia santo, imaculado e propício à reflexão e adequado para se planejar a semana que vem. Quem passa a semana na cidade, quer ir para o campo e muitos, imbuídos desse pensamento, pegam o carro e vão pra o sítio e ali desfrutam de uns instantes com a natureza. Outros, mais preguiçosos, acordam mais tarde. Também há os “atletas de fim-de-semana” que não deixam de fazer uma caminhada ou praticar um esporte, principalmente, se o dia está ensolarado. Paulo, no domingo, trabalha, porque sua folga acontece na segunda-feira.
  • 61. 60 O domingo é um dia de folga. A vida recomeça no dia seguinte, segunda-feira. Esse é o cotidiano de uma vida... ***