1) A Praça XV de Novembro surgiu em torno da capela de Nossa Senhora do Ó, erguida em 1570 na beira-mar. 2) Os frades carmelitas receberam a capela em 1589 e construíram um convento ao lado. 3) A praça tornou-se um importante ponto de comércio da cidade, com construções como o Forte da Cruz em 1605 e casas alugadas pelos frades carmelitas.
História da Praça XV de Novembro e origens do bairro da Saúde no Rio de Janeiro
1. APOSTILA ANDANDO PELO RIO – PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO E
ARREDORES
ORIGENS DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO
No remoto ano de 1567 surgia a primeira rua da cidade: a Ladeira da Sé.
Com efeito, não poderia ser outra coisa que não a ladeira que descia da Matriz
de São Sebastião, no alto do Morro do Castelo, até a várzea, onde existia um
fortim de terra. Em março de 1583, na sua base, o Padre José de Anchieta
inaugurou a Santa Casa de Misericórdia, para atender aos doentes da
esquadra espanhola de Diogo Flores Baldez, que aportou ao Rio de Janeiro
com peste a bordo. Devido ao hospital, o povo crismou esse primeiro
logradouro de “Ladeira da Misericórdia”, existindo até hoje pequena porção
dela, atrás do prédio do Museu Histórico Nacional. A “Ladeira da Misericórdia”
emendava com a rua da “Misericórdia”, que existiu até idos de 1960. Terminava
exatamente onde hoje está o prédio do Palácio Tiradentes.
Provavelmente, no mesmo ano de 1567, essa rua era prolongada até um
morrote lindeiro, que fora doado em sesmaria ao português Manuel de Brito
Pereira (ou de Lacerda), dono de muitas casas na cidade e que, com certeza,
concorreu financeiramente para a extensão dessa rua que, em última análise,
valorizava suas terras. Teve vários nomes: “Caminho da Piaçava”, “Caminho
da Praia Arqueada”, rua de “Manuel de Brito”, rua “Direita” e, desde 1870, rua
Primeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai,
ocorrida aquele ano.
Antes de 1570, uma devota ergueu na rua Direita a capelinha dedicada a
Nossa Senhora da Expectação e do Parto, e que o povo a crismou, por
antonomásia, de Nossa Senhora do Ó, por não conseguir pronunciar com
facilidade essa invocação da Virgem. Afirma-se, que pelo motivo da ladainha
iniciar com a evocação “Ó Virgem Maria...”, passou a assim ser conhecida. Era
a santa predileta das mulheres de então, que lhe dirigiam súplicas por um bom
parto.
Em 1589 essa capela foi doada aos frades carmelitas, chegados dez
anos antes e que até então não possuíam pouso fixo. Mudaram a invocação da
santa para Nossa Senhora do Carmo e trinta anos depois, em 1619, iniciariam
seu convento, ao lado. Quanto à capela, foi reconstruída ao menos duas vezes,
datando o templo atual de 1761, mais ou menos da mesma época em que ficou
pronto o convento. Os frades seriam desalojados em 1808 por ordem do
Príncipe D. João, que alojou no convento sua mãe, a Rainha D. Maria I, a
louca; o Real Gabinete de Física, a Real Ucharia (no térreo) e a Real Biblioteca
(nos fundos). A capela do convento foi convertida em Capela Real. Nela D.
João seria sagrado em 1818 e seu filho e neto coroados, respectivamente em
1822 e 1841.
Fronteiro a esse templo surgiu um pequeno adro, muito ampliado por
aterros e pelo assoreamento da baía, haja vista que a vegetação ciliar dos rios
foi a primeira coisa destruída pelos colonizadores. Se, ainda em fins do século
XVI, uma baleia encalhou na rua “Direita”, já em 1605 existia terreno suficiente
do lado do mar para o Governador Salvador de Sá levantar um fortim, o “Forte
da Cruz”, provavelmente a primeira construção do lado da baía e, com certeza,
igualmente a primeira da rua do Ouvidor (que naquela época tinha outros
nomes, como por ex.: “Desvio do Mar”, rua de “Aleixo Manuel”, rua do
“Gadelha”, e rua da “Cruz”. O atual nome “Ouvidor” data de 1780.). Esse forte
nunca funcionou, sendo doado em 1623 a uma irmandade de militares, que em
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2. seus horários de folga ergueram nele uma capela, inaugurada em 1628, e que
deu origem à bela igreja da Santa Cruz dos Militares, cujo templo atual data de
1777/1811.
Já em 1605 existem referências documentais ao “Terreiro do Carmo”,
primeiro nome da futura Praça XV de Novembro, e que à época era um dos
desembarcadouros de mercadorias da cidade. Provavelmente, nesta época,
existiam muitas casas na rua Direita e, com certeza, mais uma capela do lado
do mar, a de São José. Não se sabe por quem e quando foi fundada, mas, já
existia em 1640, pois nesse ano foi reconstruída. O templo atual foi iniciado em
1808 e terminado apenas em 1842.
Ao seu lado, surgiu em 1619 o casarão da “Câmara Municipal e da
Cadeia”, inicialmente uma casa térrea de taipa. Seria depois reconstruída como
sobrado no século XVIII e dela saiu para a glória o protomártir da Inconfidência,
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado no Campo de São
Domingos num sábado de sol, a 21 de abril de 1792. Após a Independência, foi
a cadeia velha utilizada como “Câmara dos Deputados” em 1822. Noventa e
oito anos depois foi demolida para ali ser erguido o Palácio Tiradentes,
atualmente sede do Poder Legislativo Estadual.
Voltando ao século XVII. Com a ida dos vereadores para a várzea do
“Largo do Carmo”, mudou então o eixo do poder na Capitania, indo o legislativo
municipal para um logradouro cuja importância não parava de crescer. Por esta
época foi erguido em um de seus cantos o pelourinho ou “polé”, poste de
alvenaria com o símbolo da municipalidade, dando origem ao segundo nome
do logradouro: “Largo da Polé”. A praça daí por diante não pararia mais de
crescer em importância, sediando o poder até 1889, quando a República
relegou estes marcos a um ostracismo completo.
Ainda em meados do século XVII, existiam algumas casas no lado
esquerdo da praça, que eram alugadas pelos carmelitas a terceiros. Pouco
depois, os próprios vereadores sugeriram ocupar a praça com casas de
aluguel, com o fito de serem alugadas, por pura coincidência, é claro, a
parentes dos ditos vereadores. O projeto foi vetado pelo Rei Pedro II de
Portugal. Diga-se o que for, mas, por pouco a praça deixou de existir!
Já para fins do século XVII, as tais casas dos frades carmelitas foram
adquiridas pelo governo que as demoliu e construiu em seu local o armazém
do sal, bem como o de açúcar. Em 1698, juntou-se a eles a “Casa da Moeda”,
vinda da Bahia e agora importante no Rio de Janeiro, haja vista que nove anos
antes o bandeirante Antônio Dias descobriu imensas jazidas de ouro em Minas
Gerais, originando uma corrida pelo rico metal e transformando o Rio de
Janeiro de antigo entreposto comercial em pôrto de escoamento do ouro
mineiro.
