SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 376
Baixar para ler offline
COLEÇÃO
TA
PRAGMATA
ÂNGELO MILHANO
A FILOSOFIA
DA TECNOLOGIA
COMO HERMENÊUTICA
DE FREUD A HEIDEGGER
E MARCUSE
Título: A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica.
De Freud a Heidegger e Marcuse.
Autor: Ângelo Milhano
Praxis - Centro de Filosofa, Política e Cultura
www.praxis.ubi.pt
LusoSofia: Press
Coleção: Ta Pragmata
Direção: José António Domingues e Olivier Feron
Design: Cristina Lopes
ISBN
978-989-654-926-8 (papel)
978-989-654-928-2 (pdf)
978-989-654-927-5 (epub)
Depósito Legal
515753/23
Tiragem: Print-on-demand
Universidade da Beira Interior
Rua Marquês D’Ávila e Bolama.
6201-001 Covilhã. Portugal
www.ubi.pt
Covilhã, 2023
© 2023, Ângelo Milhano.
© 2023, Universidade da Beira Interior.
COLEÇÃO
TA
PRAGMATA
ÂNGELO MILHANO
A FILOSOFIA
DA TECNOLOGIA
COMO HERMENÊUTICA
DE FREUD A HEIDEGGER
E MARCUSE
Se atentares sobre as coisas boas e as coisas más que aconteceram durante
a tua vida, terás, contudo, de reconhecer que te encontras ainda favore-
cido. Consideras que és infeliz por perderes as coisas boas que te davam
prazer? Mas poderás encontrar conforto na eventualidade de que aquilo
que agora faz de ti alguém infeliz é também algo passageiro.
— Boécio, 2009: 36
À memória da minha mãe.
Índice
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica?
Prólogo a um livro necessário. 15
Introdução 19
Primeira Parte — A Filosofia da Tecnologia das Humanidades
e a sua determinação Hermenêutica 31
Capítulo 1 — A tecnociência moderna e o linguistic turn da
Filosofia 33
Capítulo 2 — A Hermenêutica contemporânea como salvaguarda
da “tradição” nas humanidades 53
Capítulo 3 — A problematização filosófica da tecnologia no
decorrer do séc. XX 99
Segunda Parte — A Filosofia da Tecnologia das Humanidades
como crítica «meta-hermenêutica» da modernidade 179
Capítulo 4 — Preâmbulos da «meta-hermenêutica» da
modernidade tecnológica: Oswald Spengler e Sigmund Freud 181
Capítulo 5 — Martin Heidegger e a tecnologia como essência
da modernidade 245
Capítulo 6 — Herbert Marcuse e a «racionalidade tecnológica»
como fundamento do pensamento «unidimensional» 295
Bibliografia 343
Drawing Hands (1948) – M. C. Escher
A Filosofia da
Tecnologia como
Hermenêutica?
Prólogo a um livro
necessário
O nosso presente século XXI pode dizer-se que é, nem mais nem
menos, o século da tecnologia, o tempo em que a vida humana
– individual e colectiva – aparece constante e constitutivamente
marcada pela mediação e contextualização da técnica, cientifi-
camente investigada e culturalmente incorporada nas diversas
formas de vida do nosso mundo global. Este traço caracterizador
é novo, embora venha do século passado, mas não teria sido reco-
nhecido há dois séculos. É, pois, a interpretação do mundo o que
mudou, o que constitui o novum. E convém perceber porquê. Este
livro, que venho apresentar, oferece um estudo detalhado e crítico
da lenta tomada de consciência dessa mudança de situação herme-
nêutica. Permita-se-me dar aqui, brevemente, dois exemplos.
16 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
No século XIX, a palavra tecnologia, embora já existisse no léxi-
co científico, não tinha qualquer protagonismo e não deixa de
ser revelador que o primeiro teórico a reivindicar a necessidade
de pensar a centralidade do fenómeno e a encontrar uma de-
signação para a sua tematização tenha proposto como título da
sua obra precursora o de Linhas fundamentais de uma Filosofia da
Técnica (Ernst Kapp, 1877). O termo “tecnologia” já fora, porém,
usado por Christian Wolff na sua Philosophia rationalis sive Logica
(1728), para designar aquela parte da mesma que se ocupava da
Philosophia artium, ou seja, da “ciência das artes e das suas obras”,
“de aquilo que os humanos produzem pelo trabalho do corpo e,
em especial, das mãos.” No centro da consideração estava ainda o
sentido originário do grego τέχνη – enquanto arte, isto é, habili-
dade humana capaz de produzir artefactos e obras de todo o tipo
–, e não propriamente a simbiose do engenho e da investigação
científica, eminentemente moderna, como potenciadora de certo
tipo de descobertas, que hoje identificamos como “tecnológicas”
e que consideramos, conscientemente ou não, culturalmente im-
prescindíveis à nossa vida quotidiana na sociedade transformada
por sucessivas revoluções industriais. Aliás, o uso do termo pelo
iluminista Wolff, ao preconizar aquela designação para uma dis-
ciplina filosófica específica, é até mais avançado e preciso que o
que a Encyclopedia ou Dictionnaire raisonné des sciences des arts et des
métiers, para une société de gens de lettres permite sondar no verbete
“technique” (tomo 16, 1765), contextualizado como pertencente ao
campo das Belles lettres, e restringido àquilo “que se relaciona com
a arte” e, muito especialmente, àquele tipo de versos que registam,
normalmente em latim, “regras e preceitos de qualquer arte ou
ciência, sendo compostos com vista a servir de apoio à memória”,
Ângelo Milhano 17
como os que são usados na cronologia, na história e mesmo na
geografia. Em resumo: o Iluminismo ainda não tinha encontra-
do o lugar fundamental da técnica no mundo humano, nem tinha
ainda forjado o conceito de tecnologia, no seu sentido pleno.
Sirva este breve apontamento histórico para chamar a atenção
para a importância da questão hermenêutica na abordagem filo-
sófica da temática. É nesse horizonte que o trabalho de Ângelo
Milhano constitui uma contribuição importante, permitindo
equacionar o fenómeno da tecnologia não tanto na sua objectivi-
dade ou materialidade, quanto no seu significado como elemento
cultural característico do nosso tempo e imprescindível no dese-
nho ou configuração das formas de vida e de futurição do mundo
possível. A experiência quotidiana, tecnologicamente mediati-
zada, constitui a consciência colectiva de uma sociedade em que
bem-estar e mal-estar se medem pelo conforto ou desconforto no
uso possível dos meios estruturadores e dos respectivos produtos
num sistema de produção, transformação e circulação progra-
madas no quadro de uma sociedade ideologicamente definida
pela pertença a uma Modernidade autoconfiante na dinâmica do
progresso. Esta herança histórica é compreendida como algo ad-
quirido e motivador para maiores proezas. Os sinais de qualquer
possível fracasso tomam-se como indícios de uma patologia, cujos
sintomas só numa hermenêutica cultural adquirem o sentido de
alerta e de indicadores da necessidade de corrigir a unilaterali-
dade de um processo, a preconização da urgência de abertura a
alternativas. Freud e Heidegger, por diferentes vias, e Marcuse,
na sua própria, em que ambas se encontram agudizadas, foram
momentos culminantes desta denúncia e desta tomada de cons-
ciência crítica. O diálogo com os três pensadores, neste estudo,
18 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
revela-se um foro filosoficamente fecundo para uma interrogação
dos leitmotive da época presente e para criar as condições para pas-
sar a uma investigação meta-hermenêutica dos caminhos assim
nascidos e em devir.
É, pois, com especial prazer e total convicção que convido os leito-
res a que leiam, com os pés assentes na terra e os ouvidos atentos às
notícias que nos assaltam, por todas as vias, este trabalho demora-
do e profundo, de um dos mais lúcidos investigadores da questão
da tecnologia no mundo contemporâneo, em língua portuguesa.
Partindo do seu doutoramento em Filosofia, na Universidade de
Évora, onde esta questão tem sido uma constante, desde 1998,
Ângelo Milhano tem continuado um trabalho tenaz de exploração
de diversas abordagens, que, sem contrariar a linha de investiga-
ção aqui apresentada, a abrem às mais recentes perspectivas sobre
a medialização da sociedade global e sobre os constructos da in-
teligência artificial e do meta-verso. A meta-hermenêutica, que
aqui se propõe, terá decerto continuidade em várias direcções de
pesquisa do significado e do poder da tecnologia. A presente obra
poderá servir de introdução a essas outras já em caminho.
Irene Borges-Duarte
Évora, 27 de Março de 2023.
Introdução
Pensar as questões filosóficas que se levantam com o uso e aplica-
ções da tecnologia moderna, ganhou um novo impulso no curso
das duas últimas décadas. Seja pelos medos que se têm associado
aos mais recentes desenvolvimentos da inteligência artificial, pela
tomada de consciência do impacto que o desenvolvimento tecno-
lógico dos dois últimos séculos teve sobre o meio ambiente, pelo
aumento da nossa dependência das tecnologias digitais, ou pela
banalização do uso de tecnologias de compilação de dados (Big
Data) nos mais diversos âmbitos da vida em sociedade, a tecnolo-
gia tornou-se um dos mais importantes temas do debate filosófico
dos nossos dias.
Este novo impulso foi pautado pelos trabalhos dos autores das no-
vas escolas e tradições de pensamento em Filosofia da Tecnologia,
na sua maioria herdeiras daquele que ficou conhecido como o em-
pirical turn que se operou neste âmbito disciplinar entre o final dos
anos 1980 e a década de 1990. Uma viragem teórica impulsionada
pelos trabalhos inovadores de Bruno Latour, Don Ihde, ou Andrew
Feenberg, que procuraram atualizar e aprofundar a problema-
tização filosófica da tecnologia mediante os seus mais recentes
desenvolvimentos. O empirical turn da Filosofia da Tecnologia
deu-se na medida em que os seus autores sentiram a necessidade
20 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
de ultrapassar aquelas que consideravam ser as principais barrei-
ras impostas pelas propostas dos seus pioneiros. De Ernst Kapp
a Martin Heidegger, Günter Anders, e até em Hans Jonas, é pos-
sível compreender uma problematização da tecnologia e das suas
implicações que prefigura uma ideia relativamente monolítica do
conceito. A tecnologia surge por estes autores representada como
uma abstração, como um conceito que transcende as suas várias
materializações, tornando-se delas independente, enquanto as de-
fine como suas derivadas. Uma tal conceção da tecnologia impõe,
por sua vez, algumas limitações à reflexão filosófica que pode ser
feita em torno das questões que se levantam com o uso e aplica-
ções dos mais recentes dispositivos ou plataformas tecnológicas
que o ser humano tem ao seu dispor. Por esta razão, o empirical
turn impôs-se como a necessária nova abordagem ao problema da
tecnologia, propondo uma circunscrição do conceito que atenta
sobre as particularidades empíricas dos vários artefactos tecnoló-
gicos, e sobre o tipo de mediação que cada um deles poderá criar
da relação que o ser humano estabelece com o «mundo».
Não obstante, todas as propostas que marcaram o empirical turn, e
também aquelas que se seguiram a esta viragem — sob as quais se
edificam as mais recentes reflexões em torno das questões levan-
tadas pelas tecnologias digitais —, encontram, de uma forma ou de
outra, ainda as suas raízes no pensamento daqueles que foram os
responsáveis pela emergência da Filosofia da Tecnologia ao longo
do séc. XX. Assim, e para compreender os seus mais recentes de-
senvolvimentos, é ainda necessário criar uma compreensão prévia
do enquadramento filosófico, histórico, e cultural, deste ramo da
investigação em Filosofia.
Ângelo Milhano 21
Carl Mitcham foi um dos primeiros autores a empenhar-se nes-
te trabalho. Com Thinking Trough Technology: The path between
engineering and philosophy (1994), Mitcham ofereceu uma análise
detalhada das várias tradições de pensamento sobre as quais se
erigiu a Filosofia da Tecnologia, e sobre o tipo de circunscrição
que cada uma delas faz do tema que tomou por objeto de estu-
do. Em Portugal, Experimentum Humanum (2011), de Hermínio
Martins, apresenta-se como uma das mais aprofundadas leituras
do enquadramento histórico, cultural, mas sobretudo sociológi-
co, da problematização filosófica da tecnologia. Os dois volumes
de Filosofia da Tecnologia: Seus autores e problemas (2020-2022), or-
ganizados por Jelson Oliveira e publicados no Brasil, são outro
importante contributo, em língua portuguesa, dedicado à com-
preensão dos fundamentos históricos, culturais, e filosóficos, sob
os quais assenta a Filosofia da Tecnologia. Mais recentemente,
com o volume Filosofia da Tecnologia: Introdução ao pensamento dos
teóricos do século XX (2022), Joaquim Braga e Bernhard Sylla reu-
niram importantes reflexões de vários investigadores lusófonos,
dedicadas às propostas dos autores que estiveram na génese da
Filosofia da Tecnologia, e da sua instituição enquanto ramo disci-
plinar da Filosofia académica.
Este livro, pela sua parte, também contribui para este esforço
de clarificação dos fundamentos e contexto que deram origem à
emergência da Filosofia da Tecnologia no decorrer do séc. XX.
Um livro que tem, contudo, pretensões muito mais modestas do
que aquelas que foram alcançadas pelos trabalhos referidos atrás,
uma vez que se debruça apenas sobre aquelas que compreendo se-
rem as raízes crítico-hermenêuticas da Filosofia da Tecnologia de
22 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
dois dos seus fundadores: Martin Heidegger e Herbert Marcuse.
A delimitação feenberguiana dos contributos que estes deram
para a problematização filosófica da tecnologia, constitui-se como
uma das mais importantes influências deste trabalho. Com ela, e
ao partir de um enquadramento da cultura que assenta, sobretudo,
na vertente sócio-antropológica da «metapsicologia» de Sigmund
Freud, procuro demonstrar como a Filosofia da Tecnologia de
Heidegger e de Marcuse poderá ser compreendida como uma
«meta-hermenêutica» da modernidade, pela qual se evidenciam
alguns dos mais influentes preconceitos que determinam a in-
terpretação que o ser humano faz do «mundo» onde se encontra
lançado. Uma «meta-hermenêutica» que, para todos os efeitos,
compreendo que ainda hoje determina muitas das discussões em
Filosofia da Tecnologia.
O uso que faço do termo «meta-hermenêutica» ao longo do texto,
encontra as suas raízes na crítica que Jürgen Habermas lança a
Hans-Georg Gadamer, sobre a qual me debruço no final segundo
capítulo. Ao apropriar-me do termo, procuro, no entanto, criar
alguma distância para com a sua delimitação em Habermas, sem
descartar aquela que o autor germânico considera ser a sua tarefa
crítica fundamental. «Meta-hermenêutica» refere-se aqui, por-
tanto, à leitura crítica dos processos pelos quais o ser humano
desenvolve a sua interpretação, procurando dar conta dos pre-
conceitos históricos, culturais, e ideológicos, que condicionam a
compreensão do «mundo» que dela advém. Com ela, defendo que
se constrói uma crítica da modernidade que, não apenas incide
sobre a determinação hermenêutica das questões que se levantam
com a tecnologia moderna, uma vez que, e acima de tudo, também
Ângelo Milhano 23
destaca o modo como a «racionalidade tecnológica» configura, de
antemão, o tipo de compreensão que se poderá construir acerca
dessas mesmas questões.
Em parte inspirado pelo trabalho desenvolvido por Mark
Coeckelbergh, o intuito de demonstrar a Filosofia da Tecnologia
de Heidegger e Marcuse como uma leitura «meta-hermenêutica»
da modernidade, assenta sobre uma investigação que destaca o po-
der que o modo de pensar tecnológico exerce sobre a linguagem.
Na relação que, em cada um dos autores tomados como referência,
se estabelece entre a tecnologia moderna e a linguagem, defendo
que é possível compreender uma perigosa tendência do desenvol-
vimento tecnocientífico: a da funcionalização do pensamento por
via operacionalização dos elementos significativos da linguagem.
É por força da «racionalidade tecnológica» que fundamenta a tec-
nociência, nomeadamente através do paradigma de pensamento
que esta promove, que a linguagem tem vindo a ser configurada
como o mais eficiente meio de comunicação, ficando, por isso, li-
mitada à sua configuração instrumental, meramente informativa.
Uma ideia que acabou por se estabelecer como a base do «círculo
hermenêutico» que trespassa todo o trabalho que aqui se materia-
liza. Neste, a «linguagem», a «tecnologia», e a «interpretação» que
a sua inter-relação propicia, constituem os três eixos conceptuais
sob os quais articulo os argumentos que movem o texto.
Os três capítulos que delimitam a primeira divisão do livro, com-
põem um estado da arte que procura tornar presente a relação que
se estabelece entre cada um desses eixos, tendo já em vista o modo
como essa relação será problematizada no decorrer da segunda
partedotexto.Oprimeirocapítulodebruça-sesobreoproblemada
24 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
redução positiva da linguagem à sua dimensão normativa, toman-
do o enquadramento teórico proposto pelo Positivismo Lógico
como o seu ponto de partida. Ao atentar, sobretudo, na influência
que O Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein teve sobre
esta tradição de pensamento, debruço-me aí em torno dos pres-
supostos que marcaram esta conceção do filosofar nas primeiras
décadas do séc. XX. Uma conceção que determina a linguagem
sob um enquadramento técnico-científico pelo qual se compreen-
de normativamente, i.e., delimitada sob os pressupostos da lógica
formal simbólica. Procuro aí defender que a metodologia estrita-
mente analítica, que define a abordagem do Positivismo Lógico, se
encontra em consonância com os pressupostos da «racionalidade
tecnológica» moderna, uma vez que pressupõe uma circunscrição
técnica da linguagem que descarta os seus conteúdos subjetivos
em prol da sua delimitação como um objeto de estudo suscetível
de uma análise também ela objetiva.
Ao longo do segundo capítulo são analisados alguns dos mais
importantes desenvolvimentos modernos da Hermenêutica, des-
tacando-se a sua relação com alguns acontecimentos chave da
História da Filosofia moderna. Colocando este ramo disciplinar
da filosofia como o contrapondo histórico da conceção instru-
mental da linguagem advogada pelo Positivismo Lógico, procuro
aí destacar como a Hermenêutica toma a dimensão subjetiva da
linguagem como um dos mais importantes elementos a ter em
conta na tentativa de compreender o funcionamento dos proces-
sos interpretativos pelos quais o ser humano cria as suas ideias
do «mundo» onde se encontra lançado. Sublinho que a influência
desempenhada pela história, pela cultura, entre outros importan-
tes elementos que a tradição lógico-positivista acaba por descartar
Ângelo Milhano 25
da sua abordagem à investigação da linguagem, representam uma
das mais importantes influências sobre o modo como a interpre-
tação humana se constrói, determinando, consequentemente, toda
a compreensão que dela poderá advir.
O terceiro capítulo — com o qual concluo a primeira parte do li-
vro — debruça-se sobre alguns dos autores pioneiros da Filosofia
da Tecnologia. Com o intuito de direcionar os seus trabalhos ao
encontro da problematização que compõe a segunda parte do li-
vro, fiz uso da proposta de Carl Mitcham para a delimitação da
investigação feita em Filosofia da Tecnologia. Uma proposta onde
as raízes deste ramo disciplinar se dividem entre uma Filosofia
da Tecnologia dos Engenheiros e uma Filosofia da Tecnologia das
Humanidades. Analiso aí algumas das mais importantes teorias
dos autores da Filosofia da Tecnologia dos Engenheiros — e.g.,
Peter Kroes, Anthonie Meijers, ou Marteen Franssen — desta-
cando como a metodologia das suas propostas se configura como
uma abordagem empírica, de orientação fundamentalmente ana-
lítica, às questões que se levantam com a emergência da tecnologia
moderna. No entanto, e muito embora tenha procurado subli-
nhar o carácter eclético pelo qual se caracteriza a investigação em
Filosofia da Tecnologia, acabei por prestar muito mais atenção
àquela que Mitcham denomina como a Filosofia da Tecnologia
das Humanidades. É nesta divisão onde o autor norte-americano
considera que se enquadram as propostas de José Ortega y Gasset,
Lewis Mumford, ou Jacques Ellul, e onde entendo que também
se inserem as propostas de Heidegger e de Marcuse. Ao longo do
terceiro capítulo, procuro, acima de tudo, compreender como a
Filosofia da Tecnologia das Humanidades advoga por uma me-
todologia hermenêutica no estudo das questões que se levantam
26 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
com a tecnologia moderna. Concluo que é precisamente graças a
essa abordagem hermenêutica, que dá conta da dimensão subjetiva
dos problemas que se levantam com o uso e aplicações da tecno-
logia moderna, que a Filosofia da Tecnologia se tornou capaz de
questionar a inter-relação da tecnologia com a modernidade, as-
sim como o paradigma de pensamento tecnológico que acabou por
se institucionalizar neste período da história da cultura ocidental.
Tendo como referência a fundamentação desenvolvida ao longo
da primeira parte da investigação, com a segunda divisão do li-
vro procuro compreender como a leitura «meta-hermenêutica»
da modernidade da Filosofia da Tecnologia das Humanidades se
encontra já pressuposta na Filosofia da Tecnologia de Heidegger e
de Marcuse. Enquadrando as suas propostas sob um modelo inter-
pretativo da cultura — que procurei fundamentar sobre o trabalho
de Oswald Spengler e a partir da «metapsicologia» de Sigmund
Freud — a já referida relação que, no contexto sociocultural da
modernidade tardia, se estabelece entre a tecnologia e a lingua-
gem, compõe o foco sobre o qual se concentra a argumentação que
ocupa o segundo momento do texto.
No capítulo 4, as propostas de Oswald Spengler e de Sigmund
Freud são analisadas no sentido de construir com elas uma
compreensão aprofundada do contexto histórico e cultural que
propiciou a emergência da problematização filosófica da relação
que se estabelece entre o pensamento e a época na qual se desen-
volve. Procuro aí defender que o «mal-estar» cultural que Freud
entende fazer-se sentir na modernidade tardia, se impõe como o
solo sob a qual radica a necessidade que a Filosofia encontra para
construir uma leitura «meta-hermenêutica» da modernidade.
Ângelo Milhano 27
Atendendo aos pressupostos da teoria freudiana, procuro de-
monstrar como a estrutura normativa da sociedade moderna se
fundamenta nos imperativos da «racionalidade tecnológica», que,
entretanto, se impôs como um novo «princípio de realidade».
A instituição da «racionalidade tecnológica» como o paradigma
normativo da existência humana no contexto da sociedade indus-
trial moderna visa, não apenas o controlo das «pulsões» do ser
humano que podem colocar em causa a subsistência da espécie,
mas, e acima de tudo, a criação de um eficaz instrumento de con-
trolo ideológico, pelo qual se perpetua o poder das classes sociais
dominantes, e do qual advém o inevitável «mal-estar» na cultura
que, por seu turno, impulsiona a necessidade de construir uma
«meta-hermenêutica» da modernidade.
O quinto capítulo desenvolve uma leitura daquele que compreen-
do ser o carácter «meta-hermenêutico» da Filosofia da Tecnologia
de Martin Heidegger. Refletindo sobre a interpretação heide-
ggeriana da essência da tecnologia moderna enquanto Ge-stell
(«com-posição»), procuro demonstrar como, por força do «poder»
da tecnologia, o ser humano, enquanto Dasein, acaba por cons-
truir uma interpretação inautêntica do «mundo», que obedece a
um imperativo de pensamento provocador, pelo qual as essências
se representam como recursos. Procuro aí sublinhar como essa
interpretação tecnológica do «mundo» e das suas essências, en-
contra a sua raiz na tecnificação que Heidegger considera que a
«com-posição» também impõe sobre a linguagem, reduzindo-a à
sua funcionalidade primária, onde se determina como um mero
instrumento de transmissão de informação. Para concluir o ca-
pítulo, procuro demonstrar como, mediante a redução técnica da
linguagem à sua função ‘informática’, a abertura de «mundo»
28 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
que através dela se propicia, se reconfigura numa representação
imagética da realidade que obedece aos pressupostos funcionais
da «com-posição».
Com o capítulo final, procuro apresentar a Filosofia da
Tecnologia de Herbert Marcuse também como uma «meta-her-
menêutica» da modernidade. A relação daquele que Marcuse
designa como o pensamento «unidimensional», com a denúncia
da crescente «racionalização» da linguagem, constitui o mote
do capítulo. Incidindo sobre a proposta que o autor desenvolve
em O Homem Unidimensional (1964), procuro aí refletir acerca do
modo como o pensamento «unidimensional» resulta de um pro-
cesso de instrumentalização que transforma a interpretação que
o ser humano faz do «mundo» de acordo com uma configuração
determinada em função dos imperativos da eficiência e produti-
vidade. Compreendo, a partir de Marcuse, que a «racionalidade»
acaba por ser, também ela, instrumentalizada pelo poder social
instituído, sob o intuito de garantir o seu domínio no contexto
da sociedade industrial moderna. Uma instrumentalização que
a transforma em «racionalidade tecnológica», que serve de pre-
texto para a eliminação progressiva das potencialidades críticas
— dialéticas — do pensamento que radicam sobre o caráter «bidi-
mensional» da linguagem. Procuro daí concluir que, na denúncia
que Marcuse faz dos processos de redução positiva da linguagem à
sua configuração tecnológica — instituídos sob o pretexto de uma
«racionalização» que procura maximizar a eficiência da sua di-
mensão comunicativa —, é possível compreender um processo de
redução do potencial dialético que lhe é inerente, encaminhando
Ângelo Milhano 29
o pensamento moderno no sentido de uma interpretação «uni-
dimensional» do «mundo», assim como da própria existência
em sociedade.
A articulação do pensamento de Heidegger e de Marcuse que
se desenha nos dois últimos capítulos, fundamenta-se sobre a
transformação tecnológica da linguagem que ambos acabam por
denunciar. Uma transformação que compreendo ser a raiz sob a
qualsesustémocarácter«meta-hermenêutico»dassuaspropostas.
No entanto, a aproximação entre estes autores torna-se mais evi-
dente quando se compreende que a leitura «meta-hermenêutica»
da modernidade que em cada um deles constrói, se delimita a par-
tir de um enquadramento ontológico das questões que se levantam
com a tecnologia moderna. Uma delimitação que, mais tarde, na
leitura que alguns dos autores do empirical turn fazem dos seus tra-
balhos, se impõe como uma limitação à compreensão que poderá
ser construída do tipo de mediações do mundo criadas pelos vários
artefactos tecnológicos disponíveis. Compreendo, contudo, que,
mesmo na viragem da Filosofia da Tecnologia ‘ao encontro dos
artefactos tecnológicos mesmos’, subjaz ainda uma leitura «me-
ta-hermenêutica» da modernidade que determina, de antemão,
a interpretação das mediações do «mundo» tecnologicamente
condicionadas. Uma ideia que, para todos os efeitos, pretendo
aprofundar com a devida atenção numa outra oportunidade.
Para terminar, quero deixar aqui os meus mais sinceros agradeci-
mentos a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a publicação deste livro. À Irene Borges-Duarte, não ape-
nas pelo apoio e orientação que me ofereceu quando este texto
se prefigurava ainda como uma potencial tese de doutoramento,
30 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
mas sobretudo por toda a amizade que, desde então, incondicio-
nalmente me demonstrou. Não há palavras capazes de descrever
a amizade, a admiração, e a gratidão, que lhe guardo. Agradeço
também à Fernanda Henriques, por toda a amizade, pelo apoio
que sempre me deu, mas sobretudo por ser uma das minhas gran-
des inspirações. Ao Olivier Feron, pela amizade e confiança. Por
acreditar em mim e me incentivar, mesmo quando sou eu a du-
vidar de mim próprio. Ao Praxis: Centro de Filosofia, Política e
Cultura, sob as figuras de André Barata e Ana Leonor Santos, por
me terem fornecido o apoio, a infraestrutura, e os meios de que
necessito para desenvolver a minha investigação. Agradeço-lhes
também por terem incentivado e apoiado a publicação deste traba-
lho. À Universidade de Évora, sob a Figura da Magnífica Reitora
Hermínia Vasconcelos Vilar, e também da sua antecessora, Ana
Costa Freitas, por me terem dado a oportunidade de integrar o
Departamento de Filosofia, a cujos Professores estendo também
os meus agradecimentos. Quero ainda agradecer à Ana Falcato,
ao Alberto Romele, e ao Professor José Manuel dos Santos, pe-
las excelentes sugestões que fizeram à primeira formulação deste
texto (ainda sob o formato de tese doutoral), e também pelos seus
incentivos à publicação. Deixo também manifesta a minha eterna
gratidão ao meu pai, pelo incansável apoio que sempre me pres-
tou neste caminho que é Filosofia. Por último, quero agradecer à
Monika, o pilar sobre o qual se sustenta todo um projeto de vida.
Sempre forte e convicta, apaziguando todas as minhas incertezas,
mesmo naqueles que considero ser os meus piores momentos.
Muito obrigado.
Primeira Parte
— A Filosofia
da Tecnologia
das Humanidades
e a sua determinação
Hermenêutica
Capítulo 1
— A tecnociência
moderna e o linguistic turn
da Filosofia
A tecnociência moderna e o zeitgeist
contemporâneo
Com o desenrolar da modernidade, a ciência e a tecno-
logia ganharam uma nova visibilidade académica, tendo adquirido
uma extensão até então nunca alcançada pelos restantes âmbitos
do saber. O progresso do conhecimento científico foi potenciado
como nunca, sobretudo graças à criação de novas tecnologias in-
dustriais que criaram as condições necessárias para a exploração
de domínios do universo até antes desconhecidos ou até mesmo
inalcançáveis para o ser humano. Do mesmo modo, e no que à
vida quotidiana diz respeito, o séc. XX mostrou-se também como
um período sem precedentes. A produção industrial proporcionou
um contexto de existência onde a luta pela sobrevivência passou a
ser menos dorial, sobretudo quando comparada com a que foi vi-
venciada pela humanidade em períodos anteriores da sua história.
34 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
Enquanto herdeiro da revolução industrial, o séc. XX apresenta-se
como a evidência histórica do poder que subjaz às várias aplica-
ções da ciência e tecnologia modernas.
A inter-relação entre a ciência e a tecnologia serviu de
base para o salto evolutivo que se deu no ocidente ao longo do
séc. XX.1
A medicina moderna, de entre vários âmbitos acadé-
micos que se edificam sobre a racionalidade tecnocientífica, é
disso um claro exemplo. O seu desenvolvimento ao longo deste
período da história não teria sido possível sem uma aliança en-
tre conhecimentos da biologia moderna e as novas tecnologias
criadas no contexto da segunda revolução industrial.2
Do mesmo
modo, a Física também ganhou aplicações práticas até então nunca
pensadas pelos seus teóricos. A diversificação das vias de comu-
nicação (telégrafos, telefones, rádio, televisão...), a massificação do
uso energia elétrica, o domínio da energia atómica, assim como a
exploração em massa dos recursos naturais do planeta, não teria
sido possível sem a aliança que se estabeleceu entre as tecnolo-
gias industriais e os conhecimentos da física moderna (Cardwell,
1994: 334-389).
1.  Não se pretende aqui menosprezar os contributos políticos e socioculturais que mar-
caram esta época. No entanto, é importante sublinhar que estes foram também forte-
mente influenciados pelo paradigma iluminista que colocou a razão como o zeitgeist da
modernidade, lançando as bases para o predomínio da tecnociência moderna.
2.  Veja-se a título de exemplo o caso da implementação de desinfetantes industriais em
hospitais para minimizar a contaminação dos pacientes por germes. Implementação que
