SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 7
Síndrome do salvador da pátria
Sex, 08 de Janeiro de 2010 08:15 Pedro Garaude
                        Síndrome do salvador da pátria

                      O escritor inglês William Somerset Maugham ao observar, com
                      grande acuidade, a alma humana, escreveu certa vez que,
                      quando criança, tinha obsessiva admiração pelos líderes
                      mundiais, a quem atribuía a condição de seres quase divinos,
                      semideuses, diferentes dos comuns mortais. Achava-os
carismáticos, superdotados, seres de natureza invulgar. Aceitava, inconscientemente,
a tese da predestinação decorrente de carisma e inteligência invulgar que os
diferenciava.
Ao tornar-se adulto e escritor famoso, foi-lhe dada a oportunidade que tentou
aproveitar, de conhecer vários deles, pessoalmente.

Teve grande decepção.

Percebeu que nada tinham de incomum. Ao contrário, em sua maioria eram
desprovidos de charme e, como descobriu com alguma perplexidade, de inteligência
ou cultura para exercer tão grande arbítrio. Tinham, sim, a qualidade da esperteza, a
de captarem rápido o que poderia lhes ser pessoalmente benéfico e pouco escrúpulo
em se utilizar disso.

Eram, enfim, pessoas não melhores ou piores do que aqueles com quem o escritor
trocava amenidades no jantar, apenas tinham menor dose de pudor e maior de
ousadia.

Concluiu, então, o autor de Servidão Humana e O Fio da Navalha, ao analisar os
governantes, que não era o encanto que os tornava poderosos, mas o poder que os
tornava encantadores.

Em nossa memória genética de valores há os bons e os ruins. Um dos prejudiciais é a
expectativa de solução de problemas sociais, políticos e econômicos por um “super-
homem”, um salvador da pátria — um arquétipo criado em nossa mente por nossa
história de vida, como analisei anteriormente.

Como nos acostumamos à ideia de um grande chefe, desde a formação das primeiras
vilas, continuamos vivendo, até nossos dias, sob a expectativa de algum líder decidir
por nós, trazer-nos a solução para nossos problemas. Fomos educados por séculos a
ter esperanças, a aguardar pela solução dos males que nos afligem por terceiros:
Deus ou seus enviados.

Há, para isso, o respaldo racional de que um deve mandar e os outros devem
obedecer, como forma de organizar tarefas coletivas.
Não nego procedência a ponderações de que na execução funcionam melhor
comandos unificados, conquanto presuma mais eficiente o que delega, do que o
centralizador.

O erro racional que continuamos cometendo é entender que unicidade de comando e
hierarquia na execução devem ser interpretadas como se apenas outra pessoa,
superdotada, um semideus encarnado, estivesse em condições de decidir sobre tudo
e todos, a vida e a morte de outras pessoas, como ocorreu no passado e ainda
aceitamos como um processo natural — um arquétipo negativo.

O poder de decisão que o sistema confere aos chefes de executivo é despropositado,
uma herança de nossa crença na superioridade de seres superdotados. Dependendo
do poder militar do país, isto pode repercutir no destino de milhões de pessoas.
Confundir deliberação com execução não faz sentido. Embora até devam interagir,
uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como dizem os especialistas no
óbvio.

Decidir e deliberar podem ser entendidos como a obtenção de informações, muitas
informações, eleger um objetivo com base nessas informações e em todas as outras
que acumulamos em nossa experiência de vida. Finalmente, estabelecer o meio, o
caminho a ser trilhado para se chegar ao objetivo.

Até a definição do caminho, a fase é deliberativa; apenas depois, para se trilhar de fato
o caminho, é que se entra na fase executiva.

Espero que, no futuro, as decisões de administração pública sejam tomadas em
colegiados razoavelmente especializados, com tamanho adequado, assessorados por
órgãos técnicos especializados; empresas de preferência engajadas e interessadas
nos resultados. É a melhor forma de obter informações, estabelecer o objetivo e traçar
o caminho.

Cumprir as deliberações, construir a estrada, exige chefia unificada.

Não evoluímos nesse sentido, pois, na prática, decisões sobre problemas que dizem
respeito a todos nós, a mim, a você, ao seu e ao meu filho, concentram-se nas mãos
de uma só pessoa ou de alguns poucos, escolhidos por ele, em geral, para fazer-lhe
coro. Um arbítrio exagerado, descabido nos dias de hoje. No sistema vigente, o
executivo é o poder real, de verdade, o que decide. O sistema da tripartição baseou-se
na experiência monárquica, com um chefe de estado e governo que é, de fato, o
grande mandachuva.

No sistema tripartite, o legislativo funciona, na melhor das situações e hipóteses,
apenas como um freio ao poder executivo e, em quase todos os casos, ratifica suas
decisões, exceto se o governante cometer muitas e desmesuradas besteiras, grandes
disparates, seja muito incompetente.

Em consequência, o poder decisório dos parlamentos é, na realidade, muito baixo, e
seu preço alto. A relação custo-benefício, péssima.
Por ter áreas especializadas, o executivo é bem mais eficiente do que o legislativo.
Praticamente, o órgão incumbido de executar, na verdade, monopolizou a iniciativa
dos projetos de lei importantes que serão aprovados.

O legislativo limita-se a assuntos de baixa complexidade e pouca importância real,
pois propostas mais complexas demandam estudos, análises de interface com outras
medidas e situações, enfim, informações não disponíveis a qualquer parlamentar
isoladamente, nem às casas dos representantes como um todo.

