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Juris Plenum Previdenciária
Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
Coordenadora da Revista
Cirlene Luiza Zimmermann - Procuradora Federal
Conselho Editorial
Fábio Zambitte Ibrahim - Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Mestre em Direito pela PUC/SP
José Ricardo Caetano Costa - Advogado Previdenciarista. Coordenador e Pesquisador do
Centro de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social - CEPESS
Miguel Horvath Jr. - Doutor em Direito Previdenciário. Procurador Federal
Roberto Luis Luchi Demo - Juiz Federal no TRF da 1ª Região. Pós-Graduado em Direito
Processual Civil pelo IBEJ/PR
Wladimir Novaez Martinez - Advogado Especialista em Direito Previdenciário
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J95 Juris Plenum Previdenciária: doutrina / Editora Plenum.
Ano IV, n. 13 (fev./abr. 2016). - Caxias do Sul, RS:
Editora Plenum , 2016.
192p. ; 23cm.
Trimestral
ISSN 2317-210X
1. Direito previdenciário. 2. Direito Civil.
I. Editora Plenum.
CDU: 349.2
SUMÁRIO
Apresentação ...................................................................................................................7
ASSUNTO ESPECIAL: O NOVO CPC E O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO
Doutrina
As normas fundamentais do novo processo civil e seus reexos no processo
previdenciário
CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN.............................................................................9
A coisa julgada em matéria previdenciária: o direito pode ser enterrado vivo?
DIEGO HENRIQUE SCHUSTER.............................................................................61
Questões polêmicas no direito previdenciário com reexo no direito empresarial
MANOELHERMES DE LIMA..................................................................................77
Enunciados
Enunciados do fórum permanente de processualistas civis....................................97
Jurisprudência
Benefício por incapacidade. Extinção do processo. Coisa julgada. Renovação do
requerimento administrativo. (Acórdão do TNU).....................................................115
DESTAQUE: FATOR 85/95
Comentário
Fator 85/95: trampolim para se aposentar com idade mínima?
ROMULO SARAIVA.................................................................................................119
Doutrina
As fórmulas mágicas no mundo de Lilipute: do fator previdenciário à fórmula 85/95
JOSÉ RICARDO CAETANO COSTA, MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR ...........123
Fórmula 95 na Lei nº 13.183/15
WLADIMIR NOVAES MARTINEZ............................................................................135
ASSUNTOS DIVERSOS
Doutrina
O adicional de 25% a benefícios previdenciários diversos da aposentadoria por
invalidez - Crítica aberta ao ativismo judicial
DANIELA GONÇALVES DE CARVALHO................................................................143
O benefício assistencial de prestação continuada ao idoso: evolução legislativa,
características e requisitos
LUIZ ROGÉRIO DA SILVA DAMASCENO...............................................................155
A pensão por morte e as alterações legislativas no Brasil - O que já foi feito e o que
está por vir - Um cotejo com as possibilidades da Convenção 102 da OIT
MIGUEL HORVATH JÚNIOR...................................................................................169
Transexualidade e aposentadoria no regime geral de previdência
VINÍCIUS PACHECO FLUMINHAN.........................................................................177
Legislação
Recomendação Conjunta nº 1, de 15.12.2015 - DJ 08.01.2016 .............................189
Normas para envio de artigos doutrinários ..............................................................191
ASSUNTO ESPECIAL: O NOVO CPC E O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO - DOUTRINA
* Data de recebimento do artigo: 08.01.2016.
Datas de pareceres de aprovação: 14.01.2016 e 22.01.2016.
Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 27.01.2016.
AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO*
THE FUNDAMENTAL RULES OF THE NEW CIVILPROCEDURE AND THEIR REFLECTIONS
IN THE PENSION PROCESS
CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN
Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul - UCS.
Procuradora Federal - AGU. Professora Universitária. Coordenadora da
Revista Juris Plenum Previdenciária. E-mail: cirleneluiza@brturbo.com.br.
SUMÁRIO: Introdução - 1. Normas fundamentais processuais e normas processuais
fundamentais: o art. 1º do novo CPC - 2. O princípio-fundamento do devido processo
legal, o contraditório, a ampla defesa e a publicidade: 2.1. A garantia constitucional
da fundamentação das decisões judiciais; 2.2. A vedação da decisão surpresa -
3. As cláusulas gerais processuais, a isonomia, a boa-fé e a cooperação: 3.1. A
boa-fé objetiva; 3.2. O princípio da cooperação: 3.2.1. O negócio jurídico processual;
3.2.2. A distribuição dinâmica do ônus da prova; 3.2.3. Os honorários advocatícios de
sucumbência - 3.3. O princípio da igualdade; 3.4. Cláusulas gerais e o princípio da
proporcionalidade - 4. A solução consensual dos conitos e o Poder Judiciário como
meio alternativo de resolução das controvérsias - 5. O princípio da economicidade ou
da razoável duração do processo: 5.1. Prazos processuais; 5.2. Tutelas provisórias;
5.3. Reconvenção e exceção de incompetência relativa; 5.4. Ordem cronológica de
julgamento; 5.5. Julgamento antecipado parcial do mérito; 5.6. Sistema recursal:
causa madura, recursos extintos e a questão do juízo de admissibilidade na srcem;
5.7. Sistema de precedentes: uniformização da jurisprudência; 5.8. Cumprimento de
sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela
Fazenda Pública - Considerações nais - Referências.
SUMMARY:Introduction-1.Fundamentalprocedural rulesandproceduralfundamental
rules: the art. 1 of the new Civil Procedure Code - 2. The foundation of due process oflaw, the adversarial, the ample defense and advertising - 3. General procedural clauses,
equality, good faith and cooperation - 4. The consensual solution of conicts and the
Judiciary as a means of alternative resolution of disputes - 5. The principle of economy
or the right to a speed trial - Final considerations - References.
10 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
RESUMO: Objetiva-se com o presente artigo, analisar as inovações trazidas pelo
novo Código de Processo Civil que deverão ter impacto no processo previdenciário. O
estudo partirá das normas fundamentais processuais, inseridas nos primeiros doze artigos
do novo diploma processual, destacando sua vinculação com as garantias processuais
constitucionais e apresentando as regras próprias introduzidas pelo legislador para sua
concretização.
PALAVRAS-CHAVE: novo Código de Processo Civil; processo previdenciário;normas fundamentais; devido processo legal; cooperação; solução consensual; razoável
duração do processo.
ABSTRACT:ThisarticleexaminestheinnovationsbroughtbythenewCivilProcedure
Code which should have an impact on the pension process. The study leave fundamental
procedural rules, inserted in the rst twelve articles of the new law, highlighting its linking
with the constitutional procedural guarantees and showing the rules introduced by the
legislator for his achievement.
KEYWORDS: Civil Procedure Code; pension process; fundamental rules; due
process of law; cooperation; consensual solution; right to a speed trial.
INTRODUÇÃO
O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) estaráem plena vigência a partir de 17 de março de 2016, depois de transcorrido, nos termos do
art. 1.045, um ano de vacatio legis, que é o período em que a lei orbita no ordenamento,
semainda,noentanto,projetarseusefeitosnomundo jurídico.Essediplomalegalrevogará
completamente a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, conforme preceituado pelo art.
1.046, aplicando-se, inclusive, aos processos em andamento.
O processo civil aplica-se direta, supletiva ou subsidiariamente a grande parte dos
processos judiciais. Além das ações cíveis em geral, o novo CPC aplicar-se-á aos processos
eleitoral, trabalhista e administrativo, todavia, de maneira supletiva e subsidiária, conforme
dispõe o artigo 15 do novo diploma processual.
Importante esclarecer que a aplicação subsidiária visa ao preenchimento de lacuna
legislativa, enquanto a aplicação supletiva objetiva à complementação normativa. Aomis-
são legal ocorre nas duas situações. Na subsidiariedade, entretanto, a omissão é total,
enquanto na supletividade, ela é parcial, ou simplesmente carece de complementação
para seguro entendimento.1
Leone Pereira assim classica as lacunas da legislação: a) lacunas normativas
são as que ocorrem em caso de ausência de lei para o caso concreto; b) lacunas ontoló-
1
MEIRELES, Edilton. O novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho. In.
MIESSA,Elisson(Org.). O novo Código de Processo Civil e seus reexos no processo do trabalho.Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 39-40.
11AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
gicas ocorrem quando a lei existe, mas não possui mais compatibilidade com a realidade
social e o desenvolvimento técnico, ou seja, está desatualizada; e c) lacunas axiológicas
são aquelas com que nos deparamos quando a lei existe, mas não é uma norma justa
para solução do caso concreto.2
Diante das lacunas ontológicas e axiológicas exige-se a
aplicação da função bloqueadora dos princípios que, segundo a doutrina de Fredie Didier
Jr., justica “a não aplicação de textos expressamente previstos que sejam incompatíveis
com o estado de coisas que se busca promover”.
3
O novo CPC deve ser lido e interpretado com base nas suas normas fundamentais.
As grandes inovações planejadas com a elaboração do novo CPC4
somente se efetivarão
se essas normas fundamentais processuais, que já poderiam estar inspirando o aplicador
do processo civil desde a Constituição de 1988,5
foremefetivamentecolocadasemprática,
seja por meio das regras expressas pelo próprio legislador,6
seja por meio da interpretação
dos princípios e das cláusulas abertas,7
voltada sempre ao princípio-fundamento de todos
os demais, que é o do devido processo legal.
Assim como nos demais ramos, o processo previdenciário também sofrerá as in-
uênciasdasalteraçõesprocessuaispromovidaspelonovoCPC, eoobjetivodo presente
estudo é o de elencar, sem o propósito da exaustividade, algumas dessas inovações e
seus impactos nos processos judiciais que discutem os direitos sociais previdenciários.
2
PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. São Paulo: Saraiva: 2011. p. 63.3
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015. p. 50.
4
Nas palavras do presidente do Senado, Renan Calheiros, com o novo CPC “teremos procedimentos des-
complicados e justiça mais célere”. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que presidiu
a comissão de juristas instituída, em 2009, para elaborar o anteprojeto do novo CPC, ressaltou, ao m da
sessão do Senado que concluiu a votação do novo Código, no dia 17 de dezembro de 2014, “que as inovações
podem reduzir a duração dos processos a cerca de metade do tempo atual”. (In: SENADO Federal. Novo
Código de Processo Civil abre portas para uma justiça mais ágil e descomplicada. Disponível em: <http://
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/20/novo-codigo-de-processo-civil-abre-portas-para-uma-
-justica-mais-agil-e-descomplicada>. Acesso em: 02 jan. 2016).
5
“O direito, como norma reguladora, tem o dever de evoluir com o avanço da sociedade, e isto não depende,
necessariamente, de alteração legislativa. Os conceitos e a interpretação mais ampla dos dispositivos de lei
também podem seaprimorarparalernovas normas no mesmotextodeleijágastopelotempo.”(In:BUENO,
SamaraSchuch.Daexibilizaçãodoformalismoprocessualfrenteàinterpretaçãoda sistemáticaprocessual
civil constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4146, 07 nov. 2014. Disponível em: <http://jus.com.
br/artigos/29848>. Acesso em: 09 nov. 2014).
6
“As regras jurídicas jamais são um ‘dado’, antes constituindo um ‘construído’ por realizarem-se sempre na
história, consubstanciando, assim, uma das privilegiadas dimensões da cultura.” (In. MARTINS-COSTA,
Judith;BRANCO,GersonLuizCarlos. Diretrizes teóricas doNovoCódigo Civilbrasileiro.SãoPaulo:Saraiva,
2002. p. 131).
7
MiguelRealeadvertequeaarmaçãocorrentedequeumaleinãodeveserinterpretadasegundoa sualetra,
mas consoante o seu espírito, leva a considerar o conjunto de diretrizes que norteou a obra codicadora
“constituindo o seu travamento lógico e técnico, bem como a base de sua fundamentação teórica”, cujas
diretrizes são a sistematicidade, a operabilidade, a eticidade e a socialidade. (In: Apud MARTINS-COSTA;
BRANCO, op. cit., p. 131).
12 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
1. NORMAS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS E NORMAS PROCESSUAIS
FUNDAMENTAIS: O ART. 1º DO NOVO CPC
O art. 1º do novo CPC dispõe que “o processo civil será ordenado, disciplinado e
interpretadoconformeosvaloreseasnormasfundamentaisestabelecidosnaConstituição
da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Esse dispositivo, ainda que dispensável, tem grande importância.
Dispensável porque, diante do sistema de controle de constitucionalidade instituído
pelanossaCartaMagna,evidentemente, ostextoslegislativosdevemrespeitoaosvalores
e normas fundamentais estabelecidos na Constituição, sob pena de serem extirpados do
ordenamentoemrazãoda desconformidadecomalei fundamentaldoEstado.Assim,ainda
que o CPC de 1973 tivesse sido elaborado antes da Constituição de 1988, impunha-se sua
leitura com fundamento no novo paradigma principiológico constitucional, que consagrou
diversos princípios processuais em seu art. 5º, os quais, nos termos do § 1º, têm aplicação
imediata, ou seja, proteção garantida independentemente de intervenção legislativa,8
eis
que considerados indispensáveis para a concretização da dignidade da pessoa humana,
elencada como fundamento da República Federativa do Brasil no inciso III do art. 1º.
O princípio da aplicabilidade imediata, entretanto, “não signica que os direitos
fundamentais não demandem regulamentação infraconstitucional, pois qualquer desses
direitos, independentemente da sua natureza, pode reclamar uma concretização para a
produção dos seus efeitos”.9
Essa regulamentação concretizadora, em regra, deve partir
dos Poderes Legislativo ou Executivo, ainda que de forma mais restrita, pois, conforme
explica Gomes Canotilho, “os domínios em que é mais reduzido o âmbito da conformação
do legislador são aqueles em que os interesses públicos se acham previamente deter-
minados pela constituição, cando o legislador simplesmente autorizado a concretizar
esses interesses”. 10
Contudo, diante da eventual inércia desses poderes, será com
fundamento no art. 5º, § 1º, da CF/1988 que o Poder Judiciário estará autorizado a suprir
essas omissões para aplicar imediatamente as normas de direito fundamental, segundo
doutrinaSérgioFernandoMoro,11
dandosrcemaodenominadoativismojudicial,ideiaque,
segundo o Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, “está associada a uma participação
mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e ns constitucionais,
8
Isso não signica que todas as normas denidoras dos direitos e garantias fundamentais têm ecácia plena,
havendo também, normas de ecácia contida e de ecácia limitada. Entretanto, independente da classicação
da norma quanto à ecácia, todas elas se aplicam de imediato, ou seja, sua proteção pelo Estado pode ser
exigida pelo cidadão, inclusive por meio do Poder Judiciário.
9
HACHEM, Daniel Wunder. A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988:20anosdeobscuridadenasbrumasdo sensocomumteórico.Revista Jurídica da Faculdade de Direito
Dom Bosco, v. I, n. 4, ano III, p. 124, 2009.
10
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001. p. 253.
11
MORO,SérgioFernando. Desenvolvimentoeefetivaçãojudicialdas normas constitucionais.SãoPaulo:Max
Limonad, 2001. p. 72-73.
13AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.12 Esse ativismo
judicial, todavia, deverá ter base constitucional, ou seja, o Judiciário deverá “estabelecer
as mediações concretizadoras necessárias a viabilizar o exercício do direito fundamental,
denindo e especicando o modo como será exercitado, com base nos demais manda-
mentos constitucionais”.13
O ativismo judicial também se justica em razão do disposto no art. 140 do novo
CPC, pois o juiz não poderá se eximir de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuri-
dade do ordenamento jurídico (princípio da indelegabilidade da jurisdição). Entretanto,
diferentemente do disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
e na parte nal do revogado art. 126 do CPC/1973, o julgador não deverá recorrer aos
princípios gerais de direito apenas quando, no julgamento da lide, houver omissão da lei.
Isso porque, no pensamento jurídico contemporâneo, como bem salientado por Fredie
Didier Jr., os princípios deixam de servir apenas como técnica de integração do Direito e
passam a ser espécie de norma jurídica14
ou, como explica Humberto Ávila, “os princípios
instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de
coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas15
pela
adoção de comportamentos a ele necessários”.16
Assim, será com base na aplicação direta dos princípios da dignidade da pessoa
humana, da proteção da vida e da saúde, da vedação da proteção insuciente, da isonomia,
da universalidade, da seletividade e da distributividade, que o Judiciário deverá decidir
lides envolvendo pedidos como o de auxílio-doença parental, denominação criada por
12
BARROSO,LuísRoberto. Judicialização,ativismojudicialelegitimidade democrática.Disponívelem:<http://
www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 26 maio 2015.
13
HACHEM, op. cit., p. 124.
14
DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 41.
15
Quando congurado o chamado “estado de coisas inconstitucional”, o Supremo Tribunal Federal já decidiu,
ao julgar em Plenário a medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental que
discutia o sistema penitenciário brasileiro (ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 09.09.2015), que “a
violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio
mínimoexistencial,ejusticariaaatuaçãomaisassertivado STF.Assim,caberiaàCorteopapel deretiraros
demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar
os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas instituições
legislativas e administrativas. Todavia, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Execu-
tivo na consecução de tarefas próprias. O Tribunal deveria superar bloqueios políticos e institucionais sem
afastar esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Deveriaagir em diálogo com os outros poderes e com a sociedade. Não lhe incumbira, no entanto, denir o conteúdo
próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Em vez de desprezar as capacidades
institucionais dos outros poderes, deveria coordená-las, a m de afastar o estado de inércia e deciência
estatalpermanente.Nãosetrataria desubstituiçãoaosdemaispoderes,e simdeoferecimentodeincentivos,
parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias
para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações institucionais
reveladas”. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo798.htm>. Acesso
em: 02 jan. 2016).
16
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 80.
14 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
Carlos Alberto Vieira de Gouveia,17 para designar a espécie de benefício a ser concedido
no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em razão de incapacidade temporária
de dependente do segurado, em decorrência de moléstia grave que gere a necessidade
de auxílio exclusivo do segurado e que o impossibilite de exercer, temporariamente, suas
atividades laborativas; de prorrogação do benefício de salário-maternidade em caso de
nascimento prematuro;18 e de extensão do adicional de 25% (vinte e cinco por cento)
para o segurado que necessita de auxílio permanente de terceiros nas demais espécies
de aposentadorias, eis que o adicional somente está previsto legalmente para a aposen-
tadoria por invalidez.19
Contudo,emhavendo previsõesnormativasinfraconstitucionaiseinfralegais,essas
não poderão ser desconsideradas pelo magistrado, exceto quando declarada expressa
e fundamentadamente sua inconstitucionalidade, cabendo ao Judiciário a concretização
do ordenamento jurídico como um todo. Diante de demandas individuais, o juiz deverá
ter ainda mais parcimônia em sua atividade concretizadora de direitos fundamentais, sob
pena de violar princípios como o da impessoalidade, que rege os Poderes Executivo e
Legislativo na edição de seus atos e no estabelecimento das políticas públicas.