foi pela primeira vez promovida por Joseph Lister, ao longo da primeira metade do séc.
XX, a partir dos trabalhos de Pasteur. Poderia ainda referir-se o sucesso do transplante
de órgãos vivos no séc. XX, e à importância que tiveram para o seu sucesso invenções
tais como a bomba de infusão de Carrel-Lindberg (1930), sem a qual Christiaan Barnard
não teria conseguido efetuar o primeiro transplante de coração bem-sucedido em 1967
(Cardwell, 1994: 331-333; Frazier, 2004).
Ângelo Milhano 35
Há, no entanto, que sublinhar que nenhuma inter-
pretação fiel de uma época da história da humanidade pode ser
analisada apenas a partir da perspetiva dos seus maiores sucessos.
Contudo, e mesmo no que ao reverso da medalha diz respeito, o
séc. XX continua ainda a mostrar-se como uma das épocas que
mais marcada foi pela influência da ciência e da tecnologia mo-
dernas. A primeira e segunda guerras mundiais são disso um dos
melhores exemplos. Com o advento do mundo industrializado as
armas mudaram, e com elas também o próprio conceito de guer-
ra. Com o recurso da racionalidade tecnocientífica, criou-se um
contexto de produtividade industrial capaz de produzir em massa
armamento cada vez mais poderoso e eficiente. Para além disso, o
desenvolvimento industrial criou também as condições para uma
guerra onde o inimigo, antes bem demarcado como o militar pre-
sente no teatro de conflito, passou a ser qualquer cidadão capaz de
proporcionar, com a sua mão de obra, o trabalho necessário para
a produção do armamento e dos bens necessários para a frente de
combate. Os alvos a abater nas duas grandes guerras do séc. XX
passaram a ser, não só, militares, i.e., as colunas armadas, os ar-
mazéns militares, as linhas de fornecimento de bens para a frente
de combate, mas também as próprias fábricas civis responsáveis
pela produção dos materiais necessários para a produção do arma-
mento, vestuário, e dos restantes bens de consumo utilizados pelo
exército em batalha (Cardwell, 1994: 389-394).
O predomínio histórico da ciência e tecnologia mo-
dernas teve também o seu reflexo no pensamento filosófico
desenvolvido ao longo da modernidade tardia. Logo no início de
O Eclipse da Razão (1947), Max Horkheimer, na esteira já aberta
por Max Weber, reforça esta ideia ao sublinhar como o conceito
36 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
de «razão» se transformou ao longo da história, culminando na
configuração técnico-instrumental predominante na modernida-
de. De acordo com Horkheimer a racionalidade transformou-se,
neste período, num instrumento, num medium orientado para
o alcance dos fins determinados pelos critérios subjetivos dissi-
mulados como técnico-científicos. No contexto da modernidade
tecnológica, diz Horkheimer (2015: 27), “(...) a razão tornou-se um
instrumento (…) completamente subordinada ao processo social.”
Em Técnica e Ciência como Ideologia (1968), Jürgen
Habermas, na senda de Max Weber e Herbert Marcuse, também
compreendeu a «racionalidade tecnológica» como um determi-
nante no funcionamento das diversas estruturas que compõem
o contexto sociocultural da modernidade tardia. Com o imperar
da «racionalidade» tecnocientífica na modernidade, os domínios
sociais nos quais deveria prevalecer a comunicação intersubjeti-
va — que Habermas designa como domínios comunicativos de
«interação» — têm vindo a ser determinados de acordo com os
pressupostos da «racionalidade tecnológica» que caracteriza a
comunicação desenvolvida em contextos comunicativos de «tra-
balho». Por esta via, a «racionalidade» que guia a tecnologia e a
ciência modernas, tem vindo a mostrar-se como uma circuns-
tância histórica, como o paradigma que emerge da modernidade
tardia, e pelo qual se tem vindo a determinar todo o pensamento
desenvolvido neste período da história (Habermas, 2006: 45-92).
Porém, esta constatação do predomínio moderno da «racionalida-
de» tecnocientífica na proposta defendida por Jürgen Habermas,
não nos remete diretamente para as origens da influência que esta
tem vindo a exercer sobre a Filosofia. Uma origem que remonta
Ângelo Milhano 37
aos primórdios do próprio pensamento moderno, aí onde a alian-
ça entre a tecnologia e a ciência serviu de fundamento para o
surgimento dos primeiros sistemas filosóficos da modernidade.3
Immanuel Kant, pensador ex-libris do Iluminismo, foi
também um pensador fortemente influenciado pela racionalidade
tecnocientífica moderna, sobretudo por via da física newtoniana.
Com a Crítica da Razão Pura (1787), Kant procurou compreen-
der quais são as «condições de possibilidade» para a produção de
conhecimento, postulando também neste texto que o saber da
Filosofia, do mesmo modo que o saber das ciências exatas, deve
ser guiado de acordo com pressupostos epistemológicos claros
e objetivos (Kant, 2001). A delimitação do conhecimento que é
demarcada pelo «juízo sintético a priori», colocou em questão
uma grande parte da tradição filosófica desenvolvida até ao séc.
XVIII, delineando, simultaneamente, os contornos para a reflexão
filosófica que se lhe seguiu. Neste sentido, e tal como sublinha
Alexandre Fradique Morujão no seu prefácio à tradução portu-
guesa da opera magna de Immanuel Kant (2001: X),
3.  Um dos casos mais paradigmáticos remonta ao impacto histórico que a publicação de
O Discurso do Método (1637) teve sobre toda a Filosofia ocidental que se seguiu. O intuito
cartesiano que se desenha nesta obra (e também nas Regras para a Direção do Espírito que,
embora prévias ao Discurso, foram publicadas postumamente), consiste numa tentativa
de delimitar para a Filosofia uma metodologia que, à semelhança de domínios tais como
Matemática ou a Geometria, pudesse garantir resultados concretos; de garantir a objeti-
vidade que é característica a essas ciências exatas. O «método», tal como é originalmente
concebido por Descartes, pode ser interpretado como uma das primeiras instrumenta-
lizações do pensamento filosófico. Mais que uma reflexão livre e desinteressada acerca
do mundo, o pensamento filosófico é tomado em Descartes como um instrumentum, i.e.,
como o exercício cético de aplicação da «dúvida metódica», para o alcance de um fim
pré-determinado: a «evidência», a «verdade» (Descartes, 2000). Descartes acaba assim
por determinar a modernidade como um problema filosófico, com o qual se irão debater
diversos dos autores, de entre os quais se destaca aqui, e.g., Martin Heidegger (Borges-
-Duarte, 1998: 507-524).
38 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
[a] revolução operada no campo do saber graças à qual foi
possível a constituição de uma nova ciência da natureza,
consiste, para Kant, em que a natureza não se encontra dada
como um livro onde apenas bastará ler. A ciência constitui-
-se e desenvolve-se por um projeto adequado, que nos torne
possível interrogar a natureza e forçá-la a uma resposta. Algo
de semelhante tem que se operar em filosofia para esta se
colocar no caminho seguro da ciência, para obter no seu do-
mínio resultados tão certos como os obtidos nas diferentes
disciplinas científicas.4
Um exemplo da influência da crítica kantiana pode ser
encontrado na génese daquelas que ficaram conhecidas como as
«ciências do espírito» («Geisteswissenschaften») construídas ao
longo do séc. XIX. Os resultados obtidos pelas ciências exatas ao
longo da segunda metade desse período (assim como na primeira
metade do séc. XX), mostraram-se aliciantes para aqueles que se
ocupavam com as relações que o ser humano estabelece com o
mundo, com os outos, e consigo mesmo. Assim seduzidos pela ob-
jetividade e aplicações práticas dos resultados alcançados através
das tecnologias de investigação em uso nas ciências exatas, novos
âmbitos de conhecimento começaram a emergir no mundo acadé-
mico, deslocando o questionamento filosófico tradicional para um
domínio secundário da investigação feita em torno de alguns dos
temas clássicos com os quais a Filosofia se tinha vindo a ocupar
em épocas anteriores. De acordo com a orientação técnico-cien-
tífica do conhecimento que dominou o academismo do final do
séc. XIX e início do séc. XX, a Filosofia viu-se confrontada com
4.  Itálicos da nossa responsabilidade.
Ângelo Milhano 39
um novo desafio: permanecer fiel à sua tradição e correr o risco
de se transformar num saber secundário no contexto académico
da época, ou seguir a tendência generalizada, adotando uma me-
todologia própria, concreta, capaz de orientá-la de encontro com
resultados objetivos, empiricamente demonstráveis (Horkheimer,
2015: 24-43).5
O Positivismo e o projeto de uma Filosofia
técnico-científica
Foi sob a senda da segunda hipótese de desenvolvimento
da Filosofia atrás referida que começaram a traçar-se as primeiras
linhas da tradição que ficou conhecida como Positivismo Lógico.
Remontando os seus fundamentos à problematização kantiana
das «condições de possibilidade» do conhecimento, o Positivismo
Lógico procurou imprimir uma metodologia científica — baseada
nos princípios da lógica formal simbólica — em todos os domínios
do pensamento filosófico, procurando, por essa via, deles elimi-
nar qualquer orientação metafísica. Em sintonia com as linhas
orientadoras criadas pela delimitação do conhecimento à luz do
«juízo sintético a priori», o Positivismo Lógico procurou trans-
formar a Filosofia num conhecimento que aspirava à exatidão
(Carnap, Hahn  Neurath, 2003: 101-110), e cuja função consis-
tiria em alargar os horizontes do conhecimento científico através
da construção de uma análise lógica dos processos empíricos pelos
quais se desenvolve a sua investigação. Para Carnarp, Hahn e Otto
Neurath (2003: 104),
5.  A este respeito veja-se também Habermas (2006: 45-92).
40 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
[o] objetivo a ter em mente é o de uma ciência unificada. Um
esforço que consiste em construir uma ligação harmónica
entre os vários feitos alcançados por investigadores indivi-
duais em diversos ramos científicos. Partindo deste objetivo
comum segue-se a ênfase sobre os esforços coletivos, e também
a ênfase sobre o que pode alcançar-se intersubjetivamente;
da qual se impulsiona a pesquisa por um sistema neutro de
fórmulas, por um simbolismo livre dos preconceitos das
linguagens históricas; e também pela pesquisa de um sis-
tema de conceitos universal. São almejadas a precisão e a
transparência, rejeitando quaisquer distâncias obscuras ou
profundezas indecifráveis.
Na raiz do Positivismo Lógico, delimita-se uma orien-
tação epistemológica que se encontra, por sua vez, direcionada
para a análise e compreensão dos problemas levantados pelas
novas metodologias em uso nos diversos ramos do conhecimen-
to científico, os quais serão, por seu turno, validados de acordo
com os pressupostos da lógica formal. No entanto, esta orienta-
ção epistemológica, quando definida nestes termos, não se mostra
ainda suficiente para garantir a autonomia da Filosofia dentro do
contexto académico da modernidade tardia. A Filosofia, quando
assim delimitada pelo Positivismo Lógico, apresenta-se como um
saber instrumental, i.e., como uma técnica de validação dos pro-
cedimentos que levam à construção do conhecimento científico.
Porém, para poder estabelecer-se academicamente como uma
ciência empírica, à Filosofia faltava ainda um objeto de estudo
concreto, mas também capaz de garantir, simultaneamente, a sua
autonomia científica e a sua pertinência epistemológica.
Ângelo Milhano 41
A escolha da linguagem como objeto de estudo da nova
Filosofia proposta pelo Positivismo Lógico segue esta orientação.
Uma escolha que radicou as suas raízes no pressuposto de que só
a linguagem se constitui como um objeto de investigação devida-
mente circunscrito, que consegue fornecer à Filosofia a autonomia
disciplinar desejada, e que, do mesmo modo, lhe abre a possibi-
lidade de construir uma investigação universal acerca do saber.
Uma vez que todos os âmbitos do conhecimento humano, de uma
ou de outra forma, fazem uso da linguagem para se poderem insti-
tuir como um saber, de acordo com a escola positivista, e por meio
de uma análise lógica da estrutura da linguagem, tornar-se-ia pos-
sível à Filosofia instituir-se como uma ciência empírica concreta,
ao mesmo tempo que poderia continuar a desenvolver uma «con-
ceção científica do mundo», transversal a todos os domínios do
conhecimento (Rorty, 1992: 1-39).
O «Círculo de Viena», composto por pensadores como
Moritz Schlick, Rudolph Carnap, ou Gustav Bergmann, foi o
principalpromotordestemovimento,sobreoqualtevetambémes-
pecial influência o pensamento de Gottlob Frege, Bertrand Russell
e, sobretudo, Ludwig Wittgenstein, cujo Tratado Lógico-Filosófico, é
ainda hoje considerado como um dos mais influentes textos desta
tradição. Segundo a leitura que Richard Rorty desenvolve em tor-
no da história desta tendência da Filosofia Contemporânea, uma
vez tomada a linguagem como tema central da reflexão filosófica,
a problemática nuclear com a qual o Positivismo Lógico se con-
fronta na sua tentativa de transformar a Filosofia numa ciência
empírica, passa, sobretudo, pela superação do problema da autor-
referência implícita à investigação do seu objeto, i.e., daquele que
ficou conhecido como o problema da «metalinguagem».
42 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
Na medida em que se pretende determinar a linguagem
como uma figuração lógica do universo no qual o ser humano
se encontra inserido e sobre o qual é capaz de pensar, qualquer
tentativa de explicação da ligação que se estabelece, através da
linguagem, entre o mundo e o pensamento, tem de fazer recurso
de uma outra linguagem capaz de demonstrar a correlação lógi-
ca entre esses três domínios que se interpenetram na construção
do conhecimento. No sentido de conseguir explicar de que modo
é possível à linguagem constituir-se como uma representação
dos «factos» que se manifestam no universo, torna-se necessá-
rio recorrer a uma outra linguagem que explique a forma como
se processa essa representação no pensamento, mas que não ne-
cessite, ela própria, de ser explicada por uma terceira, de forma
a evitar uma redução ao infinito na fundamentação da prática
filosófica que é proposta pelo Positivismo. Na leitura de Rorty,
apenas mediante a superação do problema imposto pela «metalin-
guagem» se tornaria possível ao Positivismo Lógico demonstrar
que os próprios processos de construção do conhecimento podem
ser compreendidos através de uma análise lógica da estrutura da
linguagem pela qual são elaborados, sem fazer recurso dos tradi-
cionais postulados metafísicos da Filosofia (Rorty, 1995: 85-87).
De acordo com Rorty, o problema da «metalinguagem»
é, por essa razão, estruturalmente semelhante àquele com o qual
Kant já se tinha deparado ao longo da sua Critica da Razão Pura.
Nesta obra, Kant viu-se na necessidade introduzir o domínio do
«transcendental» como «condição de possibilidade» do conheci-
mento (Rorty, 1995: 85-87). Do mesmo modo, Bertrand Russell
viu-se também na necessidade de introduzir a «intuição inte-
lectual» como o âmbito transcendente que fornece a justificação
Ângelo Milhano 43
para aqueles que Russel designou como «objetos lógicos» — como
modo de evitar uma possível autorreferência no processo de jus-
tificação da verdade inerente aos princípios da lógica formal que
o autor procurou fundamentar. No entanto, os conceitos que são
assim fornecidos, e que pretendem prover o conhecimento empí-
rico de uma fundamentação a priori, não deixam de levantar as
questões de caráter metafísico que o Positivismo Lógico procurou
eliminar do seu horizonte em primeiro lugar. Uma vez que a de-
monstração formal do conhecimento construído empiricamente
se encontra dependente de um fundamento a priori que o trans-
cende, essa mesma fundamentação não pode, por definição, ser
comprovada sem recurso a um outro âmbito de explicação que, do
mesmo modo, a justifique transcendendo-a, o que por sua vez im-
plicaria seguir o caminho metafísico de demonstração da verdade
desse mesmo fundamento que se procura justificar. Nas palavras
de Rorty (1992: 83):
Russell tentou resolver este problema através de uma
reinvenção das ideias platónicas. Postulou um mundo de
objetos lógicos extramundanos e uma faculdade de intuição
intelectual com a qual poderiam ser apreendidos. No entanto
Wittgenstein verificou que esta tese ia ao encontro de uma
nova versão do «problema do terceiro homem» que Platão
havia já colocado em Parménides [o problema das entidades
criadas para explicar o conhecimento] (…) Supunha-se que os
objetos lógicos de Russell, as categorias kantianas e as ideias
platónicas constituíam um outro conjunto de objetos — des-
critivos dos objetos empíricos, das intuições kantianas ou dos
particulares materiais platónico-cognoscíveis. Em qualquer
44 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
caso, afirma-se que estes tipos de objetos têm de relacionar-se
com os primeiros antes que estes se encontrem disponíveis,
antes que possam ser experimentados ou descritos.6
Fiel à motivação inicial do Positivismo Lógico, com o
seu Tratado Lógico-Filosófico, Ludwig Wittgenstein propõe uma
fundamentação das bases conceptuais necessárias para a constru-
ção de um novo modo de filosofar, que se encontra desprovida
de todas as suas tendências metafísicas. Na tentativa de superar
o problema da autorreferência da linguagem com o qual se de-
parou o Positivismo Lógico, Wittgenstein procura demonstrar a
possibilidade de reduzir os problemas da Filosofia aos problemas
de construção da linguagem pela qual são formulados. Para tal,
o autor terá de demonstrar que as leis lógicas que estabelecem o
correlato empírico entre a «linguagem» (enquanto totalidade das
«proposições») e o «mundo» (como totalidade dos «factos» que são
«figurados» por essas mesmas «proposições») são, em si mesmas,
suficientes, uma vez que se constituem como verdades apodíti-
cas que não necessitam de qualquer outro tipo de justificação que
não parta delas próprias. Nas palavras do próprio Wittgenstein
(2002: 114), “(...) [o]s limites da minha linguagem são os limites do
meu mundo.”
Ao correlacionar «mundo» e «linguagem» por meio
da análise da estrutura formal simbólica da última — que, por
seu turno, obedece às leis da lógica formal —, o Tratado Lógico-
Filosófico procura sobretudo demonstrar que a «linguagem» é uma
«figuração lógica do mundo», i.e., uma representação figurativa
6.  Conteúdo entre parêntesis retos da nossa responsabilidade.
Ângelo Milhano 45
da realidade, desprovida de qualquer tipo de fundamentação sobre
uma entidade que a transcenda (Kenny, 2006: 44-57). Nas palavras
de Wittgenstein (2002: 52): “4.01 A proposição é uma imagem da
realidade. A proposição é um modelo da realidade tal como nós
a pensamos.”7
Ou ainda, tal como o sublinha Bertrand Russell
(2002: 3),
[a]quilo que tem que haver de comum entre a frase e o facto
não pode, argumenta o sr. Wittgenstein, por sua vez ser dito.
Na sua terminologia, só pode ser mostrado e não dito, porque
tudo o que possamos dizer necessitará também por sua vez de
ter a mesma estrutura.
De acordo com Wittgenstein, o correlato existente
entre a «linguagem» e o «mundo» manifesta-se nas próprias «pro-
posições» que podem ser construídas acerca dele. O «mundo» é
composto por «factos», cujas relações apenas podem ser represen-
tadas pelas «proposições» que acerca dele podem ser construídas.
Uma «proposição elementar» representa, por essa razão, um «es-
tado de coisas», i.e., uma figuração daquilo que na realidade está
dado; uma relação que se estabelece entre os «factos», cujo senti-
do advém da possibilidade do seu relacionamento, e cuja verdade
ou falsidade pode ser empiricamente comprovada. Neste sentido,
qualquer «proposição elementar», enquanto representação de um
«estado de coisas», pode ser considerada como uma «figuração ló-
gica» do «mundo», desde que manifeste um «facto» possível de ser
comprovado empiricamente, uma vez que,
7.  A este respeito veja-se também: Fabris, 2001: 11-20.
46 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
[q]ualquer representação pode ser uma representação precisa
ou imprecisa: pode fornecer uma figuração verdadeira ou fal-
sa daquilo que pretende representar. Foi esta constatação que
levou Wittgenstein a desenvolver uma investigação que tem
por intuito a clarificação da natureza das proposições através
de uma teoria da representação. Em qualquer representação
existem sempre duas coisas que devem ser consideradas: a)
o que é que a representação pretende representar b) se aqui-
lo que pretende representar é representado de forma precisa
ou imprecisa. A distinção entre estas duas características da
representação corresponde-se, no que diz respeito a uma pro-
posição, com a distinção entre aquilo que a proposição quer
dizer, e se aquilo que ela quer dizer é verdadeiro ou falso —
entre sentido e valor de verdade. (Kenny, 2006: 44)
Para além das «proposições elementares», Wittgenstein
admite também a existência de «proposições lógicas» na lingua-
gem que, embora se encontrem desprovidas de sentido — pois
o seu valor de verdade não depende diretamente da experiência
— têm de ser necessariamente verdadeiras ou falsas. As «propo-
sições lógicas», embora se refiram ao «mundo», não apresentam
uma «figuração» dos «estados de coisas» que nele são dados. As
«proposições lógicas», ao contrário das «proposições elementa-
res», tal como refere Wittgenstein em 6.121, “(...) demonstram as
propriedades lógicas das proposições ligando-as em proposições
que nada dizem (…) o [seu] estado de equilíbrio mostra como estas
proposições têm que ser constituídas logicamente” (Wittgenstein,
2002: 123).8
Este é o caso das «tautologias» que, segundo o autor,
8.  O conteúdo entre parêntesis retos é da nossa responsabilidade.
Ângelo Milhano 47
se definem como «proposições» capazes de apresentar todas as
possibilidades relativas a um determinado «facto», mas que são
em si mesmas desprovidas de sentido. Enquanto o valor de ver-
dade das «proposições elementares» se determina empiricamente,
com as «proposições lógicas», embora se faça também uma refe-
rência ao «mundo», o seu valor de verdade não é dele dependente,
ele é determinado pela própria «proposição», i.e., pela forma lógi-
ca que este tipo de proposição representa. Elas são, nesse sentido,
«proposições» analíticas, uma vez que não se mostram como uma
figuração da relação que se estabelece entre os «factos». Antes re-
fletem a priori todas as possibilidades relativas a um determinado
«facto», apresentando do mesmo modo a sua verdade — no caso
das tautologias — ou falsidade — no caso das contradições. Nas
palavras de Wittgenstein (2002: 125):
(...) As proposições da Lógica descrevem as traves-mestras
do mundo, ou melhor ainda, representam-nas. Não «tratam»
de nada. Pressupõem que os nomes têm uma denotação e as
proposições elementares um sentido — e é esta a sua ligação
com o mundo. Que certas ligações de símbolos — que essen-
cialmente têm um certo carácter — são tautologias tem que
revelar, claro, alguma coisa acerca do mundo. Eis o decisivo.
Dissemos que, nos símbolos que usamos, algumas coisas são
arbitrárias, outras não são. Na Lógica só exprimem estas: mas
isto não significa que na Lógica nós não exprimimos o que
queremos por meio de símbolos, mas antes que na Lógica a
natureza dos símbolos necessários e naturais fala por si: se
conhecemos a sintaxe lógica de uma linguagem simbólica en-
tão já temos todas as proposições da Lógica.”
48 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
Com a sua proposta de figuração do «mundo» por meio
das «proposições» que podem ser feitas acerca dele, Wittgenstein
— ainda em sintonia com os intuitos primordiais da Filosofia
kantiana — procura definir quais os limites do conhecimen-
to filosófico. O «mundo», assim como tudo aquilo que pode ser
pensado acerca dele, está delimitado pela linguagem que o repre-
senta simbolicamente através de «proposições». Uma vez que a
Filosofia desenvolve a sua reflexão acerca de problemas que se dão
nesse «mundo» do qual a «linguagem» se pretende «figura», para
Wittgenstein, esses problemas podem, por essa mesma razão, ser
resolvidos através de uma análise lógica das «proposições» pelas
quais são formulados. No entanto, com o Tratado Lógico-Filosófico,
Wittgenstein comprova que os problemas sobre os quais tradicio-
nalmente recai o pensamento filosófico — sejam estes de caráter
metafísico, ético, ou estético — não possuem um correlato em-
pírico comprovável, do mesmo modo que não refletem a forma
lógica de um «facto». Por outras palavras, poder-se-á dizer que
os problemas tradicionais da Filosofia (e.g., imortalidade da alma,
o telos (τέλος) da vida humana, a arte, etc.) não podem ser cons-
tituídos como um «facto» do qual a «linguagem» é «figura», uma
vez que as «proposições» pelas quais são formulados não podem
confirmar-se empiricamente como verdadeiras ou falsas, ou como
logicamente possíveis ou impossíveis. Wittgenstein considera, por
essa razão, que os problemas tradicionais da Filosofia — que acaba
por denominar como «místicos» (Wittgenstein, 2002: 138-142)
— se constituem antes como «pseudoproblemas», pois, embora
sejam problemas que podem ser representados linguisticamente,
qualquer análise lógica que seja feita em torno da linguagem pela
qual são formulados irá apenas constatar a sua falta de sentido.
Ângelo Milhano 49
O vínculo que se estabelece entre a «linguagem», pela qual são
construídos, e o «mundo», que essa mesma «linguagem» delimita
e do qual se pretende «figura», não pode ser comprovado empi-
ricamente, do mesmo modo que não possui uma forma lógica
expressa, o que implica a impossibilidade de demonstrar a veraci-
dade ou falsidade das suas «proposições».
Como consequência, esta impossibilidade de analisar
estruturalmente os problemas tradicionais que são investigados
nestes âmbitos da reflexão filosófica leva Wittgenstein a defender
uma ‘limpeza’ da Filosofia deste tipo de questões. Uma ‘limpeza’
que tem por finalidade a transformação da Filosofia de um co-
nhecimento especulativo para um conhecimento analítico, cuja
função consiste imperiosamente em clarificar os problemas e
incongruências inerentes à estrutura lógica da «linguagem»,
descartando qualquer questão ou proposição que não possuam
uma correlação figurável com o «mundo». Para Wittgenstein
(2002: 142),
[o] método correto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o
que pode ser dito, i.e., as proposições das ciências naturais
— e portanto sem nada que ver com a Filosofia — e depois,
quando alguém quisesse dizer algo de metafísico, mostrar-
-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais
não foi dada uma denotação. A esta pessoa o método pa-
receria ser frustrante — uma vez que não sentiria que lhe
estávamos a ensinar Filosofia — mas este seria o único méto-
do estritamente correto.
50 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
O intuito wittgensteiniano que se materializou no
Tratado Lógico-Filosófico, marcou com os seus pressupostos toda
uma escola de pensamento, aquela que hoje se denomina como
a corrente analítica da Filosofia. O pensamento desenvolvido
por Wittgenstein ao longo do Tratactus e, postumamente, tam-
bém com as suas Investigações Filosóficas (1971), demonstrou-se
como o principal impulsionador daquele que Gustav Bergmann
denominou como o Linguistic Turn da Filosofia.9
Pois, mais que
uma tentativa de transformar a Filosofia numa ciência empí-
rica desprovida das suas tendências metafísicas, a proposta de
Wittgenstein trouxe consigo uma leitura da Filosofia que, a par
do Estruturalismo iniciado pelo trabalho de Ferdinand Saussure
e a par da tradição hermenêutica germânica, levou o pensamento
filosófico ao encontro das questões que se levantam com a cor-
relação que se estabelece entre a linguagem, o pensamento, e o
mundo (Surkis, 2012: 700-722).
No entanto, a influência da tecnociência sobre o
Linguistic Turn que foi impulsionado pelo Positivismo Lógico
mostra-nos ainda algo mais para além dos intuitos de cientificida-
de positiva que imperam no contexto académico da modernidade
tardia. Com a delimitação de novos horizontes para o pensamen-
to filosófico — dentro dos quais se desenha uma orientação do
pensar que segue as linhas de uma conceção científica de todo o
universo —, a Filosofia acaba por se transformar ela mesma num
saber técnico, numa metodologia de validação dos processos de
construção de conhecimento que procura reduzir a subjetividade
9.  É Richard Rorty quem atribui a Gustav Bergmann o cunho da designação Linguistic
Turn (Rorty, 1992: 1-39).
Ângelo Milhano 51
metafísica ao rigor das estruturas que delimitam a análise da
lógica formal simbólica. A introdução da linguagem como seu
objeto de estudo exclusivo, implica, por isso, a possibilidade de
uma alteração radical do estatuto académico da Filosofia. Muito
embora se pretenda autónoma, a Filosofia passou a encontrar-se
dependente das outras áreas de investigação sobre cujas metodo-
logias recai a sua análise lógica. O telos da Filosofia tradicional,
o alcance do saber pelo prazer de saber, correu, por essa razão, o
risco de ser posto de parte. À medida que a proposta positivista
do filosofar a procurou transformar num saber prático, procurou
também reduzir a Filosofia a um medium, a um instrumento do
qual outros âmbitos do saber fazem recurso para validar as suas
metodologias, elas próprias orientadas para a obtenção de resulta-
dos previamente determinados pelo ser humano. Em suma, e de
acordo com a linhas fundamentais que são demarcadas por auto-
res tais como Wittgenstein, a transformação da Filosofia implica
a sua reconstrução como uma tecnociência cuja metodologia, à
semelhança das que são utilizadas no contexto das ciências exatas,
elabora uma redução positiva do seu objeto de estudo através da
eliminação das variáveis subjetivas inerentes ao seu significado
linguístico, pois só deste modo é possível garantir a maior objeti-
vidade dos seus resultados.
O Positivismo Lógico pode, por isso, ser compreendido
como uma corrente que procura transformar conceptualmente a
Filosofia numa tecnologia orientada para a análise da linguagem,
procurando guarnecer a investigação desenvolvida no contex-
to das «ciências do espírito» de uma cientificidade equivalente
àquela que caracteriza a investigação feita pelas ciências exatas.
A análise lógica da linguagem proposta pela tradição positivista,
52 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
procura eliminar dos estudos das humanidades as variáveis sub-
jetivas que a natureza do intelecto humano lhes tem vindo a
impor, subjugando o seu objeto de estudo aos intuitos almejados
pelos seus investigadores. A abordagem criada pela metodologia
positivista compreende-se, por isso, como uma tecnologia aplica-
da, pela qual se possibilita a redução positiva do ser humano à sua
representação linguística.
Capítulo 2
— A Hermenêutica
contemporânea como
salvaguarda da “tradição”
nas humanidades
A racionalidade tecnocientífica e a crise das
humanidades
A influência que a tecnociência exerceu sobre a Filosofia
tardo-moderna manifestou-se com a instrumentalização dos seus
pressupostos mais fundamentais, procurando levá-los ao en-
contro dos princípios de um saber operacional determinado em
função de uma «racionalidade tecnológica». Ao longo de toda a
sua história, a Filosofia procurou sempre constituir-se como um
fim em si mesma. Muito embora fosse possível determinar di-
ferentes tendências teleológicas no trabalho desenvolvido pelos