Tomar decisões de qualidade tem a ver com estar bem-informado, até em relação a
detalhes, ter pessoal apto a entender, eleger prioridades e propor soluções que podem
depender de uma enorme gama de variáveis e da análise de informações complexas,
que vão do genérico à alta especialização.

O grande poder decisório do chefe do executivo sustenta-se nas informações que
recebe de seus subordinados, do primeiro, segundo e terceiro escalões, que o levam,
em geral, a aceitar tais propostas, desde que não contrariem seus interesses políticos.
Em geral, ele as acolhe, pelo simples bom-senso de reconhecer que também não
sabe o suficiente para deixar de atendê-las.

Mas pior é o oposto, o que ocorre com frequência. A decisão é primeiro tomada pelo
chefe do executivo sem estudos maiores, em geral quando ainda apenas está
postulando o cargo. Então, falta-lhe o necessário embasamento no conhecimento de
detalhes, inacessíveis, isoladamente, até ao mais sábio dos seres, o que pode levar o
governo a sérios erros de avaliação e decisão.

Sem qualquer estudo de viabilidade, os candidatos ao executivo fazem promessas que
depois se sentem obrigados a cumprir, sem estabelecer, necessariamente, sua efetiva
prioridade, dentro da escassez de recursos com que terá de trabalhar.

Nesta hipótese, os subalternos não têm autonomia para discordar, restando-lhes,
apenas, compatibilizar o decidido com a disponibilidade, amenizando efeitos
deletérios.

É conhecido o caso de uma grande obra realizada ao custo de algumas centenas de
milhões de dólares, baseada em uma sugestão dada por um marqueteiro político,
durante o processo eleitoral, com o único propósito de angariar votos para o candidato
a quem prestava seus préstimos profissionais. Muito mais complexa, cara e difícil na
prática do que imaginava, o governante, infelizmente eleito, viu-se na contingência de
cumprir a promessa feita, sob pena de desmoralizar-se.

Não conseguindo inaugurar a obra, cara e complexa, fez o suficiente para deixá-la na
situação em que o pior seria não concluí-la, um enorme desperdício do dinheiro
público. Estudos posteriores concluíram que o custo-benefício era despropositado. A
criatividade dos engenheiros, já na terceira gestão após o governante que iniciou as
obras, conseguiu utilizar o que havia sido já concluído, em um novo projeto, bem mais
inteligente.
As campanhas eleitorais, em quase todos os países, são verdadeiros jogos de
esperteza e emulação. Pior ainda, não são pensadas e planejadas por especialistas
em governar, eleger prioridades, mas pela orientação mercadológica de campanha e
na melhor forma de obtenção da vitória eleitoral, único objetivo almejado, não importa
a que custo.

Geralmente os vencedores são os mais eficientes no processo de arregimentar
verbas, distribuir favores e contratar bons profissionais na área de marketing, pesquisa
e propaganda política.

Por outro lado, o regime de chefia única de governo leva, com frequência, a desvarios
de poder.

Sentindo-se o iluminado, escolhido pelo destino, incensado por acólitos e endeusado
por muitos a ponto de muitas vezes convencer-se de sua predestinação, o líder passa,
dissimuladamente, bem de necessária modéstia a se julgar superior aos mortais
comuns, o salvador da pátria e isso pode lhe induzir a erros de avaliação.

Prova de que evoluímos pouco na concentração de poder foi a decisão tomada em um
gabinete de poucas pessoas, no qual apenas a opinião de uma foi a decisiva, de fazer
a guerra do Iraque com milhares de mortos, bilhões de dólares de custo e prejuízo,
resultando, entre outras, consequências negativas não só para o povo iraquiano, mas
para toda a humanidade, especialmente para os Estados Unidos.

As informações foram deformadas, estavam concentradas em poucos e eram
facilmente manipuláveis, como foram. Parece ter pesado na decisão fatores
psicológicos da infância do presidente, disposto a mostrar a seu pai ser capaz de
tomar decisões que ele não havia tomado. As informações não foram verificadas
adequadamente, com a necessária isenção pelo pequeno grupo, cuja decisão já
estava de fato tomada. Foram passadas ao Congresso americano como
absolutamente idôneas.

Não restou ao Congresso outra opção senão concordar com o mal menor, pois
correria o risco de ser responsabilizado por uma guerra bioquímica, fossem
verdadeiras as indicações passadas pelo executivo. Em “petit comitê” escolhido pelo
chefe entre os que têm opiniões parecidas com as suas, as deliberações acabam, se
adequadamente conduzidas, sendo sancionadas pela maioria desinformada.

A tomada de decisões importantes, mesmo no parlamentarismo e, principalmente, no
presidencialismo, fica a mercê quase exclusiva dos humores de um só homem, ou de
bem poucos, de sua visão de mundo, balizadas em informações que geralmente lhe
são passadas sem muita precisão, com omissões. O objetivo dissimulado é agradá-lo,
por oportunismo político de quem tem atração forte pelo poder, suas proximidades e
benesses. Os assessores têm interesse em não contrariar a convicção do chefe,
geralmente preexistente e conhecida.

O sistema favorece a corrupção, pois o legislativo passa de fiscal a cúmplice. Ao chefe
de governo realista, interessado em mandar, cabe apenas diminuir sua eventual
primeira intenção de ter escrúpulos. Percebe que, para governar, dependerá de sua
competência em cooptar parlamentares, se não tiver, desde logo, a necessária
maioria.