É sobre estas construções que se erguerá o edifício do Paço Imperial,
primeira sede do executivo no Largo da Polé. Desde 1643 possuíam os
governadores uma casa na rua Direita para o exercício de seus mandatos,
casa esta comprada pelo Rei D. João IV para abrigar o Governador Luís
Barbalho Bezerra, que faleceu antes de ocupá-la. Serviu como casa de
govêrno por cem anos. Em 1733, assume o governo da Capitania e parte sul
do Brasil o General Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela. Achando-
se mal instalado, enviou correspondência ao Rei D. João V de Portugal no
sentido de obter outro lugar para o executivo da Capitania.
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3. Tendo conseguido resposta positiva, encarregou o engenheiro militar
Sargento Mór José Fernandes Pinto Alpoim para reformar as casas do Largo
da Polé e convertê-las em casa de governo. Assim foi feito. Alpoim acrescentou
um segundo andar ao conjunto, usou vergas curvas nos vãos das janelas pela
primeira vez no Rio de Janeiro e, em 1743, era entregue a primeira casa de
governo erguida especificamente para tal na Capitania. Foi casa dos
governadores por vinte anos. Em 1763, quando se transferiu o Vice-Reinado da
Bahia para o Rio de Janeiro, serviu como palácio de despachos do Vice-Rei
Conde da Cunha, sendo então rebatizada para Paço Vice-Real. Paço,
subentenda-se, é o diminutivo de palácio, haja vista as leis coloniais proibirem
os prédios administrativos do Brasil terem tal alcunha. Quando da chegada da
Côrte, em 1808, continuou o edifício a ser usado como palácio de despachos
do Rei, ganhando a alcunha de Paço Real. Com a Independência, em 1822,
Paço Imperial. Na República foi repartição geral dos telégrafos, sendo apenas
restaurado em 1980 e reaberto cinco anos depois como centro cultural.
Ocorreram no Paço alguns eventos históricos significativos. Em 09 de
janeiro de 1822, D. Pedro chegou à sétima sacada do sobrado para informar ao
povo que ficava no Brasil. A 13 de maio de 1888, a sua neta, Princesa Isabel,
filha de D. Pedro II, informava da sacada central que não tínhamos mais
escravos em nossas terras. Pela porta principal D. Pedro II e sua família saíram
para o exílio a 17 de novembro de 1889, para nunca mais volverem vivos à
terra brasileira.
Do outro lado da praça, existiam umas casas postas ao chão em 1743,
para naqueles terrenos subir uma série de sobrados da família do Juiz de
Órfãos Antônio Telles de Menezes. Projetadas pelo engenheiro Alpoim,
possuíam um notável arco abatido que passava pela travessa do mercado de
peixe, hoje rua do Comércio. Este arco, apelidado de “do Telles”, era muito mal
freqüentado, tendo sido conhecido nos primeiros anos do século XIX como
reduto da bruxa Bárbara dos Prazeres, ex-prostituta, famosa por produzir
poção rejuvenecedora com sangue de crianças.
Na casa ao lado, onde hoje está a Tabacaria Africana, funcionou de
1747 a 1790 o Senado da Câmara, nome pomposo que tomou a Câmara de
Vereadores depois de 1757, e que lá foi vítima de pavoroso incêndio, a 20 de
julho de 1790, o qual, curiosamente, só queimou alguns documentos
específicos sobre posses territoriais.
O primeiro chafariz da cidade foi inaugurado no Largo da Carioca em
1726 pelo Governador Aires de Saldanha e Albuquerque e recebia as águas do
Rio Carioca, canalizados por possante aqueduto inaugurado na mesma
ocasião. Em 1747, o Governador Gomes Freire inaugurou outro chafariz, este
já no Largo do Paço, no local onde em 1894 se ergueu o monumento à Osório.
Durou pouco tempo esse chafariz, que era em mármore de lióz. Em 1779, o
Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza iniciou um terceiro, na borda do mar,
bem como um novo cais de pedra. Fez o projeto do novo chafariz o mulato
Mestre Valentim da Fonseca e Silva, com ajuda do engenheiro Jean Jacques
Funck. Inaugurado em 1789, fornecia água não só à cidade como aos barcos
que ali acostavam. Foi afastado do mar por vários aterros depois de 1838.
Quando D. João aportou nele em 1808, estava o Largo do Paço já ornado com
seus principais marcos culturais.
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4. O COMÉRCIO NA PRAÇA XV E ARREDORES
Em matérias anteriores, escrevi sobre a Praça XV de Novembro e
arredores, sua história e seus prédios antigos. Agora, escrevo sobre um
assunto pouco enfocado: a sua importância para o comércio da cidade.
Já em 1570, uma construção, à beira mar, definiria o futuro logradouro: a
ereção da capela de Nossa Senhora da Expectação e do Parto, ou, como era
mais conhecida, Nossa Senhora do Ó. Em sua frente, surgiu um descampado
onde as pessoas se reuniam antes das missas, um adro, o qual, inicialmente,
era muito amplo. Em 1589, quando a capelinha foi doada aos frades
carmelitas, eles mudaram a invocação do templo para Nossa Senhora do
Carmo e ao seu lado construíram em 1619 um convento. Anos depois,
edificaram à sua frente algumas casas que alugavam a terceiros.
Em 1605, o Governador Martim de Sá mandou erguer nas proximidades
da rua Direita um forte, o qual deu o nome de “da Cruz”, cujo objetivo era
proteger os desembarques dos navios que ali aportavam. Dez anos depois, a
Câmara de Vereadores legislou no sentido de não se erguer defronte aos
prédios do convento e forte construção alguma, com o fito de preservar aquela
área como “rocio” da cidade. Rocio era o nome lusitano para “praça de
comércio”, já determinando a primeira função institucional do local.
No início do século XVII, duas instituições destinadas a estimular o
comércio na jovem colônia foram estabelecidas em suas proximidades.
Uma foi a Câmara de Vereadores, trazida do Morro do Castelo para um terreno
ao lado da Igreja de São José em 1619. Era função dos vereadores, dentre
outras, a de fiscalizar o comércio, bem como guardar os pesos e medidas
oficiais, legislar sobre preços e custos, e colocar num poste de madeira, o
“pelourinho” as novas leis exaradas, bem como os nomes dos fora-da-lei,
comerciantes ou não. A câmara era situada onde hoje está o Palácio
Tiradentes e foi, até 1808, a sede do Poder Legislativo Municipal.
A outra foi a Alfândega, ou, como era poeticamente conhecida, a “casa
de ver-o-peso”. Foi instalada em 1613 defronte ao caminho do “Capoeirussú”
(literalmente “Capoeira Alta”, em tupi), depois rebatizado para Rua da
Alfândega. Desde fins do século XVII até 1808 sua direção coube, por
hereditariedade, à família Nascentes Pinto. A Alfândega fez crescer o pequeno
comércio que marcaria a fisionomia das ruas do Ouvidor até a da Alfândega.
Está aí a origem do popular “SAARA”, a primeira grande área de comércio
popular da cidade.
A importância do sítio logo cresceu e, dentre os nomes que a praça
ganhou ainda no século XVII, estavam o de “Largo do Carmo”, “Terreiro da
Polé” (Polé e pelourinho são a mesma coisa), “Terreiro do Carmo”, e outras
denominações efêmeras. Entretanto, a cupidez estava falando mais alto e a
Câmara de Vereadores tentou lotear o largo com o objetivo de ali construir
casas que seriam vendidas (por coincidência, claro...) aos parentes dos
próprios vereadores. Isso motivou um protesto dos frades carmelitas ao Rei
Pedro II de Portugal, o qual, determinou, por Decreto de 27 de novembro de
1686, que ninguém construísse sobre o Terreiro do Carmo, pois sua existência
era por demais importante como área comercial. Até prova em contrário, esta é
a data oficial de nascimento da futura Praça XV de Novembro.