mais diversos filósofos e tradições de pensamento, o caminho que
a Filosofia traçou foi sempre tomado como um fim em si mesmo,
e não como um instrumento, como uma metodologia orientada
para alcançar fins que lhe são externos. Com o culminar tecno-
lógico da modernidade, assistiu-se a uma transformação desta
54 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
conceção tradicional do pensamento filosófico. A ideia do pensa-
mento como um fim em si mesmo, como a procura por um saber
desinteressado e livre, perdeu essa conotação no contexto acadé-
mico que marcou o início do séc. XX (Steiner, 2008: 13-32).
O avanço da sociedade industrializada implementou
um novo paradigma que acabou por definir a moderna conceção
do conhecimento: o paradigma da «utilidade». A viragem da re-
flexão filosófica ao encontro da linguagem é, em muitos aspetos,
devedora desta transformação. Sobretudo no que diz respeito às
configurações positivistas do pensamento ocidental, é nelas pos-
sível compreender uma delimitação tecnológica do filosofar. Ao
longo do capítulo anterior, procurei argumentar que a Filosofia
surgiu teorizada como um instrumento que se destina a clarifi-
car os problemas inerentes à construção e ao uso da linguagem,
atribuindo-lhe uma utilidade. Como consequência, foi a própria
linguagem que surgiu também representada tecnologicamente;
conceptualizada de acordo com as linhas de uma leitura norma-
tiva. Na escola positivista, a linguagem foi perspetivada a partir
das suas questões formais e estruturais. A preocupação pelos con-
teúdos que através dela se transmitem passa para um âmbito
secundário que, em muitas circunstâncias, chega mesmo a ser
descartado para salvaguardar a objetividade da investigação que
nesse contexto se desenvolve.
Com esta instrumentalização do pensamento filosófico
e, consequentemente, da conceção que aí se constrói da lingua-
gem, compreendo que se colocou em causa o próprio estatuto
filosófico do humano. Aquela que tradicionalmente se denomina
como a essência do ser humano, aquela com a qual as humanida-
des se ocupam nos seus estudos, tal como o procurou demonstrar
Wittgenstein ao longo do Tratactus, não pode ser alvo de uma
Ângelo Milhano 55
análise formal, orientada de acordo com os pressupostos da ra-
cionalidade tecnológica. Aquela que se poderá designar como a
manifestação empírica mais concreta do humano, está relacio-
nada com a substância inerente ao uso da linguagem, e mesmo
uma análise estrutural que procure evidenciar o processo de cons-
trução dos seus conteúdos significativos, deixará sempre de fora
aquele que, quiçá, se constitui como o elemento mais importante
da humanidade: a subjetividade inerente à sua existência.
Em A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia
Transcendental (1954), Edmund Husserl argumenta que esta ten-
dência metodológico-objetivista que marcou a tradição Positivista,
para além de se fazer sentir em todos os domínios do saber pelos
quais se compõem as humanidades (Geisteswissenschaften), acabou
também por colocá-las em crise (Husserl, 2012). Uma crise que
encontrou a sua origem na própria pretensão de objetividade al-
mejada pelas humanidades, na sua tentativa de replicar e aplicar
as metodologias das ciências exatas ao seu objeto de estudo: o ser
humano. O argumento central sobre o qual se desenvolve a crítica
de Edmund Husserl, assenta sobre a sua constatação de que, no
esforço de construção de um conhecimento objetivo, universal,
resultante de uma metodologia abstrata e unificada, acerca das
questões do ser humano, da sua cultura, sociedade e história, as
humanidades acabaram por virar as costas à essência subjetiva do
ser humano. Para Husserl, foi esta indiferença das “ciências do es-
pírito” para com aquilo que no humano acaba por defini-lo como
tal, o que acabou por se constituir como o núcleo da sua crise. Pois,
[a] exclusividade com que, na segunda metade do séc. XIX,
toda a visão do mundo do Homem moderno se deixou deter-
minar pelas ciências positivas, e cegar pela prosperity a elas
56 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
devida, significou um virar de costas indiferente às questões
que são as decisivas para uma humanidade genuína. Meras
ciências de fatos fazem meros homens de fatos. A inversão da
opinião pública era inevitável, em particular depois da guer-
ra, e, na geração mais jovem, tornou-se pouco a pouco uma
disposição hostil. Na urgência da nossa vida — ouvimos —
esta ciência nada nos tem a dizer. (Husserl, 2012: 3)
A atitude positiva, que advoga pela objetividade cientí-
fica nas humanidades tornou-se, para Husserl, numa sombra da
atitude reformista que lhe deu origem, e que impulsionou a emer-
gência da própria época moderna. O anseio que movia a atitude
positiva, o intuito de construir um conhecimento universal, de,
por via da aplicação da metodologia tecnocientífica descobrir uma
verdade unificada, transversal a todas as áreas do conhecimento,
acabou por definhar perante a tomada de consciência da impos-
sibilidade da sua realização prática. O fechamento dos vários
domínios científicos sobre si próprios, decorrente da sua sempre
crescente especialização teórica, contrariou os intuitos primor-
diais que marcaram a génese do Positivismo. Para Husserl, com
a crise das ciências, foi a própria conceção da verdade que acabou
por ser colocada em questão (Husserl, 2012: 7-10).
Cabe, por isso, ao filosofar a tarefa de recuperar o pro-
jeto inicial das humanidades, de recuperar o que foi, entretanto,
perdido, e ultrapassar o problema da “territorialização” da razão
que foi sendo construída pelas várias ciências positivas. Husserl
compreende, com este problema, a necessidade de construir um
diálogo entre as ciências, de fomentar um exercício interpretativo
capaz de ir ao encontro daquilo que, no “outro”, nos é também
Ângelo Milhano 57
semelhante. A crise das ciências, enquanto fechamento da verda-
de sobre uma conceção particular da razão, mostra-se, por isso,
também como uma crise do humano. Para Husserl (2012: 12-13),
(s)omos, então, no nosso filosofar (…) funcionários da huma-
nidade. A responsabilidade inteiramente pessoal pelo nosso
verdadeiro ser próprio, enquanto filósofos na nossa íntima
vocação pessoal, traz em si, ao mesmo tempo, a responsa-
bilidade pelo verdadeiro ser da humanidade, o qual só é na
medida em que é dirigido a um telos e, se de todo puder ser
efetivado, só o pode ser pela filosofia — por nós, se formos
seriamente filósofos.
Os fundamentos da Hermenêutica em Friederich
Schleiermacher e Wilhelm Dilthey
A tradição hermenêutica germânica, numa primei-
ra fase, apresenta-se também em consonância com a orientação
técnico-metodológica que caracterizou o contexto académico po-
sitivista do final do séc. XIX e do início do séc. XX.1
Na sua raiz, a
Hermenêutica filosófica de Friederich Schleiermacher mostra-se
como uma proposta técnico-metodológica que procura garantir a
melhor interpretação possível dos conteúdos inerentes aos textos
1.  Esta referência a uma primeira fase da Hermenêutica é aqui introduzida à luz da di-
visão que Josef Bleicher faz deste âmbito disciplinar. Segundo Bleicher, a Hermenêutica
pode dividir-se em três vertentes. A primeira diz respeito à Hermenêutica Metodoló-
gica, que o autor designa de «Teoria Hermenêutica». Esta ocupa-se fundamentalmente
com os processos metodológicos da interpretação. A segunda diz respeito à «Filosofia
Hermenêutica», que se ocupa das propostas hermenêuticas de orientação ontológica que
são avançadas por autores tais como Martin Heidegger ou Hans-Georg Gadamer, onde a
Hermenêutica, mais que uma metodologia, é entendida como um sistema de pensamen-
to que permite questionar diversos domínios da existência humana. A última divisão,
que diz respeito à Hermenêutica crítica, e refere-se aos contributos pós-fenomenológicos
para a Hermenêutica, onde poderá introduzir-se a «meta-hermenêutica» (Bleicher, 1980).
58 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
filosóficos. Esta é uma proposta que se afasta das tendências obje-
tivistas que caracterizaram a metodologia usada pelo Positivismo
Lógico, visto não descartar dos seus horizontes a dimensão subje-
tiva que o ser humano imprime no uso da linguagem. Antes pelo
contrário, na tradição da Hermenêutica filosófica iniciada por
Schleiermacher, essa subjetividade inerente à linguagem é tomada
como uma das dimensões mais importantes do conhecimento que
através dela se pretende alcançar (Bowie, 1998: xii-xix).
Para Schleiermacher, o processo interpretativo
apresenta-se, na sua essência, como um esforço de reconstrução
dos processos intelectuais que levaram um autor a construir o
texto que é alvo de interpretação. Uma reconstrução que é ela-
borada, e apenas tornada possível ao intérprete, por meio de uma
metodologia própria que Schleiermacher denominou de «círculo
hermenêutico»: uma metodologia de interpretação circular que
correlaciona dialeticamente as partes e o todo que compõem um
texto. Esta metodologia tem em vista a «compreensão»,2
de alcan-
çar o sentido do texto à luz das intenções subjetivas do seu autor.3
2.  O conceito de «compreensão», em Schleiermacher, encontra-se diretamente relacio-
nado com a capacidade do intérprete alcançar a realidade interna do outro, neste caso
do autor do texto a ser interpretado (Palmer, 1999: 91-103; Schleiermacher, 1998: 9-11).
3.  De acordo com a proposta avançada por Schleiermacher, a interpretação de um texto
necessita, em primeiro lugar, de partir de uma familiaridade prévia do intérprete com os
conteúdos da obra a interpretar — e.g., o tema que o autor trabalha no texto, a corrente
de pensamento onde se insere, etc. —, uma vez que a interpretação, assim como a «com-
preensão» por ela almejada, necessitam de um conhecimento prévio que lhes possa abrir
o caminho. É este conhecimento prévio que irá delimitar a ideia — ainda que preliminar
— do todo que irá subsequentemente orientar a interpretação das partes do texto que, por
seu turno, irão complementar a compreensão da ideia do todo que irá, da mesma forma,
facilitar cada vez mais a interpretação das restantes partes suas constituintes. A «com-
preensão» de um texto, tal como esta é prefigurada no pensamento de Schleiermacher,
é tornada possível por meio da aplicação desta técnica de interpretação circular que se
estabelece entre as partes e o todo do texto e que vai ao encontro da subjetividade nele
inscrita pelo seu autor (Palmer, 1999, pp. 91-103).
Ângelo Milhano 59
Para Schleiermacher, com o «círculo hermenêutico» torna-se pos-
sível ao intérprete “compreender o autor melhor do que este se
compreendeu a si próprio” (Schleiermacher, 1998: 228).
Através desta metodologia, o intérprete procura re-
construir os processos mentais do autor, mediante um exercício
dialético que se constrói entre a «interpretação gramatical» do
texto, e uma «interpretação psicológica» que o leva ao encontro
do caráter subjetivo do mesmo, i.e., dos processos mentais que
nele foram impressos pelo autor. Com o «círculo hermenêutico»
o intérprete procura, através do seu próprio intelecto, reconstruir
as intenções subjetivas que moveram o autor, procurando sempre
determinar a dimensão intelectual subjetiva que assim está inscri-
ta no texto. Por esta via,
[o] intérprete compreende a individualidade do autor relati-
vamente ao geral mas compreende-a também de um modo
positivo, quase de um modo direto e intuitivo. Tal como o
círculo hermenêutico envolve a parte e o todo, a interpreta-
ção gramatical e psicológica como uma unidade, envolve o
específico e o geral; este último tipo de interpretação é geral
e limitativo, bem como individual e positivo. A interpretação
gramatical mostra-nos a obra na sua relação com a língua,
tanto na estrutura das frases como nas partes interatuantes
de uma obra e também com outras obras do mesmo tipo li-
terário; assim, podemos ver o princípio das partes e do todo,
em ação na interpretação gramatical. De igual modo, a indi-
vidualidade do autor e da obra têm que ser vistas no contexto
dos factos mais amplos da sua vida, contrastando com outras
60 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
vidas e com outras obras. O princípio de interação e de es-
clarecimento recíproco da parte e do todo é essencial para os
dois aspetos da interpretação. (Palmer, 1999: 95-96)
Na proposta de Schleiermacher desenha-se, por esta ra-
zão, uma técnica que, ao contrário daquela que é proposta pelo
Positivismo Lógico, procura ir ao encontro da dimensão subjetiva
do intelecto humano, demarcando-se das tendências objetivistas
inerentes à proposta técnico-metodológica defendida por essa
tradição. Porém, a proposta de Schleiermacher é ainda limitada
a um domínio de investigação muito particular das humanidades
(Geisteswissenschaften) — o do texto filosófico —, sendo que é com
a perspetiva historicista de Wilhelm Dilthey onde, pela primei-
ra vez, se irá apresentar a Hermenêutica, simultaneamente, como
metodologia e fundamentação epistemológica de toda a investiga-
ção a ser desenvolvida pelas humanidades.
Dilthey apresenta-se na História da Filosofia como
um pensador cuja orientação intelectual se encontra ainda em
consonância com a pretensão positivista de fundamentar epis-
temologicamente um âmbito de estudo técnico-científico do
humano que, embora se afaste das tendências metafísicas que
marcaram os primórdios da Filosofia Moderna, se demarca das
restantes correntes que seguem esta linha por não pretender edi-
ficar as humanidades sob os pressupostos positivos das ciências
exatas (Dilthey, 1992: 15-23). A proposta hermenêutica de Dilthey
pretende por isso fornecer às «ciências do espírito» uma aborda-
gem original, própria ao seu domínio de investigação, que tem em
conta a dimensão subjetiva, e sobretudo histórica, do ser humano.
Nas palavras de Dilthey (1992: 43),
Ângelo Milhano 61
[o] método só pode, portanto, ser o seguinte: busca das cone-
xões, etc. Sua suplementação como interpretação.
Decurso do conhecido para o desconhecido, isto é, dos factos
históricos para a conexão neles ínsita, na sua legalidade.
Ou ainda, tal como o descreve Palmer (1999: 106-107):
O projeto de formular uma metodologia adequada às ciências
que se centram na compreensão das expressões humanas —
sociais e artísticas — é primeiramente encarado por Dilthey
no contexto de uma necessidade de abandonar a perspetiva
reducionista e mecanicista das ciências naturais, e de encon-
trar uma abordagem adequada à plenitude dos fenómenos.
Mais que uma metodologia, Dilthey procura construir
uma fundamentação segura para as humanidades que, ao mes-
mo tempo que lhes proporciona o reconhecimento e autonomia
académica por elas almejado, as distingue das ciências naturais
e exatas ao demarcar as características particulares inerentes ao
estudo do seu objeto: o ser humano. A «vivência» («Erlebnis»), a
«experiência interior vivida» pelo ser humano, constitui-se, para
Dilthey, como o principal domínio sobre o qual se deverá debruçar
a investigação das humanidades. O autor considera que o estudo
do humano deve ser construído, em primeiro lugar, a partir de
uma «compreensão»4
da sua interioridade, pois é na «vivência»
do mundo que é experimentada pelo indivíduo, i.e., na visão sub-
jetiva que cada ser humano elabora do mundo que o rodeia, onde
4.  Por compreensão, Dilthey, numa proximidade relativa com Schleiermacher, entende a
«captação» que o intérprete faz da «expressão» do «mundo interior vivido» de um outro
ser humano. Em suma, para Dilthey, a «compreensão» não se limita, por isso, só ao texto,
uma vez que se estende a qualquer tipo de «expressão» humana (Dilthey, 1989: 152-164;
Palmer, 1999: 105-128; 135).
62 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
se desenham os motivos que orientam as suas «expressões»; onde
se encontram os fundamentos para os factos externos que acerca
dele podem ser — posteriormente — analisados de modo objetivo
(Dilthey, 1989: 154-159). Tal como se pode compreender com o
caso da «ação»:
Uma ação não brota de uma intenção de comunicar; no en-
tanto, o propósito com o qual se relaciona encontra-se nela
contido. Existe uma relação entre uma ação e algum conteú-
do mental que nos permite construir inferências prováveis.
Mas é, para tal, necessário distinguir o estado de espírito
que produziu a ação pela qual se expressa, das circunstân-
cias da vida pelas quais ela é condicionada. A ação, pela
força de um motivo decisivo, afasta-se da plenitude da vida
demonstrando-a num só sentido. Não importa o quanto
possa ser acerca dela considerado, ela expressa apenas uma
parte da nossa natureza. Ela vem aniquilar potencialidades
que subjazem a essa natureza. Desta forma, também a ação
se separa do plano contextual da vida e, a não ser que seja
acompanhada de uma explicação de como as circunstâncias,
os propósitos, os meios, e o restante contexto da nossa vivên-
cia se encontram nela interligados, não é possível construir
uma compreensão abrangente da vida interior que lhe deu
origem. (Dilthey, 1989: 153)
Na proposta de Dilthey, o objeto de investigação das hu-
manidades necessita de ser encarado a partir de uma abordagem
técnico-metodológica substancialmente diferente daquela que é
desenvolvida no contexto das ciências exatas. Ao contrário dos
objetos que aí são investigados, o ser humano destaca-se pela sua
Ângelo Milhano 63
subjetividade, uma vez que é possuidor de uma intencionalidade
própria, de uma agência, fruto da atividade da sua vida interna,
das suas «vivências». Os fundamentos das «expressões» humanas
— sejam elas psicológicas, sociais, artísticas, políticas ou históri-
cas —, não podem ser reduzidos ao enquadramento analítico do
empiricamente observável, os seus fundamentos estão ocultos
na «vivência», inacessível às abordagens técnico-instrumentais
delimitadas pela metodologia das ciências exatas. Em Dilthey, a
Hermenêutica constitui-se, por essa razão, como a única metodo-
logia possível de ser aplicada no estudo feito pelas humanidades,
uma vez que o exercício de interpretação que a delimita vai ao
encontro desta intencionalidade característica das «vivências»
(Gadamer, 1999: 225-252).5
De acordo com a conceptualização que Dilthey constrói
das humanidades, depreende-se que a sua delimitação face às ciên-
cias naturais e exatas se determina a partir da abordagem feita ao
seu objeto de investigação. Tal implica, por isso, uma distinção
que se estabelece também ao nível das metas almejadas por cada
um destes domínios de investigação. A «explicação» apresenta-se,
aqui, como um conceito radicalmente diferente da «compreen-
são». Enquanto as ciências naturais e exatas procuram fornecer
uma «explicação» factual dos fenómenos que são alvo da sua in-
vestigação, na proposta de Dilthey, as humanidades apresentam-se
determinadas sob o intuito de alcançar a «compreensão» das «ex-
pressões» humanas — que, no seu conjunto, delimitam a história
—, e que apenas se torna possível por via da interpretação (Dilthey,
1989: 161-164).
5.  A este respeito veja-se também Bleicher (2002: 34-43).
64 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
Portanto, a diferença entre os estudos humanísticos e as
ciências naturais, não está necessariamente nem num tipo
de objeto diferente que os estudos humanísticos possam
ter, nem num tipo diferente de perceção; a diferença essen-
cial está no contexto dentro do qual o objeto percecionado
é compreendido. Os estudos humanísticos farão por vezes
uso dos mesmos objetos ou «factos» das ciências da nature-
za, mas num contexto de relações diferentes, num contexto
que inclui ou que refere uma experiência interna. A ausência
da referência à experiência humana é característica das ciên-
cias naturais; a presença de uma referência à vida interior do
homem está inevitavelmente presente nos estudos humanís-
ticos. (Palmer, 1999: 111)
Mesmo prezando por uma atenção à dimensão subje-
tiva do humano, há que sublinhar que a proposta hermenêutica
de Dilthey procura possibilitar às humanidades uma «compreen-
são» objetiva das «expressões» humanas. Uma objetividade que,
não obstante, só se torna possível quando a subjetividade inerente
às «vivências» é tomada em consideração como uma dimensão
fundamental do humano. Por esta razão, a crítica de Dilthey à
tradição positivista centra-se mais sobre a tendência redutora que
se manifesta nos seus pressupostos técnico-metodológicos, do
que propriamente na cientificidade que por ela é almejada. Para
Dilthey, os estudos humanísticos, se se pretendem verdadeira-
mente científicos, têm obrigatoriamente de tomar a subjetividade
humana como um elemento fundamental das suas investigações.
Ângelo Milhano 65
A «vivência» individual subjetiva é uma das dimensões mais ca-
racterísticas da humanidade, constituindo-se mesmo como uma
das mais fundamentais (Gadamer, 1999: 277-291).6
A Hermenêutica Fenomenológica de Martin
Heidegger e Hans-Georg Gadamer
Embora os contornos do pensamento de Dilthey se defi-
nam por uma orientação essencialmente historicista, o seu alcance
teórico fez-se sentir em diversos ramos do pensamento filosófico.
O intuito de construir uma Critica da Razão Histórica pela parte de
Dilthey, aliado com a teoria da linguagem delineada por Wilhelm
Von Humboldt, aos quais se juntou a Fenomenologia de Edmund
Husserl, encontram-se na base conceptual do Linguistic Turn que
se operou na tradição hermenêutica germânica, sobretudo no
que diz respeito à sua vertente fenomenológica. A Hermenêutica
Fenomenológica, pela primeira vez apresentada por Martin
Heidegger em Ser e Tempo (1927), é disso o exemplo, conjugando
numa nova abordagem ao problema da delimitação do contexto
de investigação da Hermenêutica os pressupostos teóricos previa-
mente delineados por cada um destes três autores.
A influência de Dilthey na Hermenêutica Fenomeno-
lógica de Heidegger manifesta-se sobretudo no modo como o
último acaba por definir a «compreensão»7
a partir da sua relação
6.  A este respeito veja-se também Palmer (1999: 105-128).
7.  Embora se possa compreender a presença desta influência, na proposta hermenêutica
heideggeriana apresentada em Ser e Tempo os conceitos de «compreensão» e de «interpre-
tação» caminham a par naquela que é a conceção heideggeriana do «círculo hermenêuti-
co». Não há em Heidegger uma cisão entre o sujeito e o objeto aquando do ato interpre-
tativo. Na interpretação, a «compreensão» já esta dada, pois que o objeto interpretado
já faz parte do pensar do sujeito que o interpreta projetivamente. Não há por isso uma
distinção clara entre ambos os conceitos, na medida em que o ato interpretativo só é
66 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
com a «situação hermenêutica» do sujeito interprete. A funda-
mentação desta proposta pressupõe uma reformulação do «círculo
hermenêutico» a partir de uma compreensão do papel que a «tem-
poralidade» desempenha sobre os processos interpretativos, assim
como do próprio Dasein no aí em que a leva a cabo (Heidegger,
2008a: 188). Já no que diz respeito à teoria da linguagem defendida
por Humboldt, Heidegger vai sobretudo beber da ideia segundo a
qual a linguagem cria uma «abertura de mundo».
É na linguagem onde se propicia a abertura necessária
para a «compreensão», para a possibilidade de «ser-no-mundo»
do Dasein onde o «ser» se dá a manifestar. Heidegger, a par de
Humboldt, considera que a linguagem, mais que uma simples
representação instrumental do «mundo», é uma forma de confi-
gurar a «compreensão» para o «ser» que se manifesta nesse mesmo
«mundo» onde o Dasein se encontra lançado (Lafont, 1997: 21-33).
No entanto, a Hermenêutica Fenomenológica heideggeriana só
ganha a sua fundamentação filosófica mais profunda com a sua
receção da Fenomenologia de Edmund Husserl, nomeadamente
no encontro de Heidegger com o conceito husserliano de «mundo
da vida» («Lebenswelt»), pelo qual o sujeito intérprete se consti-
tui como o fundamento de toda a compreensão objetiva. Segundo
Gadamer (1999: 310),
possível porque ele é já «compreensão», i.e., uma projeção das possibilidades do «ser» no
futuro, a partir da experiência passada do sujeito que constrói a sua interpretação no pre-
sente. A «compreensão» não é por essa razão algo distinto da interpretação, ela faz parte
do «ser-no-mundo» do próprio Dasein. Tal como se pode deduzir das palavras de Heide-
gger (2008a: 188): “Na interpretação a compreensão não se transforma em algo diferente,
torna-se nela própria. A interpretação encontra-se existencialmente fundamentada no
compreender; a última não deriva da primeira.” A este respeito veja-se também: Lafont,
(1997: 75-80) assim como Gadamer (2000: 64-68).
Ângelo Milhano 67
[n]o intuito de apresentar uma contraproposta ao conceito
de mundo que engloba o universo daquilo que é objetivável
pelas ciências, Husserl apresenta um conceito fenomenoló-
gico que denomina de «mundo da vida», ou seja, o mundo
em que nos introduzimos ao viver na nossa atitude natural,
que não nos é objetivo como tal, mas que apresenta em cada
caso o solo prévio de toda a experiência. Este horizonte do
mundo está pressuposto também em todas as ciências e é por
isso mais originário que elas. Como fenómeno horizontal,
este «mundo» refere-se essencialmente à subjetividade; e esta
referência significa ao mesmo tempo que «tem o seu ser no
fluxo dos “em cada caso”».
O problema fundamental que lança a Hermenêutica
heideggeriana está diretamente relacionado com o papel nuclear
da subjetividade humana pressuposto, tanto na proposta herme-
nêutica de Dilthey, como na fenomenologia husserliana. Embora
Dilthey advogue pela cientificidade das «ciências do espírito» sob
uma hermenêutica que parte da «vivência», na defesa do papel
ativo que é desempenhado pela subjetividade no processo de in-
terpretação histórica que dá fundamento à sua proposta, o autor
não deixa de abrir o caminho para um «subjetivismo» das hu-
manidades. Do mesmo modo, e embora se procure demonstrar
como o fundamento primordial para a objetividade de todo o co-
nhecimento, para Heidegger, a subjetividade inerente ao «mundo
da vida» husserliano remete também por este caminho que vai
ao encontro do «subjetivismo», uma vez que a Fenomenologia de
Husserl se constitui, em última instância, como uma teoria an-
tropocêntrica do conhecimento, cujo fundamento nuclear acaba
por remetê-lo à «consciência intencional» do «eu» na sua relação
68 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
com os objetos (Paisana, 1992: 113-142).8
No sentido de superar
esta problemática, a linguagem, enquanto «abertura do mundo»,
apresenta-se para Heidegger como o elemento mediador entre a
subjetividade do «mundo da vida» husserliano e a objetividade do
«ser» que se manifesta no «mundo» onde o Dasein se encontra
lançado. Tal como o sublinha João Paisana (1992: 121),
Husserl, (…) tomando como ponto de partida a consciência
(Bewusstsein), parte da subjetividade, bloqueando-se na ima-
nência do sujeito sem poder dar conta da acritude do Dasein.
Na verdade, depois de Descartes, a subjetividade surge como
fundamentum inconcussum, nunca posta em questão quanto
ao seu ser. No entanto, segundo Heidegger, só o estudo do
Dasein, partindo da abertura ao mundo, nos permitirá ques-
tionar o ser da subjetividade, assim como da objetividade.
A relação que assim se estabelece entre os conceitos de
«história», «linguagem» e «mundo da vida», encontra-se materia-
lizada no conceito heideggeriano de Dasein, sobre o qual também
se edifica a sua Hermenêutica Fenomenológica. Dasein, enquan-
to manifestação do «ser» no espaço e no tempo — ou seja, como
«abertura», como o «aí» do «ser» que é espácio-temporalmente
manifesto na realidade humana —, define-se como um «ente»
cuja existência é já por si hermenêutica; é o único possuidor de
uma «pré-estrutura compreensiva» que o encaminha ao encon-
tro da tarefa fundamental de «desencobrir» («entbergen») o «ser»
a partir da «facticidade» da sua existência. A «pré-estrutura» da
compreensão que possibilita esta tarefa existencial do Dasein é
8.  A este respeito veja-se também Palmer (1999: 147-153).
Ângelo Milhano 69
tornada possível, antes de tudo, por via da sua aptidão linguística,
do seu λόγος (logos), uma vez que é na capacidade de formular a
questão que inquire pelo «ser» onde se encontra a raiz fundamen-
tal deste privilégio ontológico que o Dasein possui de projetar o
«ser» nas suas possibilidades: como a representação do “enquanto
que” de um determinado «ente» que é captado na interpretação.
Neste sentido, a Hermenêutica Fenomenológica heideggeriana, ao
contrário das propostas hermenêuticas que até aqui têm vindo a
ser analisadas, não centra a sua atenção apenas sobre os processos
subjetivos de interpretação do sujeito. Embora a subjetividade se
constitua como uma das características fundamentais da «pré-
-estrutura compreensiva» deste «ente privilegiado» — e que não
deixa de se encontrar sempre presente no ato interpretativo —,
na proposta hermenêutico-fenomenológica de Heidegger, a tarefa
existencial do Dasein é ontológica. Ela consiste num estar aber-
to à manifestação do «ser» dos entes que compõem o «mundo»
tal como ele é, i.e., em «desencobrir» o «ser» enquanto «ser», no
«mundo» onde o Dasein está lançado e que, por esta via, é também
por ele construído (Heidegger, 2008a: 190-191).9
A proposta delineada por Heidegger é, por esta razão,
também definida como uma «hermenêutica da facticidade» uma
vez que se desenvolve como uma «análise existencial» que tem
em vista a compreensão do «ser» a partir das suas manifesta-
ções ônticas, aquelas que se dão no contexto da quotidianidade
da existência do Dasein. Nesta, o Dasein é no seu «mundo», com
os outros e à beira das coisas, dando-se por essas mesmas vias a
um processo de «desencobrimento» “(…) que projeta o ser sobre
9.  A este respeito veja-se também Fabris (2001: 21-25).
70 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse
possibilidades” (Heidegger, 2008a: 188). Interpretar é o seu modo
de «ser-no-mundo» («in-der-welt-sein»). No mesmo sentido, a
Hermenêutica Fenomenológica, mais que uma metodologia de
investigação, apresenta-se também como uma «analítica da
existência», uma vez que consiste num processo de «desencobri-
mento» do «ser» que, nos «entes», se manifesta como «encoberto»
(verborgenheit). O «ser» desses «entes», é dado a esta manifestação
através da «significação» que é proporcionada pela linguagem,
pois é por meio desta que o «ser» dos «entes» se torna percetível ao
Dasein. É a «significação» quem oferece a abertura necessária para
a compreensão, o que permite o envolvimento da «pré-estrutura
compreensiva» no «desencobrimento» do «ser» dos «entes» que
assim se manifestam. Nas palavras de Heidegger (2008a: 192-193):
Quando os entes intramundanos são descobertos a par com o
Ser do Dasein — ou seja, quando eles chegam a ser compreen-
didos — dizemos acerca deles que possuem sentido [Sinn].
Mas aquilo que é compreendido, tomado de forma objetiva,
não é o sentido mas sim o ente, ou em alternativa, o Ser. Sen-
tido é aquilo em que a compreensibilidade [Verständlichkeit]
de algo se mantém em si mesma.
Nas palavras de Cristina Lafont (1997: 98-99), “[é] a lin-
guagem o que proporciona ao Dasein a «inteligibilidade», ou seja,
a «compreensão do ser» que constitui o seu «estado de abertura»,
do qual tínhamos partido.” No entanto, o contributo heideggeria-
no para o desenvolvimento da relação entre a Hermenêutica e a
linguagem é trabalhado com maior detalhe nos textos posteriores
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.
A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.