Para tanto, envereda para uma nefasta troca de favores. Gera um "toma lá dá cá",
sem limites. O parlamentar, para ganhar projeção, deve ter poder, fazer acordos ou
bem pouco conseguirá realizar por seus correligionários, de quem depende para se
reeleger. Sente-se na obrigação de retribuir quem lhe ajudou e, para isso, o
recomendável é aliar-se ao poder emanado apenas do executivo, dono da chave do
cofre e da caneta que nomeia milhares de cargos.

A sensação de inoperância e impotência desestimula o político não cooptável,
idealista. Se na oposição, pouco pode além de denunciar e contrariar o governo, o que
passa a fazer de forma sistêmica — acredite ou não pontualmente na denúncia ou
posição. Se na situação, compromete-se a apoiar sempre, a ponto de sacrificar suas
próprias convicções, em troca de cargos, poder, apoios financeiros.

Em ambos os casos, precisando do financiamento futuro de suas campanhas,
envolve-se com grupos de interesse a fim de prosseguir na carreira política,
geralmente transformada em profissão. E esta, para ter êxito, depende de contatos,
prestígio e, sobretudo, de verbas.

Estando na situação ou na oposição, é dificílimo para o parlamentar apresentar um
projeto, uma sugestão de real interesse de seus eleitores ou da sociedade. Torna-se
um despachante de luxo, a serviço de interesses de grupos, pessoas, empresas,
sindicatos, igrejas e, sempre, do seu próprio.

No sistema atual, o político no legislativo, além de prescindir de informações, fica
enredado a uma série de interesses que podem contrariar sua própria convicção
pessoal. Limita-se a perfumarias e propostas de restrito alcance, para marcar
presença e justificar seu currículo em eleições futuras.

Certa vez, tive a oportunidade de conversar com um parlamentar, no exercício do
cargo, que mostrava seu profundo desencanto com a autorreconhecida ineficiência de
seu desempenho. Sentia-se inútil, frustrado, inoperante.

Depois de ter sido prefeito em uma cidade média, com um bom poder de decisão,
sentimento de recompensa, realizando um trabalho que frutificava, sentia-se um
número entre tantos, sem sequer conseguir aparecer naquela multidão de mais de
quinhentas pessoas, opiniões e interesses, não necessariamente nessa ordem.
Jamais tentou a reeleição para o Parlamento.

Como o legislativo é composto por mortais comuns, quando são discutidos problemas
importantes, mas técnicos, como a permissão para proceder à alteração genética de
um alimento, a conveniência e a possível repercussão de uma lei tributária, a
organização do vestibular para ingresso no curso superior, todos assuntos sobre os
quais deveriam se manifestar com proficiência, os legisladores não estão
suficientemente preparados e informados para decidir. Com frequência, vão tomar
posição em função do papel que desempenham, situação ou oposição, ou, se
independentes, em função de interesses ou retribuição de favores.
A decisão tomada pelo executivo é sempre seguida pela situação e repudiada pela
oposição. É imperativo, necessário, ao chefe de governo tornar-se majoritário no
Congresso. Alguma temperança vem da análise sobre a conveniência política da
medida, muito mais importante na visão do governante e dos parlamentares do que o
interesse real da coletividade, visto como resposta, não como motivo.

Há outros inconvenientes ainda na concentração de poderes, especialmente no
presidencialismo.

A cooperação entre executivo e legislativo pode até acontecer, mas é desestimulada
pelas regras do jogo. O sistema não os põe no mesmo barco, já que serão eleitos,
reeleitos ou avaliados, separadamente.

Como os legisladores não têm responsabilidade, nem mesmo solidária, pelo bom
desempenho do executivo — seu interesse político pode ser totalmente dissociado
dele —, pode ser obrigado a atuar de acordo com os seus interesses, não poucas
vezes os de que tudo dê errado, para se beneficiar do fracasso.

Estejam na oposição e, mesmo na situação, seu julgamento eleitoral, no sistema
distrital, no proporcional e mesmo no misto, é completamente separado do
desempenho geral do executivo.

Em geral, o eleitor premia com a reeleição os parlamentares que conseguiram se
destacar na mídia, independente da proficiência de seu trabalho. Na oposição, há
conveniência de vociferar contra todas as medidas adotadas pelo governo, esteja ou
não o parlamentar, pessoalmente, de acordo ou contra elas.

O político tradicional, no sistema tripartite, dá muito mais valor ao fato de aparecer, do
que ao de trabalhar. Em geral, trabalha para aparecer. Há total perda de foco sobre a
função parlamentar de representar seu eleitor.

No parlamentarismo baseado em voto distrital, pior ainda, muitas vezes a escolha do
representante se dá não por sua capacidade, mas pelo desejo de ver eleito o primeiro-
ministro do partido do eleitor, o que compromete sua representação.

Não deveria ser assim.

Aos que creem ser indispensável na democracia o regime da tripartição, não deve
haver esperança de avanço democrático.

Cada vez mais haverá concentração de poderes no executivo, único órgão
efetivamente instrumentalizado para desincumbir-se da enorme gama de tarefas,
problemas e assuntos sobre os quais o governo deve manifestar-se.