No século XVII a grande falta de numerário no mercado fez com que o
Governador Salvador Correia de Sá e Benevides autorizasse o pagamento de
impostos em gêneros, e, como o principal gênero de produção no Rio de
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5. Janeiro daqueles tempos era o açúcar, todo mundo passou a pagar ao governo
com caixas de açúcar. Logo os armazéns do governo ficaram abarrotados de
açúcar, o que causou grande depreciação do produto. Para resolver o
problema, agravado desde 1686 com a descoberta de ouro em Minas Gerais,
resolveu o Rei Pedro II de Portugal transferir, em 1698, a casa da moeda, da
Bahia para o Rio de Janeiro, acomodando-a num armazém no Terreiro do
Paço, exatamente onde hoje se encontra o prédio do Paço Imperial.
Em 1710 o Rio de Janeiro foi atacado pelas tropas francesas chefiadas
pelo Corsário Jean François Duclerc, sofrendo o inimigo fragorosa derrota
quando já havia chegado aos limites do Terreiro do Carmo. No ano seguinte,
outro Corsário, René Duguay Trouin, foi mais bem sucedido, tomando a cidade
após curta batalha e saqueando os armazéns do Terreiro do Carmo por mais
de trinta dias, quando se retirou vitorioso para a França.
Em 1743, o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela,
inaugurou no antigo Terreiro do Carmo a nova Casa dos Governadores,
projetada pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim onde estavam
os Armazéns Reais e a Casa da Moeda. O Paço substituiu a pequenina casa
que os governadores ocupavam desde 1624 na antiga rua Direita, onde hoje
está o prédio do Centro Cultural do Banco do Brasil. Vinte anos depois, o
Terreiro, já rebatizado para Largo do Paço, passaria a sediar o Vice-reinado do
Brasil, sendo seu primeiro Vice Rei o Conde da Cunha. Ele e seus sucessores
se preocuparam com dois assuntos básicos da colônia: proteger a cidade de
ataques estrangeiros promovendo a melhoria das fortificações e igualmente
proteger o rico comércio do Rio de Janeiro, cujo ouro em circulação
desenvolvera muito nos últimos anos.
Quando o Príncipe D. João desembarcou, em março de 1808 no Largo
do Paço, este já estava firmado há muitos anos como a praça comercial mais
importante do reino português. D. João teve apenas que continuar o trabalho
de seus antecessores. Já em 1808 ele liberou os portos brasileiros às nações
amigas, e, em outubro do mesmo ano criou o Banco do Brasil, instalado num
casarão da rua Direita. Onze anos depois, o comércio havia florescido tanto
que se tornou necessário criar a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro,
antepassada direta de nossa Bolsa de Valores. O prédio ainda está lá, na rua
Visconde de Itaboraí, sendo hoje sede da Casa França Brasil.
Estavam, pois, criados todos os instrumentos legais que transformaram
o pequeno Terreiro Carmo na mais importante praça comercial da América
Latina, primazia que só perderia para São Paulo em fins do século XIX. Hoje,
as velhas casas comerciais da Praça XV de Novembro e arredores estão
sendo reabilitadas pelas obras da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
sendo suas fachadas tombadas pelos órgãos de proteção ao patrimônio
histórico, e se tornando, aos poucos, importante atração para os turistas que
desejam conhecer um pouco de nossa história.
PAÇO IMPERIAL - PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO - CENTRO
Nos primeiros cem anos de existência da cidade, os governadores da
Capitania do Rio de Janeiro, geralmente membros da poderosa família Sá ou
seus prepostos, governavam de suas próprias casas. Em 1643, a Metrópole
concordou em pagar um aluguel para o Governador Luís Barbalho Bezerra,
que, empobrecido e doente nas lutas contra os holandeses no nordeste, não
possuía condições de se manter. Com a morte de Bezerra, em abril de 1644,
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6. sua casa passou a ser a casa dos governadores. Era na rua da Candelária,
defronte ao prédio onde hoje está a Associação Comercial. Em 1698, a
Câmara adquiriu a grande casa de sobrado de Pedro de Souza Pereira e
adaptou-a para sede do governo. Era exatamente onde hoje está o Centro
Cultural do Banco do Brasil. Um sobrado na rua Direita, com doze janelas no
pavimento e capela no térreo, onde depois de 1743 funcionou a Casa Real dos
Contratos, até 1808. Sediou depois diversas repartições públicas até ser
demolida em 1870 e substituída pelo prédio atual.
No Largo do Carmo, no local onde surgiu o Paço, existiam desde o
século XVII algumas casas térreas que pertenciam ao patrimônio do Convento
do Carmo, sendo alugadas a terceiros. Em fins do século XVII, foram
adquiridas pela Câmara e demolidas, subindo em seu local o Armazém Real,
onde eram guardados os carregamentos de sal e açúcar, bem como, desde
1698, a Casa da Moeda, transferida da Bahia para o Rio de Janeiro no ano
anterior.
Quando da ascensão de Gomes Freire de Andrade ao governo da
Capitania do Rio de Janeiro, em 1733, ainda estava alojado o governador no
sobrado da rua Direita. Achando-se mal acomodado, fez gestões junto à
Metrópole para construção de nova sede governamental. Em 1738 chega ao
Rio de Janeiro o engenheiro militar e Sargento-Mór (depois Brigadeiro) José
Fernandes Pinto Alpoim. Gomes Freire logo o incumbiu de preparar a nova
sede da Capitania. Alpoim aproveitou as construções existentes no Largo do
Carmo, respectivamente os prédios do Armazém Real e Casa da Moeda,
acrescentando-lhes um segundo pavimento, com janelas de sacada em arco
abatido, novidade na colônia, tendo sido erguido mais um pavimento, o
terceiro, dando para o Largo do Carmo, com quatro janelas. No térreo, manteve
as janelas com vergas retas. Internamente, era o prédio ventilado por quatro
pátios internos, ficando a área social e de trabalho no sobrado e voltadas para
o mar, os aposentos para o Largo do Carmo e as dependências de serviço no
térreo e sobrado, dando para a rua Direita. No térreo da fachada do Largo do
Carmo continuaram a funcionar o Real Armazém e a Casa da Moeda até 1808.
Foi todo o conjunto inaugurado em 1743 e inicialmente denominado nos
documentos oficiais de “casa de governo”, haja vista uma lei do século XVII
que proibia a construção de palácios em colônias de Portugal, estando tais
residências apenas restritas a príncipes e nobres de sangue real.
Nos vinte anos em que funcionou como casa dos governadores, talvez o
fato mais pitoresco ali ocorrido tenha sido o baile oferecido aos oficiais
franceses da esquadra do Conde D`Aché, chegados ao Rio de Janeiro em
setembro de 1757. O Conde ofereceu uma recepção a Bobadela num de seus
navios. Bobadela, por sua vez, diplomaticamente, ofereceu outra na casa do
governo. Os franceses ficaram decepcionados, pois ao chegarem na casa,
descobriram que não haviam mulheres na festa, e sim alguns rapazes
travestidos. Bobadela explicou-se, afirmando que o povo não permitia a saída
de mulheres para tal festividade, tendo os franceses que se contentar com o
que ele pôde conseguir. Guardadas as devidas proporções, foi o primeiro baile
de travestis do Rio de Janeiro.