Aula sobre Arqueologia das mídias
Aula sobre Arqueologia das mídiasAula sobre Arqueologia das mídias
Aula sobre Arqueologia das mídiasIpsun
 
Epistemologia - Hipótese e Causalidade
Epistemologia - Hipótese e Causalidade Epistemologia - Hipótese e Causalidade
Epistemologia - Hipótese e Causalidade Siméia Azevedo
 
Ciência e tecnologia em questão
Ciência e tecnologia em questãoCiência e tecnologia em questão
Ciência e tecnologia em questãoFernando Alcoforado
 
Arqueologia da mídia
Arqueologia da mídiaArqueologia da mídia
Arqueologia da mídiaAline Corso
 
Introducao As Teorias Da Cibercultura
Introducao As Teorias Da CiberculturaIntroducao As Teorias Da Cibercultura
Introducao As Teorias Da Ciberculturagabizago
 
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológica
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológicaFilosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológica
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológicaUlysses Varela
 
Tese paginas iniciais
Tese   paginas iniciaisTese   paginas iniciais
Tese paginas iniciaisAndré Covre
 
20110826 serra paulo-informacao_utopia
20110826 serra paulo-informacao_utopia20110826 serra paulo-informacao_utopia
20110826 serra paulo-informacao_utopiaVinicius O Resiliente
 
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naA internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naLorhaine Naiara
 
Seminário discente Epistemologia da Comunicação
Seminário discente Epistemologia da ComunicaçãoSeminário discente Epistemologia da Comunicação
Seminário discente Epistemologia da ComunicaçãoAline Corso
 
Novas mídias, cultura e capitalismo
Novas mídias, cultura e capitalismoNovas mídias, cultura e capitalismo
Novas mídias, cultura e capitalismoMurilo Pinto
 
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de Massas
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de MassasA interface Marxista entre Comunicação e Cultura de Massas
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de MassasMontaniniRC
 
Antropolia, estudos culturais e educação
Antropolia, estudos culturais e educaçãoAntropolia, estudos culturais e educação
Antropolia, estudos culturais e educaçãoMarcélia Amorim Cardoso
 
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-book
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-bookAfrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-book
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-bookclaudiocpaiva
 
Museus Eler 2008
Museus Eler 2008Museus Eler 2008
Museus Eler 2008Denise Eler
 
1. sociologia da educação
1. sociologia da educação1. sociologia da educação
1. sociologia da educaçãoSimonelleGomes
 
Novas mídias, massas e agendamento
Novas mídias, massas e agendamentoNovas mídias, massas e agendamento
Novas mídias, massas e agendamentoMurilo Pinto
 

Semelhante a A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse. (20)

Aula sobre Arqueologia das mídias
Aula sobre Arqueologia das mídiasAula sobre Arqueologia das mídias
Aula sobre Arqueologia das mídias
 
Epistemologia - Hipótese e Causalidade
Epistemologia - Hipótese e Causalidade Epistemologia - Hipótese e Causalidade
Epistemologia - Hipótese e Causalidade
 
Ciência e tecnologia em questão
Ciência e tecnologia em questãoCiência e tecnologia em questão
Ciência e tecnologia em questão
 
Ebook rsc
Ebook rscEbook rsc
Ebook rsc
 
Arqueologia da mídia
Arqueologia da mídiaArqueologia da mídia
Arqueologia da mídia
 
Introducao As Teorias Da Cibercultura
Introducao As Teorias Da CiberculturaIntroducao As Teorias Da Cibercultura
Introducao As Teorias Da Cibercultura
 
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológica
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológicaFilosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológica
Filosofia da tecnologia, limites, e evolução tecnológica
 
Aula 05
Aula 05Aula 05
Aula 05
 
Tese paginas iniciais
Tese   paginas iniciaisTese   paginas iniciais
Tese paginas iniciais
 
20110826 serra paulo-informacao_utopia
20110826 serra paulo-informacao_utopia20110826 serra paulo-informacao_utopia
20110826 serra paulo-informacao_utopia
 
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naA internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
 
Seminário discente Epistemologia da Comunicação
Seminário discente Epistemologia da ComunicaçãoSeminário discente Epistemologia da Comunicação
Seminário discente Epistemologia da Comunicação
 