AConstituição, conforme doutrina positivista de Kelsen é o fundamento comum de
validade do próprio Estado e de todas as demais espécies normativas.20
Assim, “todos
17
“Foi com base nisso que surgiu a tese do Auxílio-Doença Parental, a qual desenvolvi pensando na situação
que aloca o segurado em gozo do aludido benefício, não por este encontrar-se incapaz sicamente para
o labor, mas porque sua presença é mais necessária em outro lugar, ao lado do ente adoecido [...].” (In:
GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade e perícia médica - Manual prático. 2. ed.
São Paulo: Juruá, 2014. p. 110-111).
18
Vide caso julgado pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Justiça Federal em Caxias do Sul/RS, no
processo nº 5023945-10.2014.404.7107, em outubro de 2014, pelo Juiz Federal José Caetano Zanella, no
qual o pedido de prorrogação do benefício de salário-maternidade em caso de nascimento prematuro (cento
e vinte dias a contar da alta hospitalar) foi julgado procedente, levando em consideração os princípios da
proteção à infância e da isonomia. Contudo, em maio de 2015, a Turma Recursal dos Juizados Especiais
do Rio Grande do Sul deu provimento ao recurso do INSS, com a justicativa de que “o pedido da autora
não encontra amparo legal”.
19
Emoutubrode 2015,aTurmaNacionalde Uniformizaçãodos JuizadosEspeciaisFederais(TNU)conrmoua
novatesedeque oadicionalde25%para beneciáriosqueseaposentaramporinvalidezéextensívelaquem
se aposenta por diferentes fatores, desde que necessite de assistência permanente de outra pessoa para o
exercício de suas atividades cotidianas. (In: CONSELHO da Justiça Federal.TNU conrma direito a acréscimo
de 25% no benefício de aposentados que dependem de assistência permanente de terceiros. Disponível
em:<http://www.cjf.jus.br/noticias-do-cjf/2015/outubro/tnu-conrma-direito-a-acrescimo-de-25-no-benecio--de-aposentados-que-dependem-de-assistencia-permanente-de-terceiro>. Acesso em: 06 jan. 2016).
No mesmo mês, foi aprovado, em Plenário, o Projeto de Lei nº 493/2011, de autoria do senador Paulo
Paim, que prevê a concessão do adicional de 25% aos benefícios dos aposentados (por idade, por tempo
de contribuição e especial) que necessitam de ajuda permanente de outra pessoa. Assim, a proposta foi
encaminhadaparaanálisedaCâmarados Deputados.(In:SENADOFederal. Paulo Paim celebra aprovação
de projeto que garante adicional para aposentados. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/
materias/2015/10/28/paulo-paim-celebra-aprovacao-de-proejto-que-garante-adicional-para-aposentados>.
Acesso em: 05 jan. 2016).
20
KELSEN,Hans.Teoria pura do direito.TraduçãoJoãoBaptistaMachado.6.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,1999.
15AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
os atos normativos devem estar em conformidade com a Constituição”, ou seja, os atos
legislativos e os demais atos normativos “devem estar subordinados, formal, procedimental
e substancialmente, ao parâmetro constitucional”.21
A disposição do art. 1º do novo CPC é importante, por outro lado, pois reforça o
rme propósito do legislador de promover um novo Código de Processo Civil em estrita
observância com os direitos fundamentais processuais, em franca expansão no nosso
ordenamento, reconhecendo, expressamente, a força normativa e a supremacia da
Constituição, com a qual as normas inferiores devem observar compatibilidade vertical.
Os direitos fundamentais processuais passam a ser direitos processuais funda-
mentais e deverão ser ponderados em caso de conito, nos termos do art. 489, § 2º,
do novo CPC, que dispõe que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justicar o
objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam
a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
Oprincípiodaboa-fé,tambémclassicadode cláusulageral,foisalientadopelolegislador,
aomencioná-lo,expressamente,no§3ºdomesmoart. 489,emquepreviuque“a decisão
judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em
conformidade com o princípio da boa-fé”, merecendo esclarecimento que na expressão
“todos os seus elementos”, devem estar incluídos os valores e as normas fundamentais
constitucionais, já que esses devem servir de parâmetro para interpretar toda a aplicação
do novo direito processual.
Esse prestígio dos direitos fundamentais processuais por parte do legislador in-
fraconstitucional decorre da propagação do denominado neoconstitucionalismo ou novo
direito constitucional, assim explicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso:
O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção
aqui desenvolvida, identica um conjunto amplo de transformações
ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais
podem ser assinalados, (I) como marco histórico, a formação
do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao
longo das décadas nais do século XX; (II) como marco losóco,
o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e
a reaproximação entre Direito e ética; e (III) como marco teórico, o
conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constitui-
ção, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento
de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse
conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo
de constitucionalização do Direito.
Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na
irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Cons-
tituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente por via da
jurisdição constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a
21
CANOTILHO,JoséJoaquimGomes. Direitoconstitucionale teoriadaConstituição.3. ed.Coimbra:Almedina,
1999. p. 811.
16 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, ainconsti-
tucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional
e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais con-
forme a Constituição,circunstânciaqueiráconformar-lhesosentido
e o alcance. A constitucionalização, o aumento da demanda por
justiça por parte da sociedade brasileira e a ascensão institucional
do Poder Judiciário provocaram, no Brasil,uma intensa judicialização
das relações políticas e sociais.22
(Grifos nossos).
ArepetiçãodosdireitosfundamentaisprocessuaisnonovoCPCressaltao interesse
do legislador e de toda a comunidade jurídica que se envolveu na construção desse pro-
jeto, de tornar a Constituição vigente real e efetiva, expressando, elmente, osfatores de
poder que vigoram na sociedade, e não apenas uma Constituição escrita, isto é, a folha de
papel, já que essa, segundo Lassalle, somente é boa e duradoura quando corresponde à
Constituição real e efetiva, a qual tem suas raízes no somatório dos fatores de poder que
realmente regem no país. Onde a Constituição real e a escrita se contradizem, o conito
estoura, sucumbindo a folha de papel perante as verdadeiras forças vigentes no país.23
Ainda que desnecessário, conforme explanamos inicialmente, a inserção das normas
fundamentaisnonovoCPCdemonstrouqueosfatoresreaisdepoderestãoalinhadoscom
os valores e as normas fundamentais da Constituição escrita, que reetem o real estado
das coisas, ainda que não completamente implementado, mas efetivamente almejado
pelo interesse público.
As normas fundamentais no novo CPC (que não estão apenas no Capítulo I do
Livro I24
) integram o bloco de constitucionalidade ou a ordem constitucional global, que é
paradigmaparaocontroledeconstitucionalidadeeenglobaaConstituiçãoformal(Cartade
1988) e também a material, ou seja, o conjunto de normas materialmente constitucionais, ou
seja,que tem“alma”constitucional,ainda quese encontremfora do “corpo”da Constituição.
O conceito de bloco de constitucionalidade foi abordado pelo Supremo Tribunal
Federalemduasoportunidades,ambaspelo MinistroCelsodeMello:aprimeiravez naADI
595, em 2002, e a segunda na ADI 514, em 2014. No voto proferido na ADI 595, o Ministro
traz a doutrina de Jorge Xifras Heras e José Joaquim Gomes Canotilho, para explicar o
signicado que emerge da noção de bloco de constitucionalidade:
22
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito
constitucionalnoBrasil. Disponívelem:<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/
neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 24 out. 2015.
23
LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição? Tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte:
Líder, 2002.
24
Ninguém discute que o direito à citação, por exemplo, previsto no art. 238 do novo CPC (“Citação é o ato
pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”) é um
direito processual fundamental, indispensável à concretização da norma fundamental do devido processo
legal e, mesmo que não houvesse disposição expressa no novo CPC acerca da citação, esse ato seria
indispensável, sob pena de violação do princípio que é a essência de todo o sistema processual.
17AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
É por tal motivo que os tratadistas - consoante observa Jorge
Xifra Heras (Curso de derecho constitucional, p. 43) -, em vez de
formularemumconceitoúnicode Constituição,costumamreferir-se
a uma pluralidade de acepções, dando ensejo à elaboração teóri-
ca do conceito de bloco de constitucionalidade (ou de parâmetro
constitucional), cujo signicado - revestido de maior ou de menor
abrangência material - projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê,
para além da totalidade das regras constitucionais meramenteescritas e dos princípios contemplados, explicita ou implicitamente,
no corpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até
mesmo,acompreendernormasdecaráterinfraconstitucional,desde
que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude,a ecácia
dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental, viabi-
lizando, dessemodo, eem funçãodeperspectivasconceituaismais
amplas, a concretização da ideia de ordem constitucional global.
[...]
Torna-serelevantedestacar,nesteponto,portalrazão, omagistério
de J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da Cons-
tituição. Almedina, 1998. p. 811-812, item nº 1), que bem expôs a
necessidade de proceder-se à determinação do parâmetro de con-
trole da constitucionalidade, consideradas as posições doutrinárias
que se digladiam em torno do tema:
“[...] Mas qual é o estalão normativo de acordo com o qual se devecontrolar a conformidade dos atos normativos? As respostas a
este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições:
(1) o parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou
leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos
atos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua
constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas
e princípios escritos da constituição (ou de outras leis formalmente
constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitu-
cional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos
atos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e
princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em
conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional
global.
Na perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas
de referência, bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e
princípios da constituição e das leis com valor constitucional; para
a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as
normas e princípios constantes das leis constitucionais escritas,
devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios reclamados pelo
‘espírito’ ou pelos ‘valores’ que informam a ordem constitucional
global”. (Grifos nossos).
18 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
A própria Constituição de 1988 admite o elastecimento do parâmetro de controle
de constitucionalidade (normas materialmente constitucionais), ao dispor em seu art. 5º,
§ 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros de-
correntes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”, bem como no § 3º, que “os tratados e
convençõesinternacionaissobredireitoshumanosqueforemaprovados,em cadaCasado
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”.
O novo CPC, portanto, veio consolidar a supremacia e a força normativa da Consti-
tuição, elencando, expressamente, os direitos fundamentais processuais e reforçando que
serão os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição que ordenarão,
disciplinarão e fundamentarão a interpretação do processo civil brasileiro.
2.OPRINCÍPIO-FUNDAMENTODODEVIDOPROCESSOLEGAL,OCONTRADITÓRIO,
A AMPLA DEFESA E A PUBLICIDADE
A Constituição de 1988 garantiu o “direito fundamental à processualização”, como
arma Miguel Calmon Dantas,25
por meio de diversos direitos fundamentais processuais,
em especial, o do devido processo legal, disposto no art. 5º, LIV (“ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). Esse direito fundamental
estende-se aos direitos de um modo geral e abrange todas as espécies de processo:
legislativo, judicial, administrativo e negocial, ou seja, está presente inclusive no âmbito
dasrelaçõesprivadas,aoquechamamosdeecácia horizontaldosdireitosfundamentais.
Comodireitofundamentalqueé,imperiosoque sejacompreendidopelomagistrado
de modo a receber o máximo de ecácia, inclusive afastando-se, aplicando a máxima da
proporcionalidade, eventuais regras que se coloquem como obstáculo irrazoável ou des-
proporcionalàsuaefetivação,mastambémlevandoemconsideraçãoeventuaisrestrições
impostas ao direito em razão da necessidade de respeito a outros direitos fundamentais.26
O devido processo legal em sentido formal está relacionado ao direito de ser
processado e processar de acordo com normas previamente estabelecidas por meio de
processo de produção que também respeitou o princípio. Trata-se, assim,de fundamento
para outros princípios, como acesso à justiça, juiz natural, isonomia, contraditório e ampla
defesa, publicidade, motivação e duração razoável do processo.
Já o devido processo legal em sentido material refere-se à necessidade da decisãojudicial ser substancialmente razoável e correta, e não apenas ter regularidade formal.
É dessa garantia que surgem os princípios da proporcionalidade (ou da ponderação de
interesses) e da razoabilidade, que serão abordados adiante.
25
DANTAS, Miguel Calmon. Direito fundamental à processualização. In. DIDIER JR., Fredie; WAMBIER,
Luiz Rodrigues; GOMES JR., Luiz Manoel (Coord.). Constituição e processo. Salvador: Juspodivm, 2007.
p. 367-435.
26
DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 55.
19AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
Não há devido processo legal sem observância do princípio do juiz natural, motivo
pelo qual o constituinte também garantiu o direito fundamental de ninguém ser processado
nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII), bem como afastou a
possibilidadedeexistirjuízooutribunalde exceção(art.5º,XXXVII).Emconsonânciacom
tais garantias, o art. 2º do novo CPC reiterou o princípio da inércia da jurisdição, ao prever
que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso ocial, salvo
as exceções previstas em lei”.
Da mesma forma, assegurou o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes,27
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral (art. 5º, LV). Garantiu-se, portanto, o direito às partes de participar
do processo (audiências,comunicações,etc.),mastambém(e principalmente)de inuen-
ciar/interferir ativamente na decisão a ser prolatada. O poder de inuência se concretiza
quando o juiz efetivamente lê ou ouve o que as partes têm a dizer, não bastando conferir
participação se a manifestação não é considerada. Se bem garantidos, como se espera,
esses direitos visam concretizar o princípio da democracia no processo, indispensável em
um Estado Democrático de Direito como o Brasil projetou ser.
Para concretizar o direito fundamental à processualização, não basta ao cidadão
poder levar o seu conito ao Estado-juiz para que seja solucionado, sendo também indis-
pensável que o Poder Judiciário ouça e examine com atenção e respeito os argumentos
e provas trazidos pelas partes.Para evidenciar essa análise realizada pelo Poder Judiciário, a Constituição
estabeleceu a exigência da motivação das decisões judiciais e da publicidade dos atos
processuais, dispondo em seu art. 93, IX,28
que “todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nuli-
dade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” e no art. 5º, LX,
que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem”. O segredo de justiça, portanto, restringe o
27
O princípio do duplo grau de jurisdição ou princípio da recorribilidade pode ser extraído desse dispositivo,
sendotambém corolárioda ampladefesa.A ConvençãoAmericanadeDireitos Humanos,também chamada
de Pacto de São José da Costa Rica, de 1979, consagra esse princípio:
Artigo 8. Garantias judiciais [...]2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas: [...]
h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
28
O novo CPC repetiu o dispositivo:
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de
seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.
20 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
direito fundamental à publicidade, devendo as hipóteses limitativas estar expressamente
previstas, como ocorre no art. 189 do novo CPC,29 e devidamente fundamentadas quando
aplicadas em razão da cláusula geral da exigência do interesse público ou social, prevista
no inciso I do mencionado dispositivo.
2.1. A garantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais
Considerandoaexigênciaconstitucionaldamotivação,quemuitoalémdeimporum
dever ao Poder Judiciário, é um verdadeiro direito fundamental do cidadão litigante, causa
estranheza a celeuma30
provocada pelo § 1º do art. 489 do novo CPC, que estabeleceu as
situações em que não se considerará fundamentadas as decisões judiciais:
Art. 489. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato norma-
tivo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justicar qualquer outra
decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, inrmar a conclusão adotada pelo julgador;V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identicar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
A decisão proferida pelo Poder Judiciário nessas condições é desleal para com o
jurisdicionado, pois a exigência constitucional da motivação não existiu.
29
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
I - em que o exija o interesse público ou social;
II-que versemsobrecasamento,separaçãodecorpos,divórcio,separação,uniãoestável,liação,alimentos
e guarda de crianças e adolescentes;
III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a condencialidade
estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.
§ 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de
seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.
§ 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença,
bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação.
30
VASCONCELLOS,Marcos de;ROVER, Tadeu. Advogados ejuízes disputam vetosde Dilmaem novoCPC.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-11/advogados-juizes-disputam-vetos-dilma-cpc>. Acesso
em: 12 mar. 2015.
21AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
Assim,decisõesdo tipo “tendo emvista a presença do fumus boni iuris e do pericu-
lum in mora, dero a antecipação da tutela”; “tendo em vista a presença dos requisitos e o
disposto na Súmula Vinculante nºX do STF,julgo procedente o pedido”;“tendo emvista o
princípio da razoabilidade,condeno o réu a pagaro valorde R$ X.000,00 a título de danos
morais” são nulas, pois não explicam a relação dos conceitos jurídicos indeterminados
ou dos fundamentos dos precedentes com a causa ou a questão decidida. A utilização
de decisões-padrão também não será mais aceita, pois, como leciona Alexandre Freitas
Câmara, “decisão que serve para qualquercaso, na verdade, não serve para caso algum”.31
A decisão também deve enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, levar o julgador à conclusão diversa, em especial os precedentes ou
súmulas. Assim, para julgar procedente um pedido, o julgador pode fazê-lo com base em
apenas um dos argumentos da parte que vier a se beneciar com a decisão, entretanto,
deverá analisar e afastar, especicamente, cada um dos argumentos da parte contrária.
A parte prejudicada, que terá que arcar com as consequências da decisão judicial, tem o
direito de saber o motivo pelo qual os argumentos pelos quais entendia que tal respon-
sabilidade não lhe cabia, não foram aceitos pelo Estado-juiz, eis que eram motivações
que, se acatadas, poderiam ter modicado a conclusão judicial. Quando o juiz deixar de
seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte há uma
exigência ainda maior de fundamentação, com a demonstração clara e inequívoca dos
fatos que fazem o caso concreto ser distinto do analisado no precedente (distinguishing)
ou dos motivos jurídicos, sociais, políticos ou econômicos que fazem o precedente estar
ultrapassado (overruling).
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio
de Figueiredo Teixeira - Enfam realizou no período de 26 a 28 de agosto de 2015, o Semi-
nário “O Poder Judiciário e o Novo Código de Processo Civil”, no qual participaram cerca
de 500 (quinhentos) magistrados, que acabaram por aprovar 62 enunciados.32
Diversos
dessesenunciadosinterpretaramosincisosdo§1ºdoart.489,buscando,emregra,tornar
mais exível o dever de fundamentação das decisões judiciais reforçado pelo novo CPC
ou, no mínimo, compartilhá-lo com as partes:
9) É ônus da parte, para os ns do disposto no art. 489, § 1º, V
e VI, do CPC/2015, identicar os fundamentos determinantes ou
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência,
precedente ou enunciado de súmula.[...]
11) Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do
art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e
no inciso IV do art. 332.
31
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 15.
32
ENFAM.Seminário:oPoderJudiciárioeo novoCódigodeProcessoCivil:enunciadosaprovados.Disponível
em: <http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.
pdf>. Acesso em: 02 jan. 2016.
22 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
12) Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do
CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame
tenha cado prejudicado em razão da análise anterior de questão
subordinante.
