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JOÃO CALVINO: O REFORMADOR HUMANISTA




       Este ano comemoram-se os 500 anos de nascimento de João
Calvino. Talvez ele não seja tão conhecido como seu contemporâneo
Martinho Lutero, mas é personagem de destaque na História do século
dezesseis. Para muitos ele foi para a língua francesa o que Lutero foi
para a alemã.
        Nascido aos 10 de julho de 1509, o fundador do protestantismo
francês, destaca-se como estudioso da teologia cristã e organizador dos
princípios doutrinários do movimento protestante. Inicialmente
semeadas na Suíça, suas idéias foram rapidamente difundidas pela
Europa especialmente na França, Inglaterra e Escócia, chegando aos
Estados Unidos.
       Mas a influência de Calvino não ficou restrita aos interesses
estritamente de ordem religiosa (reforma dos dogmas e da liturgia).
Tendo estudado filosofia, direito, grego e latim na Universidade de Paris
e em outras instituições, publicou muitos livros versando sobre assuntos
da fé cristã, da ética e da moral. Ele pode mesmo ser considerado como
um dos grandes escritores de sua época.
       Conhecido por sua inteligência e grande capacidade organizativa e
administrativa, Calvino participou de um movimento destinado a
implantar as orientações da Reforma Protestante na cidade de Genebra.
Sua intenção de reformar os costumes da cidade pela implantação de
uma severa disciplina moral (ele condenava o uso de bebidas alcoólicas,
a dança e os jogos) encontrou forte resistência, valendo-lhe a fama de
homem severo, de pouca tolerância, perseguidor daqueles que ele
considerava seus adversários e culminando com seu exílio (foi expulso
de Genebra) em 1538. Ainda assim por vezes seu nome é associado ao
progresso econômico e material desta cidade para a qual retornou em
1541, onde passou a ocupar importante lugar de destaque também na
sociedade civil e veio a morrer no dia 27 de maio de 1564.
       A exemplo de outros reformadores deu grande importância à
Educação como veículo especial de difusão das novas idéias. Além do
mais, ao contrário do catolicismo onde naquela época os fiéis recebiam
os ensinamentos bíblicos exclusivamente por intermédio dos ministros
da Igreja, o protestantismo defendia um princípio conhecido como “livre
exame das escrituras”, segundo o qual cabia ao próprio fiel a
interpretação das Escrituras Sagradas. Para tanto, precisava ao menos
ser alfabetizado. É dentro deste espírito, e com a intenção de formar
ministros cristãos sob a ótica do protestantismo que ele, Calvino, fundou
a Academia de Genebra em 1959, uma instituição que já em seu início
se torna um dos mais importantes centros universitários da Europa. Foi
aí que se formaram os fundadores da Igreja Presbiteriana.
      Ainda hoje Calvino possui papel de destaque no universo das
igrejas protestantes, pois desde a publicação de “Instituição da Religião
Cristã” em 1536 (conhecida como sua mais importante obra e
considerada a publicação de maior destaque produzida no período da
Reforma) seus princípios doutrinários e litúrgicos estão presentes e se
constituem como importante referência no protestantismo. A
perspectiva calvinista se traduz numa ruptura com a perspectiva
teológica tanto católica quanto luterana.
      Segundo Calvino a principal missão do cristianismo era reformar
toda a sociedade, por isso suas idéias se expandiam para além da
perspectiva teológica, e defendiam princípios políticos tais como a
implantação de governos representativos (com participação popular) e
constitucionais e a separação entre os governos civil e eclesiástico
(tendo sido o primeiro líder reformador a conquistar os inícios de uma
independência da Igreja frente ao Estado). No âmbito teológico ele
compreendia que “apenas os eleitos seriam salvos” pela graça de Deus;
aceitava a encarnação do filho de Deus por intermédio de uma Virgem,
a teoria da graça defendida por santo Agostinho (salvos por meio da fé,
pela graça de Deus) e a existência do pecado original. Calvino também
aceitava os sacramentos do batismo e da eucaristia, mas suprimiu o
culto dos santos e a utilização de imagens. Também não aceitava a
confissão auricular (ao pé do ouvido), o celibato, as indulgências e a
missa. O movimento calvinista organizou-se em três tendências: os
puritanos (a mais importante; contrária ao Estado absolutista, na
Inglaterra); os presbiterianos (grupo mais moderado que aceitava o
Estado absolutista) e os anabatistas (grupo mais radical que contestava
o Estado anglicano e reivindicava distribuição de terra e direito ao voto,
dentre outros, sendo perseguido politicamente e por setores do próprio
protestantismo) e os huguenotes (na França).
      Cabe-nos agora uma breve reflexão. Uma boa maneira de
olharmos quaisquer acontecimentos, sejam do passado mais distante,
sejam do presente, sejam pessoais, sejam coletivos, é deles nos
aproximarmos dando ouvido a duas dimensões da nossa existência: a
racional e a afetiva. Ou seja: é salutar exercitarmos, em conjunto, estas
duas importantes capacidades que nos foram dadas. A primeira nos
possibilita o entendimento, a segunda a compreensão. Vejamos. Diante
do personagem histórico que estamos visitando, é importante
conhecermos o contexto (o cenário) em que ele atuou (momento de
crise econômica, política, social e espiritual). Isso nos possibilita tomar
conhecimento do que tornou possível e talvez necessária a atuação de
Calvino. A segunda capacidade, aquela que vem do coração, nos
capacita a nos aproximarmos deste ilustre ser humano com o desejo
não de julgá-lo, mas de compreendermos suas motivações, ou seja:
com abertura e boa vontade para percebermos as boas intenções
presentes em seus atos. Assim, enquanto a dimensão racional nos
permite enxergar com mais clareza os acontecimentos, a dimensão
afetiva nos permite nos humanizarmos pelo reconhecimento do Outro. A
primeira com sua característica objetividade, unida a segunda com sua
peculiar sensibilidade nos tornam possível evitar fanatismos,
discriminações, preconceitos, rejeição ao diferente pelo simples fato de
ser diferente. Ou seja: A união dessas duas capacidades nos permite o
equilíbrio entre ambas, favorecendo a constituição de uma racionalidade
humana, fraterna, amorosa, e uma subjetividade, uma afetividade, não
ingênua, cega, mas equilibrada; mais pé no chão. Assim podemos
aprender sempre com os acontecimentos da vida.