Com a transferência do Vice-Reinado da Bahia para o Rio de Janeiro,
em princípios de 1763, passaram os vice-reis a administrar a colônia do edifício
no Largo do Carmo, que passou a ser conhecido então como Paço, diminutivo
lusitano de Palácio. O primeiro Vice-Rei, Conde da Cunha, não gostou do
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7. prédio, tencionando sua transferência para o Colégio dos Jesuítas, no morro do
Castelo, iniciativa gorada por sua substituição em 1767. Da administração do
Conde de Azambuja, D. Antônio Rolim de Moura, pouco sabemos, haja vista o
precário estado de saúde deste dirigente, que ficou menos de dois anos no
cargo. Quanto ao seu sucessor, o Marquês de Lavradio, sabemos que residia
na rua de seu nome, aberta em 1771, numa casa ainda existente. Ou seja:
provavelmente o Paço era mais usado como local de trabalho que residência
oficial, o que foi referendado pela Família Real depois de 1808.
Com a chegada da Côrte neste último ano, o prédio foi promovido a
Paço Real, e era realmente utilizado como palácio de despachos. D. João nele
ficava nos horários da tarde, morando efetivamente em São Cristóvão. Só
pernoitava no Paço quando as condições ou alguma cerimônia especial assim
o exigia. Ainda em 1808 foi o Paço ligado ao Convento do Carmo por um
passadiço, estabelecendo-se ali sua mãe, a Rainha D. Maria I, a Real Ucharia,
o Real Gabinete de Física e, depois de 1810, a Real Biblioteca. A casa da
moeda foi para um prédio na rua da Lampadoza, onde existira o primeiro
museu da cidade. Um outro passadiço foi construído, ligando o Paço ao antigo
sobrado da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para acomodação de
funcionários da Casa Real. Foi o Paço Real a primeira casa na América a
acomodar um Rei europeu sagrado em nosso solo, pois foi D. João assim
entronizado em 1818, numa cerimônia inédita e única ocorrida no Largo do
Carmo, onde se montou enorme pavilhão para a cerimônia. Na fachada dando
para o mar, foi construída em 1817 um corpo elevado, onde se colocou a sala
do trono, a primeira das Américas. Colocou-se na mesma ocasião quatro
colunas internas para suportar o novo pavimento (estas colunas foram retiradas
na restauração de 1980). Quando o Rei jurou a nova Constituição portuguesa,
em fevereiro de 1821, o povo não esperou sua carruagem atingir o Paço vinda
de São Cristóvão. Cercaram-no ainda na rua Direita, retiraram-no de dentro e
carregaram-no nas costas, em triunfo. O Rei, assustado, desmaiou pensando
que iam matá-lo. Levado ao Paço, verificou-se que estava bem, exceto por
seus objetos pessoais, que haviam desaparecido.
Foi no Paço que D. João VI transferiu ao filho, o Príncipe D. Pedro, o
governo em 1821, dando o célebre conselho de que “...se o Brasil se libertar,
antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que a qualquer um destes
aventureiros...”. Foi nele que a 09 de janeiro de 1822, o Príncipe recusou-se a
voltar à Portugal, permanecendo no Brasil, atendendo às súplicas do povo,
transmitidas ao jovem príncipe pelo Presidente da Câmara de Vereadores, o
Juiz José Clemente Pereira. Teria dito o Príncipe: “...se é para o bem de todos,
e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico. E recomendo
a todos união e tranqüilidade...”. Com este gesto simples, abriu o Príncipe o
caminho para nossa Independência política.
No segundo reinado foi o Paço utilizado da mesma forma que antes,
local para os despachos oficiais, residência eventual da Família Imperial e,
ocasionalmente, local de hospedagem de visitantes ilustres. Sofreu grandes
reformas em 1841/45, quando lhe acrescentaram platibandas (removidas
depois), bem como tendo sido fechado um de seus pátios, convertido em salão
dos “Archeiros do Paço”. Mesmo depois destas reformas, conta-se que o Paço
logo arruinou-se, bastando dizer que muitas de suas salas estavam já
interditadas na década de setenta, com ameaça de desabamento. Isso não
impediu que a Princesa Isabel Regente, na ausência de seu pai, o Imperador
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8. D. Pedro II, que estava na Europa em tratamento médico, nele assinasse a lei
no. 3.353, a 13 de maio de 1.888, a Lei Áurea, que libertou os escravos no
Brasil. Dezoito meses depois, do Paço saía para o exílio o Imperador deposto
pelo movimento de 15 de novembro de 1.889, partindo a Família Imperial para
a Europa na madrugada do dia 17, depois de dois dias de prisão domiciliar no
velho Paço. Foi, sem dúvida alguma, o episódio mais dramático e o mais
constrangedor da jovem República nascente.
A República não quis saber de utilizar o velho edifício para fins de sede
do governo. Leiloado o mobiliário interno do prédio em 1890, foi o mesmo
cedido ao Ministério da Instrução e dos Correios, então dirigido por Benjamin
Constant, e convertido em Repartição Geral dos Telégrafos, depois, dos
Correios e Telégrafos, atividade que, com poucas alterações, manteve por
oitenta anos. Quase demoliram o velho Paço em 1919, para ali se construir a
nova sede do poder legislativo federal, idéia abortada pelo Senador Paulo de
Frontin. Reformado em 1929 durante a Presidência Washington Luís, foi
acrescido de mais um pavimento. O prédio foi tombado pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em abril de 1938, eliminando assim
cogitações por sua demolição, tão desejada por famosa autarquia federal que
almejava ali levantar sua sede geral.
Em 1980 o então prédio da Repartição Geral dos Correios e Telégrafos
foi permutado com o Ministério da Cultura, sendo submetido a uma restauração
integral pelo arquiteto Glauco Campello do SPHAN, que lhe restituiu as formas
de 1818. Foram retirados todos os acréscimos, reconstituindo-se assim a
ambiência primitiva. Reinaugurado em 1985, foi convertido em centro cultural, o
primeiro no centro da cidade, ponto de partida da revalorização da área central
do Rio de Janeiro, tarefa que continua a acontecer no século XXI. No mês de
outubro de 1987, ocorreu o último episódio político no Paço, quando um
agitador à mando de determinada facção política bateu com uma picareta no
vidro no ônibus que conduzia o então Presidente da República, José Sarney,
que ia inaugurar uma exposição. O Presidente nada sofreu além do susto, o
que não deixa de ser um final feliz, porém, até melancólico para um prédio
histórico que foi palco das mais importantes decisões brasileiras em duzentos
anos.
JOSÉ FERNANDES PINTO ALPOIM - DADOS BIOGRÁFICOS
Nasceu em Viana do Castelo, Portugal, a 14 de julho de 1700, filho do
Sargento-Mór Vasco Fernandes Alpoim e de sua mulher, Da. Revocata Pinto.
Seguiu carreira militar, onde chegou também à Sargento-Mór antes de vir para
o Brasil. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em definitivo, em 1738. Exerceu
suas atividades de engenheiro no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em
Minas Gerais.