Vendo o legislativo ser bem pouco útil, o julgamento feito pelos eleitores será cada vez
pior. A função parlamentar está fadada ao descrédito, à imagem de ineficiência,
corporativismo e, sobretudo, de corrupção.

Não há, na tripartição, melhora institucional possível.
Para o legislativo, não há mais esperança. Para o executivo, continuaremos a viver de
expectativas que se renovam de quatro em quatro anos, nos momentos eleitorais,
sonhando que o salvador da pátria está, finalmente, para chegar e ver se repetir a
decepção, o desencanto, pouco mais adiante, ao descobrirmos que não era ele, ainda.

Em resumo, atualmente, o sistema está capenga. Apesar de pagarmos para manter
todos, apenas um deles, muito mais forte do que os outros, ocupa quase todo o
cenário das decisões que realmente importam na vida das pessoas. Os outros ou lhe
criam problemas, ou lhe fazem coro, pano de fundo. Na prática, bem pouco subsiste
da sonhada independência e harmonia entre os poderes, concebidas por
Montesquieu.

__._,_.___

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Síndrome do salvador da pátria e os perigos da concentração de poder

A Máfia de Palitó
A Máfia de PalitóA Máfia de Palitó
A Máfia de PalitóÉd Vieira
 
mafia de palito
mafia de palitomafia de palito
mafia de palitoEd Vieira
 
Operaçao uragano
Operaçao uraganoOperaçao uragano
Operaçao uraganoÉd Vieira
 
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacao
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacaoPitagoras 1.2-o-poder-na-negociacao
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacaoAna A. Costa
 
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011João Bezerra Magalhães Neto
 
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesFábricas de loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesMarcos Guariso (1600+)
 
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosaThiago Souza Santos
 
Discurso de josé miguel baptista 25 de abril
Discurso de josé miguel baptista   25 de abrilDiscurso de josé miguel baptista   25 de abril
Discurso de josé miguel baptista 25 de abriljsdstr
 
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesFábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesMarcos Guariso (1600+)
 
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitosDesenbahia
 
A primavera brasileira
A primavera brasileiraA primavera brasileira
A primavera brasileiraCIRINEU COSTA
 
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16Laura Magalhães
 
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...boinadalvi
 

Semelhante a Síndrome do salvador da pátria e os perigos da concentração de poder (20)

A Máfia de Palitó
A Máfia de PalitóA Máfia de Palitó
A Máfia de Palitó
 
mafia de palito
mafia de palitomafia de palito
mafia de palito
 
MafiadePalito
MafiadePalitoMafiadePalito
MafiadePalito
 
Operaçao uragano
Operaçao uraganoOperaçao uragano
Operaçao uragano
 
Atividade 6 de portugues
Atividade 6 de portuguesAtividade 6 de portugues
Atividade 6 de portugues
 
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacao
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacaoPitagoras 1.2-o-poder-na-negociacao
Pitagoras 1.2-o-poder-na-negociacao
 
404 an 07_novembro_2012.ok
404 an 07_novembro_2012.ok404 an 07_novembro_2012.ok
404 an 07_novembro_2012.ok
 
jureneidy
jureneidyjureneidy
jureneidy
 
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011
Artigo magalhães open government revista gestão pública julho 2011
 
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesFábricas de loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
 
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa
21 10 - a invenção da administração pública - frederico lustosa
 
Discurso de josé miguel baptista 25 de abril
Discurso de josé miguel baptista   25 de abrilDiscurso de josé miguel baptista   25 de abril
Discurso de josé miguel baptista 25 de abril
 
Palestra - Jogo de Poder
Palestra - Jogo de Poder Palestra - Jogo de Poder
Palestra - Jogo de Poder
 
Técnicas de poder1
Técnicas de poder1Técnicas de poder1
Técnicas de poder1
 
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas OrganizaçõesFábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
 
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos
14º Encontro de Gestores de Recursos Humanos - O líder e a Gestão de conflitos
 
Opinião
OpiniãoOpinião
Opinião
 
A primavera brasileira
A primavera brasileiraA primavera brasileira
A primavera brasileira
 
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16
Plano diretor/Artigo Correio 11/11/16
 
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...
É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas I...
 

Mais de mana 5066

Quando a fotografia não existia
Quando a fotografia não existiaQuando a fotografia não existia
Quando a fotografia não existiamana 5066
 
História real
História realHistória real
História realmana 5066
 
Supermercado como este só nos EUA
Supermercado como este só nos EUASupermercado como este só nos EUA
Supermercado como este só nos EUAmana 5066
 
Profissiografia do Profissional de Segurança Pública
Profissiografia do Profissional de Segurança PúblicaProfissiografia do Profissional de Segurança Pública
Profissiografia do Profissional de Segurança Públicamana 5066
 
Pesquisa perfil do Profissional de Segurança Pública
Pesquisa perfil do  Profissional de Segurança PúblicaPesquisa perfil do  Profissional de Segurança Pública
Pesquisa perfil do Profissional de Segurança Públicamana 5066
 
Pensando a segurança vol2
Pensando a segurança   vol2Pensando a segurança   vol2
Pensando a segurança vol2mana 5066
 
Pensando a segurança vol1
Pensando a segurança   vol1Pensando a segurança   vol1
Pensando a segurança vol1mana 5066
 
Mulheres na seguranca Pública Brasileira
Mulheres na seguranca Pública BrasileiraMulheres na seguranca Pública Brasileira
Mulheres na seguranca Pública Brasileiramana 5066
 