Novas mídias, cultura e capitalismo
Novas mídias, cultura e capitalismoNovas mídias, cultura e capitalismo
Novas mídias, cultura e capitalismo
 
Haveravidaapós internet
Haveravidaapós internetHaveravidaapós internet
Haveravidaapós internet
 
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de Massas
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de MassasA interface Marxista entre Comunicação e Cultura de Massas
A interface Marxista entre Comunicação e Cultura de Massas
 
Antropolia, estudos culturais e educação
Antropolia, estudos culturais e educaçãoAntropolia, estudos culturais e educação
Antropolia, estudos culturais e educação
 
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-book
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-bookAfrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-book
Afrodite no Ciberespaço. A era das Convergências. E-book
 
Museus Eler 2008
Museus Eler 2008Museus Eler 2008
Museus Eler 2008
 
1. sociologia da educação
1. sociologia da educação1. sociologia da educação
1. sociologia da educação
 
Novas mídias, massas e agendamento
Novas mídias, massas e agendamentoNovas mídias, massas e agendamento
Novas mídias, massas e agendamento
 

Mais de luvico

Antígona
AntígonaAntígona
Antígonaluvico
 
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
Friedrich Nietzsche - Ecce HomoFriedrich Nietzsche - Ecce Homo
Friedrich Nietzsche - Ecce Homoluvico
 
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticos
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-SocráticosGerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticos
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticosluvico
 
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVII
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVIIPinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVII
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVIIluvico
 
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes VirtudesAndré Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudesluvico
 
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico português
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico portuguêsTeixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico português
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico portuguêsluvico
 
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximo
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio MáximoPlutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximo
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximoluvico
 
Morin, Edgar - Educação e cultura
Morin, Edgar -  Educação e culturaMorin, Edgar -  Educação e cultura
Morin, Edgar - Educação e culturaluvico
 
Paul Ricoeur - Ética e moral
Paul Ricoeur - Ética e moralPaul Ricoeur - Ética e moral
Paul Ricoeur - Ética e moralluvico
 
Paul Ricoeur - O perdão pode curar
Paul Ricoeur - O perdão pode curarPaul Ricoeur - O perdão pode curar
Paul Ricoeur - O perdão pode curarluvico
 
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofia
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de FilosofiaWarburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofia
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofialuvico
 
Rachel, James - Elementos de Filosofia Moral
Rachel, James - Elementos de Filosofia MoralRachel, James - Elementos de Filosofia Moral
Rachel, James - Elementos de Filosofia Moralluvico
 
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículo
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículoDewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículo
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículoluvico
 
Manuel Antunes - Repensar Portugal
Manuel Antunes - Repensar PortugalManuel Antunes - Repensar Portugal
Manuel Antunes - Repensar Portugalluvico
 
Emmanuel Mounier - A Existência Encarnada
Emmanuel Mounier - A Existência EncarnadaEmmanuel Mounier - A Existência Encarnada
Emmanuel Mounier - A Existência Encarnadaluvico
 
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramires
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de RamiresEça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramires
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramiresluvico
 
Hannah Arendt - A crise da cultura
Hannah Arendt - A crise da culturaHannah Arendt - A crise da cultura
Hannah Arendt - A crise da culturaluvico
 
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)Heidegger - Ser e Tempo (parte II)
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)luvico
 
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)Heidegger - Ser e Tempo (parte I)
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)luvico
 
Platão - A República
Platão - A RepúblicaPlatão - A República
Platão - A Repúblicaluvico
 

Mais de luvico (20)

Antígona
AntígonaAntígona
Antígona
 
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
Friedrich Nietzsche - Ecce HomoFriedrich Nietzsche - Ecce Homo
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
 
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticos
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-SocráticosGerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticos
Gerd A. Bornheim - Os Filósofos Pré-Socráticos
 
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVII
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVIIPinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVII
Pinharanda Gomes - João de Santo Tomás na Filosofia do Séc. XVII
 
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes VirtudesAndré Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
André Comte-Sponville - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
 
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico português
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico portuguêsTeixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico português
Teixeira, A, Braz - O Pensamento filosófico-jurídico português
 
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximo
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio MáximoPlutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximo
Plutarco - Vidas Paralelas - Péricles e Fábio Máximo
 
Morin, Edgar - Educação e cultura
Morin, Edgar -  Educação e culturaMorin, Edgar -  Educação e cultura
Morin, Edgar - Educação e cultura
 
Paul Ricoeur - Ética e moral
Paul Ricoeur - Ética e moralPaul Ricoeur - Ética e moral
Paul Ricoeur - Ética e moral
 
Paul Ricoeur - O perdão pode curar
Paul Ricoeur - O perdão pode curarPaul Ricoeur - O perdão pode curar
Paul Ricoeur - O perdão pode curar
 
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofia
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de FilosofiaWarburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofia
Warburton, Nigel - Elementos Básicos de Filosofia
 
Rachel, James - Elementos de Filosofia Moral
Rachel, James - Elementos de Filosofia MoralRachel, James - Elementos de Filosofia Moral
Rachel, James - Elementos de Filosofia Moral
 
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículo
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículoDewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículo
Dewey, John - A escola e a sociedade; A criança e o currículo
 
Manuel Antunes - Repensar Portugal
Manuel Antunes - Repensar PortugalManuel Antunes - Repensar Portugal
Manuel Antunes - Repensar Portugal
 
Emmanuel Mounier - A Existência Encarnada
Emmanuel Mounier - A Existência EncarnadaEmmanuel Mounier - A Existência Encarnada
Emmanuel Mounier - A Existência Encarnada
 
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramires
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de RamiresEça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramires
Eça de Queirós - A Ilustre Casa de Ramires
 
Hannah Arendt - A crise da cultura
Hannah Arendt - A crise da culturaHannah Arendt - A crise da cultura
Hannah Arendt - A crise da cultura
 
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)Heidegger - Ser e Tempo (parte II)
Heidegger - Ser e Tempo (parte II)
 
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)Heidegger - Ser e Tempo (parte I)
Heidegger - Ser e Tempo (parte I)
 
Platão - A República
Platão - A RepúblicaPlatão - A República
Platão - A República
 

Último

A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.silves15
 
Transformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx GeometriaTransformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx Geometriajucelio7
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfjanainadfsilva
 
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppthistoria Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.pptErnandesLinhares1
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptxMarlene Cunhada
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxLaurindo6
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxssuserf54fa01
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números Mary Alvarenga
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Vitor Mineiro
 
A poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassA poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassAugusto Costa
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxBeatrizLittig1
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfAlissonMiranda22
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfCamillaBrito19
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfJonathasAureliano1
 

Último (20)

A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
 
Transformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx GeometriaTransformações isométricas.pptx Geometria
Transformações isométricas.pptx Geometria
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
 
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppthistoria Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
 
A poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassA poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e Característicass
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdfRedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
RedacoesComentadasModeloAnalisarFazer.pdf
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 

A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. De Freud a Heidegger e Marcuse.