No Rio deixou as seguintes obras: reconstrução do Aqueduto da Carioca
(1738/44); Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (1738/56);
Casa de Câmara e Cadeia (1738/50); Casa dos Governadores (1740/43);
Hospício dos Barbonos (1742); arruamento do Largo de São Francisco (1742);
Igreja da Sé (inacabada, 1742/95); Convento da Ajuda (1742/50); Claustro do
Mosteiro de São Bento (1742/55); Casas dos Telles de Menezes (1743/47);
Convento de Santa Teresa (1744/63); Chafariz do Largo do Paço (1747);
fachada da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso (1760).
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9. Possivelmente são obras suas: Convento do Carmo (1750); Convento
Franciscano de Santo Antônio (1750); Igreja do Carmo da Lapa (1751); Casa
do Trem (1762), e todas as fortificações executadas na cidade entre 1738 e
1765, as quais eram a sua função principal de estar aqui.
Em Minas Gerais, deixou as seguintes obras: Palácio dos Governadores
de Ouro Preto (1738/56); Cadeia de Ouro Preto (1745/50, não construída);
Planta da Cidade de Mariana (1738).
No Rio de Janeiro, foi Mestre e fundador da Aula de Artilharia da cidade.
Escreveu dois livros: Exame de Artilheiro (1744); Exame de Bombeiro (1748),
sendo que o primeiro foi impresso no Brasil. Em 1760, atingiu o posto de
Brigadeiro. Com a morte de Gomes Freire de Andrade, em janeiro de 1763,
ficou no governo da Capitania, junto com o Bispo Frei Antônio do Desterro até
a chegada do novo Vice-Rei, Conde da Cunha.
Faleceu no Rio de Janeiro a 07 de janeiro de 1765, sendo enterrado no
Convento de Santa Teresa. Serviu no Brasil 26 anos, 02 meses e 15 dias.
GOMES FREIRE DE ANDRADE - DADOS BIOGRÁFICOS
Militar e político, nasceu em Portugal em 1685. Ganhou do Rei D. João
V o título de Conde de Bobadela. Nomeado em 1733 Governador e Capitão-
General do Rio de Janeiro, administrou esta capitania por vinte e nove anos e
seis meses. Na cidade, deixou as seguintes obras: fez a Fortaleza de São
José, na Ilha das Cobras (1733-39); mandou derrubar o muro da cidade (1733);
fundou o Recolhimento do Parto (1736); reconstruiu o Aqueduto da Carioca
(1738-44); construiu em 1740/43 a Casa dos Governadores (hoje Paço
Imperial), no Largo do Carmo; mandou arruar o Largo de São Francisco (1742);
fundou o Convento de Santa Teresa (1744-63), no Morro do Desterro; construiu
o primeiro chafariz, no Largo do Carmo (1747); elevou a Câmara de
Vereadores do Rio de Janeiro à condição de Senado (1747); remodelou as
fortalezas de Santa Cruz e Villegaignon; cumprindo ordens de Portugal,
procedeu ao seqüestro dos bens e expulsão dos padres jesuítas do Brasil
(1759); construiu a Casa do Trem (1762), na Ponta do Calabouço; fundou as
academias literárias “dos felizes” e “dos Seletos”, fundou a primeira tipografia
do Rio de Janeiro, a de Antônio Isidoro da Fonseca; e muitas obras edílicas e
administrativas de relevância. Administrou conjuntamente as Capitanias de
Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande. Em Minas Gerais,
mandou construir um novo Palácio dos Governadores de Vila Rica (1741, hoje
Museu da Escola de Minas e Mineralogia) e ordenou o arruamento da Cidade
de Mariana (1738). Participou, como Ministro Plenipotenciário, das
conferências internacionais sobre os limites do Brasil com os territórios de
Espanha, logrando anexar à Portugal o Território das Missões. Venceu os
índios guaranis nas missões jesuíticas ao sul do país. Foi denominado de “Pai
da Pátria”, pelo Senado da Câmara. Com a invasão espanhola da Colônia do
Sacramento, na Cisplatina, foi considerado culpado por essa derrota pela
metrópole lusitana, caindo em depressão.
Faleceu a 1o. de janeiro de 1763, no Rio de Janeiro.
CHAFARIZ DE MESTRE VALENTIM - PRAÇA XV
O primeiro chafariz do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1726 pelo
Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque no Largo da Carioca. Esta obra
coroou os esforços de mais de cem anos na luta pelo abastecimento de água
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10. da cidade, até então precaríssimo. Até aquela época, os escravos apanhavam
água na nascente do Rio Carioca, no Silvestre e vendiam-na na cidade por
altos preços. Deste primeiro chafariz puxaram diversos ramais, que
abasteceram os outros que depois se fizeram no Largo do Paço. Em 1747, o
Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, mandou erguer o
primeiro chafariz no Largo do Paço, mais ou menos onde hoje se encontra o
monumento ao General Osório. Era de mármore de Lióz, cuja planta proviera
de Lisboa. Mais decorativo que funcional, não durou muito, sendo quebrado
pelos aguadeiros que nele iam buscar a preciosa linfa.
Em 1779, o Vice-Rei Luís de Vasconcellos e Souza ordenou a
construção de novo chafariz no Largo do Paço, obra que não só abastecesse a
cidade como aos barcos que ali aportavam. Na mesma época, seria construído
um cais em pedra retificando o Largo, cujo projeto estava esboçado desde
1713, mas que nada se fizera até aquele momento. Incumbiu dessa missão o
engenheiro militar Jean Jacques Funck, que projetou o novo cais em pedra,
com escadas e rampas, e fez, ao menos, dois esboços para um novo chafariz
colado ao dito cais de acostamento. Quanto a estes últimos, o primeiro esboço
mostrava um chafariz horizontal, à semelhança do que fora feito no Largo da
Carioca. O segundo esboço, executado em 1780, era de um chafariz vertical,
feito em pedra, donde a água escorria por conchóides e baleias dispostas
artisticamente pelos lados.
Parece que o Vice-Rei não gostou dos dois desenhos, e teria então
encomendado um terceiro ao Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que se
baseou no segundo esboço de Funck, mas alterou-o substancialmente nos
detalhes. É este o desenho que foi aprovado e executado. Construído em
gnaisse facoidal, com detalhes em mármore de Lióz, foi coroado com um
mirante e pirâmide. Dele saíam água por três conchóides, ficando no muro do
cais duas outras saídas para abastecimento dos navios. Por algum motivo a
obra se atrasou muito, sendo apenas entregue ao uso em 29 de abril de 1789.
Numa placa de mármore adossada ao monumento, era louvada a figura de D.
Luís de Vasconcellos e da Rainha D. Maria I, a quem o monumento era
dedicado. Em estilo barroco e com fachadas curvilíneas, era de grande
expressividade plástica e impressionou muito os visitantes que desde os fins do
século XVIII descreveram-no com entusiasmo.
Seria de uma escada lateral ao dito chafariz que o Príncipe D. João
desembarcou no Largo do Paço, num festivo 08 de março de 1808, para uma
longa permanência de 13 anos. Por esta mesma escada partiria choroso para
Portugal. Por outra próxima, seu filho, o Imperador D. Pedro I partiria para o
exílio a 07 de abril de 1831 e, por sua vez, por ali igualmente D. Pedro II sairia
destronado na madrugada de 17 de novembro de 1889. Serviu de tribuna ao
político republicano Lopes Trovão, quando da revolta popular em janeiro de
1880 pelo aumento das passagens de bondes (Revolta do Vintém). Quanto ao
cais, foi aterrado em 1838 pela Regência, haja vista o assoreamento da praia.