CAPA pensando vol 1, 2 e 3
CAPA pensando vol 1, 2 e 3CAPA pensando vol 1, 2 e 3
CAPA pensando vol 1, 2 e 3mana 5066
 
pensando Segurança Pública vol3 final
pensando  Segurança Pública vol3 finalpensando  Segurança Pública vol3 final
pensando Segurança Pública vol3 finalmana 5066
 
pensando Pensando Segurança Pública vol2 final
pensando Pensando Segurança Pública   vol2 finalpensando Pensando Segurança Pública   vol2 final
pensando Pensando Segurança Pública vol2 finalmana 5066
 
pensando segurança Pública vol1 final
pensando segurança Pública   vol1 finalpensando segurança Pública   vol1 final
pensando segurança Pública vol1 finalmana 5066
 
Pensando a segurança vol3
Pensando a segurança   vol3Pensando a segurança   vol3
Pensando a segurança vol3mana 5066
 
Reservas ecológica de pernambuco
Reservas ecológica de pernambucoReservas ecológica de pernambuco
Reservas ecológica de pernambucomana 5066
 
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02mana 5066
 
Pfizer informa: Colesterol
Pfizer informa: ColesterolPfizer informa: Colesterol
Pfizer informa: Colesterolmana 5066
 
Cartilha trabalho mercosul_port
Cartilha trabalho mercosul_portCartilha trabalho mercosul_port
Cartilha trabalho mercosul_portmana 5066
 
Você gosta de_velocidade
Você gosta de_velocidadeVocê gosta de_velocidade
Você gosta de_velocidademana 5066
 
Militarismo treinamento militar na china
Militarismo treinamento militar na chinaMilitarismo treinamento militar na china
Militarismo treinamento militar na chinamana 5066
 
0curiosidades sobre armas
0curiosidades sobre armas0curiosidades sobre armas
0curiosidades sobre armasmana 5066
 

Mais de mana 5066 (20)

Quando a fotografia não existia
Quando a fotografia não existiaQuando a fotografia não existia
Quando a fotografia não existia
 
História real
História realHistória real
História real
 
Supermercado como este só nos EUA
Supermercado como este só nos EUASupermercado como este só nos EUA
Supermercado como este só nos EUA
 
Profissiografia do Profissional de Segurança Pública
Profissiografia do Profissional de Segurança PúblicaProfissiografia do Profissional de Segurança Pública
Profissiografia do Profissional de Segurança Pública
 
Pesquisa perfil do Profissional de Segurança Pública
Pesquisa perfil do  Profissional de Segurança PúblicaPesquisa perfil do  Profissional de Segurança Pública
Pesquisa perfil do Profissional de Segurança Pública
 
Pensando a segurança vol2
Pensando a segurança   vol2Pensando a segurança   vol2
Pensando a segurança vol2
 
Pensando a segurança vol1
Pensando a segurança   vol1Pensando a segurança   vol1
Pensando a segurança vol1
 
Mulheres na seguranca Pública Brasileira
Mulheres na seguranca Pública BrasileiraMulheres na seguranca Pública Brasileira
Mulheres na seguranca Pública Brasileira
 
CAPA pensando vol 1, 2 e 3
CAPA pensando vol 1, 2 e 3CAPA pensando vol 1, 2 e 3
CAPA pensando vol 1, 2 e 3
 
pensando Segurança Pública vol3 final
pensando  Segurança Pública vol3 finalpensando  Segurança Pública vol3 final
pensando Segurança Pública vol3 final
 
pensando Pensando Segurança Pública vol2 final
pensando Pensando Segurança Pública   vol2 finalpensando Pensando Segurança Pública   vol2 final
pensando Pensando Segurança Pública vol2 final
 
pensando segurança Pública vol1 final
pensando segurança Pública   vol1 finalpensando segurança Pública   vol1 final
pensando segurança Pública vol1 final
 
Pensando a segurança vol3
Pensando a segurança   vol3Pensando a segurança   vol3
Pensando a segurança vol3
 
Reservas ecológica de pernambuco
Reservas ecológica de pernambucoReservas ecológica de pernambuco
Reservas ecológica de pernambuco
 
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02
Projetoportoaeroportolitoralnorte 110606161312-phpapp02
 
Pfizer informa: Colesterol
Pfizer informa: ColesterolPfizer informa: Colesterol
Pfizer informa: Colesterol
 
Cartilha trabalho mercosul_port
Cartilha trabalho mercosul_portCartilha trabalho mercosul_port
Cartilha trabalho mercosul_port
 
Você gosta de_velocidade
Você gosta de_velocidadeVocê gosta de_velocidade
Você gosta de_velocidade
 
Militarismo treinamento militar na china
Militarismo treinamento militar na chinaMilitarismo treinamento militar na china
Militarismo treinamento militar na china
 
0curiosidades sobre armas
0curiosidades sobre armas0curiosidades sobre armas
0curiosidades sobre armas
 