  • 1. COLEÇÃO TA PRAGMATA ÂNGELO MILHANO A FILOSOFIA DA TECNOLOGIA COMO HERMENÊUTICA DE FREUD A HEIDEGGER E MARCUSE
  • 2.
  • 3.
  • 4. Título: A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse. Autor: Ângelo Milhano Praxis - Centro de Filosofa, Política e Cultura www.praxis.ubi.pt LusoSofia: Press Coleção: Ta Pragmata Direção: José António Domingues e Olivier Feron Design: Cristina Lopes ISBN 978-989-654-926-8 (papel) 978-989-654-928-2 (pdf) 978-989-654-927-5 (epub) Depósito Legal 515753/23 Tiragem: Print-on-demand Universidade da Beira Interior Rua Marquês D’Ávila e Bolama. 6201-001 Covilhã. Portugal www.ubi.pt Covilhã, 2023 © 2023, Ângelo Milhano. © 2023, Universidade da Beira Interior.
  • 5. COLEÇÃO TA PRAGMATA ÂNGELO MILHANO A FILOSOFIA DA TECNOLOGIA COMO HERMENÊUTICA DE FREUD A HEIDEGGER E MARCUSE
  • 6.
  • 7. Se atentares sobre as coisas boas e as coisas más que aconteceram durante a tua vida, terás, contudo, de reconhecer que te encontras ainda favore- cido. Consideras que és infeliz por perderes as coisas boas que te davam prazer? Mas poderás encontrar conforto na eventualidade de que aquilo que agora faz de ti alguém infeliz é também algo passageiro. — Boécio, 2009: 36
  • 8.
  • 9. À memória da minha mãe.
  • 10.
  • 11. Índice A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica? Prólogo a um livro necessário. 15 Introdução 19 Primeira Parte — A Filosofia da Tecnologia das Humanidades e a sua determinação Hermenêutica 31 Capítulo 1 — A tecnociência moderna e o linguistic turn da Filosofia 33 Capítulo 2 — A Hermenêutica contemporânea como salvaguarda da “tradição” nas humanidades 53 Capítulo 3 — A problematização filosófica da tecnologia no decorrer do séc. XX 99 Segunda Parte — A Filosofia da Tecnologia das Humanidades como crítica «meta-hermenêutica» da modernidade 179 Capítulo 4 — Preâmbulos da «meta-hermenêutica» da modernidade tecnológica: Oswald Spengler e Sigmund Freud 181 Capítulo 5 — Martin Heidegger e a tecnologia como essência da modernidade 245 Capítulo 6 — Herbert Marcuse e a «racionalidade tecnológica» como fundamento do pensamento «unidimensional» 295 Bibliografia 343
  • 12.
  • 13. Drawing Hands (1948) – M. C. Escher
  • 14.
  • 15. A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica? Prólogo a um livro necessário O nosso presente século XXI pode dizer-se que é, nem mais nem menos, o século da tecnologia, o tempo em que a vida humana – individual e colectiva – aparece constante e constitutivamente marcada pela mediação e contextualização da técnica, cientifi- camente investigada e culturalmente incorporada nas diversas formas de vida do nosso mundo global. Este traço caracterizador é novo, embora venha do século passado, mas não teria sido reco- nhecido há dois séculos. É, pois, a interpretação do mundo o que mudou, o que constitui o novum. E convém perceber porquê. Este livro, que venho apresentar, oferece um estudo detalhado e crítico da lenta tomada de consciência dessa mudança de situação herme- nêutica. Permita-se-me dar aqui, brevemente, dois exemplos.
  • 16. 16 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse No século XIX, a palavra tecnologia, embora já existisse no léxi- co científico, não tinha qualquer protagonismo e não deixa de ser revelador que o primeiro teórico a reivindicar a necessidade de pensar a centralidade do fenómeno e a encontrar uma de- signação para a sua tematização tenha proposto como título da sua obra precursora o de Linhas fundamentais de uma Filosofia da Técnica (Ernst Kapp, 1877). O termo “tecnologia” já fora, porém, usado por Christian Wolff na sua Philosophia rationalis sive Logica (1728), para designar aquela parte da mesma que se ocupava da Philosophia artium, ou seja, da “ciência das artes e das suas obras”, “de aquilo que os humanos produzem pelo trabalho do corpo e, em especial, das mãos.” No centro da consideração estava ainda o sentido originário do grego τέχνη – enquanto arte, isto é, habili- dade humana capaz de produzir artefactos e obras de todo o tipo –, e não propriamente a simbiose do engenho e da investigação científica, eminentemente moderna, como potenciadora de certo tipo de descobertas, que hoje identificamos como “tecnológicas” e que consideramos, conscientemente ou não, culturalmente im- prescindíveis à nossa vida quotidiana na sociedade transformada por sucessivas revoluções industriais. Aliás, o uso do termo pelo iluminista Wolff, ao preconizar aquela designação para uma dis- ciplina filosófica específica, é até mais avançado e preciso que o que a Encyclopedia ou Dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers, para une société de gens de lettres permite sondar no verbete “technique” (tomo 16, 1765), contextualizado como pertencente ao campo das Belles lettres, e restringido àquilo “que se relaciona com a arte” e, muito especialmente, àquele tipo de versos que registam, normalmente em latim, “regras e preceitos de qualquer arte ou ciência, sendo compostos com vista a servir de apoio à memória”,
  • 17. Ângelo Milhano 17 como os que são usados na cronologia, na história e mesmo na geografia. Em resumo: o Iluminismo ainda não tinha encontra- do o lugar fundamental da técnica no mundo humano, nem tinha ainda forjado o conceito de tecnologia, no seu sentido pleno. Sirva este breve apontamento histórico para chamar a atenção para a importância da questão hermenêutica na abordagem filo- sófica da temática. É nesse horizonte que o trabalho de Ângelo Milhano constitui uma contribuição importante, permitindo equacionar o fenómeno da tecnologia não tanto na sua objectivi- dade ou materialidade, quanto no seu significado como elemento cultural característico do nosso tempo e imprescindível no dese- nho ou configuração das formas de vida e de futurição do mundo possível. A experiência quotidiana, tecnologicamente mediati- zada, constitui a consciência colectiva de uma sociedade em que bem-estar e mal-estar se medem pelo conforto ou desconforto no uso possível dos meios estruturadores e dos respectivos produtos num sistema de produção, transformação e circulação progra- madas no quadro de uma sociedade ideologicamente definida pela pertença a uma Modernidade autoconfiante na dinâmica do progresso. Esta herança histórica é compreendida como algo ad- quirido e motivador para maiores proezas. Os sinais de qualquer possível fracasso tomam-se como indícios de uma patologia, cujos sintomas só numa hermenêutica cultural adquirem o sentido de alerta e de indicadores da necessidade de corrigir a unilaterali- dade de um processo, a preconização da urgência de abertura a alternativas. Freud e Heidegger, por diferentes vias, e Marcuse, na sua própria, em que ambas se encontram agudizadas, foram momentos culminantes desta denúncia e desta tomada de cons- ciência crítica. O diálogo com os três pensadores, neste estudo,
  • 18. 18 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse revela-se um foro filosoficamente fecundo para uma interrogação dos leitmotive da época presente e para criar as condições para pas- sar a uma investigação meta-hermenêutica dos caminhos assim nascidos e em devir. É, pois, com especial prazer e total convicção que convido os leito- res a que leiam, com os pés assentes na terra e os ouvidos atentos às notícias que nos assaltam, por todas as vias, este trabalho demora- do e profundo, de um dos mais lúcidos investigadores da questão da tecnologia no mundo contemporâneo, em língua portuguesa. Partindo do seu doutoramento em Filosofia, na Universidade de Évora, onde esta questão tem sido uma constante, desde 1998, Ângelo Milhano tem continuado um trabalho tenaz de exploração de diversas abordagens, que, sem contrariar a linha de investiga- ção aqui apresentada, a abrem às mais recentes perspectivas sobre a medialização da sociedade global e sobre os constructos da in- teligência artificial e do meta-verso. A meta-hermenêutica, que aqui se propõe, terá decerto continuidade em várias direcções de pesquisa do significado e do poder da tecnologia. A presente obra poderá servir de introdução a essas outras já em caminho. Irene Borges-Duarte Évora, 27 de Março de 2023.
  • 19. Introdução Pensar as questões filosóficas que se levantam com o uso e aplica- ções da tecnologia moderna, ganhou um novo impulso no curso das duas últimas décadas. Seja pelos medos que se têm associado aos mais recentes desenvolvimentos da inteligência artificial, pela tomada de consciência do impacto que o desenvolvimento tecno- lógico dos dois últimos séculos teve sobre o meio ambiente, pelo aumento da nossa dependência das tecnologias digitais, ou pela banalização do uso de tecnologias de compilação de dados (Big Data) nos mais diversos âmbitos da vida em sociedade, a tecnolo- gia tornou-se um dos mais importantes temas do debate filosófico dos nossos dias. Este novo impulso foi pautado pelos trabalhos dos autores das no- vas escolas e tradições de pensamento em Filosofia da Tecnologia, na sua maioria herdeiras daquele que ficou conhecido como o em- pirical turn que se operou neste âmbito disciplinar entre o final dos anos 1980 e a década de 1990. Uma viragem teórica impulsionada pelos trabalhos inovadores de Bruno Latour, Don Ihde, ou Andrew Feenberg, que procuraram atualizar e aprofundar a problema- tização filosófica da tecnologia mediante os seus mais recentes desenvolvimentos. O empirical turn da Filosofia da Tecnologia deu-se na medida em que os seus autores sentiram a necessidade
  • 20. 20 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse de ultrapassar aquelas que consideravam ser as principais barrei- ras impostas pelas propostas dos seus pioneiros. De Ernst Kapp a Martin Heidegger, Günter Anders, e até em Hans Jonas, é pos- sível compreender uma problematização da tecnologia e das suas implicações que prefigura uma ideia relativamente monolítica do conceito. A tecnologia surge por estes autores representada como uma abstração, como um conceito que transcende as suas várias materializações, tornando-se delas independente, enquanto as de- fine como suas derivadas. Uma tal conceção da tecnologia impõe, por sua vez, algumas limitações à reflexão filosófica que pode ser feita em torno das questões que se levantam com o uso e aplica- ções dos mais recentes dispositivos ou plataformas tecnológicas que o ser humano tem ao seu dispor. Por esta razão, o empirical turn impôs-se como a necessária nova abordagem ao problema da tecnologia, propondo uma circunscrição do conceito que atenta sobre as particularidades empíricas dos vários artefactos tecnoló- gicos, e sobre o tipo de mediação que cada um deles poderá criar da relação que o ser humano estabelece com o «mundo». Não obstante, todas as propostas que marcaram o empirical turn, e também aquelas que se seguiram a esta viragem — sob as quais se edificam as mais recentes reflexões em torno das questões levan- tadas pelas tecnologias digitais —, encontram, de uma forma ou de outra, ainda as suas raízes no pensamento daqueles que foram os responsáveis pela emergência da Filosofia da Tecnologia ao longo do séc. XX. Assim, e para compreender os seus mais recentes de- senvolvimentos, é ainda necessário criar uma compreensão prévia do enquadramento filosófico, histórico, e cultural, deste ramo da investigação em Filosofia.
  • 21. Ângelo Milhano 21 Carl Mitcham foi um dos primeiros autores a empenhar-se nes- te trabalho. Com Thinking Trough Technology: The path between engineering and philosophy (1994), Mitcham ofereceu uma análise detalhada das várias tradições de pensamento sobre as quais se erigiu a Filosofia da Tecnologia, e sobre o tipo de circunscrição que cada uma delas faz do tema que tomou por objeto de estu- do. Em Portugal, Experimentum Humanum (2011), de Hermínio Martins, apresenta-se como uma das mais aprofundadas leituras do enquadramento histórico, cultural, mas sobretudo sociológi- co, da problematização filosófica da tecnologia. Os dois volumes de Filosofia da Tecnologia: Seus autores e problemas (2020-2022), or- ganizados por Jelson Oliveira e publicados no Brasil, são outro importante contributo, em língua portuguesa, dedicado à com- preensão dos fundamentos históricos, culturais, e filosóficos, sob os quais assenta a Filosofia da Tecnologia. Mais recentemente, com o volume Filosofia da Tecnologia: Introdução ao pensamento dos teóricos do século XX (2022), Joaquim Braga e Bernhard Sylla reu- niram importantes reflexões de vários investigadores lusófonos, dedicadas às propostas dos autores que estiveram na génese da Filosofia da Tecnologia, e da sua instituição enquanto ramo disci- plinar da Filosofia académica. Este livro, pela sua parte, também contribui para este esforço de clarificação dos fundamentos e contexto que deram origem à emergência da Filosofia da Tecnologia no decorrer do séc. XX. Um livro que tem, contudo, pretensões muito mais modestas do que aquelas que foram alcançadas pelos trabalhos referidos atrás, uma vez que se debruça apenas sobre aquelas que compreendo se- rem as raízes crítico-hermenêuticas da Filosofia da Tecnologia de
  • 22. 22 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse dois dos seus fundadores: Martin Heidegger e Herbert Marcuse. A delimitação feenberguiana dos contributos que estes deram para a problematização filosófica da tecnologia, constitui-se como uma das mais importantes influências deste trabalho. Com ela, e ao partir de um enquadramento da cultura que assenta, sobretudo, na vertente sócio-antropológica da «metapsicologia» de Sigmund Freud, procuro demonstrar como a Filosofia da Tecnologia de Heidegger e de Marcuse poderá ser compreendida como uma «meta-hermenêutica» da modernidade, pela qual se evidenciam alguns dos mais influentes preconceitos que determinam a in- terpretação que o ser humano faz do «mundo» onde se encontra lançado. Uma «meta-hermenêutica» que, para todos os efeitos, compreendo que ainda hoje determina muitas das discussões em Filosofia da Tecnologia. O uso que faço do termo «meta-hermenêutica» ao longo do texto, encontra as suas raízes na crítica que Jürgen Habermas lança a Hans-Georg Gadamer, sobre a qual me debruço no final segundo capítulo. Ao apropriar-me do termo, procuro, no entanto, criar alguma distância para com a sua delimitação em Habermas, sem descartar aquela que o autor germânico considera ser a sua tarefa crítica fundamental. «Meta-hermenêutica» refere-se aqui, por- tanto, à leitura crítica dos processos pelos quais o ser humano desenvolve a sua interpretação, procurando dar conta dos pre- conceitos históricos, culturais, e ideológicos, que condicionam a compreensão do «mundo» que dela advém. Com ela, defendo que se constrói uma crítica da modernidade que, não apenas incide sobre a determinação hermenêutica das questões que se levantam com a tecnologia moderna, uma vez que, e acima de tudo, também
  • 23. Ângelo Milhano 23 destaca o modo como a «racionalidade tecnológica» configura, de antemão, o tipo de compreensão que se poderá construir acerca dessas mesmas questões. Em parte inspirado pelo trabalho desenvolvido por Mark Coeckelbergh, o intuito de demonstrar a Filosofia da Tecnologia de Heidegger e Marcuse como uma leitura «meta-hermenêutica» da modernidade, assenta sobre uma investigação que destaca o po- der que o modo de pensar tecnológico exerce sobre a linguagem. Na relação que, em cada um dos autores tomados como referência, se estabelece entre a tecnologia moderna e a linguagem, defendo que é possível compreender uma perigosa tendência do desenvol- vimento tecnocientífico: a da funcionalização do pensamento por via operacionalização dos elementos significativos da linguagem. É por força da «racionalidade tecnológica» que fundamenta a tec- nociência, nomeadamente através do paradigma de pensamento que esta promove, que a linguagem tem vindo a ser configurada como o mais eficiente meio de comunicação, ficando, por isso, li- mitada à sua configuração instrumental, meramente informativa. Uma ideia que acabou por se estabelecer como a base do «círculo hermenêutico» que trespassa todo o trabalho que aqui se materia- liza. Neste, a «linguagem», a «tecnologia», e a «interpretação» que a sua inter-relação propicia, constituem os três eixos conceptuais sob os quais articulo os argumentos que movem o texto. Os três capítulos que delimitam a primeira divisão do livro, com- põem um estado da arte que procura tornar presente a relação que se estabelece entre cada um desses eixos, tendo já em vista o modo como essa relação será problematizada no decorrer da segunda partedotexto.Oprimeirocapítulodebruça-sesobreoproblemada
  • 24. 24 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse redução positiva da linguagem à sua dimensão normativa, toman- do o enquadramento teórico proposto pelo Positivismo Lógico como o seu ponto de partida. Ao atentar, sobretudo, na influência que O Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein teve sobre esta tradição de pensamento, debruço-me aí em torno dos pres- supostos que marcaram esta conceção do filosofar nas primeiras décadas do séc. XX. Uma conceção que determina a linguagem sob um enquadramento técnico-científico pelo qual se compreen- de normativamente, i.e., delimitada sob os pressupostos da lógica formal simbólica. Procuro aí defender que a metodologia estrita- mente analítica, que define a abordagem do Positivismo Lógico, se encontra em consonância com os pressupostos da «racionalidade tecnológica» moderna, uma vez que pressupõe uma circunscrição técnica da linguagem que descarta os seus conteúdos subjetivos em prol da sua delimitação como um objeto de estudo suscetível de uma análise também ela objetiva. Ao longo do segundo capítulo são analisados alguns dos mais importantes desenvolvimentos modernos da Hermenêutica, des- tacando-se a sua relação com alguns acontecimentos chave da História da Filosofia moderna. Colocando este ramo disciplinar da filosofia como o contrapondo histórico da conceção instru- mental da linguagem advogada pelo Positivismo Lógico, procuro aí destacar como a Hermenêutica toma a dimensão subjetiva da linguagem como um dos mais importantes elementos a ter em conta na tentativa de compreender o funcionamento dos proces- sos interpretativos pelos quais o ser humano cria as suas ideias do «mundo» onde se encontra lançado. Sublinho que a influência desempenhada pela história, pela cultura, entre outros importan- tes elementos que a tradição lógico-positivista acaba por descartar
  • 25. Ângelo Milhano 25 da sua abordagem à investigação da linguagem, representam uma das mais importantes influências sobre o modo como a interpre- tação humana se constrói, determinando, consequentemente, toda a compreensão que dela poderá advir. O terceiro capítulo — com o qual concluo a primeira parte do li- vro — debruça-se sobre alguns dos autores pioneiros da Filosofia da Tecnologia. Com o intuito de direcionar os seus trabalhos ao encontro da problematização que compõe a segunda parte do li- vro, fiz uso da proposta de Carl Mitcham para a delimitação da investigação feita em Filosofia da Tecnologia. Uma proposta onde as raízes deste ramo disciplinar se dividem entre uma Filosofia da Tecnologia dos Engenheiros e uma Filosofia da Tecnologia das Humanidades. Analiso aí algumas das mais importantes teorias dos autores da Filosofia da Tecnologia dos Engenheiros — e.g., Peter Kroes, Anthonie Meijers, ou Marteen Franssen — desta- cando como a metodologia das suas propostas se configura como uma abordagem empírica, de orientação fundamentalmente ana- lítica, às questões que se levantam com a emergência da tecnologia moderna. No entanto, e muito embora tenha procurado subli- nhar o carácter eclético pelo qual se caracteriza a investigação em Filosofia da Tecnologia, acabei por prestar muito mais atenção àquela que Mitcham denomina como a Filosofia da Tecnologia das Humanidades. É nesta divisão onde o autor norte-americano considera que se enquadram as propostas de José Ortega y Gasset, Lewis Mumford, ou Jacques Ellul, e onde entendo que também se inserem as propostas de Heidegger e de Marcuse. Ao longo do terceiro capítulo, procuro, acima de tudo, compreender como a Filosofia da Tecnologia das Humanidades advoga por uma me- todologia hermenêutica no estudo das questões que se levantam
  • 26. 26 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse com a tecnologia moderna. Concluo que é precisamente graças a essa abordagem hermenêutica, que dá conta da dimensão subjetiva dos problemas que se levantam com o uso e aplicações da tecno- logia moderna, que a Filosofia da Tecnologia se tornou capaz de questionar a inter-relação da tecnologia com a modernidade, as- sim como o paradigma de pensamento tecnológico que acabou por se institucionalizar neste período da história da cultura ocidental. Tendo como referência a fundamentação desenvolvida ao longo da primeira parte da investigação, com a segunda divisão do li- vro procuro compreender como a leitura «meta-hermenêutica» da modernidade da Filosofia da Tecnologia das Humanidades se encontra já pressuposta na Filosofia da Tecnologia de Heidegger e de Marcuse. Enquadrando as suas propostas sob um modelo inter- pretativo da cultura — que procurei fundamentar sobre o trabalho de Oswald Spengler e a partir da «metapsicologia» de Sigmund Freud — a já referida relação que, no contexto sociocultural da modernidade tardia, se estabelece entre a tecnologia e a lingua- gem, compõe o foco sobre o qual se concentra a argumentação que ocupa o segundo momento do texto. No capítulo 4, as propostas de Oswald Spengler e de Sigmund Freud são analisadas no sentido de construir com elas uma compreensão aprofundada do contexto histórico e cultural que propiciou a emergência da problematização filosófica da relação que se estabelece entre o pensamento e a época na qual se desen- volve. Procuro aí defender que o «mal-estar» cultural que Freud entende fazer-se sentir na modernidade tardia, se impõe como o solo sob a qual radica a necessidade que a Filosofia encontra para construir uma leitura «meta-hermenêutica» da modernidade.
  • 27. Ângelo Milhano 27 Atendendo aos pressupostos da teoria freudiana, procuro de- monstrar como a estrutura normativa da sociedade moderna se fundamenta nos imperativos da «racionalidade tecnológica», que, entretanto, se impôs como um novo «princípio de realidade». A instituição da «racionalidade tecnológica» como o paradigma normativo da existência humana no contexto da sociedade indus- trial moderna visa, não apenas o controlo das «pulsões» do ser humano que podem colocar em causa a subsistência da espécie, mas, e acima de tudo, a criação de um eficaz instrumento de con- trolo ideológico, pelo qual se perpetua o poder das classes sociais dominantes, e do qual advém o inevitável «mal-estar» na cultura que, por seu turno, impulsiona a necessidade de construir uma «meta-hermenêutica» da modernidade. O quinto capítulo desenvolve uma leitura daquele que compreen- do ser o carácter «meta-hermenêutico» da Filosofia da Tecnologia de Martin Heidegger. Refletindo sobre a interpretação heide- ggeriana da essência da tecnologia moderna enquanto Ge-stell («com-posição»), procuro demonstrar como, por força do «poder» da tecnologia, o ser humano, enquanto Dasein, acaba por cons- truir uma interpretação inautêntica do «mundo», que obedece a um imperativo de pensamento provocador, pelo qual as essências se representam como recursos. Procuro aí sublinhar como essa interpretação tecnológica do «mundo» e das suas essências, en- contra a sua raiz na tecnificação que Heidegger considera que a «com-posição» também impõe sobre a linguagem, reduzindo-a à sua funcionalidade primária, onde se determina como um mero instrumento de transmissão de informação. Para concluir o ca- pítulo, procuro demonstrar como, mediante a redução técnica da linguagem à sua função ‘informática’, a abertura de «mundo»
  • 28. 28 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse que através dela se propicia, se reconfigura numa representação imagética da realidade que obedece aos pressupostos funcionais da «com-posição». Com o capítulo final, procuro apresentar a Filosofia da Tecnologia de Herbert Marcuse também como uma «meta-her- menêutica» da modernidade. A relação daquele que Marcuse designa como o pensamento «unidimensional», com a denúncia da crescente «racionalização» da linguagem, constitui o mote do capítulo. Incidindo sobre a proposta que o autor desenvolve em O Homem Unidimensional (1964), procuro aí refletir acerca do modo como o pensamento «unidimensional» resulta de um pro- cesso de instrumentalização que transforma a interpretação que o ser humano faz do «mundo» de acordo com uma configuração determinada em função dos imperativos da eficiência e produti- vidade. Compreendo, a partir de Marcuse, que a «racionalidade» acaba por ser, também ela, instrumentalizada pelo poder social instituído, sob o intuito de garantir o seu domínio no contexto da sociedade industrial moderna. Uma instrumentalização que a transforma em «racionalidade tecnológica», que serve de pre- texto para a eliminação progressiva das potencialidades críticas — dialéticas — do pensamento que radicam sobre o caráter «bidi- mensional» da linguagem. Procuro daí concluir que, na denúncia que Marcuse faz dos processos de redução positiva da linguagem à sua configuração tecnológica — instituídos sob o pretexto de uma «racionalização» que procura maximizar a eficiência da sua di- mensão comunicativa —, é possível compreender um processo de redução do potencial dialético que lhe é inerente, encaminhando
  • 29. Ângelo Milhano 29 o pensamento moderno no sentido de uma interpretação «uni- dimensional» do «mundo», assim como da própria existência em sociedade. A articulação do pensamento de Heidegger e de Marcuse que se desenha nos dois últimos capítulos, fundamenta-se sobre a transformação tecnológica da linguagem que ambos acabam por denunciar. Uma transformação que compreendo ser a raiz sob a qualsesustémocarácter«meta-hermenêutico»dassuaspropostas. No entanto, a aproximação entre estes autores torna-se mais evi- dente quando se compreende que a leitura «meta-hermenêutica» da modernidade que em cada um deles constrói, se delimita a par- tir de um enquadramento ontológico das questões que se levantam com a tecnologia moderna. Uma delimitação que, mais tarde, na leitura que alguns dos autores do empirical turn fazem dos seus tra- balhos, se impõe como uma limitação à compreensão que poderá ser construída do tipo de mediações do mundo criadas pelos vários artefactos tecnológicos disponíveis. Compreendo, contudo, que, mesmo na viragem da Filosofia da Tecnologia ‘ao encontro dos artefactos tecnológicos mesmos’, subjaz ainda uma leitura «me- ta-hermenêutica» da modernidade que determina, de antemão, a interpretação das mediações do «mundo» tecnologicamente condicionadas. Uma ideia que, para todos os efeitos, pretendo aprofundar com a devida atenção numa outra oportunidade. Para terminar, quero deixar aqui os meus mais sinceros agradeci- mentos a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a publicação deste livro. À Irene Borges-Duarte, não ape- nas pelo apoio e orientação que me ofereceu quando este texto se prefigurava ainda como uma potencial tese de doutoramento,
  • 30. 30 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse mas sobretudo por toda a amizade que, desde então, incondicio- nalmente me demonstrou. Não há palavras capazes de descrever a amizade, a admiração, e a gratidão, que lhe guardo. Agradeço também à Fernanda Henriques, por toda a amizade, pelo apoio que sempre me deu, mas sobretudo por ser uma das minhas gran- des inspirações. Ao Olivier Feron, pela amizade e confiança. Por acreditar em mim e me incentivar, mesmo quando sou eu a du- vidar de mim próprio. Ao Praxis: Centro de Filosofia, Política e Cultura, sob as figuras de André Barata e Ana Leonor Santos, por me terem fornecido o apoio, a infraestrutura, e os meios de que necessito para desenvolver a minha investigação. Agradeço-lhes também por terem incentivado e apoiado a publicação deste traba- lho. À Universidade de Évora, sob a Figura da Magnífica Reitora Hermínia Vasconcelos Vilar, e também da sua antecessora, Ana Costa Freitas, por me terem dado a oportunidade de integrar o Departamento de Filosofia, a cujos Professores estendo também os meus agradecimentos. Quero ainda agradecer à Ana Falcato, ao Alberto Romele, e ao Professor José Manuel dos Santos, pe- las excelentes sugestões que fizeram à primeira formulação deste texto (ainda sob o formato de tese doutoral), e também pelos seus incentivos à publicação. Deixo também manifesta a minha eterna gratidão ao meu pai, pelo incansável apoio que sempre me pres- tou neste caminho que é Filosofia. Por último, quero agradecer à Monika, o pilar sobre o qual se sustenta todo um projeto de vida. Sempre forte e convicta, apaziguando todas as minhas incertezas, mesmo naqueles que considero ser os meus piores momentos. Muito obrigado.
  • 31. Primeira Parte — A Filosofia da Tecnologia das Humanidades e a sua determinação Hermenêutica
  • 32.
  • 33. Capítulo 1 — A tecnociência moderna e o linguistic turn da Filosofia A tecnociência moderna e o zeitgeist contemporâneo Com o desenrolar da modernidade, a ciência e a tecno- logia ganharam uma nova visibilidade académica, tendo adquirido uma extensão até então nunca alcançada pelos restantes âmbitos do saber. O progresso do conhecimento científico foi potenciado como nunca, sobretudo graças à criação de novas tecnologias in- dustriais que criaram as condições necessárias para a exploração de domínios do universo até antes desconhecidos ou até mesmo inalcançáveis para o ser humano. Do mesmo modo, e no que à vida quotidiana diz respeito, o séc. XX mostrou-se também como um período sem precedentes. A produção industrial proporcionou um contexto de existência onde a luta pela sobrevivência passou a ser menos dorial, sobretudo quando comparada com a que foi vi- venciada pela humanidade em períodos anteriores da sua história.
  • 34. 34 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse Enquanto herdeiro da revolução industrial, o séc. XX apresenta-se como a evidência histórica do poder que subjaz às várias aplica- ções da ciência e tecnologia modernas. A inter-relação entre a ciência e a tecnologia serviu de base para o salto evolutivo que se deu no ocidente ao longo do séc. XX.1 A medicina moderna, de entre vários âmbitos acadé- micos que se edificam sobre a racionalidade tecnocientífica, é disso um claro exemplo. O seu desenvolvimento ao longo deste período da história não teria sido possível sem uma aliança en- tre conhecimentos da biologia moderna e as novas tecnologias criadas no contexto da segunda revolução industrial.2 Do mesmo modo, a Física também ganhou aplicações práticas até então nunca pensadas pelos seus teóricos. A diversificação das vias de comu- nicação (telégrafos, telefones, rádio, televisão...), a massificação do uso energia elétrica, o domínio da energia atómica, assim como a exploração em massa dos recursos naturais do planeta, não teria sido possível sem a aliança que se estabeleceu entre as tecnolo- gias industriais e os conhecimentos da física moderna (Cardwell, 1994: 334-389). 1.  Não se pretende aqui menosprezar os contributos políticos e socioculturais que mar- caram esta época. No entanto, é importante sublinhar que estes foram também forte- mente influenciados pelo paradigma iluminista que colocou a razão como o zeitgeist da modernidade, lançando as bases para o predomínio da tecnociência moderna. 2.  Veja-se a título de exemplo o caso da implementação de desinfetantes industriais em hospitais para minimizar a contaminação dos pacientes por germes. Implementação que foi pela primeira vez promovida por Joseph Lister, ao longo da primeira metade do séc. XX, a partir dos trabalhos de Pasteur. Poderia ainda referir-se o sucesso do transplante de órgãos vivos no séc. XX, e à importância que tiveram para o seu sucesso invenções tais como a bomba de infusão de Carrel-Lindberg (1930), sem a qual Christiaan Barnard não teria conseguido efetuar o primeiro transplante de coração bem-sucedido em 1967 (Cardwell, 1994: 331-333; Frazier, 2004).