13) O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar
os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham
sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios.
[...]
19) A decisão que aplica a tese jurídica rmada em julgamento de
casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados
na decisão paradigma, sendo suciente, para ns de atendimento
das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a corre-
lação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no
incidente de solução concentrada.
[...]
40) Incumbe ao recorrente demonstrar que o argumento reputado
omitidoécapazde inrmaraconclusãoadotadapelo órgãojulgador.
[...]
42)Nãoserádeclaradaanulidade semquetenhasidodemonstrado
o efetivo prejuízo por ausência de análise de argumento deduzido
pela parte.
Ao juiz são conferidos diversos poderes, em especial o da interpretação da norma
jurídica para aplicação ao caso concreto, ou seja, o da criação danorma jurídica individu-
alizada (decisão judicial). Esses poderes não são conferidos pela sociedade aos juízes
para livrá-los do dever de motivar sua decisão, mas para fundamentá-las com argumentos
consistentes, inclusive sob pena de serem responsabilizados se não o zerem.
Ainda que determinados argumentos ou provas possam parecer, a priori, imperti-
nentes, desnecessários ou inúteis, não podem ser afastados pelo Poder Judiciário sem
uma fundamentação adequada, a qual não precisa ser extensa, mas deve ser suciente.
E o poder-dever da motivação das decisões judiciais, enquanto corolário do direito
fundamental ao contraditório, conforme demonstrado, também é imposto às decisões
proferidas nos Juizados Especiais. Ainda que esses processos sejam orientados “pelos
critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, bus-
cando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2º da Lei nº 9.099/1995),
não se pode admitir que sejam carentes de fundamentação. Alei que regulamentou o rito
especial dos Juizados dispensou apenas o relatório da sentença, apesar de exigir um
breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência (art. 38). A fundamentação,
contudo, por indispensável para concretização da exigência constitucional, jamais poderia
serdispensada.A fundamentação poderá até sersucinta (art.46),masjamaisinsuciente,33
33
Nesse aspecto, andaram bem os cerca de 500 magistrados que aprovaram o Enunciado Enfam nº 10, que
prevê que “a fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a
nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, inuencie a decisão
da causa”.
23AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
como ocorre com o julgamento “CPF”, ou seja, aquele que conrma a sentença pelos
próprios fundamentos, muito comum nas Turmas Recursais, em razão da inconstitucional
autorização da parte nal do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. O princípio da celeridade que
rege o sistema dos Juizados pode ser aceito para fundamentar a impossibilidade de apli-
cação de outras novidades do novo CPC, como a admissão do amicus curiae (art. 138),
até mesmo em razão do previsto no art. 10 da Lei dos Juizados,34 mas jamais da exigência
da fundamentação das decisões,35 eis que se trata de mandamento constitucional.
Ainterpretação que vem sendo dada por parcela da Magistratura à lei dos Juizados
ou mesmo aos dispositivos do novo CPC evidencia uma lacuna ontológica (está desatuali-
zada) e/ou axiológica (é injusta) e exige a aplicação da função bloqueadora dos princípios
(no caso, o do contraditório e da motivação) que, segundo a doutrina de Fredie Didier Jr.,
justica“a nãoaplicaçãodetextosexpressamenteprevistosquesejamincompatíveiscom
o estado de coisas que se busca promover”.36
2.2. A vedação da decisão surpresa
Os direitos fundamentais ao contraditório e a motivação das decisões judiciais
também fez com que o legislador inserisse no novo CPC os arts. 9º e 10, que dispõem
que“nãoseproferirádecisãocontraumadas partessemqueelaseja previamenteouvida”
e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se
trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Vedou-se, portanto, a decisão surpre-
sa, ou seja, aquela que se baseia em prova sobre a qual a parte prejudicada não teve a
possibilidade de se manifestar ou fundamento não discutido pelas partes por ausência de
oportunidade.Oprocessonãoéfeitoparaojuiz,mas paraaspartes.Paraojuiz,o processo
termina depois do julgamento, enquanto para as partes se prolonga, podendo ter efeitos
por toda a vida. Portanto, se o juiz se deparar com essa situação, será imprescindível que
ouça as partes, que efetivamente têm interesse na decisão, antes de proferi-la, sob pena
de nulidade. A decisão que surpreende as partes foi construída sem a sua participação,
o que viola, evidentemente, a garantia ao contraditório e à ampla defesa. E para saber
se uma decisão surpreendeu ou não as partes, é imperativo que ela seja fundamentada.
Em razão desse dispositivo, a aplicação da multa pelo cometimento de ato aten-
tatório à dignidade da justiça não deverá ocorrer sem que a parte tenha sido previamente
advertida de que a sua conduta poderá ser punida como tal, com a concessão de prévia
oportunidade de defesa.37
34
Art.10.Nãoseadmitirá,noprocesso,qualquer formadeintervençãodeterceironem deassistência.Admitir-
-se-á o litisconsórcio.
35
Portanto, arbitrário e inconstitucional, o Enunciado 47 da Enfam, que prevê que “o art. 489 do CPC/2015
não se aplica ao sistema de juizados especiais”.
36
DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 50.
37
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos
aqueles que de qualquer forma participem do processo: [...]
24 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
Dizer que “é desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder
inuenciar na solução da causa”, como constou do Enunciado Enfam nº 3, é uma afronta
à garantia fundamental do contraditório, que deve ser rechaçada por toda a sociedade,
pois não cabe ao juiz decidir antecipadamente se a manifestação da parte pode ou não
inuenciar na solução da causa.
Da mesma forma, é um subterfúgio a previsão do Enunciado Enfam nº 6, pois
concluiu que “não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos,
ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas
submetidas ao contraditório”. O art. 9º do novo CPC não fez essa diferenciação entre
provas e fundamentos, não cabendo ao magistrado fazê-la. Tanto os argumentos fáticos
(provas)quantojurídicos(fundamentos)devemsersubmetidosao contraditório,atéporque
o art. 10 foi expresso quanto à necessidade de contraditório no tocante aos fundamentos,
inclusive os de ordem pública.
Outrossim,ashipótesesemquearegrageraldavedaçãodadecisãosurpresapode
ser afastada foram previstas expressamente pelo legislador,38 não cabendo ao intérprete
ampliá-las.39
A prescrição ou a decadência do direito, portanto, não poderá mais ser decretada
sem a oitiva da parte autora. O indeferimento da petição inicial por esse motivo não en-
contra mais previsão no novo CPC. A matéria continua podendo ser conhecida de ofício,
mas deve ser oportunizada à parte autora a prévia manifestação a respeito. Ainda que
esse ato possa representar uma antecipação da decisão do juiz, é imprescindível que
ele ocorra, sob pena de afronta não apenas ao princípio do contraditório, como também
ao da cooperação e da duração razoável do processo, sobre os quais se tratará adiante.
No tocante à vedação da decisão surpresa, também é importante que se mencione
o “excesso de criatividade” na interpretação do pedido, reprovado por Marcelo Pacheco
Machado. O autor refere que, ao argumento de se buscar maior efetividade do processo,
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou nal, e não criar embaraços
à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou prossional
onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modicação tem-
porária ou denitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que
sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o
juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até
vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. [...]
38
Art. 9º Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701 [ação monitória].
39
A princípio, portanto, também arbitrário o Enunciado Enfam nº 55: “Às hipóteses de rejeição liminar a que
se referem os arts. 525, § 5º, 535, § 2º, e 917 do CPC/2015 (excesso de execução) não se aplicam os arts.
9º e 10 desse código”.
25AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
alguns tribunais têm ampliado para além da vontade das partes (e do contraditório) a
extensão do pedido, ao argumento de que existiriam bens da vida que implicitamente
poderiam ser extraídos a partir do pedido de outros.40
No processo previdenciário, é comum nas demandas envolvendo benefícios por
incapacidade, a condenação do INSS à concessão de benefício diverso do postulado na
petição inicial (ex.: aposentadoria por invalidez quando o pedido era de auxílio-doença).
Ora, se parte autora não postulou o benefício de aposentadoria por invalidez e se a própria
autarquia previdenciária sequer havia reconhecido a incapacidade do segurado para o tra-
balho administrativamente, é evidente que o reconhecimento judicial ao referido benefício
extrapolaoslimitesdopedido (julgamentoextra petita,vedadopeloart.492donovo CPC,41
que praticamente repetiu os termos do art. 460 do CPC de 1973), violando o contraditório
(que não é suciente quanto aos fatos, conforme já esclarecido, sendo também necessário
queseestabeleçaquantoaosfundamentosjurídicos)elevandoà nulidadedoatodecisório.
O fato da parte autora não ter postulado o benefício da aposentadoria por invalidez
em dada situação pode ter sido deliberado (e não decorrente de desídia do advogado,
como acaba parecendo), já que a sua concessão poderia gerar, por exemplo, a cessação
do dever do empregador de recolher o FGTS, obrigação imposta apenas enquanto o
segurado está em gozo de auxílio-doença acidentário, nos termos do § 5º do art. 15 da
Lei nº 8.036/1990.
Marcelo Pacheco Machado refere que se a lei estipulasse expressamente que o
juiz estaria autorizado a romper a inércia e ampliar o objeto litigioso do processo em tais
casos,“poderíamossuporqueaspartespossivelmenteafetadasporesta“questão”teriam
o ônus de reagir a respeito da possibilidade, i.e. exercitarem o contraditório plenamente”.
Ocorre que inexiste previsão nesse sentido em nosso ordenamento, de modo que realizar
essa ampliação judicial dos limites da lide inviabiliza o contraditório e ofende as garantias
constitucionais do processo.42
Registre-sequeoart.322donovoCPCreiterouanecessidadedopedidoformulado
pela parte ser certo, compreendendo-se no principal os juros legais, a correção monetária
e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios (pedidos implícitos).
Ainda que o novo Código tenha estabelecido que “a interpretação do pedido considerará
o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (§ 2º do mesmo dispositivo),
não se trata de uma autorização de ampliação irrestrita do objeto da lide, mas orientação
no sentido de não se acatar pedidos contraditórios.
Entretanto,acasoseadmitaapossibilidadedoJudiciáriointerpretardeforma ampla
o pedido, imprescindível que ouça as partes de forma expressa a respeito da questão, a
m de evitar a decisão surpresa, vedada pelos arts. 9º e 10 do novo CPC.
40
MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil: relação entre demanda e tutela jurisdicional.
Salvador: Juspodivm, 2015. p. 146.
41
Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
42
MACHADO, op. cit., p. 148.
26 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
3.ASCLÁUSULASGERAISPROCESSUAIS,AISONOMIA,ABOA-FÉEACOOPERAÇÃO
Cláusulasgerais,segundo Fredie DidierJr.,são espéciesde texto normativo,“cujo
antecedente(hipótesefática)é compostoportermosvagose oconsequente(efeitojurídico)
é indeterminado”, ou seja, “há uma indeterminação legislativa em ambos os extremos da
estrutura lógica normativa”.43
Rodrigo Mazzei conceitua cláusulas gerais como:
[...] dispositivos com amplitude dirigida ao julgador, em forma de
diretrizes,poisaomesmotempo emque contemplamcritériosobjeti-
vos,estesnãosãofechados,cabendoao Estado-juiz,emvaloração
vinculada ao caso concreto, preencher o espaço, voluntariamente
deixado pelo legislador, de abstração da norma.44
A inclusão de cláusulas gerais em uma codicação permite que ela seja exível,
permitindosuaadequaçãoàsmudanças sociais,semperderemsegurançajurídica,motivo
pelo qual o sistema não é composto apenas de cláusulas gerais, o que traria insegurança.
Para Rodrigo Mazzei, “o dispositivo vago tende a alcançar maior longevidade, no
instante em que poderá ser preenchido com valoração atual, diferente da que era corrente
no momento de edição da norma, desde que respeite o desenho legislativo que o limita”.45
A inclusão de tais cláusulas gerais na codicação “gerará um labor diferenciado para o
Judiciário que, ao longo dos tempos, acostumou-se a trabalhar com um sistema bem mais
fechado.[...]osrepresentantesdoEstado-juiznão sóterãomaispoder,mastambémserãomuito mais exigidos”.46
Ascláusulasgeraisimpõemumônus argumentativoextraaosmagistrados,vezque
não basta subsumir o fato à norma, havendo necessidade de uma atividade investigativa
aprofundada a m de preencher concreta, adequada e criativamente o vazio legislativo.
Segundo Judith Martins-Costa, “à cláusula geral cabe o importantíssimo papel de
atuar como ponto de referência entre os diversos casos levados à apreciação judicial,
permitindo a formação de catálogo de precedentes”.47
A existência das cláusulas gerais,
portanto,tambémacabajusticandoanecessidadedosistemadeprecedentesnormatizado
pelo novo CPC, conforme abordaremos mais adiante.
O devido processo legal é uma cláusula geral, assim como a boa-fé processual,
a cooperação, a negociação jurídica processual, a isonomia, os ns sociais do processo,
o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade e a
eciência, entre outras.
43
DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 51.
44
MAZZEI, Rodrigo. Código Civil de 2002 e o Judiciário: apontamentos na aplicação das cláusulas gerais. In.
DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reexos do Novo Código Civil no direito processual. 2. ed.
rev. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 52-53.
45
MAZZEI, op. cit., p. 53.
46
MAZZEI, op. cit., p. 74.
47
MARTINS-COSTA,Judith.Odireito privadocomoum ‘sistemaemconstrução’:ascláusulasgeraisno projeto
do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado, n. 139, p. 11, 1998.
27AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
3.1. A boa-fé objetiva
O art. 5º do novo CPC estabelece que “aquele que de qualquer forma participa do
processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Aboa-fé de que trata o dispositivo é
a objetiva, ou seja, aquela relativa aos comportamentos capazes de gerar expectativas (a
subjetiva refere-se às intenções não exteriorizadas). Veda-se, portanto, comportamentos
contraditórios (venire contra factum proprium).
Assim, quando a parte autora de um processo previdenciário pleiteia a antecipação
da tutela para que seja concedido um benefício por suposta incapacidade, o que é defe-
rido, e, posteriormente, se verica que tal incapacidade não existia, evidentemente houve
violação da boa-fé objetiva, impondo a restituição dos valores recebidos indevidamente.48
Aausênciadaboa-féobjetivatambémécapaz derelativizarasnulidadesabsolutas.
É o que ocorre quando se alega a “nulidade de algibeira” ou “nulidade de bolso”, expres-
são que vem sendo utilizada pela jurisprudência da Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça para designar a estratégia de alegação de nulidade processual em momento
posterior e conveniente a quem alega:
Ao vedar a alegação de nulidade processual apenas quando for conve-
niente a quem quiser alegá-la, o STJ parece aplicar a ideia de que não
se pode legitimar comportamento contraditório de quem alegou o vício
(venire contra factum proprium). Se a nulidade poderia ter sido alegada
antes, por que deixar para depois? Anal, o vício processual não podeserusadocomouma“cartaescondidanamanga”,paraserapresentada
como um trunfo no momento mais conveniente.49
Quando o juiz nega a produção de determinada prova sob o fundamento de que é
desnecessária à solução da lide e julga o pedido em desfavor daquele que teve a prova
indeferidasobaalegaçãodapartenãotersedesincumbidodoônusdaprova,comporta-se
de maneira contraditória, sendo passível de obter a anulação da sentença por violação
da boa-fé objetiva.
Viola igualmente a boa-fé objetiva o perito designado pelo juízo para a realização
de uma perícia médica no segurado e que integra a mesma clínica do médico assistente
ou que atendeu o segurado recentemente na qualidade de médico assistente.
3.2. O princípio da cooperação
O princípio da cooperação está inserido no art. 6º do novo CPC, dispondo que
“todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
48
A respeito, ver artigo: ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Revogação da tutela antecipada nas demandas
previdenciárias e a necessidade de restituição das partes ao estado anterior. Revista Juris Plenum Previ-
denciária, v. 2, n. 5, fev. 2014. DVD.
49
SILVA, Ticiano Alves e; FONSÊCA, Vitor.Nulidade de algibeira e boa-fé processual. Disponível em: <http://
portalprocessual.com/nulidade-de-algibeira-e-boa-fe-processual/>. Acesso em: 30 dez. 2015.
28 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
Já se disse anteriormente, que o processo não é feito para o juiz, mas para as partes,
pois para o juiz, o processo termina depois do julgamento, enquanto para as partes se
prolonga. O magistrado, portanto, não pode mais conduzir o processo como sendo apenas
mais um, de forma egoísta. O juiz deve sentir-se um colaborador na árdua tarefa de construir
a solução do conito de interesses,da qualtambémdevemparticipar,ativamente,aspartes.
Esse novo modelo justica inovações trazidas pelo novo CPC que valorizam o
princípio da instrumentalidade, reiterado no art. 188,50
e priorizam a solução do mérito da
demanda, combatendo a odiável jurisprudência defensiva que se fundava em questões
formais para deixar de analisar o mérito.
Assim, ao vericar, por exemplo, a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo, o juiz não pode extinguir o processo sem
resoluçãodoméritodeimediato,comopreceituaoincisoIVdo art.485.Aindaqueamatéria
seja cognoscível de ofício, o magistrado deve oportunizar às partes o direito de se manifestar
arespeito,ouseja,detrazerargumentosquedemonstremqueasupostaausênciadepres-
supostos é sanável ou sequer existe.51 Aconrmaçãodainsanabilidadedairregularidade,
entretanto, nem sempre levará ao pronunciamento de extinção sem resolução do mérito,
poisoart.488do novoCPCautorizouojuiz,emsendopossível,aresolveroméritosempre
que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual decisão não meritória.
O art. 319 do novo CPC indica os elementos essenciais da petição inicial, entre os
quais,“osnomes,osprenomes,o estadocivil,aexistênciadeuniãoestável, aprossão,o
número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”. Entretanto,
conforme esclarece o § 1º, caso não disponha dessas informações, poderá o autor, na
petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias à sua obtenção, evidenciando a ne-
cessidadedecooperaçãoporpartedoPoderJudiciárioparaaefetivasoluçãodademanda.
Aprevisão de complementação do preparo ou o seu pagamento em dobro foi outra
disposição do novo CPC com claro intuito cooperativo. A pena de deserção do recurso
somente poderá ser aplicada se, após ser intimado, o recorrente não suprir a insuciência
do preparo ou realizar o seu recolhimento em dobro, em caso de não comprovação do
recolhimento no ato de interposição (art. 1.007, §§ 2º e 4º). Além disso, o novo Código
determinou que fosse relevada a pena de deserção quando o recorrente provar justo
impedimento (§ 6º) ou na ocorrência de equívoco no preenchimento da guia de custas,
hipótese em que o recorrente deverá ser intimado para sanar o vício (§ 7º).