Síndrome do salvador da pátria e os perigos da concentração de poder

  • 1. Síndrome do salvador da pátria Sex, 08 de Janeiro de 2010 08:15 Pedro Garaude Síndrome do salvador da pátria O escritor inglês William Somerset Maugham ao observar, com grande acuidade, a alma humana, escreveu certa vez que, quando criança, tinha obsessiva admiração pelos líderes mundiais, a quem atribuía a condição de seres quase divinos, semideuses, diferentes dos comuns mortais. Achava-os carismáticos, superdotados, seres de natureza invulgar. Aceitava, inconscientemente, a tese da predestinação decorrente de carisma e inteligência invulgar que os diferenciava. Ao tornar-se adulto e escritor famoso, foi-lhe dada a oportunidade que tentou aproveitar, de conhecer vários deles, pessoalmente. Teve grande decepção. Percebeu que nada tinham de incomum. Ao contrário, em sua maioria eram desprovidos de charme e, como descobriu com alguma perplexidade, de inteligência ou cultura para exercer tão grande arbítrio. Tinham, sim, a qualidade da esperteza, a de captarem rápido o que poderia lhes ser pessoalmente benéfico e pouco escrúpulo em se utilizar disso. Eram, enfim, pessoas não melhores ou piores do que aqueles com quem o escritor trocava amenidades no jantar, apenas tinham menor dose de pudor e maior de ousadia. Concluiu, então, o autor de Servidão Humana e O Fio da Navalha, ao analisar os governantes, que não era o encanto que os tornava poderosos, mas o poder que os tornava encantadores. Em nossa memória genética de valores há os bons e os ruins. Um dos prejudiciais é a expectativa de solução de problemas sociais, políticos e econômicos por um “super- homem”, um salvador da pátria — um arquétipo criado em nossa mente por nossa história de vida, como analisei anteriormente. Como nos acostumamos à ideia de um grande chefe, desde a formação das primeiras vilas, continuamos vivendo, até nossos dias, sob a expectativa de algum líder decidir por nós, trazer-nos a solução para nossos problemas. Fomos educados por séculos a ter esperanças, a aguardar pela solução dos males que nos afligem por terceiros: Deus ou seus enviados. Há, para isso, o respaldo racional de que um deve mandar e os outros devem obedecer, como forma de organizar tarefas coletivas.
  • 2. Não nego procedência a ponderações de que na execução funcionam melhor comandos unificados, conquanto presuma mais eficiente o que delega, do que o centralizador. O erro racional que continuamos cometendo é entender que unicidade de comando e hierarquia na execução devem ser interpretadas como se apenas outra pessoa, superdotada, um semideus encarnado, estivesse em condições de decidir sobre tudo e todos, a vida e a morte de outras pessoas, como ocorreu no passado e ainda aceitamos como um processo natural — um arquétipo negativo. O poder de decisão que o sistema confere aos chefes de executivo é despropositado, uma herança de nossa crença na superioridade de seres superdotados. Dependendo do poder militar do país, isto pode repercutir no destino de milhões de pessoas. Confundir deliberação com execução não faz sentido. Embora até devam interagir, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como dizem os especialistas no óbvio. Decidir e deliberar podem ser entendidos como a obtenção de informações, muitas informações, eleger um objetivo com base nessas informações e em todas as outras que acumulamos em nossa experiência de vida. Finalmente, estabelecer o meio, o caminho a ser trilhado para se chegar ao objetivo. Até a definição do caminho, a fase é deliberativa; apenas depois, para se trilhar de fato o caminho, é que se entra na fase executiva. Espero que, no futuro, as decisões de administração pública sejam tomadas em colegiados razoavelmente especializados, com tamanho adequado, assessorados por órgãos técnicos especializados; empresas de preferência engajadas e interessadas nos resultados. É a melhor forma de obter informações, estabelecer o objetivo e traçar o caminho. Cumprir as deliberações, construir a estrada, exige chefia unificada. Não evoluímos nesse sentido, pois, na prática, decisões sobre problemas que dizem respeito a todos nós, a mim, a você, ao seu e ao meu filho, concentram-se nas mãos de uma só pessoa ou de alguns poucos, escolhidos por ele, em geral, para fazer-lhe coro. Um arbítrio exagerado, descabido nos dias de hoje. No sistema vigente, o executivo é o poder real, de verdade, o que decide. O sistema da tripartição baseou-se na experiência monárquica, com um chefe de estado e governo que é, de fato, o grande mandachuva. No sistema tripartite, o legislativo funciona, na melhor das situações e hipóteses, apenas como um freio ao poder executivo e, em quase todos os casos, ratifica suas decisões, exceto se o governante cometer muitas e desmesuradas besteiras, grandes disparates, seja muito incompetente. Em consequência, o poder decisório dos parlamentos é, na realidade, muito baixo, e seu preço alto. A relação custo-benefício, péssima.