  • 35. Ângelo Milhano 35 Há, no entanto, que sublinhar que nenhuma inter- pretação fiel de uma época da história da humanidade pode ser analisada apenas a partir da perspetiva dos seus maiores sucessos. Contudo, e mesmo no que ao reverso da medalha diz respeito, o séc. XX continua ainda a mostrar-se como uma das épocas que mais marcada foi pela influência da ciência e da tecnologia mo- dernas. A primeira e segunda guerras mundiais são disso um dos melhores exemplos. Com o advento do mundo industrializado as armas mudaram, e com elas também o próprio conceito de guer- ra. Com o recurso da racionalidade tecnocientífica, criou-se um contexto de produtividade industrial capaz de produzir em massa armamento cada vez mais poderoso e eficiente. Para além disso, o desenvolvimento industrial criou também as condições para uma guerra onde o inimigo, antes bem demarcado como o militar pre- sente no teatro de conflito, passou a ser qualquer cidadão capaz de proporcionar, com a sua mão de obra, o trabalho necessário para a produção do armamento e dos bens necessários para a frente de combate. Os alvos a abater nas duas grandes guerras do séc. XX passaram a ser, não só, militares, i.e., as colunas armadas, os ar- mazéns militares, as linhas de fornecimento de bens para a frente de combate, mas também as próprias fábricas civis responsáveis pela produção dos materiais necessários para a produção do arma- mento, vestuário, e dos restantes bens de consumo utilizados pelo exército em batalha (Cardwell, 1994: 389-394). O predomínio histórico da ciência e tecnologia mo- dernas teve também o seu reflexo no pensamento filosófico desenvolvido ao longo da modernidade tardia. Logo no início de O Eclipse da Razão (1947), Max Horkheimer, na esteira já aberta por Max Weber, reforça esta ideia ao sublinhar como o conceito
  • 36. 36 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse de «razão» se transformou ao longo da história, culminando na configuração técnico-instrumental predominante na modernida- de. De acordo com Horkheimer a racionalidade transformou-se, neste período, num instrumento, num medium orientado para o alcance dos fins determinados pelos critérios subjetivos dissi- mulados como técnico-científicos. No contexto da modernidade tecnológica, diz Horkheimer (2015: 27), “(...) a razão tornou-se um instrumento (…) completamente subordinada ao processo social.” Em Técnica e Ciência como Ideologia (1968), Jürgen Habermas, na senda de Max Weber e Herbert Marcuse, também compreendeu a «racionalidade tecnológica» como um determi- nante no funcionamento das diversas estruturas que compõem o contexto sociocultural da modernidade tardia. Com o imperar da «racionalidade» tecnocientífica na modernidade, os domínios sociais nos quais deveria prevalecer a comunicação intersubjeti- va — que Habermas designa como domínios comunicativos de «interação» — têm vindo a ser determinados de acordo com os pressupostos da «racionalidade tecnológica» que caracteriza a comunicação desenvolvida em contextos comunicativos de «tra- balho». Por esta via, a «racionalidade» que guia a tecnologia e a ciência modernas, tem vindo a mostrar-se como uma circuns- tância histórica, como o paradigma que emerge da modernidade tardia, e pelo qual se tem vindo a determinar todo o pensamento desenvolvido neste período da história (Habermas, 2006: 45-92). Porém, esta constatação do predomínio moderno da «racionalida- de» tecnocientífica na proposta defendida por Jürgen Habermas, não nos remete diretamente para as origens da influência que esta tem vindo a exercer sobre a Filosofia. Uma origem que remonta
  • 37. Ângelo Milhano 37 aos primórdios do próprio pensamento moderno, aí onde a alian- ça entre a tecnologia e a ciência serviu de fundamento para o surgimento dos primeiros sistemas filosóficos da modernidade.3 Immanuel Kant, pensador ex-libris do Iluminismo, foi também um pensador fortemente influenciado pela racionalidade tecnocientífica moderna, sobretudo por via da física newtoniana. Com a Crítica da Razão Pura (1787), Kant procurou compreen- der quais são as «condições de possibilidade» para a produção de conhecimento, postulando também neste texto que o saber da Filosofia, do mesmo modo que o saber das ciências exatas, deve ser guiado de acordo com pressupostos epistemológicos claros e objetivos (Kant, 2001). A delimitação do conhecimento que é demarcada pelo «juízo sintético a priori», colocou em questão uma grande parte da tradição filosófica desenvolvida até ao séc. XVIII, delineando, simultaneamente, os contornos para a reflexão filosófica que se lhe seguiu. Neste sentido, e tal como sublinha Alexandre Fradique Morujão no seu prefácio à tradução portu- guesa da opera magna de Immanuel Kant (2001: X), 3.  Um dos casos mais paradigmáticos remonta ao impacto histórico que a publicação de O Discurso do Método (1637) teve sobre toda a Filosofia ocidental que se seguiu. O intuito cartesiano que se desenha nesta obra (e também nas Regras para a Direção do Espírito que, embora prévias ao Discurso, foram publicadas postumamente), consiste numa tentativa de delimitar para a Filosofia uma metodologia que, à semelhança de domínios tais como Matemática ou a Geometria, pudesse garantir resultados concretos; de garantir a objeti- vidade que é característica a essas ciências exatas. O «método», tal como é originalmente concebido por Descartes, pode ser interpretado como uma das primeiras instrumenta- lizações do pensamento filosófico. Mais que uma reflexão livre e desinteressada acerca do mundo, o pensamento filosófico é tomado em Descartes como um instrumentum, i.e., como o exercício cético de aplicação da «dúvida metódica», para o alcance de um fim pré-determinado: a «evidência», a «verdade» (Descartes, 2000). Descartes acaba assim por determinar a modernidade como um problema filosófico, com o qual se irão debater diversos dos autores, de entre os quais se destaca aqui, e.g., Martin Heidegger (Borges- -Duarte, 1998: 507-524).
  • 38. 38 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse [a] revolução operada no campo do saber graças à qual foi possível a constituição de uma nova ciência da natureza, consiste, para Kant, em que a natureza não se encontra dada como um livro onde apenas bastará ler. A ciência constitui- -se e desenvolve-se por um projeto adequado, que nos torne possível interrogar a natureza e forçá-la a uma resposta. Algo de semelhante tem que se operar em filosofia para esta se colocar no caminho seguro da ciência, para obter no seu do- mínio resultados tão certos como os obtidos nas diferentes disciplinas científicas.4 Um exemplo da influência da crítica kantiana pode ser encontrado na génese daquelas que ficaram conhecidas como as «ciências do espírito» («Geisteswissenschaften») construídas ao longo do séc. XIX. Os resultados obtidos pelas ciências exatas ao longo da segunda metade desse período (assim como na primeira metade do séc. XX), mostraram-se aliciantes para aqueles que se ocupavam com as relações que o ser humano estabelece com o mundo, com os outos, e consigo mesmo. Assim seduzidos pela ob- jetividade e aplicações práticas dos resultados alcançados através das tecnologias de investigação em uso nas ciências exatas, novos âmbitos de conhecimento começaram a emergir no mundo acadé- mico, deslocando o questionamento filosófico tradicional para um domínio secundário da investigação feita em torno de alguns dos temas clássicos com os quais a Filosofia se tinha vindo a ocupar em épocas anteriores. De acordo com a orientação técnico-cien- tífica do conhecimento que dominou o academismo do final do séc. XIX e início do séc. XX, a Filosofia viu-se confrontada com 4.  Itálicos da nossa responsabilidade.
  • 39. Ângelo Milhano 39 um novo desafio: permanecer fiel à sua tradição e correr o risco de se transformar num saber secundário no contexto académico da época, ou seguir a tendência generalizada, adotando uma me- todologia própria, concreta, capaz de orientá-la de encontro com resultados objetivos, empiricamente demonstráveis (Horkheimer, 2015: 24-43).5 O Positivismo e o projeto de uma Filosofia técnico-científica Foi sob a senda da segunda hipótese de desenvolvimento da Filosofia atrás referida que começaram a traçar-se as primeiras linhas da tradição que ficou conhecida como Positivismo Lógico. Remontando os seus fundamentos à problematização kantiana das «condições de possibilidade» do conhecimento, o Positivismo Lógico procurou imprimir uma metodologia científica — baseada nos princípios da lógica formal simbólica — em todos os domínios do pensamento filosófico, procurando, por essa via, deles elimi- nar qualquer orientação metafísica. Em sintonia com as linhas orientadoras criadas pela delimitação do conhecimento à luz do «juízo sintético a priori», o Positivismo Lógico procurou trans- formar a Filosofia num conhecimento que aspirava à exatidão (Carnap, Hahn Neurath, 2003: 101-110), e cuja função consis- tiria em alargar os horizontes do conhecimento científico através da construção de uma análise lógica dos processos empíricos pelos quais se desenvolve a sua investigação. Para Carnarp, Hahn e Otto Neurath (2003: 104), 5.  A este respeito veja-se também Habermas (2006: 45-92).
  • 40. 40 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse [o] objetivo a ter em mente é o de uma ciência unificada. Um esforço que consiste em construir uma ligação harmónica entre os vários feitos alcançados por investigadores indivi- duais em diversos ramos científicos. Partindo deste objetivo comum segue-se a ênfase sobre os esforços coletivos, e também a ênfase sobre o que pode alcançar-se intersubjetivamente; da qual se impulsiona a pesquisa por um sistema neutro de fórmulas, por um simbolismo livre dos preconceitos das linguagens históricas; e também pela pesquisa de um sis- tema de conceitos universal. São almejadas a precisão e a transparência, rejeitando quaisquer distâncias obscuras ou profundezas indecifráveis. Na raiz do Positivismo Lógico, delimita-se uma orien- tação epistemológica que se encontra, por sua vez, direcionada para a análise e compreensão dos problemas levantados pelas novas metodologias em uso nos diversos ramos do conhecimen- to científico, os quais serão, por seu turno, validados de acordo com os pressupostos da lógica formal. No entanto, esta orienta- ção epistemológica, quando definida nestes termos, não se mostra ainda suficiente para garantir a autonomia da Filosofia dentro do contexto académico da modernidade tardia. A Filosofia, quando assim delimitada pelo Positivismo Lógico, apresenta-se como um saber instrumental, i.e., como uma técnica de validação dos pro- cedimentos que levam à construção do conhecimento científico. Porém, para poder estabelecer-se academicamente como uma ciência empírica, à Filosofia faltava ainda um objeto de estudo concreto, mas também capaz de garantir, simultaneamente, a sua autonomia científica e a sua pertinência epistemológica.
  • 41. Ângelo Milhano 41 A escolha da linguagem como objeto de estudo da nova Filosofia proposta pelo Positivismo Lógico segue esta orientação. Uma escolha que radicou as suas raízes no pressuposto de que só a linguagem se constitui como um objeto de investigação devida- mente circunscrito, que consegue fornecer à Filosofia a autonomia disciplinar desejada, e que, do mesmo modo, lhe abre a possibi- lidade de construir uma investigação universal acerca do saber. Uma vez que todos os âmbitos do conhecimento humano, de uma ou de outra forma, fazem uso da linguagem para se poderem insti- tuir como um saber, de acordo com a escola positivista, e por meio de uma análise lógica da estrutura da linguagem, tornar-se-ia pos- sível à Filosofia instituir-se como uma ciência empírica concreta, ao mesmo tempo que poderia continuar a desenvolver uma «con- ceção científica do mundo», transversal a todos os domínios do conhecimento (Rorty, 1992: 1-39). O «Círculo de Viena», composto por pensadores como Moritz Schlick, Rudolph Carnap, ou Gustav Bergmann, foi o principalpromotordestemovimento,sobreoqualtevetambémes- pecial influência o pensamento de Gottlob Frege, Bertrand Russell e, sobretudo, Ludwig Wittgenstein, cujo Tratado Lógico-Filosófico, é ainda hoje considerado como um dos mais influentes textos desta tradição. Segundo a leitura que Richard Rorty desenvolve em tor- no da história desta tendência da Filosofia Contemporânea, uma vez tomada a linguagem como tema central da reflexão filosófica, a problemática nuclear com a qual o Positivismo Lógico se con- fronta na sua tentativa de transformar a Filosofia numa ciência empírica, passa, sobretudo, pela superação do problema da autor- referência implícita à investigação do seu objeto, i.e., daquele que ficou conhecido como o problema da «metalinguagem».
  • 42. 42 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse Na medida em que se pretende determinar a linguagem como uma figuração lógica do universo no qual o ser humano se encontra inserido e sobre o qual é capaz de pensar, qualquer tentativa de explicação da ligação que se estabelece, através da linguagem, entre o mundo e o pensamento, tem de fazer recurso de uma outra linguagem capaz de demonstrar a correlação lógi- ca entre esses três domínios que se interpenetram na construção do conhecimento. No sentido de conseguir explicar de que modo é possível à linguagem constituir-se como uma representação dos «factos» que se manifestam no universo, torna-se necessá- rio recorrer a uma outra linguagem que explique a forma como se processa essa representação no pensamento, mas que não ne- cessite, ela própria, de ser explicada por uma terceira, de forma a evitar uma redução ao infinito na fundamentação da prática filosófica que é proposta pelo Positivismo. Na leitura de Rorty, apenas mediante a superação do problema imposto pela «metalin- guagem» se tornaria possível ao Positivismo Lógico demonstrar que os próprios processos de construção do conhecimento podem ser compreendidos através de uma análise lógica da estrutura da linguagem pela qual são elaborados, sem fazer recurso dos tradi- cionais postulados metafísicos da Filosofia (Rorty, 1995: 85-87). De acordo com Rorty, o problema da «metalinguagem» é, por essa razão, estruturalmente semelhante àquele com o qual Kant já se tinha deparado ao longo da sua Critica da Razão Pura. Nesta obra, Kant viu-se na necessidade introduzir o domínio do «transcendental» como «condição de possibilidade» do conheci- mento (Rorty, 1995: 85-87). Do mesmo modo, Bertrand Russell viu-se também na necessidade de introduzir a «intuição inte- lectual» como o âmbito transcendente que fornece a justificação
  • 43. Ângelo Milhano 43 para aqueles que Russel designou como «objetos lógicos» — como modo de evitar uma possível autorreferência no processo de jus- tificação da verdade inerente aos princípios da lógica formal que o autor procurou fundamentar. No entanto, os conceitos que são assim fornecidos, e que pretendem prover o conhecimento empí- rico de uma fundamentação a priori, não deixam de levantar as questões de caráter metafísico que o Positivismo Lógico procurou eliminar do seu horizonte em primeiro lugar. Uma vez que a de- monstração formal do conhecimento construído empiricamente se encontra dependente de um fundamento a priori que o trans- cende, essa mesma fundamentação não pode, por definição, ser comprovada sem recurso a um outro âmbito de explicação que, do mesmo modo, a justifique transcendendo-a, o que por sua vez im- plicaria seguir o caminho metafísico de demonstração da verdade desse mesmo fundamento que se procura justificar. Nas palavras de Rorty (1992: 83): Russell tentou resolver este problema através de uma reinvenção das ideias platónicas. Postulou um mundo de objetos lógicos extramundanos e uma faculdade de intuição intelectual com a qual poderiam ser apreendidos. No entanto Wittgenstein verificou que esta tese ia ao encontro de uma nova versão do «problema do terceiro homem» que Platão havia já colocado em Parménides [o problema das entidades criadas para explicar o conhecimento] (…) Supunha-se que os objetos lógicos de Russell, as categorias kantianas e as ideias platónicas constituíam um outro conjunto de objetos — des- critivos dos objetos empíricos, das intuições kantianas ou dos particulares materiais platónico-cognoscíveis. Em qualquer
  • 44. 44 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse caso, afirma-se que estes tipos de objetos têm de relacionar-se com os primeiros antes que estes se encontrem disponíveis, antes que possam ser experimentados ou descritos.6 Fiel à motivação inicial do Positivismo Lógico, com o seu Tratado Lógico-Filosófico, Ludwig Wittgenstein propõe uma fundamentação das bases conceptuais necessárias para a constru- ção de um novo modo de filosofar, que se encontra desprovida de todas as suas tendências metafísicas. Na tentativa de superar o problema da autorreferência da linguagem com o qual se de- parou o Positivismo Lógico, Wittgenstein procura demonstrar a possibilidade de reduzir os problemas da Filosofia aos problemas de construção da linguagem pela qual são formulados. Para tal, o autor terá de demonstrar que as leis lógicas que estabelecem o correlato empírico entre a «linguagem» (enquanto totalidade das «proposições») e o «mundo» (como totalidade dos «factos» que são «figurados» por essas mesmas «proposições») são, em si mesmas, suficientes, uma vez que se constituem como verdades apodíti- cas que não necessitam de qualquer outro tipo de justificação que não parta delas próprias. Nas palavras do próprio Wittgenstein (2002: 114), “(...) [o]s limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.” Ao correlacionar «mundo» e «linguagem» por meio da análise da estrutura formal simbólica da última — que, por seu turno, obedece às leis da lógica formal —, o Tratado Lógico- Filosófico procura sobretudo demonstrar que a «linguagem» é uma «figuração lógica do mundo», i.e., uma representação figurativa 6.  Conteúdo entre parêntesis retos da nossa responsabilidade.
  • 45. Ângelo Milhano 45 da realidade, desprovida de qualquer tipo de fundamentação sobre uma entidade que a transcenda (Kenny, 2006: 44-57). Nas palavras de Wittgenstein (2002: 52): “4.01 A proposição é uma imagem da realidade. A proposição é um modelo da realidade tal como nós a pensamos.”7 Ou ainda, tal como o sublinha Bertrand Russell (2002: 3), [a]quilo que tem que haver de comum entre a frase e o facto não pode, argumenta o sr. Wittgenstein, por sua vez ser dito. Na sua terminologia, só pode ser mostrado e não dito, porque tudo o que possamos dizer necessitará também por sua vez de ter a mesma estrutura. De acordo com Wittgenstein, o correlato existente entre a «linguagem» e o «mundo» manifesta-se nas próprias «pro- posições» que podem ser construídas acerca dele. O «mundo» é composto por «factos», cujas relações apenas podem ser represen- tadas pelas «proposições» que acerca dele podem ser construídas. Uma «proposição elementar» representa, por essa razão, um «es- tado de coisas», i.e., uma figuração daquilo que na realidade está dado; uma relação que se estabelece entre os «factos», cujo senti- do advém da possibilidade do seu relacionamento, e cuja verdade ou falsidade pode ser empiricamente comprovada. Neste sentido, qualquer «proposição elementar», enquanto representação de um «estado de coisas», pode ser considerada como uma «figuração ló- gica» do «mundo», desde que manifeste um «facto» possível de ser comprovado empiricamente, uma vez que, 7.  A este respeito veja-se também: Fabris, 2001: 11-20.
  • 46. 46 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse [q]ualquer representação pode ser uma representação precisa ou imprecisa: pode fornecer uma figuração verdadeira ou fal- sa daquilo que pretende representar. Foi esta constatação que levou Wittgenstein a desenvolver uma investigação que tem por intuito a clarificação da natureza das proposições através de uma teoria da representação. Em qualquer representação existem sempre duas coisas que devem ser consideradas: a) o que é que a representação pretende representar b) se aqui- lo que pretende representar é representado de forma precisa ou imprecisa. A distinção entre estas duas características da representação corresponde-se, no que diz respeito a uma pro- posição, com a distinção entre aquilo que a proposição quer dizer, e se aquilo que ela quer dizer é verdadeiro ou falso — entre sentido e valor de verdade. (Kenny, 2006: 44) Para além das «proposições elementares», Wittgenstein admite também a existência de «proposições lógicas» na lingua- gem que, embora se encontrem desprovidas de sentido — pois o seu valor de verdade não depende diretamente da experiência — têm de ser necessariamente verdadeiras ou falsas. As «propo- sições lógicas», embora se refiram ao «mundo», não apresentam uma «figuração» dos «estados de coisas» que nele são dados. As «proposições lógicas», ao contrário das «proposições elementa- res», tal como refere Wittgenstein em 6.121, “(...) demonstram as propriedades lógicas das proposições ligando-as em proposições que nada dizem (…) o [seu] estado de equilíbrio mostra como estas proposições têm que ser constituídas logicamente” (Wittgenstein, 2002: 123).8 Este é o caso das «tautologias» que, segundo o autor, 8.  O conteúdo entre parêntesis retos é da nossa responsabilidade.
  • 47. Ângelo Milhano 47 se definem como «proposições» capazes de apresentar todas as possibilidades relativas a um determinado «facto», mas que são em si mesmas desprovidas de sentido. Enquanto o valor de ver- dade das «proposições elementares» se determina empiricamente, com as «proposições lógicas», embora se faça também uma refe- rência ao «mundo», o seu valor de verdade não é dele dependente, ele é determinado pela própria «proposição», i.e., pela forma lógi- ca que este tipo de proposição representa. Elas são, nesse sentido, «proposições» analíticas, uma vez que não se mostram como uma figuração da relação que se estabelece entre os «factos». Antes re- fletem a priori todas as possibilidades relativas a um determinado «facto», apresentando do mesmo modo a sua verdade — no caso das tautologias — ou falsidade — no caso das contradições. Nas palavras de Wittgenstein (2002: 125): (...) As proposições da Lógica descrevem as traves-mestras do mundo, ou melhor ainda, representam-nas. Não «tratam» de nada. Pressupõem que os nomes têm uma denotação e as proposições elementares um sentido — e é esta a sua ligação com o mundo. Que certas ligações de símbolos — que essen- cialmente têm um certo carácter — são tautologias tem que revelar, claro, alguma coisa acerca do mundo. Eis o decisivo. Dissemos que, nos símbolos que usamos, algumas coisas são arbitrárias, outras não são. Na Lógica só exprimem estas: mas isto não significa que na Lógica nós não exprimimos o que queremos por meio de símbolos, mas antes que na Lógica a natureza dos símbolos necessários e naturais fala por si: se conhecemos a sintaxe lógica de uma linguagem simbólica en- tão já temos todas as proposições da Lógica.”
  • 48. 48 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse Com a sua proposta de figuração do «mundo» por meio das «proposições» que podem ser feitas acerca dele, Wittgenstein — ainda em sintonia com os intuitos primordiais da Filosofia kantiana — procura definir quais os limites do conhecimen- to filosófico. O «mundo», assim como tudo aquilo que pode ser pensado acerca dele, está delimitado pela linguagem que o repre- senta simbolicamente através de «proposições». Uma vez que a Filosofia desenvolve a sua reflexão acerca de problemas que se dão nesse «mundo» do qual a «linguagem» se pretende «figura», para Wittgenstein, esses problemas podem, por essa mesma razão, ser resolvidos através de uma análise lógica das «proposições» pelas quais são formulados. No entanto, com o Tratado Lógico-Filosófico, Wittgenstein comprova que os problemas sobre os quais tradicio- nalmente recai o pensamento filosófico — sejam estes de caráter metafísico, ético, ou estético — não possuem um correlato em- pírico comprovável, do mesmo modo que não refletem a forma lógica de um «facto». Por outras palavras, poder-se-á dizer que os problemas tradicionais da Filosofia (e.g., imortalidade da alma, o telos (τέλος) da vida humana, a arte, etc.) não podem ser cons- tituídos como um «facto» do qual a «linguagem» é «figura», uma vez que as «proposições» pelas quais são formulados não podem confirmar-se empiricamente como verdadeiras ou falsas, ou como logicamente possíveis ou impossíveis. Wittgenstein considera, por essa razão, que os problemas tradicionais da Filosofia — que acaba por denominar como «místicos» (Wittgenstein, 2002: 138-142) — se constituem antes como «pseudoproblemas», pois, embora sejam problemas que podem ser representados linguisticamente, qualquer análise lógica que seja feita em torno da linguagem pela qual são formulados irá apenas constatar a sua falta de sentido.
  • 49. Ângelo Milhano 49 O vínculo que se estabelece entre a «linguagem», pela qual são construídos, e o «mundo», que essa mesma «linguagem» delimita e do qual se pretende «figura», não pode ser comprovado empi- ricamente, do mesmo modo que não possui uma forma lógica expressa, o que implica a impossibilidade de demonstrar a veraci- dade ou falsidade das suas «proposições». Como consequência, esta impossibilidade de analisar estruturalmente os problemas tradicionais que são investigados nestes âmbitos da reflexão filosófica leva Wittgenstein a defender uma ‘limpeza’ da Filosofia deste tipo de questões. Uma ‘limpeza’ que tem por finalidade a transformação da Filosofia de um co- nhecimento especulativo para um conhecimento analítico, cuja função consiste imperiosamente em clarificar os problemas e incongruências inerentes à estrutura lógica da «linguagem», descartando qualquer questão ou proposição que não possuam uma correlação figurável com o «mundo». Para Wittgenstein (2002: 142), [o] método correto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, i.e., as proposições das ciências naturais — e portanto sem nada que ver com a Filosofia — e depois, quando alguém quisesse dizer algo de metafísico, mostrar- -lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foi dada uma denotação. A esta pessoa o método pa- receria ser frustrante — uma vez que não sentiria que lhe estávamos a ensinar Filosofia — mas este seria o único méto- do estritamente correto.
  • 50. 50 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse O intuito wittgensteiniano que se materializou no Tratado Lógico-Filosófico, marcou com os seus pressupostos toda uma escola de pensamento, aquela que hoje se denomina como a corrente analítica da Filosofia. O pensamento desenvolvido por Wittgenstein ao longo do Tratactus e, postumamente, tam- bém com as suas Investigações Filosóficas (1971), demonstrou-se como o principal impulsionador daquele que Gustav Bergmann denominou como o Linguistic Turn da Filosofia.9 Pois, mais que uma tentativa de transformar a Filosofia numa ciência empí- rica desprovida das suas tendências metafísicas, a proposta de Wittgenstein trouxe consigo uma leitura da Filosofia que, a par do Estruturalismo iniciado pelo trabalho de Ferdinand Saussure e a par da tradição hermenêutica germânica, levou o pensamento filosófico ao encontro das questões que se levantam com a cor- relação que se estabelece entre a linguagem, o pensamento, e o mundo (Surkis, 2012: 700-722). No entanto, a influência da tecnociência sobre o Linguistic Turn que foi impulsionado pelo Positivismo Lógico mostra-nos ainda algo mais para além dos intuitos de cientificida- de positiva que imperam no contexto académico da modernidade tardia. Com a delimitação de novos horizontes para o pensamen- to filosófico — dentro dos quais se desenha uma orientação do pensar que segue as linhas de uma conceção científica de todo o universo —, a Filosofia acaba por se transformar ela mesma num saber técnico, numa metodologia de validação dos processos de construção de conhecimento que procura reduzir a subjetividade 9.  É Richard Rorty quem atribui a Gustav Bergmann o cunho da designação Linguistic Turn (Rorty, 1992: 1-39).
  • 51. Ângelo Milhano 51 metafísica ao rigor das estruturas que delimitam a análise da lógica formal simbólica. A introdução da linguagem como seu objeto de estudo exclusivo, implica, por isso, a possibilidade de uma alteração radical do estatuto académico da Filosofia. Muito embora se pretenda autónoma, a Filosofia passou a encontrar-se dependente das outras áreas de investigação sobre cujas metodo- logias recai a sua análise lógica. O telos da Filosofia tradicional, o alcance do saber pelo prazer de saber, correu, por essa razão, o risco de ser posto de parte. À medida que a proposta positivista do filosofar a procurou transformar num saber prático, procurou também reduzir a Filosofia a um medium, a um instrumento do qual outros âmbitos do saber fazem recurso para validar as suas metodologias, elas próprias orientadas para a obtenção de resulta- dos previamente determinados pelo ser humano. Em suma, e de acordo com a linhas fundamentais que são demarcadas por auto- res tais como Wittgenstein, a transformação da Filosofia implica a sua reconstrução como uma tecnociência cuja metodologia, à semelhança das que são utilizadas no contexto das ciências exatas, elabora uma redução positiva do seu objeto de estudo através da eliminação das variáveis subjetivas inerentes ao seu significado linguístico, pois só deste modo é possível garantir a maior objeti- vidade dos seus resultados. O Positivismo Lógico pode, por isso, ser compreendido como uma corrente que procura transformar conceptualmente a Filosofia numa tecnologia orientada para a análise da linguagem, procurando guarnecer a investigação desenvolvida no contex- to das «ciências do espírito» de uma cientificidade equivalente àquela que caracteriza a investigação feita pelas ciências exatas. A análise lógica da linguagem proposta pela tradição positivista,
  • 52. 52 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse procura eliminar dos estudos das humanidades as variáveis sub- jetivas que a natureza do intelecto humano lhes tem vindo a impor, subjugando o seu objeto de estudo aos intuitos almejados pelos seus investigadores. A abordagem criada pela metodologia positivista compreende-se, por isso, como uma tecnologia aplica- da, pela qual se possibilita a redução positiva do ser humano à sua representação linguística.
  • 53. Capítulo 2 — A Hermenêutica contemporânea como salvaguarda da “tradição” nas humanidades A racionalidade tecnocientífica e a crise das humanidades A influência que a tecnociência exerceu sobre a Filosofia tardo-moderna manifestou-se com a instrumentalização dos seus pressupostos mais fundamentais, procurando levá-los ao en- contro dos princípios de um saber operacional determinado em função de uma «racionalidade tecnológica». Ao longo de toda a sua história, a Filosofia procurou sempre constituir-se como um fim em si mesma. Muito embora fosse possível determinar di- ferentes tendências teleológicas no trabalho desenvolvido pelos mais diversos filósofos e tradições de pensamento, o caminho que a Filosofia traçou foi sempre tomado como um fim em si mesmo, e não como um instrumento, como uma metodologia orientada para alcançar fins que lhe são externos. Com o culminar tecno- lógico da modernidade, assistiu-se a uma transformação desta