     João Calvino modelou sua vida a partir de um lema que ele
mesmo utilizava para definir-se: “O Senhor teve piedade de mim, sua
pobre criatura (...). Ele me estendeu a sua misericórdia para anunciar a
verdade do Evangelho”. Mas..., como todos nós seres humanos,
cometeu seus erros e acertos.

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  • 2. se torna um dos mais importantes centros universitários da Europa. Foi aí que se formaram os fundadores da Igreja Presbiteriana. Ainda hoje Calvino possui papel de destaque no universo das igrejas protestantes, pois desde a publicação de “Instituição da Religião Cristã” em 1536 (conhecida como sua mais importante obra e considerada a publicação de maior destaque produzida no período da Reforma) seus princípios doutrinários e litúrgicos estão presentes e se constituem como importante referência no protestantismo. A perspectiva calvinista se traduz numa ruptura com a perspectiva teológica tanto católica quanto luterana. Segundo Calvino a principal missão do cristianismo era reformar toda a sociedade, por isso suas idéias se expandiam para além da perspectiva teológica, e defendiam princípios políticos tais como a implantação de governos representativos (com participação popular) e constitucionais e a separação entre os governos civil e eclesiástico (tendo sido o primeiro líder reformador a conquistar os inícios de uma independência da Igreja frente ao Estado). No âmbito teológico ele compreendia que “apenas os eleitos seriam salvos” pela graça de Deus; aceitava a encarnação do filho de Deus por intermédio de uma Virgem, a teoria da graça defendida por santo Agostinho (salvos por meio da fé, pela graça de Deus) e a existência do pecado original. Calvino também aceitava os sacramentos do batismo e da eucaristia, mas suprimiu o culto dos santos e a utilização de imagens. Também não aceitava a confissão auricular (ao pé do ouvido), o celibato, as indulgências e a missa. O movimento calvinista organizou-se em três tendências: os puritanos (a mais importante; contrária ao Estado absolutista, na Inglaterra); os presbiterianos (grupo mais moderado que aceitava o Estado absolutista) e os anabatistas (grupo mais radical que contestava o Estado anglicano e reivindicava distribuição de terra e direito ao voto, dentre outros, sendo perseguido politicamente e por setores do próprio protestantismo) e os huguenotes (na França). Cabe-nos agora uma breve reflexão. Uma boa maneira de olharmos quaisquer acontecimentos, sejam do passado mais distante, sejam do presente, sejam pessoais, sejam coletivos, é deles nos aproximarmos dando ouvido a duas dimensões da nossa existência: a racional e a afetiva. Ou seja: é salutar exercitarmos, em conjunto, estas duas importantes capacidades que nos foram dadas. A primeira nos possibilita o entendimento, a segunda a compreensão. Vejamos. Diante do personagem histórico que estamos visitando, é importante conhecermos o contexto (o cenário) em que ele atuou (momento de crise econômica, política, social e espiritual). Isso nos possibilita tomar conhecimento do que tornou possível e talvez necessária a atuação de Calvino. A segunda capacidade, aquela que vem do coração, nos capacita a nos aproximarmos deste ilustre ser humano com o desejo
  • 3. não de julgá-lo, mas de compreendermos suas motivações, ou seja: com abertura e boa vontade para percebermos as boas intenções presentes em seus atos. Assim, enquanto a dimensão racional nos permite enxergar com mais clareza os acontecimentos, a dimensão afetiva nos permite nos humanizarmos pelo reconhecimento do Outro. A primeira com sua característica objetividade, unida a segunda com sua peculiar sensibilidade nos tornam possível evitar fanatismos, discriminações, preconceitos, rejeição ao diferente pelo simples fato de ser diferente. Ou seja: A união dessas duas capacidades nos permite o equilíbrio entre ambas, favorecendo a constituição de uma racionalidade humana, fraterna, amorosa, e uma subjetividade, uma afetividade, não ingênua, cega, mas equilibrada; mais pé no chão. Assim podemos aprender sempre com os acontecimentos da vida. João Calvino modelou sua vida a partir de um lema que ele mesmo utilizava para definir-se: “O Senhor teve piedade de mim, sua pobre criatura (...). Ele me estendeu a sua misericórdia para anunciar a verdade do Evangelho”. Mas..., como todos nós seres humanos, cometeu seus erros e acertos.