Sofreria outros cinco aterros até 1906, quando o ganhou os contornos
definitivos, afastando o mar do velho chafariz.
O chafariz forneceu água até 1896, com o desmonte do Aqueduto da
Carioca, ficou como monumento inerte do passado até 1975, quando uma obra
da CEDAE restaurou por alguns anos o fornecimento de água. Transformado
por isto em banheiro de mendigo, foi restaurado em 1985, sendo-lhe restituído
à luz o velho cais colonial, sem, no entanto, conseguir-se restituir sua primitiva
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11. função de verter água. Esta obra não deu certo e novamente o chafariz tornou-
se pouso de desocupados e banheiro publico.
Submetido a grandes obras em 1995, foi-lhe recomposto outra parte do
velho cais, que agora ficou à mostra graças às obras de abertura da passagem
subterrânea de veículos (apelidada de “buraco do Conde”), que lhe desobstruiu
a fachada voltada para o mar. Ainda é uma meta do IPHAN torná-lo a verter
água, se possível, pelos antigos canos coloniais de pedra, que em grande parte
ainda existem no subsolo da rua Sete de Setembro.
O monumento é tombado pelo IPHAN.
MESTRE VALENTIM DA FONSECA E SILVA - DADOS BIOGRÁFICOS
Nasceu em Serro Frio, Minas Gerais, em c. 1745. Era mulato, filho de
um fidalgo português, contratador de diamantes, e de uma negra escrava. Foi
escultor, entalhador e arquiteto, conhecido vulgarmente como Mestre Valentim,
ativo no Rio de Janeiro. Estudou em Portugal, onde teve contato com o estilo
rococó. De volta ao Rio de Janeiro, executou em 1774 o altar-mór da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, na rua do Rosário. No mesmo ano,
trabalhou com Luís da Fonseca Rosa, talvez seu parente, na talha da capela-
mór da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita, tarefa que durou até
1778. Já independente, fez o altar-mór da Capela do Noviciado da mesma
igreja (1774), executando vinte anos depois o altar de Nossa Senhora das
Dores, sua primeira experiência com o estilo rococó. Em 1779, iniciou as obras
do Passeio Público, inaugurado em 1783, bem como o Chafariz dos Jacarés e
a Fonte do Menino; dois anos depois, terminou o Chafariz das Marrecas, na rua
dos Barbonos (Evaristo da Veiga); fez o Chafariz do Largo do Paço (1779-89);
reconstruiu o Recolhimento do Parto (1789), hoje destruído; fez o Chafariz das
Saracuras (1791); as Pirâmides do Passeio Público (1791); e o Chafariz do
Lagarto, na rua Frei Caneca; fez dois lampadários em prata para a capela do
Mosteiro de São Bento (1793); e outro para a Igreja de Santa Rita; executou a
talha da capela-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares (1801-12); idem, da
capela-mór e de Nossa Senhora das Vitórias da Igreja de São Francisco de
Paula (1801-1813); idem da Igreja de São Pedro dos Clérigos (destruída),
Igrejas do Carmo da Lapa e da Candelária (também removida), e outras. Foi o
primeiro artista a fundir ligas metálicas e bronze para fins artísticos no Brasil.
Produziu igualmente peças em porcelana, as primeiras no Brasil, bem como
decorações para festas, jóias, etc. Não era santeiro, entretanto, fez duas
imagens em tamanho quase natural de São João e São Mateus, para a Igreja
da Santa Cruz dos Militares. Teve muitos discípulos.
Faleceu solteiro na Rua do Sabão, a 01o. de março de 1813, sendo
sepultado na Igreja do Rosário.
BOLSA DE VALORES - RUA DO MERCADO C/ PRAÇA XV - CENTRO
Em 1835, a Ilustríssima Câmara Municipal decidiu a construção de um
mercado que ordenasse a venda de pescado, e outros gêneros, até então feita
em velhas barracas de madeira e pano, na antiga Praia do Peixe, embocadura
da rua do Ouvidor. O arquiteto Auguste Henry Victor Grandjean de Montigny foi
encarregado do projeto, e o imóvel edificado em 1842, ocupava todo o
quarteirão onde hoje se ergue a Bolsa do Rio, em frente ao Chafariz de Mestre
Valentim. O prédio original era térreo, mas em 1870 foi arrendado ao Coronel
Antônio José Silva, que fez erguer um segundo pavimento, inaugurado em
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12. 1872. Na praça central do mercado havia um chafariz de granito, do qual a
água jorrava, através de golfinhos de bronze. O mercado da Praça XV foi
demolido depois de um incêndio, em 1911.
Em maio de 1934 uma nova obra iniciava mais um marco na Praça XV
de Novembro. Começava a construção do antigo prédio da Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro, na esquina da rua do Mercado. A Bolsa estava desde 1906 no
prédio da antiga Praça do Comércio, na rua Primeiro de Março, onde hoje está
sediado o Centro Cultural do Banco do Brasil. Em 1924 a Bolsa entrou em
gestões com o Banco do Brasil, que cobiçava o edifício. O Banco deu em troca
sua antiga sede, na rua da Candelária e o terreno da rua do Mercado com
Praça XV, que era de sua propriedade desde o princípio do século. Em 1926 a
troca foi realizada, indo a Bolsa de Valores para a rua da Candelária e o Banco
do Brasil para a rua Primeiro de Março. Logo o prédio da rua da Candelária
mostrou-se inadequado para as crescentes funções da Bolsa de Valores, que
levou a construção da nova sede em 1934 na Praça XV. No antigo terreno da
rua da Candelária ergueu-se, em 1935, o Palácio do Comércio. Sede da
Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Em sua nova sede, a Bolsa de Valores funcionou por quase seis
décadas, período de grandes transformações e desenvolvimento do mercado
de capitais. Ao longo deste tempo foram sendo adquiridos os imóveis anexos e,
hoje, a Bolsa do Rio está sediada em toda a quadra composta pela Praça XV,
avenida Perimetral e ruas do Mercado e do Ouvidor.
Em outubro de 1996 foi inaugurado o primeiro bloco do novo prédio da
Bolsa do Rio, na mesma histórica Praça XV, em cujas cercanias teve sua sede
desde sempre. Projeto do arquiteto Maurício Roberto, é o mais moderno e
atualizado edifício de todo o entorno da Praça. Em fins de 1999 foi demolido o
velho prédio da Bolsa, de 1934, para se erguer ali o segundo bloco, que irá
compor com o já existente um arrojado conjunto arquitetônico, fronteiro ao
chafariz projetado por Mestre Valentim no século XVIII. Serão dois marcos e
dois estilos, simbolizando as mutações e, ao mesmo tempo, a perenidade do
antigo Largo do Paço.
MONUMENTO AO GENERAL OSÓRIO - PRAÇA XV DE NOVEMBRO
Monumento localizado na Praça XV de Novembro, obra do escultor
Rodolfo Bernardelli. Sua estátua foi fundida com o bronze dos canhões
tomados ao inimigo durante a Guerra do Paraguai e foi promovida sua ereção
pela Sociedade Sul Riograndense do Rio de Janeiro, tendo sido organizada
uma subscrição popular que começou em 1880 e durou quatorze anos. Pagou-
se 500 réis “per capita”.