  • 3. Por ter áreas especializadas, o executivo é bem mais eficiente do que o legislativo. Praticamente, o órgão incumbido de executar, na verdade, monopolizou a iniciativa dos projetos de lei importantes que serão aprovados. O legislativo limita-se a assuntos de baixa complexidade e pouca importância real, pois propostas mais complexas demandam estudos, análises de interface com outras medidas e situações, enfim, informações não disponíveis a qualquer parlamentar isoladamente, nem às casas dos representantes como um todo. Tomar decisões de qualidade tem a ver com estar bem-informado, até em relação a detalhes, ter pessoal apto a entender, eleger prioridades e propor soluções que podem depender de uma enorme gama de variáveis e da análise de informações complexas, que vão do genérico à alta especialização. O grande poder decisório do chefe do executivo sustenta-se nas informações que recebe de seus subordinados, do primeiro, segundo e terceiro escalões, que o levam, em geral, a aceitar tais propostas, desde que não contrariem seus interesses políticos. Em geral, ele as acolhe, pelo simples bom-senso de reconhecer que também não sabe o suficiente para deixar de atendê-las. Mas pior é o oposto, o que ocorre com frequência. A decisão é primeiro tomada pelo chefe do executivo sem estudos maiores, em geral quando ainda apenas está postulando o cargo. Então, falta-lhe o necessário embasamento no conhecimento de detalhes, inacessíveis, isoladamente, até ao mais sábio dos seres, o que pode levar o governo a sérios erros de avaliação e decisão. Sem qualquer estudo de viabilidade, os candidatos ao executivo fazem promessas que depois se sentem obrigados a cumprir, sem estabelecer, necessariamente, sua efetiva prioridade, dentro da escassez de recursos com que terá de trabalhar. Nesta hipótese, os subalternos não têm autonomia para discordar, restando-lhes, apenas, compatibilizar o decidido com a disponibilidade, amenizando efeitos deletérios. É conhecido o caso de uma grande obra realizada ao custo de algumas centenas de milhões de dólares, baseada em uma sugestão dada por um marqueteiro político, durante o processo eleitoral, com o único propósito de angariar votos para o candidato a quem prestava seus préstimos profissionais. Muito mais complexa, cara e difícil na prática do que imaginava, o governante, infelizmente eleito, viu-se na contingência de cumprir a promessa feita, sob pena de desmoralizar-se. Não conseguindo inaugurar a obra, cara e complexa, fez o suficiente para deixá-la na situação em que o pior seria não concluí-la, um enorme desperdício do dinheiro público. Estudos posteriores concluíram que o custo-benefício era despropositado. A criatividade dos engenheiros, já na terceira gestão após o governante que iniciou as obras, conseguiu utilizar o que havia sido já concluído, em um novo projeto, bem mais inteligente.
  • 4. As campanhas eleitorais, em quase todos os países, são verdadeiros jogos de esperteza e emulação. Pior ainda, não são pensadas e planejadas por especialistas em governar, eleger prioridades, mas pela orientação mercadológica de campanha e na melhor forma de obtenção da vitória eleitoral, único objetivo almejado, não importa a que custo. Geralmente os vencedores são os mais eficientes no processo de arregimentar verbas, distribuir favores e contratar bons profissionais na área de marketing, pesquisa e propaganda política. Por outro lado, o regime de chefia única de governo leva, com frequência, a desvarios de poder. Sentindo-se o iluminado, escolhido pelo destino, incensado por acólitos e endeusado por muitos a ponto de muitas vezes convencer-se de sua predestinação, o líder passa, dissimuladamente, bem de necessária modéstia a se julgar superior aos mortais comuns, o salvador da pátria e isso pode lhe induzir a erros de avaliação. Prova de que evoluímos pouco na concentração de poder foi a decisão tomada em um gabinete de poucas pessoas, no qual apenas a opinião de uma foi a decisiva, de fazer a guerra do Iraque com milhares de mortos, bilhões de dólares de custo e prejuízo, resultando, entre outras, consequências negativas não só para o povo iraquiano, mas para toda a humanidade, especialmente para os Estados Unidos. As informações foram deformadas, estavam concentradas em poucos e eram facilmente manipuláveis, como foram. Parece ter pesado na decisão fatores psicológicos da infância do presidente, disposto a mostrar a seu pai ser capaz de tomar decisões que ele não havia tomado. As informações não foram verificadas adequadamente, com a necessária isenção pelo pequeno grupo, cuja decisão já estava de fato tomada. Foram passadas ao Congresso americano como absolutamente idôneas. Não restou ao Congresso outra opção senão concordar com o mal menor, pois correria o risco de ser responsabilizado por uma guerra bioquímica, fossem verdadeiras as indicações passadas pelo executivo. Em “petit comitê” escolhido pelo chefe entre os que têm opiniões parecidas com as suas, as deliberações acabam, se adequadamente conduzidas, sendo sancionadas pela maioria desinformada. A tomada de decisões importantes, mesmo no parlamentarismo e, principalmente, no presidencialismo, fica a mercê quase exclusiva dos humores de um só homem, ou de bem poucos, de sua visão de mundo, balizadas em informações que geralmente lhe são passadas sem muita precisão, com omissões. O objetivo dissimulado é agradá-lo, por oportunismo político de quem tem atração forte pelo poder, suas proximidades e benesses. Os assessores têm interesse em não contrariar a convicção do chefe, geralmente preexistente e conhecida. O sistema favorece a corrupção, pois o legislativo passa de fiscal a cúmplice. Ao chefe de governo realista, interessado em mandar, cabe apenas diminuir sua eventual primeira intenção de ter escrúpulos. Percebe que, para governar, dependerá de sua