Outrossim, o parágrafo único do art. 932 também determinou que “antes de consi-
derar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente
para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Adeterminação
foi reforçada no art. 1.017, § 3º, que estabeleceu que “na falta da cópia de qualquer peça ou
no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento,
deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único”.
50
Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamen-
te a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a nalidade essencial.
51
Incumbeaojuiz,nostermosdoart. 139,incisodoIX,donovoCPC, determinarosuprimentodepressupostos
processuais e o saneamento de outros vícios processuais.
29AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
Outra questão solucionada com o novo CPC e que está claramente relacionada ao
princípiodacooperação/lealdadeprocessualéado prequestionamentocto.Dispôsoart.
1.025que“consideram-seincluídosnoacórdãooselementosqueo embargantesuscitou,
para ns de pré-questionamento, ainda que osembargos de declaração sejam inadmitidos
ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou
obscuridade”. Portanto, a mera oposição de embargos de declaração pelo recorrente será
suciente para considerar prequestionada a matéria. A previsão legal pôs m ao impasse
entre as Súmulas nºs 356 do STF,52
297 do TST53
e 211 do STJ,54
prevalecendo o enten-
dimento rmado pela Suprema Corte e acompanhado pela Corte Trabalhista.
Lênio Streck critica o princípio da cooperação, taxando-o de inconstitucional:
É um modelo que não deve ser pensado à distância da realidade,
sem considerar que no processo há verdadeiro embate (luta, con-
fronto, enfrentamento), razãopelaqualasparteseseusadvogados
valem-se-eassimdeveser-de todososmeioslegaisaseualcance
para atingirem um m parcial. Não é crível (nem constitucional),
enm, atribuir aos contraditores o dever de colaborarem entre si a
m de perseguirem uma “verdade superior”, mesmo que contrária
àquilo que acreditam e postulam em juízo, sob pena de privá-los
da sua necessária liberdade para litigar, transformando-os, eles
mesmoseseusadvogados,emmerosinstrumentosaserviçodojuiz
na busca da tão almejada “justiça”. Inexiste tal espírito lantrópicoque enlace as partes no âmbito processual, pois o que cada uma
delas ambiciona é resolver a questão da melhor forma possível,
desde que isso signique favorecimento em prejuízo do adversário.
Aliás, quando contrato um advogado, é para que ele lute por mim,
por minha causa. Não quero que ele abra mão de nada. Os direitos
são meus e meu advogado deles não dispõe. Se meu advogado for
obrigado a cooperar com a outra parte ou com o juiz, meu direito
constitucionaldeacesso àjustiçaestarásendoviolado.Alémdemeu
direito à propriedade e todo o elenco de direitos personalíssimos
de que disponho.55
52
Súmulanº356do STF:“Opontoomissodadecisão,sobreo qualnãoforamopostosembargosdeclaratórios,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.
53
Súmula nº 297 do TST: “Prequestionamento. Oportunidade. Conguração (nova redação) - Res. 121/2003,
DJ 19, 20 e 21.11.2003. I - Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja
sido adotada, explicitamente, tese a respeito. II - Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja
sidoinvocadanorecursoprincipal,oporembargosdeclaratóriosobjetivandoopronunciamentosobreotema,
sob pena de preclusão. III - Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal
sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração”.
54
Súmula nº 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de
embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
55
STRECK, Lênio Luiz et al. Acooperação processualdo novoCPC é incompatível com aConstituição. Dispo-
nível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/cooperacao-processual-cpc-incompativel-constituicao?utm_
source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em: 23 dez. 2014.
30 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
Entretanto, como já foi possível perceber pelos dispositivos analisados, o dever de
cooperação não representa um mero dever de auxílio, nem de uma parte com a outra e
nem do juiz para com as partes.
O princípio da cooperação “torna devidos os comportamentos necessários à
obtenção de um processo legal e cooperativo”, informando e qualicando o princípio do
contraditório, gerando deveres às partes (esclarecimento - redigir a petição inicial com cla-
reza e coerência, sob pena de inépcia; lealdade - não litigar de má-fé; proteção - não gerar
danos à parte contrária e nem à justiça, sob pena de responsabilização) e ao magistrado
(lealdade - vedação do comportamento contraditório; esclarecimento - sentença clara e
inteligível; consulta e informação - vedação da decisão surpresa; prevenção - advertência
sobre o uso inadequado do processo).56
Com propósito cooperativo, o novo CPC também regulamentou a atuação do
amicus curiae, isto é, o amigo da Corte, em causas relevantes, especícas ou de grande
repercussão social. Segundo o art. 138, o juiz ou o relator poderá, por decisão irrecorrível,
de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou
admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com
representatividade adequada, que irá cooperar na discussão da lide com sua experiência na
matéria. Tal intervenção, entretanto, não implica alteração de competência nem autoriza a
interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e o recurso
da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
3.2.1. O negócio jurídico processual
Outra inovação do novo CPC, diretamente relacionada ao princípio da cooperação,
é o negócio jurídico processual, previsto no art. 190, que pode ocorrer antes do início ou
duranteatramitaçãodoprocesso.Assim,versandooprocessosobredireitosque admitam
autocomposição, será lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no proce-
dimento para ajustá-lo às especicidades da causa e convencionar sobre os seus ônus,
poderes, faculdades e deveres processuais, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento,
controlar a validade das convenções ajustadas, recusando-lhes aplicação somente nos
casos de nulidade ou de inserção abusiva, em contrato de adesão ou em que alguma parte
se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. O modelo foi claramente copiado
do sistema arbitral, em que o procedimento a ser seguido pelo árbitro ou tribunal arbitral
deverá constar do compromisso arbitral, nos termos dos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.307/1996.
A novidade é plenamente aplicável no processo previdenciário, pois os direitos
discutidos admitem autocomposição e as partes, em geral, são plenamente capazes. Até
mesmo nos casos que envolvem interesses de incapazes, entende-se que a negociação
noâmbitodoprocessoseriaadmissível,desdequeouvidooMinistérioPúblico,nostermos
do art. 178, II. Em todo caso, imprescindível que a negociação seja escrita.
56
DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 127-130.
31AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
Todavia, considerando o grande volume de demandas previdenciárias, acredita-se
que essa possibilidade de alteração do procedimento para a tramitação do processo terá
pouca utilidade prática. É possível que seja utilizada em causas mais complexas, como
uma ação civil pública contra o INSS ou até mesmo ajuizada pela Autarquia Federal, mas
dicilmente será implementada nas demandas rotineiras propostas pelos segurados.
A previsão do art. 191, por outro lado, terá possibilidade de maior alcance. O dis-
positivo autoriza que, de comum acordo, o juiz e as partes possam xar calendário para aprática dos atos processuais, quando for o caso; sendo que o calendário vincula as partes
e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modicados em casos excepcionais,
devidamente justicados; dispensando-se a intimação das partes para a prática de ato
processualouarealizaçãodeaudiênciacujasdatastiveremsidodesignadasno calendário.
Anegociaçãodeumcalendáriodiferenciadonãotendea ocorrerdeformaindividua-
lizada,maspoderáserimplementadaem determinadostiposdeprocessos,comojáocorria
com os que envolviam benefícios por incapacidade em algumas localidades, tendo sido
aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 15 de dezembro de 2015, uma
recomendação para a uniformização de procedimentos nas perícias determinadas em ações
judiciais que envolvam a concessão de benefícios previdenciários de aposentadoria por
invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.Arecomendação contempla uma série de orien-
taçõesaosjuízescomoade considerarem,desdeodespachoinicial,arealizaçãode prova
pericialmédicaantesdacitaçãodoINSS,auniformizaçãode quesitoseainclusãonaspro-
postasdeacordoenas sentençasdaDatadaCessaçãodoBenefício(DCB)e daindicação
deeventualtratamentomédico,semprejuízodepossívelrequerimentopara prorrogá-los.57
Trata-se de um modelo de negócio jurídico que poderá ser aperfeiçoado e am-
pliado de forma coletiva em cada localidade, com a participação do Poder Judiciário, da
Advocacia-Geral da União e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Os enunciados Enfam nºs 36, 37 e 41 concluíram, respectivamente, que “a regra
do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos
processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem
seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/
juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam
novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em
lei; d) estipulem o julgamento do conito com base em lei diversa da nacional vigente; e
e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei”; bem como que “são nulas,
por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais
do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade
do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modiquem o
57
CONSELHO Nacional de Justiça. CNJ recomenda procedimentos em ações sobre benefícios previdenciá-
rios. Disponível em: <http://cnj.jus.br/noticias/cnj/81207-cnj-recomenda-procedimentos-em-acoes-sobre-
-benecios-previdenciarios>. Acesso em: 02 jan. 2016.
32 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação” e que “por com-
por a estrutura do julgamento, a ampliação do prazo de sustentação oral não pode ser
objeto de negócio jurídico entre as partes”. Em uma análise sumária e abstrata, parecem
adequadas as conclusões.
3.2.2. A distribuição dinâmica do ônus da prova
Um campo propício para o negócio jurídico processual ou pré-processual é o da
distribuiçãodoônusdaprova,oquesomentenãopoderá ocorrerporconvençãodaspartes
quando recair sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil a uma parte o
exercício do direito, nos termos do § 3º do art. 373 do novo CPC.
Oreferidodispositivo,aliás,forteno princípiodacooperação,positivouadistribuição
dinâmica do ônus da prova, autorizando no § 1º que, nos casos previstos em lei ou diante
de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva diculdade de
cumprir o ônus da prova conforme a regra geral da distribuição estática (fato constitutivo
de seu direito deve ser comprovado pelo autor, enquanto ao réu compete a prova quanto
à existência de fato impeditivo, modicativo ou extintivo do direito do autor) ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova
de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar
à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Evidentemente,
a distribuição dinâmica não poderá gerar situação em que a desincumbência do encargo
pela parte seja impossível ou excessivamente difícil, sob pena de nulidade da decisão.
Nas demandas previdenciárias, a distribuição dinâmica do ônus da prova já é reali-
dade emmuitoslocais,especialmente naquelesemque oPoderJudiciário realiza a notica-
ção das Agências da Previdência Social de Atendimento das Demandas Judiciais - APSADJ
para juntada do processo administrativo e de todos os demais documentos úteis ao deslinde
do feito (pesquisas nos sistemas Plenus e CNIS), antes da citação do INSS e sem impor o
ônus ao autor, apesar de tais documentos serem prova de fato constitutivo de seu direito.
3.2.3. Os honorários advocatícios de sucumbência
Algumas das alterações promovidas no diploma processual civil no tocante aos ho-
norários advocatícios de sucumbência, além de pretenderem agilizar o trâmite processual,
também têm profunda relação com o princípio da cooperação. É o caso dos honoráriosrecursais, ou seja, o tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários xados ante-
riormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, nos termos
do § 11 do art. 85. Acredita-se que essa mudança terá efeitos importantes nos processos
previdenciáriosnotocanteaosrecursosinterpostospeloINSS,poisaAGUtendeaexpedir
mais rapidamente orientações que dispensem a interposição de recursos em matérias
pacicadas. Por outro lado, não deve ter grande inuência nos recursos dos autores, que,
geralmente,são beneciáriosda justiça gratuita.Contudo,a concessão da justiça gratuita
33AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
tende a ser mais bem controlada a partir da entrada em vigor do novo CPC, tendo em
vista a autorização do § 19 do art. 85 de percepção de honorários de sucumbência pelos
advogados públicos.
Os honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública também deverão
respeitar, em regra, o percentual mínimo de dez por cento, previsto no § 2º do art. 85.
Entretanto, quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido for superior a
200 (duzentos) salários mínimos, considerando o valor vigente quando prolatada sentença
líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação (que não é o caso da
grande maioria das causas previdenciárias), poderá haver uma redução desse percentual,
nos termos dos §§ 3º e 5º, podendo chegar a um por cento na parte da condenação que
superar 100.000 (cem mil) salários mínimos.
O § 7º do art. 85, por sua vez, positivou questão pacicada na jurisprudência, no
sentido de não serem devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda
Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada. Por
outro lado, mantêm-se as previsões das Súmulas nºs 39 e 57 da AGU, que dispõem,
respectivamente, que “são devidos honorários advocatícios nas execuções, não embar-
gadas, contra a Fazenda Pública, de obrigações denidas em lei como de pequeno valor
(art. 100, § 3º, da Constituição Federal)” e que “são devidos honorários advocatícios pela
Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas,
ainda que não embargadas”.
Já o § 14 do art. 85 reconheceu a natureza autônoma e alimentar dos honorários
advocatícios, concedendo-lhes os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação
do trabalho e vedando a compensação em caso de sucumbência parcial. Aautonomia dos
honorários de sucumbência também foi reforçada no § 18, que estabeleceu que “caso
a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu
valor, é cabível ação autônoma para sua denição e cobrança”. Tal dispositivo vai ao sen-
tido decidido pelo Plenário do STF, em 2014, no julgamento do RE nº 564.132/RS, com
repercussão geral, de que os honorários advocatícios têm natureza autônoma e podem
ser executados e levantados separadamente, inclusive via Requisição de Pequeno Valor
(RPV), sem representar violação ao art. 100, § 8º, da CF/1988.
Os honorários advocatícios contratuais continuam regulados pelo Estatuto da OAB
(Lei nº 8.906/1994). De todo modo, considerando o dever de cooperação instituído pelo
novo CPC, bem como o princípio da proporcionalidade, entende-se que ca reforçado o
poder do juiz de indeferir honorários contratuais que excedam a 30% (trinta por cento) do
valor da condenação. Registre-se que esse limite foi o considerado ético e legítimo pela
OAB em diversos julgamentos dos seus Tribunais de Ética e Disciplina.58
Todas essas condutas cooperativas visam a um processo legal devido e cooperativo,
com efetivo contraditório e que solucione o mérito do conito em prazo razoável.
58
CONJUR. Justiça nega honorários acima do teto. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-ago-04/
justica-indefere-honorarios-acima-permitido-denuncia-advogados-mp>. Acesso em: 03 jan.2016.
34 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
3.3. O princípio da igualdade
O art. 7º do novo CPC reforça o consagrado princípio da igualdade expresso no
caput do art. 5º da CF/1988, dispondo que “é assegurada às partes paridade de tratamento
em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos
ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo
efetivo contraditório”. Segundo o princípio da isonomia, portanto, os sujeitos do processo
devem ter tratamento processual equilibrado, capaz de suprir as desigualdades naturais
existentes entre as partes, cabendo ao juiz assegurar essa igualdade de tratamento, nos
termos do inciso I do art. 139 do novo CPC.
Admite-se, contudo, discriminações positivas, ou seja, tratamento formalmente
desigual em busca da isonomia real.59
Assim, são exemplos de discriminações positivas
previstas expressamente no novo CPC:
a) tramitação prioritária para maiores de sessenta anos e portadores de doenças
graves (art. 1.04860
);
b) benefício do prazo em dobro da Fazenda Pública61 (antes o prazo era em quá-
druplo para contestar e em dobro para recorrer), do Ministério Público62
e da Defensoria
Pública63
ou por quem exerça função equivalente,64
exceto quando a lei estabelecer, de
formaexpressa,prazopróprio,e doslitisconsortesemprocessosfísicoscomprocuradores
distintos;65
e
c) a não imposição de impugnação especíca aos termos da petição inicial pelo
advogado dativo, pelo curador especial e pelo defensor público.66
59
GONÇALVES,Marcos ViniciusRios.Direitoprocessualcivilesquematizado.SãoPaulo:Saraiva,2011.p.64.
60
Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:
I - em que gure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou
portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº
7.713, de 22 de dezembro de 1988;
II - regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
61
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações
de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem
terá início a partir da intimação pessoal.
62
Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir
de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º.
63
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
64
STJ, REsp 1106213/SP, DJe 07.11.2011, estendeu direito do prazo em dobro ao advogado integrante de
núcleodepráticajurídicadeentidade públicadeensinosuperior,poisintegraserviçodeassistênciajudiciária
organizado e mantido pelo Estado.
65
Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão
prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independen-
temente de requerimento. [...] § 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.
66
Art. 341. [...] Parágrafo único. O ônus da impugnação especicada dos fatos não se aplica ao defensor
público, ao advogado dativo e ao curador especial.
35AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL
3.4. Cláusulas gerais e o princípio da proporcionalidade
O art.8ºdonovoCPC,porsuavez,trouxe,certamente,omaiorelencodecláusulas
gerais do novo diploma, ao dispor que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá
aosnssociaise àsexigênciasdo bemcomum,resguardando e promovendo a dignidade
da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a
publicidade e a eciência”.
Realizar um processo que atenda aos ns sociais e às exigências do bem comum,
e também resguarde e promova a dignidade da pessoa humana, é garantir o direito fun-
damental à processualização.
Já a legalidade e a eciência, que eram princípios cuja obediência já era imposta à
Administração Pública pelo caput do art. 37 da CF/1988, também passaram a ser expres-
samente princípios da jurisdição, assim como a publicidade, que já havia sido estendida
desde a redação srcinária da Carta Magna de 1988. O dispositivo robusteceu a exigência
de que os entes públicos atuem sempre nos termos do ordenamento jurídico (leitura ampla
da legalidade) e de modo a gerar o menor custo possível ao administrado/jurisdicionado,
requisito que será mais bem detalhado ao analisar o princípio da duração razoável do
processo, intimamente relacionado.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são extremamente vagos,
mas já foram exaustivamente examinados por Dworkin e Alexy nos seus estudos sobre
colisão de princípios/direitos fundamentais, a qual deve ser solucionada pela ponderação,
cujo alcance de aplicação ao caso concreto controla-se pela técnica relativa à “máxima da
proporcionalidade” e pela “precedência condicionada” (xação de condições sob as quais
umprincípiotemprecedênciaemfacedeoutro,sendo quesoboutrascondições,épossível
que a precedência seja resolvida de forma contrária), dando srcem a um mandamento
denitivo para o caso concreto (regra).67
Quando o art. 489, § 2º, do novo CPC prevê que “no caso de colisão entre normas,
o juiz deve justicar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando
as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão”, está autorizando o uso das teorias da relação de precedência
condicionada e da lei de colisão criadas por Alexy, as quais visam dotar de racionalidade o
processo decisório baseado na “pesagem” de princípios colidentes, afastando o “decisio-
nismo”, que seria a ausência de quaisquer parâmetros jurídicos para a eleição da solução
do caso concreto. Portanto, não bastará ao juiz fundamentar a decisão na aplicação da
“máxima da proporcionalidade”, sendo necessário que exponha sua investigação das
possibilidades fáticas de otimização pelo exame das “máximas parciais” da adequação
e da necessidade, bem como pelas possibilidades jurídicas de otimização, pela “máxima
67
Apud BELTRAMELLI NETO, Silvio. Aplicação dos direitos fundamentais sociais: apontamentos metodológicos.
In. MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique (Org.). Estudos aprofundados Ministério Público do Trabalho. 3.
ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 166 e 168.
36 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016
parcial”daponderaçãoouproporcionalidadeemsentidoestrito,demodo sucessivoenessa
ordem. A medida será adequada se for apta a, na prática, fomentar ou denitivamente
alcançar o objetivo a que se propõe (exame absoluto); será necessária se “a realização
do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de
outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido” (exame comparativo);
e será proporcional em sentido estrito, se ainda prevalecer após a ponderação “entre a
intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do
direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”
(exercício da ponderação).68
O uso do poder geral de cautela e de efetivação conferidos ao juiz, a concessão da
tutela provisória sem oitiva da parte adversa, a xação do valor das multas processuais, a
decretação de invalidades processuais, a denição do valor das indenizações por danos
morais, entre outras situações, são típicos exemplos em que o juiz deverá se valer da
máxima da proporcionalidade.
4. A SOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS E O PODER JUDICIÁRIO COMO
MEIO ALTERNATIVO DE RESOLUÇÃO DAS CONTROVÉRSIAS
O art. 5º, XXXV,da CF/1988 decreta o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, dispondo que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito. Essa previsão foi reforçada pelo art. 3º do novo CPC, cujos parágrafos,
entretanto, atestaram a legitimidade e privilegiaram, claramente, o uso dos tradicionais
meios alternativos de solução dos conitos, como é o caso da arbitragem, regulada pela
Lei nº 9.307/1996, a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conitos, que deverão ser promovidos, sempre que possível, pelo próprio Estado, e ser
estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público,
inclusive no curso do processo judicial. Para que os propósitos do novo CPC nessa seara
sejamalcançados,imprescindívelque a formação tradicionalmente litigante dosprossio-
nais da área jurídica seja direcionada para uma formação conciliadora.
Em razão desse princípio, o prévio exaurimento das vias administrativas não é
necessário para o exercício do direito de ação. Entretanto, a necessidade de prévio reque-
rimento administrativo para propor ação judicial de cunho previdenciário foi reconhecida
pelo STF no Recurso Extraordinário nº 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida,
como condição para se caracterizar a resistência do INSS à pretensão do segurado e,
assim, demonstrar a necessidade de acionar o Judiciário.69
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, em entrevista
concedida à Revista Conjur, ressaltou que “o Judiciário tem que ser acionado de maneira
68
BELTRAMELLI NETO, op. cit., p. 169-170.
69
A respeito, ver artigo: SILVA, Elisa Maria Corrêa. Prévio requerimento administrativo nas ações previdenciárias:
o recurso extraordinário 631.240. Revista Juris Plenum Previdenciária, v. 2, n. 8, p. 93-106, nov. 2014.
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  • 1. Juris Plenum Previdenciária Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 Coordenadora da Revista Cirlene Luiza Zimmermann - Procuradora Federal Conselho Editorial Fábio Zambitte Ibrahim - Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela PUC/SP José Ricardo Caetano Costa - Advogado Previdenciarista. Coordenador e Pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social - CEPESS Miguel Horvath Jr. - Doutor em Direito Previdenciário. Procurador Federal Roberto Luis Luchi Demo - Juiz Federal no TRF da 1ª Região. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBEJ/PR Wladimir Novaez Martinez - Advogado Especialista em Direito Previdenciário Editora Plenum Ltda. Av. Itália, 460 - 1º andar CEP 95010-040 - Caxias do Sul/RS Fone: (54) 3733-7447 plenum@plenum.com.br www.plenum.com.br
  • 2. © JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA EDITORA PLENUM LTDA Caxias do Sul - RS - Brasil Publicação trimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos. Todos os direitos reservados à Editora Plenum Ltda. É vedada a reprodução parcial ou total sem citação da fonte. Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de responsabilidade dos autores. E-mail para remessa de artigos: plenum@plenum.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Índice para o catálogo sistemático: 1. Direito previdenciário 349.3 2. Direito Civil 347 Editoração eletrônica: Editora Plenum Ltda. Tiragem: 3.100 exemplares Distribuída em todo território nacional Serviço de atendimento ao cliente: 54-3733-7447 J95 Juris Plenum Previdenciária: doutrina / Editora Plenum. Ano IV, n. 13 (fev./abr. 2016). - Caxias do Sul, RS: Editora Plenum , 2016. 192p. ; 23cm. Trimestral ISSN 2317-210X 1. Direito previdenciário. 2. Direito Civil. I. Editora Plenum. CDU: 349.2
  • 3. SUMÁRIO Apresentação ...................................................................................................................7 ASSUNTO ESPECIAL: O NOVO CPC E O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO Doutrina As normas fundamentais do novo processo civil e seus reexos no processo previdenciário CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN.............................................................................9 A coisa julgada em matéria previdenciária: o direito pode ser enterrado vivo? DIEGO HENRIQUE SCHUSTER.............................................................................61 Questões polêmicas no direito previdenciário com reexo no direito empresarial MANOELHERMES DE LIMA..................................................................................77 Enunciados Enunciados do fórum permanente de processualistas civis....................................97 Jurisprudência Benefício por incapacidade. Extinção do processo. Coisa julgada. Renovação do requerimento administrativo. (Acórdão do TNU).....................................................115 DESTAQUE: FATOR 85/95 Comentário Fator 85/95: trampolim para se aposentar com idade mínima? ROMULO SARAIVA.................................................................................................119 Doutrina As fórmulas mágicas no mundo de Lilipute: do fator previdenciário à fórmula 85/95 JOSÉ RICARDO CAETANO COSTA, MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR ...........123 Fórmula 95 na Lei nº 13.183/15 WLADIMIR NOVAES MARTINEZ............................................................................135
  • 4. ASSUNTOS DIVERSOS Doutrina O adicional de 25% a benefícios previdenciários diversos da aposentadoria por invalidez - Crítica aberta ao ativismo judicial DANIELA GONÇALVES DE CARVALHO................................................................143 O benefício assistencial de prestação continuada ao idoso: evolução legislativa, características e requisitos LUIZ ROGÉRIO DA SILVA DAMASCENO...............................................................155 A pensão por morte e as alterações legislativas no Brasil - O que já foi feito e o que está por vir - Um cotejo com as possibilidades da Convenção 102 da OIT MIGUEL HORVATH JÚNIOR...................................................................................169 Transexualidade e aposentadoria no regime geral de previdência VINÍCIUS PACHECO FLUMINHAN.........................................................................177 Legislação Recomendação Conjunta nº 1, de 15.12.2015 - DJ 08.01.2016 .............................189 Normas para envio de artigos doutrinários ..............................................................191
  • 5. ASSUNTO ESPECIAL: O NOVO CPC E O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO - DOUTRINA * Data de recebimento do artigo: 08.01.2016. Datas de pareceres de aprovação: 14.01.2016 e 22.01.2016. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 27.01.2016. AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO* THE FUNDAMENTAL RULES OF THE NEW CIVILPROCEDURE AND THEIR REFLECTIONS IN THE PENSION PROCESS CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul - UCS. Procuradora Federal - AGU. Professora Universitária. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. E-mail: cirleneluiza@brturbo.com.br. SUMÁRIO: Introdução - 1. Normas fundamentais processuais e normas processuais fundamentais: o art. 1º do novo CPC - 2. O princípio-fundamento do devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a publicidade: 2.1. A garantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais; 2.2. A vedação da decisão surpresa - 3. As cláusulas gerais processuais, a isonomia, a boa-fé e a cooperação: 3.1. A boa-fé objetiva; 3.2. O princípio da cooperação: 3.2.1. O negócio jurídico processual; 3.2.2. A distribuição dinâmica do ônus da prova; 3.2.3. Os honorários advocatícios de sucumbência - 3.3. O princípio da igualdade; 3.4. Cláusulas gerais e o princípio da proporcionalidade - 4. A solução consensual dos conitos e o Poder Judiciário como meio alternativo de resolução das controvérsias - 5. O princípio da economicidade ou da razoável duração do processo: 5.1. Prazos processuais; 5.2. Tutelas provisórias; 5.3. Reconvenção e exceção de incompetência relativa; 5.4. Ordem cronológica de julgamento; 5.5. Julgamento antecipado parcial do mérito; 5.6. Sistema recursal: causa madura, recursos extintos e a questão do juízo de admissibilidade na srcem; 5.7. Sistema de precedentes: uniformização da jurisprudência; 5.8. Cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública - Considerações nais - Referências. SUMMARY:Introduction-1.Fundamentalprocedural rulesandproceduralfundamental rules: the art. 1 of the new Civil Procedure Code - 2. The foundation of due process oflaw, the adversarial, the ample defense and advertising - 3. General procedural clauses, equality, good faith and cooperation - 4. The consensual solution of conicts and the Judiciary as a means of alternative resolution of disputes - 5. The principle of economy or the right to a speed trial - Final considerations - References.
  • 6. 10 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 RESUMO: Objetiva-se com o presente artigo, analisar as inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil que deverão ter impacto no processo previdenciário. O estudo partirá das normas fundamentais processuais, inseridas nos primeiros doze artigos do novo diploma processual, destacando sua vinculação com as garantias processuais constitucionais e apresentando as regras próprias introduzidas pelo legislador para sua concretização. PALAVRAS-CHAVE: novo Código de Processo Civil; processo previdenciário;normas fundamentais; devido processo legal; cooperação; solução consensual; razoável duração do processo. ABSTRACT:ThisarticleexaminestheinnovationsbroughtbythenewCivilProcedure Code which should have an impact on the pension process. The study leave fundamental procedural rules, inserted in the rst twelve articles of the new law, highlighting its linking with the constitutional procedural guarantees and showing the rules introduced by the legislator for his achievement. KEYWORDS: Civil Procedure Code; pension process; fundamental rules; due process of law; cooperation; consensual solution; right to a speed trial. INTRODUÇÃO O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) estaráem plena vigência a partir de 17 de março de 2016, depois de transcorrido, nos termos do art. 1.045, um ano de vacatio legis, que é o período em que a lei orbita no ordenamento, semainda,noentanto,projetarseusefeitosnomundo jurídico.Essediplomalegalrevogará completamente a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, conforme preceituado pelo art. 1.046, aplicando-se, inclusive, aos processos em andamento. O processo civil aplica-se direta, supletiva ou subsidiariamente a grande parte dos processos judiciais. Além das ações cíveis em geral, o novo CPC aplicar-se-á aos processos eleitoral, trabalhista e administrativo, todavia, de maneira supletiva e subsidiária, conforme dispõe o artigo 15 do novo diploma processual. Importante esclarecer que a aplicação subsidiária visa ao preenchimento de lacuna legislativa, enquanto a aplicação supletiva objetiva à complementação normativa. Aomis- são legal ocorre nas duas situações. Na subsidiariedade, entretanto, a omissão é total, enquanto na supletividade, ela é parcial, ou simplesmente carece de complementação para seguro entendimento.1 Leone Pereira assim classica as lacunas da legislação: a) lacunas normativas são as que ocorrem em caso de ausência de lei para o caso concreto; b) lacunas ontoló- 1 MEIRELES, Edilton. O novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho. In. MIESSA,Elisson(Org.). O novo Código de Processo Civil e seus reexos no processo do trabalho.Salvador: Juspodivm, 2015. p. 39-40.
  • 7. 11AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL gicas ocorrem quando a lei existe, mas não possui mais compatibilidade com a realidade social e o desenvolvimento técnico, ou seja, está desatualizada; e c) lacunas axiológicas são aquelas com que nos deparamos quando a lei existe, mas não é uma norma justa para solução do caso concreto.2 Diante das lacunas ontológicas e axiológicas exige-se a aplicação da função bloqueadora dos princípios que, segundo a doutrina de Fredie Didier Jr., justica “a não aplicação de textos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado de coisas que se busca promover”. 3 O novo CPC deve ser lido e interpretado com base nas suas normas fundamentais. As grandes inovações planejadas com a elaboração do novo CPC4 somente se efetivarão se essas normas fundamentais processuais, que já poderiam estar inspirando o aplicador do processo civil desde a Constituição de 1988,5 foremefetivamentecolocadasemprática, seja por meio das regras expressas pelo próprio legislador,6 seja por meio da interpretação dos princípios e das cláusulas abertas,7 voltada sempre ao princípio-fundamento de todos os demais, que é o do devido processo legal. Assim como nos demais ramos, o processo previdenciário também sofrerá as in- uênciasdasalteraçõesprocessuaispromovidaspelonovoCPC, eoobjetivodo presente estudo é o de elencar, sem o propósito da exaustividade, algumas dessas inovações e seus impactos nos processos judiciais que discutem os direitos sociais previdenciários. 2 PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. São Paulo: Saraiva: 2011. p. 63.3 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015. p. 50. 4 Nas palavras do presidente do Senado, Renan Calheiros, com o novo CPC “teremos procedimentos des- complicados e justiça mais célere”. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que presidiu a comissão de juristas instituída, em 2009, para elaborar o anteprojeto do novo CPC, ressaltou, ao m da sessão do Senado que concluiu a votação do novo Código, no dia 17 de dezembro de 2014, “que as inovações podem reduzir a duração dos processos a cerca de metade do tempo atual”. (In: SENADO Federal. Novo Código de Processo Civil abre portas para uma justiça mais ágil e descomplicada. Disponível em: <http:// www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/20/novo-codigo-de-processo-civil-abre-portas-para-uma- -justica-mais-agil-e-descomplicada>. Acesso em: 02 jan. 2016). 5 “O direito, como norma reguladora, tem o dever de evoluir com o avanço da sociedade, e isto não depende, necessariamente, de alteração legislativa. Os conceitos e a interpretação mais ampla dos dispositivos de lei também podem seaprimorarparalernovas normas no mesmotextodeleijágastopelotempo.”(In:BUENO, SamaraSchuch.Daexibilizaçãodoformalismoprocessualfrenteàinterpretaçãoda sistemáticaprocessual civil constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4146, 07 nov. 2014. Disponível em: <http://jus.com. br/artigos/29848>. Acesso em: 09 nov. 2014). 6 “As regras jurídicas jamais são um ‘dado’, antes constituindo um ‘construído’ por realizarem-se sempre na história, consubstanciando, assim, uma das privilegiadas dimensões da cultura.” (In. MARTINS-COSTA, Judith;BRANCO,GersonLuizCarlos. Diretrizes teóricas doNovoCódigo Civilbrasileiro.SãoPaulo:Saraiva, 2002. p. 131). 7 MiguelRealeadvertequeaarmaçãocorrentedequeumaleinãodeveserinterpretadasegundoa sualetra, mas consoante o seu espírito, leva a considerar o conjunto de diretrizes que norteou a obra codicadora “constituindo o seu travamento lógico e técnico, bem como a base de sua fundamentação teórica”, cujas diretrizes são a sistematicidade, a operabilidade, a eticidade e a socialidade. (In: Apud MARTINS-COSTA; BRANCO, op. cit., p. 131).
  • 8. 12 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 1. NORMAS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS E NORMAS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS: O ART. 1º DO NOVO CPC O art. 1º do novo CPC dispõe que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretadoconformeosvaloreseasnormasfundamentaisestabelecidosnaConstituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. Esse dispositivo, ainda que dispensável, tem grande importância. Dispensável porque, diante do sistema de controle de constitucionalidade instituído pelanossaCartaMagna,evidentemente, ostextoslegislativosdevemrespeitoaosvalores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição, sob pena de serem extirpados do ordenamentoemrazãoda desconformidadecomalei fundamentaldoEstado.Assim,ainda que o CPC de 1973 tivesse sido elaborado antes da Constituição de 1988, impunha-se sua leitura com fundamento no novo paradigma principiológico constitucional, que consagrou diversos princípios processuais em seu art. 5º, os quais, nos termos do § 1º, têm aplicação imediata, ou seja, proteção garantida independentemente de intervenção legislativa,8 eis que considerados indispensáveis para a concretização da dignidade da pessoa humana, elencada como fundamento da República Federativa do Brasil no inciso III do art. 1º. O princípio da aplicabilidade imediata, entretanto, “não signica que os direitos fundamentais não demandem regulamentação infraconstitucional, pois qualquer desses direitos, independentemente da sua natureza, pode reclamar uma concretização para a produção dos seus efeitos”.9 Essa regulamentação concretizadora, em regra, deve partir dos Poderes Legislativo ou Executivo, ainda que de forma mais restrita, pois, conforme explica Gomes Canotilho, “os domínios em que é mais reduzido o âmbito da conformação do legislador são aqueles em que os interesses públicos se acham previamente deter- minados pela constituição, cando o legislador simplesmente autorizado a concretizar esses interesses”. 10 Contudo, diante da eventual inércia desses poderes, será com fundamento no art. 5º, § 1º, da CF/1988 que o Poder Judiciário estará autorizado a suprir essas omissões para aplicar imediatamente as normas de direito fundamental, segundo doutrinaSérgioFernandoMoro,11 dandosrcemaodenominadoativismojudicial,ideiaque, segundo o Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, “está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e ns constitucionais, 8 Isso não signica que todas as normas denidoras dos direitos e garantias fundamentais têm ecácia plena, havendo também, normas de ecácia contida e de ecácia limitada. Entretanto, independente da classicação da norma quanto à ecácia, todas elas se aplicam de imediato, ou seja, sua proteção pelo Estado pode ser exigida pelo cidadão, inclusive por meio do Poder Judiciário. 9 HACHEM, Daniel Wunder. A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988:20anosdeobscuridadenasbrumasdo sensocomumteórico.Revista Jurídica da Faculdade de Direito Dom Bosco, v. I, n. 4, ano III, p. 124, 2009. 10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001. p. 253. 11 MORO,SérgioFernando. Desenvolvimentoeefetivaçãojudicialdas normas constitucionais.SãoPaulo:Max Limonad, 2001. p. 72-73.