No pedestal de granito de Baveno, dos Alpes austríacos, estava até
1994 o corpo embalsamado de Osório, ali depositado em 1894. Existem dois
baixos-relevos em bronze: um representando a batalha de 24 de maio de 1866,
Tuiuti, e o outro, o ataque de Passo da Pátria. A estátua eqüestre, fundida em
Paris, nas oficinas de Thibaut, foi colocada em agosto de 1893, sendo
inaugurada a 12 de novembro de 1894, com a presença do Presidente da
República, Marechal Floriano Peixoto, ministros e demais autoridades.
Representa a figura de Osório, montado a cavalo, ligeiramente inclinado para
direita, com a espada em punho.
Foi motivo de grandes críticas à época o fato de Osório estar
representado usando calçados comuns, e não a tradicional bota de cano alto,
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13. própria para montaria e parte constante do uniforme de general. O escultor
Bernardelli explicou o motivo de tal modificação. Na maquete em gesso, hoje
no Museu Histórico Nacional, Osório foi representado de botas. Convocada a
única filha viva do general para opinar, Da. Manuela Luísa Osório
Mascarenhas, informou que o pai não se servia de tal apetrecho, pois tendo
sido ferido nos pés durante a Campanha do Uruguai, estes infeccionaram,
tendo sido a chaga agravada por problemas de pele e circulação. Osório
passou a não mais usar botas, já que a ferida não mais cicatrizou e dava-lhe
grande tormento calçar coturnos. Lutou toda a Guerra do Paraguai descalço, só
usando sapatos em cerimônias oficiais. Bernardelli, não o querendo
representar descalço e, ao mesmo tempo, atendendo ao reclamo da filha,
colocou o velho cabo-de-guerra com mocassins de passeio.
MANUEL LUÍS OSÓRIO (MARQUÊS DE HERVAL) - DADOS BIOGRÁFICOS
Militar e político, nasceu em Santo Antônio do Arroio, Rio Grande do Sul,
em 1808. Sentou praça com doze anos. Alferes com menos de 17 anos,
participou dos combates no sul do continente, desde a Guerra Cisplatina, com
as batalhas de Sarandi e Passo do Rosário (onde foi ferido), insurreição
Farroupilha (1835-45) e Montecaseros. Organizou, no Rio Grande do Sul, a
Força Brasileira que tomou parte na Guerra do Paraguai (1864-70), tendo sido
o primeiro a pisar o solo inimigo (1866). Distinguiu-se nas Batalhas de Tuiuti
(24 de maio de 1866), Humaitá (19 de fevereiro de 1868) e Avaí (dezembro de
1868), na qual foi ferido na boca. Assumiu, em 1877, o mandato de senador,
tendo sido ministro da Guerra no Gabinete Liberal do Visconde de Sinimbu. É o
patrono da arma de cavalaria. A casa em que morou e faleceu, na rua
Riachuelo, no Rio de Janeiro, foi tombada em 1966 e desapropriada a fim de
tornar-se um museu militar.
Faleceu no Rio de Janeiro em 1879.
RODOLFO BERNARDELLI - DADOS BIOGRÁFICOS
Escultor, nasceu em Guadalajara, México, em 1852, irmão de Henrique
Bernardelli; veio criança para o Brasil, tendo freqüentado a Academia Imperial
de Belas Artes. Em 1876 ganhou o prêmio de viagem à Europa, onde
permaneceu nove anos, a maior parte em Roma. Ao voltar, foi nomeado
professor da Academia, e mais tarde seu diretor, cargo que ocupou até 1915.
Sua produção é vastíssima em todo o Brasil, em especial o Rio de Janeiro,
onde se destacam: Cristo e a Adúltera, no acervo do MNBA; Monumento a
Osório, na Praça XV (1894); Monumento a José de Alencar, na Praça José de
Alencar (1897); Monumento à Caxias, no Pantheon de Caxias (1897);
Monumento à Carlos Gomes, na Cinelândia (1898); Descoberta do Brasil, na
Glória (1900); Busto de Pereira Passos, atrás da Igreja da Candelária (1913);
Esculturas da cobertura do Teatro Municipal (1906-09); Esculturas do prédio do
MNBA (1903-08); fora bustos, hermas, placas e monumentos por toda a
cidade, bem como alguns túmulos. Praticou também a pintura, mas nesse
campo foi obscurecido pelo irmão.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931.
IGREJA DE SÃO JOSÉ - AVENIDA PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS
Não se sabe exatamente a data de fundação desta capela, pois seus
documentos de há muito foram perdidos. Provavelmente já existia em fins do
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14. século XVI, pois é citada num documento de 1619. De 1633 a 1640 foi
reconstruída em pedra e cal por Egas Muniz. Por algum tempo, o cabido da Sé
a utilizou como Matriz provisória, de 1704 a 1734, mas seu tamanho limitado
logo impossibilitou um culto maior. Em 1751 foi elevada à condição de Igreja
Paroquial. Em 1807 a Irmandade resolveu construir novo templo, haja vista o
estado ruinoso do antigo. A 22 de dezembro de 1808 foi lançada a pedra
fundamental com a presença do Príncipe D. João. A 10 de abril de 1824, o
templo foi entregue ao culto ainda em obras, faltando o frontispício e a
decoração interna.
O projeto geral da igreja foi realizado por Félix José de Souza, que
iniciou a construção, substituído em 1814 por João da Silva Muniz, arquiteto da
casa real, e que também projetou o Real Teatro São João, em estilo
neoclássico, no Campo dos Ciganos (onde hoje está o teatro João Caetano); e
a Igreja do Santíssimo Sacramento, na avenida Passos.
A igreja apresenta um risco clássico, com fachada ladeada por duas
pesadas torres, sendo a nave única cercada por corredores encimados por
tribunas, com sacristia transversal.
A talha interna, de estilo rococó tardio, foi executada pelo artista
brasileiro Simeão José de Nazaré, aluno de Mestre Valentim. Foi iniciada em
1824 e concluída em 1842. Em época posterior pintaram-na de branco.
JOÃO DA SILVA MONIZ - DADOS BIOGRÁFICOS
Arquiteto da Casa Real, veio com D. João para o Brasil em 1808, aqui
exercendo seu ofício enquanto a Côrte permaneceu no Brasil. Remodelou a
casa doada por Elias Antônio Lopes para receber o monarca e servir-lhe de
moradia enquanto aqui permanecesse (1808-21); colocou o pórtico estilo
Adam, na Quinta da Boa Vista (hoje entrada para o zoológico), doado pelo
Duque de Northumberland à D. João (1810); realizou, em 1810, o plano do
novo Real Teatro São João, no Campo dos Ciganos, cuja obra dirigiu (1810-
13), hoje no local está o Teatro João Caetano; em 1814, fez o projeto para a
nova Igreja de São José, ao lado da Cadeia Velha, que sugeriu ser mais larga
que a anterior, o que foi aprovado e cuja obra dirigiu pessoalmente (1814-21);
em fevereiro de 1816, fez o projeto da Igreja do Santíssimo Sacramento, com
cinco altares, na rua da Lampadosa, atual avenida Passos, tendo igualmente
dirigido os trabalhos (1816-21). Em agosto do mesmo ano, foi a São João Del
Rei, opinar sobre o frontispício da Igreja do Carmo, cuja obra estava parada há
muito tempo. Sugeriu que se demolisse o já construído e que se erguesse novo
frontispício, segundo um outro plano, sugestão que foi seguida. No ano
seguinte, em 1817, construiu a Varanda da Coroação, defronte ao Convento do
Carmo, no Largo do Paço, que serviu não só ao fim original, como também à
cerimônia de casamento de D. Pedro com a Princesa Leopoldina. Em 1821,
jurou a nova Constituição de Portugal na qualidade de Primeiro Arquiteto dos
Paços Reais.