  • 54. 54 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse conceção tradicional do pensamento filosófico. A ideia do pensa- mento como um fim em si mesmo, como a procura por um saber desinteressado e livre, perdeu essa conotação no contexto acadé- mico que marcou o início do séc. XX (Steiner, 2008: 13-32). O avanço da sociedade industrializada implementou um novo paradigma que acabou por definir a moderna conceção do conhecimento: o paradigma da «utilidade». A viragem da re- flexão filosófica ao encontro da linguagem é, em muitos aspetos, devedora desta transformação. Sobretudo no que diz respeito às configurações positivistas do pensamento ocidental, é nelas pos- sível compreender uma delimitação tecnológica do filosofar. Ao longo do capítulo anterior, procurei argumentar que a Filosofia surgiu teorizada como um instrumento que se destina a clarifi- car os problemas inerentes à construção e ao uso da linguagem, atribuindo-lhe uma utilidade. Como consequência, foi a própria linguagem que surgiu também representada tecnologicamente; conceptualizada de acordo com as linhas de uma leitura norma- tiva. Na escola positivista, a linguagem foi perspetivada a partir das suas questões formais e estruturais. A preocupação pelos con- teúdos que através dela se transmitem passa para um âmbito secundário que, em muitas circunstâncias, chega mesmo a ser descartado para salvaguardar a objetividade da investigação que nesse contexto se desenvolve. Com esta instrumentalização do pensamento filosófico e, consequentemente, da conceção que aí se constrói da lingua- gem, compreendo que se colocou em causa o próprio estatuto filosófico do humano. Aquela que tradicionalmente se denomina como a essência do ser humano, aquela com a qual as humanida- des se ocupam nos seus estudos, tal como o procurou demonstrar Wittgenstein ao longo do Tratactus, não pode ser alvo de uma
  • 55. Ângelo Milhano 55 análise formal, orientada de acordo com os pressupostos da ra- cionalidade tecnológica. Aquela que se poderá designar como a manifestação empírica mais concreta do humano, está relacio- nada com a substância inerente ao uso da linguagem, e mesmo uma análise estrutural que procure evidenciar o processo de cons- trução dos seus conteúdos significativos, deixará sempre de fora aquele que, quiçá, se constitui como o elemento mais importante da humanidade: a subjetividade inerente à sua existência. Em A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1954), Edmund Husserl argumenta que esta ten- dência metodológico-objetivista que marcou a tradição Positivista, para além de se fazer sentir em todos os domínios do saber pelos quais se compõem as humanidades (Geisteswissenschaften), acabou também por colocá-las em crise (Husserl, 2012). Uma crise que encontrou a sua origem na própria pretensão de objetividade al- mejada pelas humanidades, na sua tentativa de replicar e aplicar as metodologias das ciências exatas ao seu objeto de estudo: o ser humano. O argumento central sobre o qual se desenvolve a crítica de Edmund Husserl, assenta sobre a sua constatação de que, no esforço de construção de um conhecimento objetivo, universal, resultante de uma metodologia abstrata e unificada, acerca das questões do ser humano, da sua cultura, sociedade e história, as humanidades acabaram por virar as costas à essência subjetiva do ser humano. Para Husserl, foi esta indiferença das “ciências do es- pírito” para com aquilo que no humano acaba por defini-lo como tal, o que acabou por se constituir como o núcleo da sua crise. Pois, [a] exclusividade com que, na segunda metade do séc. XIX, toda a visão do mundo do Homem moderno se deixou deter- minar pelas ciências positivas, e cegar pela prosperity a elas
  • 56. 56 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse devida, significou um virar de costas indiferente às questões que são as decisivas para uma humanidade genuína. Meras ciências de fatos fazem meros homens de fatos. A inversão da opinião pública era inevitável, em particular depois da guer- ra, e, na geração mais jovem, tornou-se pouco a pouco uma disposição hostil. Na urgência da nossa vida — ouvimos — esta ciência nada nos tem a dizer. (Husserl, 2012: 3) A atitude positiva, que advoga pela objetividade cientí- fica nas humanidades tornou-se, para Husserl, numa sombra da atitude reformista que lhe deu origem, e que impulsionou a emer- gência da própria época moderna. O anseio que movia a atitude positiva, o intuito de construir um conhecimento universal, de, por via da aplicação da metodologia tecnocientífica descobrir uma verdade unificada, transversal a todas as áreas do conhecimento, acabou por definhar perante a tomada de consciência da impos- sibilidade da sua realização prática. O fechamento dos vários domínios científicos sobre si próprios, decorrente da sua sempre crescente especialização teórica, contrariou os intuitos primor- diais que marcaram a génese do Positivismo. Para Husserl, com a crise das ciências, foi a própria conceção da verdade que acabou por ser colocada em questão (Husserl, 2012: 7-10). Cabe, por isso, ao filosofar a tarefa de recuperar o pro- jeto inicial das humanidades, de recuperar o que foi, entretanto, perdido, e ultrapassar o problema da “territorialização” da razão que foi sendo construída pelas várias ciências positivas. Husserl compreende, com este problema, a necessidade de construir um diálogo entre as ciências, de fomentar um exercício interpretativo capaz de ir ao encontro daquilo que, no “outro”, nos é também
  • 57. Ângelo Milhano 57 semelhante. A crise das ciências, enquanto fechamento da verda- de sobre uma conceção particular da razão, mostra-se, por isso, também como uma crise do humano. Para Husserl (2012: 12-13), (s)omos, então, no nosso filosofar (…) funcionários da huma- nidade. A responsabilidade inteiramente pessoal pelo nosso verdadeiro ser próprio, enquanto filósofos na nossa íntima vocação pessoal, traz em si, ao mesmo tempo, a responsa- bilidade pelo verdadeiro ser da humanidade, o qual só é na medida em que é dirigido a um telos e, se de todo puder ser efetivado, só o pode ser pela filosofia — por nós, se formos seriamente filósofos. Os fundamentos da Hermenêutica em Friederich Schleiermacher e Wilhelm Dilthey A tradição hermenêutica germânica, numa primei- ra fase, apresenta-se também em consonância com a orientação técnico-metodológica que caracterizou o contexto académico po- sitivista do final do séc. XIX e do início do séc. XX.1 Na sua raiz, a Hermenêutica filosófica de Friederich Schleiermacher mostra-se como uma proposta técnico-metodológica que procura garantir a melhor interpretação possível dos conteúdos inerentes aos textos 1.  Esta referência a uma primeira fase da Hermenêutica é aqui introduzida à luz da di- visão que Josef Bleicher faz deste âmbito disciplinar. Segundo Bleicher, a Hermenêutica pode dividir-se em três vertentes. A primeira diz respeito à Hermenêutica Metodoló- gica, que o autor designa de «Teoria Hermenêutica». Esta ocupa-se fundamentalmente com os processos metodológicos da interpretação. A segunda diz respeito à «Filosofia Hermenêutica», que se ocupa das propostas hermenêuticas de orientação ontológica que são avançadas por autores tais como Martin Heidegger ou Hans-Georg Gadamer, onde a Hermenêutica, mais que uma metodologia, é entendida como um sistema de pensamen- to que permite questionar diversos domínios da existência humana. A última divisão, que diz respeito à Hermenêutica crítica, e refere-se aos contributos pós-fenomenológicos para a Hermenêutica, onde poderá introduzir-se a «meta-hermenêutica» (Bleicher, 1980).
  • 58. 58 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse filosóficos. Esta é uma proposta que se afasta das tendências obje- tivistas que caracterizaram a metodologia usada pelo Positivismo Lógico, visto não descartar dos seus horizontes a dimensão subje- tiva que o ser humano imprime no uso da linguagem. Antes pelo contrário, na tradição da Hermenêutica filosófica iniciada por Schleiermacher, essa subjetividade inerente à linguagem é tomada como uma das dimensões mais importantes do conhecimento que através dela se pretende alcançar (Bowie, 1998: xii-xix). Para Schleiermacher, o processo interpretativo apresenta-se, na sua essência, como um esforço de reconstrução dos processos intelectuais que levaram um autor a construir o texto que é alvo de interpretação. Uma reconstrução que é ela- borada, e apenas tornada possível ao intérprete, por meio de uma metodologia própria que Schleiermacher denominou de «círculo hermenêutico»: uma metodologia de interpretação circular que correlaciona dialeticamente as partes e o todo que compõem um texto. Esta metodologia tem em vista a «compreensão»,2 de alcan- çar o sentido do texto à luz das intenções subjetivas do seu autor.3 2.  O conceito de «compreensão», em Schleiermacher, encontra-se diretamente relacio- nado com a capacidade do intérprete alcançar a realidade interna do outro, neste caso do autor do texto a ser interpretado (Palmer, 1999: 91-103; Schleiermacher, 1998: 9-11). 3.  De acordo com a proposta avançada por Schleiermacher, a interpretação de um texto necessita, em primeiro lugar, de partir de uma familiaridade prévia do intérprete com os conteúdos da obra a interpretar — e.g., o tema que o autor trabalha no texto, a corrente de pensamento onde se insere, etc. —, uma vez que a interpretação, assim como a «com- preensão» por ela almejada, necessitam de um conhecimento prévio que lhes possa abrir o caminho. É este conhecimento prévio que irá delimitar a ideia — ainda que preliminar — do todo que irá subsequentemente orientar a interpretação das partes do texto que, por seu turno, irão complementar a compreensão da ideia do todo que irá, da mesma forma, facilitar cada vez mais a interpretação das restantes partes suas constituintes. A «com- preensão» de um texto, tal como esta é prefigurada no pensamento de Schleiermacher, é tornada possível por meio da aplicação desta técnica de interpretação circular que se estabelece entre as partes e o todo do texto e que vai ao encontro da subjetividade nele inscrita pelo seu autor (Palmer, 1999, pp. 91-103).
  • 59. Ângelo Milhano 59 Para Schleiermacher, com o «círculo hermenêutico» torna-se pos- sível ao intérprete “compreender o autor melhor do que este se compreendeu a si próprio” (Schleiermacher, 1998: 228). Através desta metodologia, o intérprete procura re- construir os processos mentais do autor, mediante um exercício dialético que se constrói entre a «interpretação gramatical» do texto, e uma «interpretação psicológica» que o leva ao encontro do caráter subjetivo do mesmo, i.e., dos processos mentais que nele foram impressos pelo autor. Com o «círculo hermenêutico» o intérprete procura, através do seu próprio intelecto, reconstruir as intenções subjetivas que moveram o autor, procurando sempre determinar a dimensão intelectual subjetiva que assim está inscri- ta no texto. Por esta via, [o] intérprete compreende a individualidade do autor relati- vamente ao geral mas compreende-a também de um modo positivo, quase de um modo direto e intuitivo. Tal como o círculo hermenêutico envolve a parte e o todo, a interpreta- ção gramatical e psicológica como uma unidade, envolve o específico e o geral; este último tipo de interpretação é geral e limitativo, bem como individual e positivo. A interpretação gramatical mostra-nos a obra na sua relação com a língua, tanto na estrutura das frases como nas partes interatuantes de uma obra e também com outras obras do mesmo tipo li- terário; assim, podemos ver o princípio das partes e do todo, em ação na interpretação gramatical. De igual modo, a indi- vidualidade do autor e da obra têm que ser vistas no contexto dos factos mais amplos da sua vida, contrastando com outras
  • 60. 60 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse vidas e com outras obras. O princípio de interação e de es- clarecimento recíproco da parte e do todo é essencial para os dois aspetos da interpretação. (Palmer, 1999: 95-96) Na proposta de Schleiermacher desenha-se, por esta ra- zão, uma técnica que, ao contrário daquela que é proposta pelo Positivismo Lógico, procura ir ao encontro da dimensão subjetiva do intelecto humano, demarcando-se das tendências objetivistas inerentes à proposta técnico-metodológica defendida por essa tradição. Porém, a proposta de Schleiermacher é ainda limitada a um domínio de investigação muito particular das humanidades (Geisteswissenschaften) — o do texto filosófico —, sendo que é com a perspetiva historicista de Wilhelm Dilthey onde, pela primei- ra vez, se irá apresentar a Hermenêutica, simultaneamente, como metodologia e fundamentação epistemológica de toda a investiga- ção a ser desenvolvida pelas humanidades. Dilthey apresenta-se na História da Filosofia como um pensador cuja orientação intelectual se encontra ainda em consonância com a pretensão positivista de fundamentar epis- temologicamente um âmbito de estudo técnico-científico do humano que, embora se afaste das tendências metafísicas que marcaram os primórdios da Filosofia Moderna, se demarca das restantes correntes que seguem esta linha por não pretender edi- ficar as humanidades sob os pressupostos positivos das ciências exatas (Dilthey, 1992: 15-23). A proposta hermenêutica de Dilthey pretende por isso fornecer às «ciências do espírito» uma aborda- gem original, própria ao seu domínio de investigação, que tem em conta a dimensão subjetiva, e sobretudo histórica, do ser humano. Nas palavras de Dilthey (1992: 43),
  • 61. Ângelo Milhano 61 [o] método só pode, portanto, ser o seguinte: busca das cone- xões, etc. Sua suplementação como interpretação. Decurso do conhecido para o desconhecido, isto é, dos factos históricos para a conexão neles ínsita, na sua legalidade. Ou ainda, tal como o descreve Palmer (1999: 106-107): O projeto de formular uma metodologia adequada às ciências que se centram na compreensão das expressões humanas — sociais e artísticas — é primeiramente encarado por Dilthey no contexto de uma necessidade de abandonar a perspetiva reducionista e mecanicista das ciências naturais, e de encon- trar uma abordagem adequada à plenitude dos fenómenos. Mais que uma metodologia, Dilthey procura construir uma fundamentação segura para as humanidades que, ao mes- mo tempo que lhes proporciona o reconhecimento e autonomia académica por elas almejado, as distingue das ciências naturais e exatas ao demarcar as características particulares inerentes ao estudo do seu objeto: o ser humano. A «vivência» («Erlebnis»), a «experiência interior vivida» pelo ser humano, constitui-se, para Dilthey, como o principal domínio sobre o qual se deverá debruçar a investigação das humanidades. O autor considera que o estudo do humano deve ser construído, em primeiro lugar, a partir de uma «compreensão»4 da sua interioridade, pois é na «vivência» do mundo que é experimentada pelo indivíduo, i.e., na visão sub- jetiva que cada ser humano elabora do mundo que o rodeia, onde 4.  Por compreensão, Dilthey, numa proximidade relativa com Schleiermacher, entende a «captação» que o intérprete faz da «expressão» do «mundo interior vivido» de um outro ser humano. Em suma, para Dilthey, a «compreensão» não se limita, por isso, só ao texto, uma vez que se estende a qualquer tipo de «expressão» humana (Dilthey, 1989: 152-164; Palmer, 1999: 105-128; 135).
  • 62. 62 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse se desenham os motivos que orientam as suas «expressões»; onde se encontram os fundamentos para os factos externos que acerca dele podem ser — posteriormente — analisados de modo objetivo (Dilthey, 1989: 154-159). Tal como se pode compreender com o caso da «ação»: Uma ação não brota de uma intenção de comunicar; no en- tanto, o propósito com o qual se relaciona encontra-se nela contido. Existe uma relação entre uma ação e algum conteú- do mental que nos permite construir inferências prováveis. Mas é, para tal, necessário distinguir o estado de espírito que produziu a ação pela qual se expressa, das circunstân- cias da vida pelas quais ela é condicionada. A ação, pela força de um motivo decisivo, afasta-se da plenitude da vida demonstrando-a num só sentido. Não importa o quanto possa ser acerca dela considerado, ela expressa apenas uma parte da nossa natureza. Ela vem aniquilar potencialidades que subjazem a essa natureza. Desta forma, também a ação se separa do plano contextual da vida e, a não ser que seja acompanhada de uma explicação de como as circunstâncias, os propósitos, os meios, e o restante contexto da nossa vivên- cia se encontram nela interligados, não é possível construir uma compreensão abrangente da vida interior que lhe deu origem. (Dilthey, 1989: 153) Na proposta de Dilthey, o objeto de investigação das hu- manidades necessita de ser encarado a partir de uma abordagem técnico-metodológica substancialmente diferente daquela que é desenvolvida no contexto das ciências exatas. Ao contrário dos objetos que aí são investigados, o ser humano destaca-se pela sua
  • 63. Ângelo Milhano 63 subjetividade, uma vez que é possuidor de uma intencionalidade própria, de uma agência, fruto da atividade da sua vida interna, das suas «vivências». Os fundamentos das «expressões» humanas — sejam elas psicológicas, sociais, artísticas, políticas ou históri- cas —, não podem ser reduzidos ao enquadramento analítico do empiricamente observável, os seus fundamentos estão ocultos na «vivência», inacessível às abordagens técnico-instrumentais delimitadas pela metodologia das ciências exatas. Em Dilthey, a Hermenêutica constitui-se, por essa razão, como a única metodo- logia possível de ser aplicada no estudo feito pelas humanidades, uma vez que o exercício de interpretação que a delimita vai ao encontro desta intencionalidade característica das «vivências» (Gadamer, 1999: 225-252).5 De acordo com a conceptualização que Dilthey constrói das humanidades, depreende-se que a sua delimitação face às ciên- cias naturais e exatas se determina a partir da abordagem feita ao seu objeto de investigação. Tal implica, por isso, uma distinção que se estabelece também ao nível das metas almejadas por cada um destes domínios de investigação. A «explicação» apresenta-se, aqui, como um conceito radicalmente diferente da «compreen- são». Enquanto as ciências naturais e exatas procuram fornecer uma «explicação» factual dos fenómenos que são alvo da sua in- vestigação, na proposta de Dilthey, as humanidades apresentam-se determinadas sob o intuito de alcançar a «compreensão» das «ex- pressões» humanas — que, no seu conjunto, delimitam a história —, e que apenas se torna possível por via da interpretação (Dilthey, 1989: 161-164). 5.  A este respeito veja-se também Bleicher (2002: 34-43).
  • 64. 64 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse Portanto, a diferença entre os estudos humanísticos e as ciências naturais, não está necessariamente nem num tipo de objeto diferente que os estudos humanísticos possam ter, nem num tipo diferente de perceção; a diferença essen- cial está no contexto dentro do qual o objeto percecionado é compreendido. Os estudos humanísticos farão por vezes uso dos mesmos objetos ou «factos» das ciências da nature- za, mas num contexto de relações diferentes, num contexto que inclui ou que refere uma experiência interna. A ausência da referência à experiência humana é característica das ciên- cias naturais; a presença de uma referência à vida interior do homem está inevitavelmente presente nos estudos humanís- ticos. (Palmer, 1999: 111) Mesmo prezando por uma atenção à dimensão subje- tiva do humano, há que sublinhar que a proposta hermenêutica de Dilthey procura possibilitar às humanidades uma «compreen- são» objetiva das «expressões» humanas. Uma objetividade que, não obstante, só se torna possível quando a subjetividade inerente às «vivências» é tomada em consideração como uma dimensão fundamental do humano. Por esta razão, a crítica de Dilthey à tradição positivista centra-se mais sobre a tendência redutora que se manifesta nos seus pressupostos técnico-metodológicos, do que propriamente na cientificidade que por ela é almejada. Para Dilthey, os estudos humanísticos, se se pretendem verdadeira- mente científicos, têm obrigatoriamente de tomar a subjetividade humana como um elemento fundamental das suas investigações.
  • 65. Ângelo Milhano 65 A «vivência» individual subjetiva é uma das dimensões mais ca- racterísticas da humanidade, constituindo-se mesmo como uma das mais fundamentais (Gadamer, 1999: 277-291).6 A Hermenêutica Fenomenológica de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer Embora os contornos do pensamento de Dilthey se defi- nam por uma orientação essencialmente historicista, o seu alcance teórico fez-se sentir em diversos ramos do pensamento filosófico. O intuito de construir uma Critica da Razão Histórica pela parte de Dilthey, aliado com a teoria da linguagem delineada por Wilhelm Von Humboldt, aos quais se juntou a Fenomenologia de Edmund Husserl, encontram-se na base conceptual do Linguistic Turn que se operou na tradição hermenêutica germânica, sobretudo no que diz respeito à sua vertente fenomenológica. A Hermenêutica Fenomenológica, pela primeira vez apresentada por Martin Heidegger em Ser e Tempo (1927), é disso o exemplo, conjugando numa nova abordagem ao problema da delimitação do contexto de investigação da Hermenêutica os pressupostos teóricos previa- mente delineados por cada um destes três autores. A influência de Dilthey na Hermenêutica Fenomeno- lógica de Heidegger manifesta-se sobretudo no modo como o último acaba por definir a «compreensão»7 a partir da sua relação 6.  A este respeito veja-se também Palmer (1999: 105-128). 7.  Embora se possa compreender a presença desta influência, na proposta hermenêutica heideggeriana apresentada em Ser e Tempo os conceitos de «compreensão» e de «interpre- tação» caminham a par naquela que é a conceção heideggeriana do «círculo hermenêuti- co». Não há em Heidegger uma cisão entre o sujeito e o objeto aquando do ato interpre- tativo. Na interpretação, a «compreensão» já esta dada, pois que o objeto interpretado já faz parte do pensar do sujeito que o interpreta projetivamente. Não há por isso uma distinção clara entre ambos os conceitos, na medida em que o ato interpretativo só é
  • 66. 66 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse com a «situação hermenêutica» do sujeito interprete. A funda- mentação desta proposta pressupõe uma reformulação do «círculo hermenêutico» a partir de uma compreensão do papel que a «tem- poralidade» desempenha sobre os processos interpretativos, assim como do próprio Dasein no aí em que a leva a cabo (Heidegger, 2008a: 188). Já no que diz respeito à teoria da linguagem defendida por Humboldt, Heidegger vai sobretudo beber da ideia segundo a qual a linguagem cria uma «abertura de mundo». É na linguagem onde se propicia a abertura necessária para a «compreensão», para a possibilidade de «ser-no-mundo» do Dasein onde o «ser» se dá a manifestar. Heidegger, a par de Humboldt, considera que a linguagem, mais que uma simples representação instrumental do «mundo», é uma forma de confi- gurar a «compreensão» para o «ser» que se manifesta nesse mesmo «mundo» onde o Dasein se encontra lançado (Lafont, 1997: 21-33). No entanto, a Hermenêutica Fenomenológica heideggeriana só ganha a sua fundamentação filosófica mais profunda com a sua receção da Fenomenologia de Edmund Husserl, nomeadamente no encontro de Heidegger com o conceito husserliano de «mundo da vida» («Lebenswelt»), pelo qual o sujeito intérprete se consti- tui como o fundamento de toda a compreensão objetiva. Segundo Gadamer (1999: 310), possível porque ele é já «compreensão», i.e., uma projeção das possibilidades do «ser» no futuro, a partir da experiência passada do sujeito que constrói a sua interpretação no pre- sente. A «compreensão» não é por essa razão algo distinto da interpretação, ela faz parte do «ser-no-mundo» do próprio Dasein. Tal como se pode deduzir das palavras de Heide- gger (2008a: 188): “Na interpretação a compreensão não se transforma em algo diferente, torna-se nela própria. A interpretação encontra-se existencialmente fundamentada no compreender; a última não deriva da primeira.” A este respeito veja-se também: Lafont, (1997: 75-80) assim como Gadamer (2000: 64-68).
  • 67. Ângelo Milhano 67 [n]o intuito de apresentar uma contraproposta ao conceito de mundo que engloba o universo daquilo que é objetivável pelas ciências, Husserl apresenta um conceito fenomenoló- gico que denomina de «mundo da vida», ou seja, o mundo em que nos introduzimos ao viver na nossa atitude natural, que não nos é objetivo como tal, mas que apresenta em cada caso o solo prévio de toda a experiência. Este horizonte do mundo está pressuposto também em todas as ciências e é por isso mais originário que elas. Como fenómeno horizontal, este «mundo» refere-se essencialmente à subjetividade; e esta referência significa ao mesmo tempo que «tem o seu ser no fluxo dos “em cada caso”». O problema fundamental que lança a Hermenêutica heideggeriana está diretamente relacionado com o papel nuclear da subjetividade humana pressuposto, tanto na proposta herme- nêutica de Dilthey, como na fenomenologia husserliana. Embora Dilthey advogue pela cientificidade das «ciências do espírito» sob uma hermenêutica que parte da «vivência», na defesa do papel ativo que é desempenhado pela subjetividade no processo de in- terpretação histórica que dá fundamento à sua proposta, o autor não deixa de abrir o caminho para um «subjetivismo» das hu- manidades. Do mesmo modo, e embora se procure demonstrar como o fundamento primordial para a objetividade de todo o co- nhecimento, para Heidegger, a subjetividade inerente ao «mundo da vida» husserliano remete também por este caminho que vai ao encontro do «subjetivismo», uma vez que a Fenomenologia de Husserl se constitui, em última instância, como uma teoria an- tropocêntrica do conhecimento, cujo fundamento nuclear acaba por remetê-lo à «consciência intencional» do «eu» na sua relação
  • 68. 68 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse com os objetos (Paisana, 1992: 113-142).8 No sentido de superar esta problemática, a linguagem, enquanto «abertura do mundo», apresenta-se para Heidegger como o elemento mediador entre a subjetividade do «mundo da vida» husserliano e a objetividade do «ser» que se manifesta no «mundo» onde o Dasein se encontra lançado. Tal como o sublinha João Paisana (1992: 121), Husserl, (…) tomando como ponto de partida a consciência (Bewusstsein), parte da subjetividade, bloqueando-se na ima- nência do sujeito sem poder dar conta da acritude do Dasein. Na verdade, depois de Descartes, a subjetividade surge como fundamentum inconcussum, nunca posta em questão quanto ao seu ser. No entanto, segundo Heidegger, só o estudo do Dasein, partindo da abertura ao mundo, nos permitirá ques- tionar o ser da subjetividade, assim como da objetividade. A relação que assim se estabelece entre os conceitos de «história», «linguagem» e «mundo da vida», encontra-se materia- lizada no conceito heideggeriano de Dasein, sobre o qual também se edifica a sua Hermenêutica Fenomenológica. Dasein, enquan- to manifestação do «ser» no espaço e no tempo — ou seja, como «abertura», como o «aí» do «ser» que é espácio-temporalmente manifesto na realidade humana —, define-se como um «ente» cuja existência é já por si hermenêutica; é o único possuidor de uma «pré-estrutura compreensiva» que o encaminha ao encon- tro da tarefa fundamental de «desencobrir» («entbergen») o «ser» a partir da «facticidade» da sua existência. A «pré-estrutura» da compreensão que possibilita esta tarefa existencial do Dasein é 8.  A este respeito veja-se também Palmer (1999: 147-153).
  • 69. Ângelo Milhano 69 tornada possível, antes de tudo, por via da sua aptidão linguística, do seu λόγος (logos), uma vez que é na capacidade de formular a questão que inquire pelo «ser» onde se encontra a raiz fundamen- tal deste privilégio ontológico que o Dasein possui de projetar o «ser» nas suas possibilidades: como a representação do “enquanto que” de um determinado «ente» que é captado na interpretação. Neste sentido, a Hermenêutica Fenomenológica heideggeriana, ao contrário das propostas hermenêuticas que até aqui têm vindo a ser analisadas, não centra a sua atenção apenas sobre os processos subjetivos de interpretação do sujeito. Embora a subjetividade se constitua como uma das características fundamentais da «pré- -estrutura compreensiva» deste «ente privilegiado» — e que não deixa de se encontrar sempre presente no ato interpretativo —, na proposta hermenêutico-fenomenológica de Heidegger, a tarefa existencial do Dasein é ontológica. Ela consiste num estar aber- to à manifestação do «ser» dos entes que compõem o «mundo» tal como ele é, i.e., em «desencobrir» o «ser» enquanto «ser», no «mundo» onde o Dasein está lançado e que, por esta via, é também por ele construído (Heidegger, 2008a: 190-191).9 A proposta delineada por Heidegger é, por esta razão, também definida como uma «hermenêutica da facticidade» uma vez que se desenvolve como uma «análise existencial» que tem em vista a compreensão do «ser» a partir das suas manifesta- ções ônticas, aquelas que se dão no contexto da quotidianidade da existência do Dasein. Nesta, o Dasein é no seu «mundo», com os outros e à beira das coisas, dando-se por essas mesmas vias a um processo de «desencobrimento» “(…) que projeta o ser sobre 9.  A este respeito veja-se também Fabris (2001: 21-25).
  • 70. 70 A Filosofia da Tecnologia como Hermenêutica. De Freud a Heidegger e Marcuse possibilidades” (Heidegger, 2008a: 188). Interpretar é o seu modo de «ser-no-mundo» («in-der-welt-sein»). No mesmo sentido, a Hermenêutica Fenomenológica, mais que uma metodologia de investigação, apresenta-se também como uma «analítica da existência», uma vez que consiste num processo de «desencobri- mento» do «ser» que, nos «entes», se manifesta como «encoberto» (verborgenheit). O «ser» desses «entes», é dado a esta manifestação através da «significação» que é proporcionada pela linguagem, pois é por meio desta que o «ser» dos «entes» se torna percetível ao Dasein. É a «significação» quem oferece a abertura necessária para a compreensão, o que permite o envolvimento da «pré-estrutura compreensiva» no «desencobrimento» do «ser» dos «entes» que assim se manifestam. Nas palavras de Heidegger (2008a: 192-193): Quando os entes intramundanos são descobertos a par com o Ser do Dasein — ou seja, quando eles chegam a ser compreen- didos — dizemos acerca deles que possuem sentido [Sinn]. Mas aquilo que é compreendido, tomado de forma objetiva, não é o sentido mas sim o ente, ou em alternativa, o Ser. Sen- tido é aquilo em que a compreensibilidade [Verständlichkeit] de algo se mantém em si mesma. Nas palavras de Cristina Lafont (1997: 98-99), “[é] a lin- guagem o que proporciona ao Dasein a «inteligibilidade», ou seja, a «compreensão do ser» que constitui o seu «estado de abertura», do qual tínhamos partido.” No entanto, o contributo heideggeria- no para o desenvolvimento da relação entre a Hermenêutica e a linguagem é trabalhado com maior detalhe nos textos posteriores