  • 9. 13AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.12 Esse ativismo judicial, todavia, deverá ter base constitucional, ou seja, o Judiciário deverá “estabelecer as mediações concretizadoras necessárias a viabilizar o exercício do direito fundamental, denindo e especicando o modo como será exercitado, com base nos demais manda- mentos constitucionais”.13 O ativismo judicial também se justica em razão do disposto no art. 140 do novo CPC, pois o juiz não poderá se eximir de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuri- dade do ordenamento jurídico (princípio da indelegabilidade da jurisdição). Entretanto, diferentemente do disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e na parte nal do revogado art. 126 do CPC/1973, o julgador não deverá recorrer aos princípios gerais de direito apenas quando, no julgamento da lide, houver omissão da lei. Isso porque, no pensamento jurídico contemporâneo, como bem salientado por Fredie Didier Jr., os princípios deixam de servir apenas como técnica de integração do Direito e passam a ser espécie de norma jurídica14 ou, como explica Humberto Ávila, “os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas15 pela adoção de comportamentos a ele necessários”.16 Assim, será com base na aplicação direta dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção da vida e da saúde, da vedação da proteção insuciente, da isonomia, da universalidade, da seletividade e da distributividade, que o Judiciário deverá decidir lides envolvendo pedidos como o de auxílio-doença parental, denominação criada por 12 BARROSO,LuísRoberto. Judicialização,ativismojudicialelegitimidade democrática.Disponívelem:<http:// www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 26 maio 2015. 13 HACHEM, op. cit., p. 124. 14 DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 41. 15 Quando congurado o chamado “estado de coisas inconstitucional”, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, ao julgar em Plenário a medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental que discutia o sistema penitenciário brasileiro (ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 09.09.2015), que “a violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimoexistencial,ejusticariaaatuaçãomaisassertivado STF.Assim,caberiaàCorteopapel deretiraros demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas. Todavia, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Execu- tivo na consecução de tarefas próprias. O Tribunal deveria superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Deveriaagir em diálogo com os outros poderes e com a sociedade. Não lhe incumbira, no entanto, denir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Em vez de desprezar as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria coordená-las, a m de afastar o estado de inércia e deciência estatalpermanente.Nãosetrataria desubstituiçãoaosdemaispoderes,e simdeoferecimentodeincentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações institucionais reveladas”. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo798.htm>. Acesso em: 02 jan. 2016). 16 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 80.
  • 10. 14 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 Carlos Alberto Vieira de Gouveia,17 para designar a espécie de benefício a ser concedido no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em razão de incapacidade temporária de dependente do segurado, em decorrência de moléstia grave que gere a necessidade de auxílio exclusivo do segurado e que o impossibilite de exercer, temporariamente, suas atividades laborativas; de prorrogação do benefício de salário-maternidade em caso de nascimento prematuro;18 e de extensão do adicional de 25% (vinte e cinco por cento) para o segurado que necessita de auxílio permanente de terceiros nas demais espécies de aposentadorias, eis que o adicional somente está previsto legalmente para a aposen- tadoria por invalidez.19 Contudo,emhavendo previsõesnormativasinfraconstitucionaiseinfralegais,essas não poderão ser desconsideradas pelo magistrado, exceto quando declarada expressa e fundamentadamente sua inconstitucionalidade, cabendo ao Judiciário a concretização do ordenamento jurídico como um todo. Diante de demandas individuais, o juiz deverá ter ainda mais parcimônia em sua atividade concretizadora de direitos fundamentais, sob pena de violar princípios como o da impessoalidade, que rege os Poderes Executivo e Legislativo na edição de seus atos e no estabelecimento das políticas públicas. AConstituição, conforme doutrina positivista de Kelsen é o fundamento comum de validade do próprio Estado e de todas as demais espécies normativas.20 Assim, “todos 17 “Foi com base nisso que surgiu a tese do Auxílio-Doença Parental, a qual desenvolvi pensando na situação que aloca o segurado em gozo do aludido benefício, não por este encontrar-se incapaz sicamente para o labor, mas porque sua presença é mais necessária em outro lugar, ao lado do ente adoecido [...].” (In: GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade e perícia médica - Manual prático. 2. ed. São Paulo: Juruá, 2014. p. 110-111). 18 Vide caso julgado pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Justiça Federal em Caxias do Sul/RS, no processo nº 5023945-10.2014.404.7107, em outubro de 2014, pelo Juiz Federal José Caetano Zanella, no qual o pedido de prorrogação do benefício de salário-maternidade em caso de nascimento prematuro (cento e vinte dias a contar da alta hospitalar) foi julgado procedente, levando em consideração os princípios da proteção à infância e da isonomia. Contudo, em maio de 2015, a Turma Recursal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul deu provimento ao recurso do INSS, com a justicativa de que “o pedido da autora não encontra amparo legal”. 19 Emoutubrode 2015,aTurmaNacionalde Uniformizaçãodos JuizadosEspeciaisFederais(TNU)conrmoua novatesedeque oadicionalde25%para beneciáriosqueseaposentaramporinvalidezéextensívelaquem se aposenta por diferentes fatores, desde que necessite de assistência permanente de outra pessoa para o exercício de suas atividades cotidianas. (In: CONSELHO da Justiça Federal.TNU conrma direito a acréscimo de 25% no benefício de aposentados que dependem de assistência permanente de terceiros. Disponível em:<http://www.cjf.jus.br/noticias-do-cjf/2015/outubro/tnu-conrma-direito-a-acrescimo-de-25-no-benecio--de-aposentados-que-dependem-de-assistencia-permanente-de-terceiro>. Acesso em: 06 jan. 2016). No mesmo mês, foi aprovado, em Plenário, o Projeto de Lei nº 493/2011, de autoria do senador Paulo Paim, que prevê a concessão do adicional de 25% aos benefícios dos aposentados (por idade, por tempo de contribuição e especial) que necessitam de ajuda permanente de outra pessoa. Assim, a proposta foi encaminhadaparaanálisedaCâmarados Deputados.(In:SENADOFederal. Paulo Paim celebra aprovação de projeto que garante adicional para aposentados. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/ materias/2015/10/28/paulo-paim-celebra-aprovacao-de-proejto-que-garante-adicional-para-aposentados>. Acesso em: 05 jan. 2016). 20 KELSEN,Hans.Teoria pura do direito.TraduçãoJoãoBaptistaMachado.6.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,1999.
  • 11. 15AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL os atos normativos devem estar em conformidade com a Constituição”, ou seja, os atos legislativos e os demais atos normativos “devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional”.21 A disposição do art. 1º do novo CPC é importante, por outro lado, pois reforça o rme propósito do legislador de promover um novo Código de Processo Civil em estrita observância com os direitos fundamentais processuais, em franca expansão no nosso ordenamento, reconhecendo, expressamente, a força normativa e a supremacia da Constituição, com a qual as normas inferiores devem observar compatibilidade vertical. Os direitos fundamentais processuais passam a ser direitos processuais funda- mentais e deverão ser ponderados em caso de conito, nos termos do art. 489, § 2º, do novo CPC, que dispõe que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justicar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”. Oprincípiodaboa-fé,tambémclassicadode cláusulageral,foisalientadopelolegislador, aomencioná-lo,expressamente,no§3ºdomesmoart. 489,emquepreviuque“a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”, merecendo esclarecimento que na expressão “todos os seus elementos”, devem estar incluídos os valores e as normas fundamentais constitucionais, já que esses devem servir de parâmetro para interpretar toda a aplicação do novo direito processual. Esse prestígio dos direitos fundamentais processuais por parte do legislador in- fraconstitucional decorre da propagação do denominado neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, assim explicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso: O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (I) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas nais do século XX; (II) como marco losóco, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (III) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constitui- ção, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito. Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Cons- tituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente por via da jurisdição constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a 21 CANOTILHO,JoséJoaquimGomes. Direitoconstitucionale teoriadaConstituição.3. ed.Coimbra:Almedina, 1999. p. 811.
  • 12. 16 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, ainconsti- tucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais con- forme a Constituição,circunstânciaqueiráconformar-lhesosentido e o alcance. A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça por parte da sociedade brasileira e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil,uma intensa judicialização das relações políticas e sociais.22 (Grifos nossos). ArepetiçãodosdireitosfundamentaisprocessuaisnonovoCPCressaltao interesse do legislador e de toda a comunidade jurídica que se envolveu na construção desse pro- jeto, de tornar a Constituição vigente real e efetiva, expressando, elmente, osfatores de poder que vigoram na sociedade, e não apenas uma Constituição escrita, isto é, a folha de papel, já que essa, segundo Lassalle, somente é boa e duradoura quando corresponde à Constituição real e efetiva, a qual tem suas raízes no somatório dos fatores de poder que realmente regem no país. Onde a Constituição real e a escrita se contradizem, o conito estoura, sucumbindo a folha de papel perante as verdadeiras forças vigentes no país.23 Ainda que desnecessário, conforme explanamos inicialmente, a inserção das normas fundamentaisnonovoCPCdemonstrouqueosfatoresreaisdepoderestãoalinhadoscom os valores e as normas fundamentais da Constituição escrita, que reetem o real estado das coisas, ainda que não completamente implementado, mas efetivamente almejado pelo interesse público. As normas fundamentais no novo CPC (que não estão apenas no Capítulo I do Livro I24 ) integram o bloco de constitucionalidade ou a ordem constitucional global, que é paradigmaparaocontroledeconstitucionalidadeeenglobaaConstituiçãoformal(Cartade 1988) e também a material, ou seja, o conjunto de normas materialmente constitucionais, ou seja,que tem“alma”constitucional,ainda quese encontremfora do “corpo”da Constituição. O conceito de bloco de constitucionalidade foi abordado pelo Supremo Tribunal Federalemduasoportunidades,ambaspelo MinistroCelsodeMello:aprimeiravez naADI 595, em 2002, e a segunda na ADI 514, em 2014. No voto proferido na ADI 595, o Ministro traz a doutrina de Jorge Xifras Heras e José Joaquim Gomes Canotilho, para explicar o signicado que emerge da noção de bloco de constitucionalidade: 22 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucionalnoBrasil. Disponívelem:<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/ neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 24 out. 2015. 23 LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição? Tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2002. 24 Ninguém discute que o direito à citação, por exemplo, previsto no art. 238 do novo CPC (“Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”) é um direito processual fundamental, indispensável à concretização da norma fundamental do devido processo legal e, mesmo que não houvesse disposição expressa no novo CPC acerca da citação, esse ato seria indispensável, sob pena de violação do princípio que é a essência de todo o sistema processual.
  • 13. 17AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL É por tal motivo que os tratadistas - consoante observa Jorge Xifra Heras (Curso de derecho constitucional, p. 43) -, em vez de formularemumconceitoúnicode Constituição,costumamreferir-se a uma pluralidade de acepções, dando ensejo à elaboração teóri- ca do conceito de bloco de constitucionalidade (ou de parâmetro constitucional), cujo signicado - revestido de maior ou de menor abrangência material - projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das regras constitucionais meramenteescritas e dos princípios contemplados, explicita ou implicitamente, no corpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até mesmo,acompreendernormasdecaráterinfraconstitucional,desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude,a ecácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental, viabi- lizando, dessemodo, eem funçãodeperspectivasconceituaismais amplas, a concretização da ideia de ordem constitucional global. [...] Torna-serelevantedestacar,nesteponto,portalrazão, omagistério de J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da Cons- tituição. Almedina, 1998. p. 811-812, item nº 1), que bem expôs a necessidade de proceder-se à determinação do parâmetro de con- trole da constitucionalidade, consideradas as posições doutrinárias que se digladiam em torno do tema: “[...] Mas qual é o estalão normativo de acordo com o qual se devecontrolar a conformidade dos atos normativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições: (1) o parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos atos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escritos da constituição (ou de outras leis formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitu- cional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos atos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global. Na perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência, bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e das leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios reclamados pelo ‘espírito’ ou pelos ‘valores’ que informam a ordem constitucional global”. (Grifos nossos).
  • 14. 18 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 A própria Constituição de 1988 admite o elastecimento do parâmetro de controle de constitucionalidade (normas materialmente constitucionais), ao dispor em seu art. 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros de- correntes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, bem como no § 3º, que “os tratados e convençõesinternacionaissobredireitoshumanosqueforemaprovados,em cadaCasado Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. O novo CPC, portanto, veio consolidar a supremacia e a força normativa da Consti- tuição, elencando, expressamente, os direitos fundamentais processuais e reforçando que serão os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição que ordenarão, disciplinarão e fundamentarão a interpretação do processo civil brasileiro. 2.OPRINCÍPIO-FUNDAMENTODODEVIDOPROCESSOLEGAL,OCONTRADITÓRIO, A AMPLA DEFESA E A PUBLICIDADE A Constituição de 1988 garantiu o “direito fundamental à processualização”, como arma Miguel Calmon Dantas,25 por meio de diversos direitos fundamentais processuais, em especial, o do devido processo legal, disposto no art. 5º, LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). Esse direito fundamental estende-se aos direitos de um modo geral e abrange todas as espécies de processo: legislativo, judicial, administrativo e negocial, ou seja, está presente inclusive no âmbito dasrelaçõesprivadas,aoquechamamosdeecácia horizontaldosdireitosfundamentais. Comodireitofundamentalqueé,imperiosoque sejacompreendidopelomagistrado de modo a receber o máximo de ecácia, inclusive afastando-se, aplicando a máxima da proporcionalidade, eventuais regras que se coloquem como obstáculo irrazoável ou des- proporcionalàsuaefetivação,mastambémlevandoemconsideraçãoeventuaisrestrições impostas ao direito em razão da necessidade de respeito a outros direitos fundamentais.26 O devido processo legal em sentido formal está relacionado ao direito de ser processado e processar de acordo com normas previamente estabelecidas por meio de processo de produção que também respeitou o princípio. Trata-se, assim,de fundamento para outros princípios, como acesso à justiça, juiz natural, isonomia, contraditório e ampla defesa, publicidade, motivação e duração razoável do processo. Já o devido processo legal em sentido material refere-se à necessidade da decisãojudicial ser substancialmente razoável e correta, e não apenas ter regularidade formal. É dessa garantia que surgem os princípios da proporcionalidade (ou da ponderação de interesses) e da razoabilidade, que serão abordados adiante. 25 DANTAS, Miguel Calmon. Direito fundamental à processualização. In. DIDIER JR., Fredie; WAMBIER, Luiz Rodrigues; GOMES JR., Luiz Manoel (Coord.). Constituição e processo. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 367-435. 26 DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 55.
  • 15. 19AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL Não há devido processo legal sem observância do princípio do juiz natural, motivo pelo qual o constituinte também garantiu o direito fundamental de ninguém ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII), bem como afastou a possibilidadedeexistirjuízooutribunalde exceção(art.5º,XXXVII).Emconsonânciacom tais garantias, o art. 2º do novo CPC reiterou o princípio da inércia da jurisdição, ao prever que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso ocial, salvo as exceções previstas em lei”. Da mesma forma, assegurou o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes,27 aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral (art. 5º, LV). Garantiu-se, portanto, o direito às partes de participar do processo (audiências,comunicações,etc.),mastambém(e principalmente)de inuen- ciar/interferir ativamente na decisão a ser prolatada. O poder de inuência se concretiza quando o juiz efetivamente lê ou ouve o que as partes têm a dizer, não bastando conferir participação se a manifestação não é considerada. Se bem garantidos, como se espera, esses direitos visam concretizar o princípio da democracia no processo, indispensável em um Estado Democrático de Direito como o Brasil projetou ser. Para concretizar o direito fundamental à processualização, não basta ao cidadão poder levar o seu conito ao Estado-juiz para que seja solucionado, sendo também indis- pensável que o Poder Judiciário ouça e examine com atenção e respeito os argumentos e provas trazidos pelas partes.Para evidenciar essa análise realizada pelo Poder Judiciário, a Constituição estabeleceu a exigência da motivação das decisões judiciais e da publicidade dos atos processuais, dispondo em seu art. 93, IX,28 que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nuli- dade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” e no art. 5º, LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. O segredo de justiça, portanto, restringe o 27 O princípio do duplo grau de jurisdição ou princípio da recorribilidade pode ser extraído desse dispositivo, sendotambém corolárioda ampladefesa.A ConvençãoAmericanadeDireitos Humanos,também chamada de Pacto de São José da Costa Rica, de 1979, consagra esse princípio: Artigo 8. Garantias judiciais [...]2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 28 O novo CPC repetiu o dispositivo: Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.
  • 16. 20 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 direito fundamental à publicidade, devendo as hipóteses limitativas estar expressamente previstas, como ocorre no art. 189 do novo CPC,29 e devidamente fundamentadas quando aplicadas em razão da cláusula geral da exigência do interesse público ou social, prevista no inciso I do mencionado dispositivo. 2.1. A garantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais Considerandoaexigênciaconstitucionaldamotivação,quemuitoalémdeimporum dever ao Poder Judiciário, é um verdadeiro direito fundamental do cidadão litigante, causa estranheza a celeuma30 provocada pelo § 1º do art. 489 do novo CPC, que estabeleceu as situações em que não se considerará fundamentadas as decisões judiciais: Art. 489. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato norma- tivo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justicar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, inrmar a conclusão adotada pelo julgador;V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identicar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. A decisão proferida pelo Poder Judiciário nessas condições é desleal para com o jurisdicionado, pois a exigência constitucional da motivação não existiu. 29 Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II-que versemsobrecasamento,separaçãodecorpos,divórcio,separação,uniãoestável,liação,alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a condencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. § 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação. 30 VASCONCELLOS,Marcos de;ROVER, Tadeu. Advogados ejuízes disputam vetosde Dilmaem novoCPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-11/advogados-juizes-disputam-vetos-dilma-cpc>. Acesso em: 12 mar. 2015.
  • 17. 21AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL Assim,decisõesdo tipo “tendo emvista a presença do fumus boni iuris e do pericu- lum in mora, dero a antecipação da tutela”; “tendo em vista a presença dos requisitos e o disposto na Súmula Vinculante nºX do STF,julgo procedente o pedido”;“tendo emvista o princípio da razoabilidade,condeno o réu a pagaro valorde R$ X.000,00 a título de danos morais” são nulas, pois não explicam a relação dos conceitos jurídicos indeterminados ou dos fundamentos dos precedentes com a causa ou a questão decidida. A utilização de decisões-padrão também não será mais aceita, pois, como leciona Alexandre Freitas Câmara, “decisão que serve para qualquercaso, na verdade, não serve para caso algum”.31 A decisão também deve enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, levar o julgador à conclusão diversa, em especial os precedentes ou súmulas. Assim, para julgar procedente um pedido, o julgador pode fazê-lo com base em apenas um dos argumentos da parte que vier a se beneciar com a decisão, entretanto, deverá analisar e afastar, especicamente, cada um dos argumentos da parte contrária. A parte prejudicada, que terá que arcar com as consequências da decisão judicial, tem o direito de saber o motivo pelo qual os argumentos pelos quais entendia que tal respon- sabilidade não lhe cabia, não foram aceitos pelo Estado-juiz, eis que eram motivações que, se acatadas, poderiam ter modicado a conclusão judicial. Quando o juiz deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte há uma exigência ainda maior de fundamentação, com a demonstração clara e inequívoca dos fatos que fazem o caso concreto ser distinto do analisado no precedente (distinguishing) ou dos motivos jurídicos, sociais, políticos ou econômicos que fazem o precedente estar ultrapassado (overruling). A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira - Enfam realizou no período de 26 a 28 de agosto de 2015, o Semi- nário “O Poder Judiciário e o Novo Código de Processo Civil”, no qual participaram cerca de 500 (quinhentos) magistrados, que acabaram por aprovar 62 enunciados.32 Diversos dessesenunciadosinterpretaramosincisosdo§1ºdoart.489,buscando,emregra,tornar mais exível o dever de fundamentação das decisões judiciais reforçado pelo novo CPC ou, no mínimo, compartilhá-lo com as partes: 9) É ônus da parte, para os ns do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identicar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.[...] 11) Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332. 31 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 15. 32 ENFAM.Seminário:oPoderJudiciárioeo novoCódigodeProcessoCivil:enunciadosaprovados.Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-. pdf>. Acesso em: 02 jan. 2016.