  • 5. competência em cooptar parlamentares, se não tiver, desde logo, a necessária maioria. Para tanto, envereda para uma nefasta troca de favores. Gera um "toma lá dá cá", sem limites. O parlamentar, para ganhar projeção, deve ter poder, fazer acordos ou bem pouco conseguirá realizar por seus correligionários, de quem depende para se reeleger. Sente-se na obrigação de retribuir quem lhe ajudou e, para isso, o recomendável é aliar-se ao poder emanado apenas do executivo, dono da chave do cofre e da caneta que nomeia milhares de cargos. A sensação de inoperância e impotência desestimula o político não cooptável, idealista. Se na oposição, pouco pode além de denunciar e contrariar o governo, o que passa a fazer de forma sistêmica — acredite ou não pontualmente na denúncia ou posição. Se na situação, compromete-se a apoiar sempre, a ponto de sacrificar suas próprias convicções, em troca de cargos, poder, apoios financeiros. Em ambos os casos, precisando do financiamento futuro de suas campanhas, envolve-se com grupos de interesse a fim de prosseguir na carreira política, geralmente transformada em profissão. E esta, para ter êxito, depende de contatos, prestígio e, sobretudo, de verbas. Estando na situação ou na oposição, é dificílimo para o parlamentar apresentar um projeto, uma sugestão de real interesse de seus eleitores ou da sociedade. Torna-se um despachante de luxo, a serviço de interesses de grupos, pessoas, empresas, sindicatos, igrejas e, sempre, do seu próprio. No sistema atual, o político no legislativo, além de prescindir de informações, fica enredado a uma série de interesses que podem contrariar sua própria convicção pessoal. Limita-se a perfumarias e propostas de restrito alcance, para marcar presença e justificar seu currículo em eleições futuras. Certa vez, tive a oportunidade de conversar com um parlamentar, no exercício do cargo, que mostrava seu profundo desencanto com a autorreconhecida ineficiência de seu desempenho. Sentia-se inútil, frustrado, inoperante. Depois de ter sido prefeito em uma cidade média, com um bom poder de decisão, sentimento de recompensa, realizando um trabalho que frutificava, sentia-se um número entre tantos, sem sequer conseguir aparecer naquela multidão de mais de quinhentas pessoas, opiniões e interesses, não necessariamente nessa ordem. Jamais tentou a reeleição para o Parlamento. Como o legislativo é composto por mortais comuns, quando são discutidos problemas importantes, mas técnicos, como a permissão para proceder à alteração genética de um alimento, a conveniência e a possível repercussão de uma lei tributária, a organização do vestibular para ingresso no curso superior, todos assuntos sobre os quais deveriam se manifestar com proficiência, os legisladores não estão suficientemente preparados e informados para decidir. Com frequência, vão tomar posição em função do papel que desempenham, situação ou oposição, ou, se independentes, em função de interesses ou retribuição de favores.
  • 6. A decisão tomada pelo executivo é sempre seguida pela situação e repudiada pela oposição. É imperativo, necessário, ao chefe de governo tornar-se majoritário no Congresso. Alguma temperança vem da análise sobre a conveniência política da medida, muito mais importante na visão do governante e dos parlamentares do que o interesse real da coletividade, visto como resposta, não como motivo. Há outros inconvenientes ainda na concentração de poderes, especialmente no presidencialismo. A cooperação entre executivo e legislativo pode até acontecer, mas é desestimulada pelas regras do jogo. O sistema não os põe no mesmo barco, já que serão eleitos, reeleitos ou avaliados, separadamente. Como os legisladores não têm responsabilidade, nem mesmo solidária, pelo bom desempenho do executivo — seu interesse político pode ser totalmente dissociado dele —, pode ser obrigado a atuar de acordo com os seus interesses, não poucas vezes os de que tudo dê errado, para se beneficiar do fracasso. Estejam na oposição e, mesmo na situação, seu julgamento eleitoral, no sistema distrital, no proporcional e mesmo no misto, é completamente separado do desempenho geral do executivo. Em geral, o eleitor premia com a reeleição os parlamentares que conseguiram se destacar na mídia, independente da proficiência de seu trabalho. Na oposição, há conveniência de vociferar contra todas as medidas adotadas pelo governo, esteja ou não o parlamentar, pessoalmente, de acordo ou contra elas. O político tradicional, no sistema tripartite, dá muito mais valor ao fato de aparecer, do que ao de trabalhar. Em geral, trabalha para aparecer. Há total perda de foco sobre a função parlamentar de representar seu eleitor. No parlamentarismo baseado em voto distrital, pior ainda, muitas vezes a escolha do representante se dá não por sua capacidade, mas pelo desejo de ver eleito o primeiro- ministro do partido do eleitor, o que compromete sua representação. Não deveria ser assim. Aos que creem ser indispensável na democracia o regime da tripartição, não deve haver esperança de avanço democrático. Cada vez mais haverá concentração de poderes no executivo, único órgão efetivamente instrumentalizado para desincumbir-se da enorme gama de tarefas, problemas e assuntos sobre os quais o governo deve manifestar-se. Vendo o legislativo ser bem pouco útil, o julgamento feito pelos eleitores será cada vez pior. A função parlamentar está fadada ao descrédito, à imagem de ineficiência, corporativismo e, sobretudo, de corrupção. Não há, na tripartição, melhora institucional possível.
  • 7. Para o legislativo, não há mais esperança. Para o executivo, continuaremos a viver de expectativas que se renovam de quatro em quatro anos, nos momentos eleitorais, sonhando que o salvador da pátria está, finalmente, para chegar e ver se repetir a decepção, o desencanto, pouco mais adiante, ao descobrirmos que não era ele, ainda. Em resumo, atualmente, o sistema está capenga. Apesar de pagarmos para manter todos, apenas um deles, muito mais forte do que os outros, ocupa quase todo o cenário das decisões que realmente importam na vida das pessoas. Os outros ou lhe criam problemas, ou lhe fazem coro, pano de fundo. Na prática, bem pouco subsiste da sonhada independência e harmonia entre os poderes, concebidas por Montesquieu. __._,_.___