  • 18. 22 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 12) Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha cado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante. 13) O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios. [...] 19) A decisão que aplica a tese jurídica rmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suciente, para ns de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a corre- lação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada. [...] 40) Incumbe ao recorrente demonstrar que o argumento reputado omitidoécapazde inrmaraconclusãoadotadapelo órgãojulgador. [...] 42)Nãoserádeclaradaanulidade semquetenhasidodemonstrado o efetivo prejuízo por ausência de análise de argumento deduzido pela parte. Ao juiz são conferidos diversos poderes, em especial o da interpretação da norma jurídica para aplicação ao caso concreto, ou seja, o da criação danorma jurídica individu- alizada (decisão judicial). Esses poderes não são conferidos pela sociedade aos juízes para livrá-los do dever de motivar sua decisão, mas para fundamentá-las com argumentos consistentes, inclusive sob pena de serem responsabilizados se não o zerem. Ainda que determinados argumentos ou provas possam parecer, a priori, imperti- nentes, desnecessários ou inúteis, não podem ser afastados pelo Poder Judiciário sem uma fundamentação adequada, a qual não precisa ser extensa, mas deve ser suciente. E o poder-dever da motivação das decisões judiciais, enquanto corolário do direito fundamental ao contraditório, conforme demonstrado, também é imposto às decisões proferidas nos Juizados Especiais. Ainda que esses processos sejam orientados “pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, bus- cando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2º da Lei nº 9.099/1995), não se pode admitir que sejam carentes de fundamentação. Alei que regulamentou o rito especial dos Juizados dispensou apenas o relatório da sentença, apesar de exigir um breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência (art. 38). A fundamentação, contudo, por indispensável para concretização da exigência constitucional, jamais poderia serdispensada.A fundamentação poderá até sersucinta (art.46),masjamaisinsuciente,33 33 Nesse aspecto, andaram bem os cerca de 500 magistrados que aprovaram o Enunciado Enfam nº 10, que prevê que “a fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, inuencie a decisão da causa”.
  • 19. 23AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL como ocorre com o julgamento “CPF”, ou seja, aquele que conrma a sentença pelos próprios fundamentos, muito comum nas Turmas Recursais, em razão da inconstitucional autorização da parte nal do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. O princípio da celeridade que rege o sistema dos Juizados pode ser aceito para fundamentar a impossibilidade de apli- cação de outras novidades do novo CPC, como a admissão do amicus curiae (art. 138), até mesmo em razão do previsto no art. 10 da Lei dos Juizados,34 mas jamais da exigência da fundamentação das decisões,35 eis que se trata de mandamento constitucional. Ainterpretação que vem sendo dada por parcela da Magistratura à lei dos Juizados ou mesmo aos dispositivos do novo CPC evidencia uma lacuna ontológica (está desatuali- zada) e/ou axiológica (é injusta) e exige a aplicação da função bloqueadora dos princípios (no caso, o do contraditório e da motivação) que, segundo a doutrina de Fredie Didier Jr., justica“a nãoaplicaçãodetextosexpressamenteprevistosquesejamincompatíveiscom o estado de coisas que se busca promover”.36 2.2. A vedação da decisão surpresa Os direitos fundamentais ao contraditório e a motivação das decisões judiciais também fez com que o legislador inserisse no novo CPC os arts. 9º e 10, que dispõem que“nãoseproferirádecisãocontraumadas partessemqueelaseja previamenteouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Vedou-se, portanto, a decisão surpre- sa, ou seja, aquela que se baseia em prova sobre a qual a parte prejudicada não teve a possibilidade de se manifestar ou fundamento não discutido pelas partes por ausência de oportunidade.Oprocessonãoéfeitoparaojuiz,mas paraaspartes.Paraojuiz,o processo termina depois do julgamento, enquanto para as partes se prolonga, podendo ter efeitos por toda a vida. Portanto, se o juiz se deparar com essa situação, será imprescindível que ouça as partes, que efetivamente têm interesse na decisão, antes de proferi-la, sob pena de nulidade. A decisão que surpreende as partes foi construída sem a sua participação, o que viola, evidentemente, a garantia ao contraditório e à ampla defesa. E para saber se uma decisão surpreendeu ou não as partes, é imperativo que ela seja fundamentada. Em razão desse dispositivo, a aplicação da multa pelo cometimento de ato aten- tatório à dignidade da justiça não deverá ocorrer sem que a parte tenha sido previamente advertida de que a sua conduta poderá ser punida como tal, com a concessão de prévia oportunidade de defesa.37 34 Art.10.Nãoseadmitirá,noprocesso,qualquer formadeintervençãodeterceironem deassistência.Admitir- -se-á o litisconsórcio. 35 Portanto, arbitrário e inconstitucional, o Enunciado 47 da Enfam, que prevê que “o art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais”. 36 DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 50. 37 Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: [...]
  • 20. 24 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 Dizer que “é desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder inuenciar na solução da causa”, como constou do Enunciado Enfam nº 3, é uma afronta à garantia fundamental do contraditório, que deve ser rechaçada por toda a sociedade, pois não cabe ao juiz decidir antecipadamente se a manifestação da parte pode ou não inuenciar na solução da causa. Da mesma forma, é um subterfúgio a previsão do Enunciado Enfam nº 6, pois concluiu que “não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório”. O art. 9º do novo CPC não fez essa diferenciação entre provas e fundamentos, não cabendo ao magistrado fazê-la. Tanto os argumentos fáticos (provas)quantojurídicos(fundamentos)devemsersubmetidosao contraditório,atéporque o art. 10 foi expresso quanto à necessidade de contraditório no tocante aos fundamentos, inclusive os de ordem pública. Outrossim,ashipótesesemquearegrageraldavedaçãodadecisãosurpresapode ser afastada foram previstas expressamente pelo legislador,38 não cabendo ao intérprete ampliá-las.39 A prescrição ou a decadência do direito, portanto, não poderá mais ser decretada sem a oitiva da parte autora. O indeferimento da petição inicial por esse motivo não en- contra mais previsão no novo CPC. A matéria continua podendo ser conhecida de ofício, mas deve ser oportunizada à parte autora a prévia manifestação a respeito. Ainda que esse ato possa representar uma antecipação da decisão do juiz, é imprescindível que ele ocorra, sob pena de afronta não apenas ao princípio do contraditório, como também ao da cooperação e da duração razoável do processo, sobre os quais se tratará adiante. No tocante à vedação da decisão surpresa, também é importante que se mencione o “excesso de criatividade” na interpretação do pedido, reprovado por Marcelo Pacheco Machado. O autor refere que, ao argumento de se buscar maior efetividade do processo, IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou nal, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou prossional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modicação tem- porária ou denitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. [...] 38 Art. 9º Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701 [ação monitória]. 39 A princípio, portanto, também arbitrário o Enunciado Enfam nº 55: “Às hipóteses de rejeição liminar a que se referem os arts. 525, § 5º, 535, § 2º, e 917 do CPC/2015 (excesso de execução) não se aplicam os arts. 9º e 10 desse código”.
  • 21. 25AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL alguns tribunais têm ampliado para além da vontade das partes (e do contraditório) a extensão do pedido, ao argumento de que existiriam bens da vida que implicitamente poderiam ser extraídos a partir do pedido de outros.40 No processo previdenciário, é comum nas demandas envolvendo benefícios por incapacidade, a condenação do INSS à concessão de benefício diverso do postulado na petição inicial (ex.: aposentadoria por invalidez quando o pedido era de auxílio-doença). Ora, se parte autora não postulou o benefício de aposentadoria por invalidez e se a própria autarquia previdenciária sequer havia reconhecido a incapacidade do segurado para o tra- balho administrativamente, é evidente que o reconhecimento judicial ao referido benefício extrapolaoslimitesdopedido (julgamentoextra petita,vedadopeloart.492donovo CPC,41 que praticamente repetiu os termos do art. 460 do CPC de 1973), violando o contraditório (que não é suciente quanto aos fatos, conforme já esclarecido, sendo também necessário queseestabeleçaquantoaosfundamentosjurídicos)elevandoà nulidadedoatodecisório. O fato da parte autora não ter postulado o benefício da aposentadoria por invalidez em dada situação pode ter sido deliberado (e não decorrente de desídia do advogado, como acaba parecendo), já que a sua concessão poderia gerar, por exemplo, a cessação do dever do empregador de recolher o FGTS, obrigação imposta apenas enquanto o segurado está em gozo de auxílio-doença acidentário, nos termos do § 5º do art. 15 da Lei nº 8.036/1990. Marcelo Pacheco Machado refere que se a lei estipulasse expressamente que o juiz estaria autorizado a romper a inércia e ampliar o objeto litigioso do processo em tais casos,“poderíamossuporqueaspartespossivelmenteafetadasporesta“questão”teriam o ônus de reagir a respeito da possibilidade, i.e. exercitarem o contraditório plenamente”. Ocorre que inexiste previsão nesse sentido em nosso ordenamento, de modo que realizar essa ampliação judicial dos limites da lide inviabiliza o contraditório e ofende as garantias constitucionais do processo.42 Registre-sequeoart.322donovoCPCreiterouanecessidadedopedidoformulado pela parte ser certo, compreendendo-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios (pedidos implícitos). Ainda que o novo Código tenha estabelecido que “a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (§ 2º do mesmo dispositivo), não se trata de uma autorização de ampliação irrestrita do objeto da lide, mas orientação no sentido de não se acatar pedidos contraditórios. Entretanto,acasoseadmitaapossibilidadedoJudiciáriointerpretardeforma ampla o pedido, imprescindível que ouça as partes de forma expressa a respeito da questão, a m de evitar a decisão surpresa, vedada pelos arts. 9º e 10 do novo CPC. 40 MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil: relação entre demanda e tutela jurisdicional. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 146. 41 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. 42 MACHADO, op. cit., p. 148.
  • 22. 26 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 3.ASCLÁUSULASGERAISPROCESSUAIS,AISONOMIA,ABOA-FÉEACOOPERAÇÃO Cláusulasgerais,segundo Fredie DidierJr.,são espéciesde texto normativo,“cujo antecedente(hipótesefática)é compostoportermosvagose oconsequente(efeitojurídico) é indeterminado”, ou seja, “há uma indeterminação legislativa em ambos os extremos da estrutura lógica normativa”.43 Rodrigo Mazzei conceitua cláusulas gerais como: [...] dispositivos com amplitude dirigida ao julgador, em forma de diretrizes,poisaomesmotempo emque contemplamcritériosobjeti- vos,estesnãosãofechados,cabendoao Estado-juiz,emvaloração vinculada ao caso concreto, preencher o espaço, voluntariamente deixado pelo legislador, de abstração da norma.44 A inclusão de cláusulas gerais em uma codicação permite que ela seja exível, permitindosuaadequaçãoàsmudanças sociais,semperderemsegurançajurídica,motivo pelo qual o sistema não é composto apenas de cláusulas gerais, o que traria insegurança. Para Rodrigo Mazzei, “o dispositivo vago tende a alcançar maior longevidade, no instante em que poderá ser preenchido com valoração atual, diferente da que era corrente no momento de edição da norma, desde que respeite o desenho legislativo que o limita”.45 A inclusão de tais cláusulas gerais na codicação “gerará um labor diferenciado para o Judiciário que, ao longo dos tempos, acostumou-se a trabalhar com um sistema bem mais fechado.[...]osrepresentantesdoEstado-juiznão sóterãomaispoder,mastambémserãomuito mais exigidos”.46 Ascláusulasgeraisimpõemumônus argumentativoextraaosmagistrados,vezque não basta subsumir o fato à norma, havendo necessidade de uma atividade investigativa aprofundada a m de preencher concreta, adequada e criativamente o vazio legislativo. Segundo Judith Martins-Costa, “à cláusula geral cabe o importantíssimo papel de atuar como ponto de referência entre os diversos casos levados à apreciação judicial, permitindo a formação de catálogo de precedentes”.47 A existência das cláusulas gerais, portanto,tambémacabajusticandoanecessidadedosistemadeprecedentesnormatizado pelo novo CPC, conforme abordaremos mais adiante. O devido processo legal é uma cláusula geral, assim como a boa-fé processual, a cooperação, a negociação jurídica processual, a isonomia, os ns sociais do processo, o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade e a eciência, entre outras. 43 DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 51. 44 MAZZEI, Rodrigo. Código Civil de 2002 e o Judiciário: apontamentos na aplicação das cláusulas gerais. In. DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reexos do Novo Código Civil no direito processual. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2007. p. 52-53. 45 MAZZEI, op. cit., p. 53. 46 MAZZEI, op. cit., p. 74. 47 MARTINS-COSTA,Judith.Odireito privadocomoum ‘sistemaemconstrução’:ascláusulasgeraisno projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado, n. 139, p. 11, 1998.
  • 23. 27AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL 3.1. A boa-fé objetiva O art. 5º do novo CPC estabelece que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Aboa-fé de que trata o dispositivo é a objetiva, ou seja, aquela relativa aos comportamentos capazes de gerar expectativas (a subjetiva refere-se às intenções não exteriorizadas). Veda-se, portanto, comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium). Assim, quando a parte autora de um processo previdenciário pleiteia a antecipação da tutela para que seja concedido um benefício por suposta incapacidade, o que é defe- rido, e, posteriormente, se verica que tal incapacidade não existia, evidentemente houve violação da boa-fé objetiva, impondo a restituição dos valores recebidos indevidamente.48 Aausênciadaboa-féobjetivatambémécapaz derelativizarasnulidadesabsolutas. É o que ocorre quando se alega a “nulidade de algibeira” ou “nulidade de bolso”, expres- são que vem sendo utilizada pela jurisprudência da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça para designar a estratégia de alegação de nulidade processual em momento posterior e conveniente a quem alega: Ao vedar a alegação de nulidade processual apenas quando for conve- niente a quem quiser alegá-la, o STJ parece aplicar a ideia de que não se pode legitimar comportamento contraditório de quem alegou o vício (venire contra factum proprium). Se a nulidade poderia ter sido alegada antes, por que deixar para depois? Anal, o vício processual não podeserusadocomouma“cartaescondidanamanga”,paraserapresentada como um trunfo no momento mais conveniente.49 Quando o juiz nega a produção de determinada prova sob o fundamento de que é desnecessária à solução da lide e julga o pedido em desfavor daquele que teve a prova indeferidasobaalegaçãodapartenãotersedesincumbidodoônusdaprova,comporta-se de maneira contraditória, sendo passível de obter a anulação da sentença por violação da boa-fé objetiva. Viola igualmente a boa-fé objetiva o perito designado pelo juízo para a realização de uma perícia médica no segurado e que integra a mesma clínica do médico assistente ou que atendeu o segurado recentemente na qualidade de médico assistente. 3.2. O princípio da cooperação O princípio da cooperação está inserido no art. 6º do novo CPC, dispondo que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. 48 A respeito, ver artigo: ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Revogação da tutela antecipada nas demandas previdenciárias e a necessidade de restituição das partes ao estado anterior. Revista Juris Plenum Previ- denciária, v. 2, n. 5, fev. 2014. DVD. 49 SILVA, Ticiano Alves e; FONSÊCA, Vitor.Nulidade de algibeira e boa-fé processual. Disponível em: <http:// portalprocessual.com/nulidade-de-algibeira-e-boa-fe-processual/>. Acesso em: 30 dez. 2015.
  • 24. 28 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 Já se disse anteriormente, que o processo não é feito para o juiz, mas para as partes, pois para o juiz, o processo termina depois do julgamento, enquanto para as partes se prolonga. O magistrado, portanto, não pode mais conduzir o processo como sendo apenas mais um, de forma egoísta. O juiz deve sentir-se um colaborador na árdua tarefa de construir a solução do conito de interesses,da qualtambémdevemparticipar,ativamente,aspartes. Esse novo modelo justica inovações trazidas pelo novo CPC que valorizam o princípio da instrumentalidade, reiterado no art. 188,50 e priorizam a solução do mérito da demanda, combatendo a odiável jurisprudência defensiva que se fundava em questões formais para deixar de analisar o mérito. Assim, ao vericar, por exemplo, a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, o juiz não pode extinguir o processo sem resoluçãodoméritodeimediato,comopreceituaoincisoIVdo art.485.Aindaqueamatéria seja cognoscível de ofício, o magistrado deve oportunizar às partes o direito de se manifestar arespeito,ouseja,detrazerargumentosquedemonstremqueasupostaausênciadepres- supostos é sanável ou sequer existe.51 Aconrmaçãodainsanabilidadedairregularidade, entretanto, nem sempre levará ao pronunciamento de extinção sem resolução do mérito, poisoart.488do novoCPCautorizouojuiz,emsendopossível,aresolveroméritosempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual decisão não meritória. O art. 319 do novo CPC indica os elementos essenciais da petição inicial, entre os quais,“osnomes,osprenomes,o estadocivil,aexistênciadeuniãoestável, aprossão,o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”. Entretanto, conforme esclarece o § 1º, caso não disponha dessas informações, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias à sua obtenção, evidenciando a ne- cessidadedecooperaçãoporpartedoPoderJudiciárioparaaefetivasoluçãodademanda. Aprevisão de complementação do preparo ou o seu pagamento em dobro foi outra disposição do novo CPC com claro intuito cooperativo. A pena de deserção do recurso somente poderá ser aplicada se, após ser intimado, o recorrente não suprir a insuciência do preparo ou realizar o seu recolhimento em dobro, em caso de não comprovação do recolhimento no ato de interposição (art. 1.007, §§ 2º e 4º). Além disso, o novo Código determinou que fosse relevada a pena de deserção quando o recorrente provar justo impedimento (§ 6º) ou na ocorrência de equívoco no preenchimento da guia de custas, hipótese em que o recorrente deverá ser intimado para sanar o vício (§ 7º). Outrossim, o parágrafo único do art. 932 também determinou que “antes de consi- derar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Adeterminação foi reforçada no art. 1.017, § 3º, que estabeleceu que “na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único”. 50 Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamen- te a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a nalidade essencial. 51 Incumbeaojuiz,nostermosdoart. 139,incisodoIX,donovoCPC, determinarosuprimentodepressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais.
  • 25. 29AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL Outra questão solucionada com o novo CPC e que está claramente relacionada ao princípiodacooperação/lealdadeprocessualéado prequestionamentocto.Dispôsoart. 1.025que“consideram-seincluídosnoacórdãooselementosqueo embargantesuscitou, para ns de pré-questionamento, ainda que osembargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”. Portanto, a mera oposição de embargos de declaração pelo recorrente será suciente para considerar prequestionada a matéria. A previsão legal pôs m ao impasse entre as Súmulas nºs 356 do STF,52 297 do TST53 e 211 do STJ,54 prevalecendo o enten- dimento rmado pela Suprema Corte e acompanhado pela Corte Trabalhista. Lênio Streck critica o princípio da cooperação, taxando-o de inconstitucional: É um modelo que não deve ser pensado à distância da realidade, sem considerar que no processo há verdadeiro embate (luta, con- fronto, enfrentamento), razãopelaqualasparteseseusadvogados valem-se-eassimdeveser-de todososmeioslegaisaseualcance para atingirem um m parcial. Não é crível (nem constitucional), enm, atribuir aos contraditores o dever de colaborarem entre si a m de perseguirem uma “verdade superior”, mesmo que contrária àquilo que acreditam e postulam em juízo, sob pena de privá-los da sua necessária liberdade para litigar, transformando-os, eles mesmoseseusadvogados,emmerosinstrumentosaserviçodojuiz na busca da tão almejada “justiça”. Inexiste tal espírito lantrópicoque enlace as partes no âmbito processual, pois o que cada uma delas ambiciona é resolver a questão da melhor forma possível, desde que isso signique favorecimento em prejuízo do adversário. Aliás, quando contrato um advogado, é para que ele lute por mim, por minha causa. Não quero que ele abra mão de nada. Os direitos são meus e meu advogado deles não dispõe. Se meu advogado for obrigado a cooperar com a outra parte ou com o juiz, meu direito constitucionaldeacesso àjustiçaestarásendoviolado.Alémdemeu direito à propriedade e todo o elenco de direitos personalíssimos de que disponho.55 52 Súmulanº356do STF:“Opontoomissodadecisão,sobreo qualnãoforamopostosembargosdeclaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. 53 Súmula nº 297 do TST: “Prequestionamento. Oportunidade. Conguração (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. I - Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito. II - Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sidoinvocadanorecursoprincipal,oporembargosdeclaratóriosobjetivandoopronunciamentosobreotema, sob pena de preclusão. III - Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração”. 54 Súmula nº 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. 55 STRECK, Lênio Luiz et al. Acooperação processualdo novoCPC é incompatível com aConstituição. Dispo- nível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/cooperacao-processual-cpc-incompativel-constituicao?utm_ source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em: 23 dez. 2014.
  • 26. 30 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 Entretanto, como já foi possível perceber pelos dispositivos analisados, o dever de cooperação não representa um mero dever de auxílio, nem de uma parte com a outra e nem do juiz para com as partes. O princípio da cooperação “torna devidos os comportamentos necessários à obtenção de um processo legal e cooperativo”, informando e qualicando o princípio do contraditório, gerando deveres às partes (esclarecimento - redigir a petição inicial com cla- reza e coerência, sob pena de inépcia; lealdade - não litigar de má-fé; proteção - não gerar danos à parte contrária e nem à justiça, sob pena de responsabilização) e ao magistrado (lealdade - vedação do comportamento contraditório; esclarecimento - sentença clara e inteligível; consulta e informação - vedação da decisão surpresa; prevenção - advertência sobre o uso inadequado do processo).56 Com propósito cooperativo, o novo CPC também regulamentou a atuação do amicus curiae, isto é, o amigo da Corte, em causas relevantes, especícas ou de grande repercussão social. Segundo o art. 138, o juiz ou o relator poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, que irá cooperar na discussão da lide com sua experiência na matéria. Tal intervenção, entretanto, não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e o recurso da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. 3.2.1. O negócio jurídico processual Outra inovação do novo CPC, diretamente relacionada ao princípio da cooperação, é o negócio jurídico processual, previsto no art. 190, que pode ocorrer antes do início ou duranteatramitaçãodoprocesso.Assim,versandooprocessosobredireitosque admitam autocomposição, será lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no proce- dimento para ajustá-lo às especicidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento, controlar a validade das convenções ajustadas, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva, em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. O modelo foi claramente copiado do sistema arbitral, em que o procedimento a ser seguido pelo árbitro ou tribunal arbitral deverá constar do compromisso arbitral, nos termos dos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.307/1996. A novidade é plenamente aplicável no processo previdenciário, pois os direitos discutidos admitem autocomposição e as partes, em geral, são plenamente capazes. Até mesmo nos casos que envolvem interesses de incapazes, entende-se que a negociação noâmbitodoprocessoseriaadmissível,desdequeouvidooMinistérioPúblico,nostermos do art. 178, II. Em todo caso, imprescindível que a negociação seja escrita. 56 DIDIER JR., op. cit., v. 1, p. 127-130.
  • 27. 31AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL Todavia, considerando o grande volume de demandas previdenciárias, acredita-se que essa possibilidade de alteração do procedimento para a tramitação do processo terá pouca utilidade prática. É possível que seja utilizada em causas mais complexas, como uma ação civil pública contra o INSS ou até mesmo ajuizada pela Autarquia Federal, mas dicilmente será implementada nas demandas rotineiras propostas pelos segurados. A previsão do art. 191, por outro lado, terá possibilidade de maior alcance. O dis- positivo autoriza que, de comum acordo, o juiz e as partes possam xar calendário para aprática dos atos processuais, quando for o caso; sendo que o calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modicados em casos excepcionais, devidamente justicados; dispensando-se a intimação das partes para a prática de ato processualouarealizaçãodeaudiênciacujasdatastiveremsidodesignadasno calendário. Anegociaçãodeumcalendáriodiferenciadonãotendea ocorrerdeformaindividua- lizada,maspoderáserimplementadaem determinadostiposdeprocessos,comojáocorria com os que envolviam benefícios por incapacidade em algumas localidades, tendo sido aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 15 de dezembro de 2015, uma recomendação para a uniformização de procedimentos nas perícias determinadas em ações judiciais que envolvam a concessão de benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.Arecomendação contempla uma série de orien- taçõesaosjuízescomoade considerarem,desdeodespachoinicial,arealizaçãode prova pericialmédicaantesdacitaçãodoINSS,auniformizaçãode quesitoseainclusãonaspro- postasdeacordoenas sentençasdaDatadaCessaçãodoBenefício(DCB)e daindicação deeventualtratamentomédico,semprejuízodepossívelrequerimentopara prorrogá-los.57 Trata-se de um modelo de negócio jurídico que poderá ser aperfeiçoado e am- pliado de forma coletiva em cada localidade, com a participação do Poder Judiciário, da Advocacia-Geral da União e da Ordem dos Advogados do Brasil. Os enunciados Enfam nºs 36, 37 e 41 concluíram, respectivamente, que “a regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/ juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei”; bem como que “são nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modiquem o 57 CONSELHO Nacional de Justiça. CNJ recomenda procedimentos em ações sobre benefícios previdenciá- rios. Disponível em: <http://cnj.jus.br/noticias/cnj/81207-cnj-recomenda-procedimentos-em-acoes-sobre- -benecios-previdenciarios>. Acesso em: 02 jan. 2016.
  • 28. 32 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação” e que “por com- por a estrutura do julgamento, a ampliação do prazo de sustentação oral não pode ser objeto de negócio jurídico entre as partes”. Em uma análise sumária e abstrata, parecem adequadas as conclusões. 3.2.2. A distribuição dinâmica do ônus da prova Um campo propício para o negócio jurídico processual ou pré-processual é o da distribuiçãodoônusdaprova,oquesomentenãopoderá ocorrerporconvençãodaspartes quando recair sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito, nos termos do § 3º do art. 373 do novo CPC. Oreferidodispositivo,aliás,forteno princípiodacooperação,positivouadistribuição dinâmica do ônus da prova, autorizando no § 1º que, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva diculdade de cumprir o ônus da prova conforme a regra geral da distribuição estática (fato constitutivo de seu direito deve ser comprovado pelo autor, enquanto ao réu compete a prova quanto à existência de fato impeditivo, modicativo ou extintivo do direito do autor) ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Evidentemente, a distribuição dinâmica não poderá gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil, sob pena de nulidade da decisão. Nas demandas previdenciárias, a distribuição dinâmica do ônus da prova já é reali- dade emmuitoslocais,especialmente naquelesemque oPoderJudiciário realiza a notica- ção das Agências da Previdência Social de Atendimento das Demandas Judiciais - APSADJ para juntada do processo administrativo e de todos os demais documentos úteis ao deslinde do feito (pesquisas nos sistemas Plenus e CNIS), antes da citação do INSS e sem impor o ônus ao autor, apesar de tais documentos serem prova de fato constitutivo de seu direito. 3.2.3. Os honorários advocatícios de sucumbência Algumas das alterações promovidas no diploma processual civil no tocante aos ho- norários advocatícios de sucumbência, além de pretenderem agilizar o trâmite processual, também têm profunda relação com o princípio da cooperação. É o caso dos honoráriosrecursais, ou seja, o tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários xados ante- riormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, nos termos do § 11 do art. 85. Acredita-se que essa mudança terá efeitos importantes nos processos previdenciáriosnotocanteaosrecursosinterpostospeloINSS,poisaAGUtendeaexpedir mais rapidamente orientações que dispensem a interposição de recursos em matérias pacicadas. Por outro lado, não deve ter grande inuência nos recursos dos autores, que, geralmente,são beneciáriosda justiça gratuita.Contudo,a concessão da justiça gratuita
  • 29. 33AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL tende a ser mais bem controlada a partir da entrada em vigor do novo CPC, tendo em vista a autorização do § 19 do art. 85 de percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos. Os honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública também deverão respeitar, em regra, o percentual mínimo de dez por cento, previsto no § 2º do art. 85. Entretanto, quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido for superior a 200 (duzentos) salários mínimos, considerando o valor vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação (que não é o caso da grande maioria das causas previdenciárias), poderá haver uma redução desse percentual, nos termos dos §§ 3º e 5º, podendo chegar a um por cento na parte da condenação que superar 100.000 (cem mil) salários mínimos. O § 7º do art. 85, por sua vez, positivou questão pacicada na jurisprudência, no sentido de não serem devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada. Por outro lado, mantêm-se as previsões das Súmulas nºs 39 e 57 da AGU, que dispõem, respectivamente, que “são devidos honorários advocatícios nas execuções, não embar- gadas, contra a Fazenda Pública, de obrigações denidas em lei como de pequeno valor (art. 100, § 3º, da Constituição Federal)” e que “são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas”. Já o § 14 do art. 85 reconheceu a natureza autônoma e alimentar dos honorários advocatícios, concedendo-lhes os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho e vedando a compensação em caso de sucumbência parcial. Aautonomia dos honorários de sucumbência também foi reforçada no § 18, que estabeleceu que “caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua denição e cobrança”. Tal dispositivo vai ao sen- tido decidido pelo Plenário do STF, em 2014, no julgamento do RE nº 564.132/RS, com repercussão geral, de que os honorários advocatícios têm natureza autônoma e podem ser executados e levantados separadamente, inclusive via Requisição de Pequeno Valor (RPV), sem representar violação ao art. 100, § 8º, da CF/1988. Os honorários advocatícios contratuais continuam regulados pelo Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994). De todo modo, considerando o dever de cooperação instituído pelo novo CPC, bem como o princípio da proporcionalidade, entende-se que ca reforçado o poder do juiz de indeferir honorários contratuais que excedam a 30% (trinta por cento) do valor da condenação. Registre-se que esse limite foi o considerado ético e legítimo pela OAB em diversos julgamentos dos seus Tribunais de Ética e Disciplina.58 Todas essas condutas cooperativas visam a um processo legal devido e cooperativo, com efetivo contraditório e que solucione o mérito do conito em prazo razoável. 58 CONJUR. Justiça nega honorários acima do teto. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-ago-04/ justica-indefere-honorarios-acima-permitido-denuncia-advogados-mp>. Acesso em: 03 jan.2016.
  • 30. 34 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 3.3. O princípio da igualdade O art. 7º do novo CPC reforça o consagrado princípio da igualdade expresso no caput do art. 5º da CF/1988, dispondo que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Segundo o princípio da isonomia, portanto, os sujeitos do processo devem ter tratamento processual equilibrado, capaz de suprir as desigualdades naturais existentes entre as partes, cabendo ao juiz assegurar essa igualdade de tratamento, nos termos do inciso I do art. 139 do novo CPC. Admite-se, contudo, discriminações positivas, ou seja, tratamento formalmente desigual em busca da isonomia real.59 Assim, são exemplos de discriminações positivas previstas expressamente no novo CPC: a) tramitação prioritária para maiores de sessenta anos e portadores de doenças graves (art. 1.04860 ); b) benefício do prazo em dobro da Fazenda Pública61 (antes o prazo era em quá- druplo para contestar e em dobro para recorrer), do Ministério Público62 e da Defensoria Pública63 ou por quem exerça função equivalente,64 exceto quando a lei estabelecer, de formaexpressa,prazopróprio,e doslitisconsortesemprocessosfísicoscomprocuradores distintos;65 e c) a não imposição de impugnação especíca aos termos da petição inicial pelo advogado dativo, pelo curador especial e pelo defensor público.66 59 GONÇALVES,Marcos ViniciusRios.Direitoprocessualcivilesquematizado.SãoPaulo:Saraiva,2011.p.64. 60 Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais: I - em que gure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; II - regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). 61 Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal. 62 Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º. 63 Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais. 64 STJ, REsp 1106213/SP, DJe 07.11.2011, estendeu direito do prazo em dobro ao advogado integrante de núcleodepráticajurídicadeentidade públicadeensinosuperior,poisintegraserviçodeassistênciajudiciária organizado e mantido pelo Estado. 65 Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independen- temente de requerimento. [...] § 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos. 66 Art. 341. [...] Parágrafo único. O ônus da impugnação especicada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.
  • 31. 35AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO NOVO PROCESSO CIVIL 3.4. Cláusulas gerais e o princípio da proporcionalidade O art.8ºdonovoCPC,porsuavez,trouxe,certamente,omaiorelencodecláusulas gerais do novo diploma, ao dispor que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aosnssociaise àsexigênciasdo bemcomum,resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eciência”. Realizar um processo que atenda aos ns sociais e às exigências do bem comum, e também resguarde e promova a dignidade da pessoa humana, é garantir o direito fun- damental à processualização. Já a legalidade e a eciência, que eram princípios cuja obediência já era imposta à Administração Pública pelo caput do art. 37 da CF/1988, também passaram a ser expres- samente princípios da jurisdição, assim como a publicidade, que já havia sido estendida desde a redação srcinária da Carta Magna de 1988. O dispositivo robusteceu a exigência de que os entes públicos atuem sempre nos termos do ordenamento jurídico (leitura ampla da legalidade) e de modo a gerar o menor custo possível ao administrado/jurisdicionado, requisito que será mais bem detalhado ao analisar o princípio da duração razoável do processo, intimamente relacionado. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são extremamente vagos, mas já foram exaustivamente examinados por Dworkin e Alexy nos seus estudos sobre colisão de princípios/direitos fundamentais, a qual deve ser solucionada pela ponderação, cujo alcance de aplicação ao caso concreto controla-se pela técnica relativa à “máxima da proporcionalidade” e pela “precedência condicionada” (xação de condições sob as quais umprincípiotemprecedênciaemfacedeoutro,sendo quesoboutrascondições,épossível que a precedência seja resolvida de forma contrária), dando srcem a um mandamento denitivo para o caso concreto (regra).67 Quando o art. 489, § 2º, do novo CPC prevê que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justicar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”, está autorizando o uso das teorias da relação de precedência condicionada e da lei de colisão criadas por Alexy, as quais visam dotar de racionalidade o processo decisório baseado na “pesagem” de princípios colidentes, afastando o “decisio- nismo”, que seria a ausência de quaisquer parâmetros jurídicos para a eleição da solução do caso concreto. Portanto, não bastará ao juiz fundamentar a decisão na aplicação da “máxima da proporcionalidade”, sendo necessário que exponha sua investigação das possibilidades fáticas de otimização pelo exame das “máximas parciais” da adequação e da necessidade, bem como pelas possibilidades jurídicas de otimização, pela “máxima 67 Apud BELTRAMELLI NETO, Silvio. Aplicação dos direitos fundamentais sociais: apontamentos metodológicos. In. MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique (Org.). Estudos aprofundados Ministério Público do Trabalho. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 166 e 168.
  • 32. 36 JURIS PLENUM PREVIDENCIÁRIA- Ano IV - número 13 - fevereiro de 2016 parcial”daponderaçãoouproporcionalidadeemsentidoestrito,demodo sucessivoenessa ordem. A medida será adequada se for apta a, na prática, fomentar ou denitivamente alcançar o objetivo a que se propõe (exame absoluto); será necessária se “a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido” (exame comparativo); e será proporcional em sentido estrito, se ainda prevalecer após a ponderação “entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva” (exercício da ponderação).68 O uso do poder geral de cautela e de efetivação conferidos ao juiz, a concessão da tutela provisória sem oitiva da parte adversa, a xação do valor das multas processuais, a decretação de invalidades processuais, a denição do valor das indenizações por danos morais, entre outras situações, são típicos exemplos em que o juiz deverá se valer da máxima da proporcionalidade. 4. A SOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS E O PODER JUDICIÁRIO COMO MEIO ALTERNATIVO DE RESOLUÇÃO DAS CONTROVÉRSIAS O art. 5º, XXXV,da CF/1988 decreta o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, dispondo que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Essa previsão foi reforçada pelo art. 3º do novo CPC, cujos parágrafos, entretanto, atestaram a legitimidade e privilegiaram, claramente, o uso dos tradicionais meios alternativos de solução dos conitos, como é o caso da arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/1996, a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conitos, que deverão ser promovidos, sempre que possível, pelo próprio Estado, e ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Para que os propósitos do novo CPC nessa seara sejamalcançados,imprescindívelque a formação tradicionalmente litigante dosprossio- nais da área jurídica seja direcionada para uma formação conciliadora. Em razão desse princípio, o prévio exaurimento das vias administrativas não é necessário para o exercício do direito de ação. Entretanto, a necessidade de prévio reque- rimento administrativo para propor ação judicial de cunho previdenciário foi reconhecida pelo STF no Recurso Extraordinário nº 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida, como condição para se caracterizar a resistência do INSS à pretensão do segurado e, assim, demonstrar a necessidade de acionar o Judiciário.69 O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, em entrevista concedida à Revista Conjur, ressaltou que “o Judiciário tem que ser acionado de maneira 68 BELTRAMELLI NETO, op. cit., p. 169-170. 69 A respeito, ver artigo: SILVA, Elisa Maria Corrêa. Prévio requerimento administrativo nas ações previdenciárias: o recurso extraordinário 631.240. Revista Juris Plenum Previdenciária, v. 2, n. 8, p. 93-106, nov. 2014.