Voltou à Portugal com a Côrte no mesmo ano, nada mais se sabendo de
suas atividades por lá.
SIMEÃO JOSÉ DE NAZARÉ - DADOS BIOGRÁFICOS
Escultor e entalhador. Nasceu no Rio de Janeiro em c. 1775, sendo
batizado na Igreja da Candelária. Era filho de uma escrava com um boticário
português, que no fim da vida tomou ordens sacras. Em c. 1795, seguiu
14
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15. carreira de miliciano, assim permanecendo até 1801. Enviado para a oficina de
Mestre Valentim, foi ironizado por este, retirando-se. Matriculou-se numa aula
de música. A pedido de Valentim, retornou ao atelier do mestre, formando-se
escultor. Praticava um estilo de talha tendente para o neoclássico, simples,
limpa de ornatos e bem acabada. Ornou de talha a Igreja Paroquial da Vila de
São João Marcos (destruída em 1941) e, no Rio de Janeiro, da Igreja de São
José (1824-42).
Faleceu no Rio de Janeiro em setembro de 1858, sendo enterrado no
cemitério de São Francisco Xavier.
A ORIGEM DA CÂMARA DE VEREADORES DO RIO DE JANEIRO.
A primeira eleição para escolha de vereadores do Rio de Janeiro deu-se
em dezembro de 1567, dois anos e nove meses após a fundação da cidade por
Estácio de Sá.
Votavam todos os homens da cidade, adultos, com residência fixa e
sem passado criminoso.
Curiosamente, escolhiam-se não os vereadores, mas sim doze eleitores,
os quais, por sua vez, votavam em doze candidatos que não podiam ser
parentes ou sócios dos eleitores. Os eleitos tinham seus nomes escritos em
grupos de quatro em respectivas cédulas de couro envolvidas em cera,
chamadas ”pelouros”, e postas dentro de um saco, donde uma criança
sorteava uma delas, que era a dos vereadores sufragados.
O mais velho era o Presidente da Câmara e Juiz Ordinário da Cidade, os
dois do meio eram os vereadores e o último era o Procurador da Câmara. O
mandato era de um ano, quando então procedia-se a outro sorteio que definia
a chapa do ano seguinte.
Os antigos vereadores passavam a servir como Juízes Almotacés, que
eram os fiscais da Câmara. Os vereadores recebiam salário em cera, para
fazer velas, e os Juízes Almotacés tinham direito a receber línguas de bois
abatidos aos sábados. Só e nada mais. A sede da Câmara ficava num sobrado
no Morro do Castelo, onde no térreo funcionava a cadeia, ficando os
vereadores no andar superior.
O povo já naquela época dizia que “quem rouba pouco é ladrão, quem
rouba muito é barão...” .
Outra ironia é que o primeiro funcionário da Câmara foi o Procurador
João de Prosse, nomeado por Estácio de Sá em julho de 1565, dois anos e
meio antes da primeira eleição, tendo ficado todo esse tempo recebendo sem
trabalhar.
Um autêntico funcionário-fantasma!
Ufa, ainda bem que isso é o passado...
PALÁCIO TIRADENTES - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL
Quando Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, transferiu a
cidade do Rio de Janeiro do morro Cara-de-Cão para o do Castelo, ordenou a
construção da primeira sede da Câmara de Vereadores no novo sítio. Era um
sobrado, o primeiro da cidade, tendo no térreo a cadeia e no andar superior a
vereança. Logo esta casa, construída em taipa e pouco sólida, apresentou
problemas estruturais e uma série de reparos passaram a ser executados, sem
que fossem capazes de impedir a ruína do prédio. Começou, então, a formar-
15
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16. se no seio dos vereadores a idéia da transferência da casa para a várzea, até
porque as principais autoridades da cidade para lá haviam se transferido.
Em 1619 solicitou a Câmara de Vereadores um terreno ao lado da
capela de São José. Tendo-o obtido, fizeram uma nova casa da câmara, térrea,
e no mesmo ano para ela se transferiram. Erguida com material pouco sólido,
sofreu inúmeras reconstruções e, por muito tempo, suas paredes foram
seguras por pontaletes de madeira. Cem anos depois, teve-se início a uma
construção mais sólida com projeto vindo de Portugal, um sobrado em pedra-e-
cal, cujas obras arrastaram-se por muitos anos, finalmente concluídas pelo
engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim em 1751. No térreo funcionava
a cadeia pública e açougue da cidade, ficando a vereança e tribunal ordinário
no andar superior.
Seis anos depois, a câmara, agora elevada à “Senado da Câmara”,
mudou-se para nova sede ao lado do “Arco do Telles”, no Largo do Paço, onde
hoje está a “Tabacaria Africana” donde retornou em julho de 1790 após um
incêndio criminoso naquela casa. Foi esta a cadeia que serviu de menagem
aos personagens da “Conjuração Mineira”, onde todos foram reunidos entre 20
e 21 de abril de 1792. Dela saiu neste último dia o Alferes Joaquim José da
Silva Xavier, o “Tiradentes” (1746-92) para a fôrca, no Campo de São
Domingos.
Com a chegada da Família Real, em 1808, são os presos e a câmara
desalojados para serem ali acomodados membros menores da nobreza e
serviçais do Rei. Os detentos passam para o prédio do Aljube, antiga prisão
eclesiástica, na rua do Aljube (hoje rua Acre). Os vereadores vão inicialmente
para um sobrado na rua Direita, ao lado do “Estanco do Tabaco” (quase na
esquina de rua do Ouvidor), mudando-se logo depois para uma casa na rua do
Rosário e, finalmente, para a própria Igreja do Rosário, donde só saíram em
1825, já três anos depois da Independência, para sede própria levantada no
Campo de Santana.
Após a partida da Família Real, o prédio da velha “câmara-e-cadeia” foi
convertida na sede da primeira Assembléia Nacional Constituinte, em 1823,
tendo sido palco dos dramáticos episódios de novembro daquele ano, quando
o jovem Imperador D. Pedro I mandou fechá-la sob ameaça de canhões.
Funcionou dali por diante como Câmara de Deputados, sendo reformada
muitas vezes, algumas já sob ameaça de desabamento. Durante todo o
Império e princípios da República ali brilharam grandes homens cuja história
enumera, em lista não pequena. De José Bonifácio, Antônio Carlos, Martim
Francisco, até Afonso Arinos, Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, nomes que
fizeram a história do país nos últimos duzentos anos.
Continuou assim a ser usada na República, até que em 1920, já
necessitando de inúmeros reparos, resolveu o Presidente da Câmara, Dr.
Arnolfo de Azevedo, sua demolição e construção de novo edifício. Fez o projeto
do novo edifício, batizado de “Palácio Tiradentes”, os arquitetos Archimedes
Memória e Francisque Couchet, que se inspiraram no Grand Palais de Paris.
Dum rebuscado ecletismo, onde não faltaram detalhes exóticos, como a
imagem do Marechal Deodoro vestido à Romana, numa escultura do
frontispício, bem como uma profusão de detalhes com “Fasces”, que eram
pequenos troncos amarrados a um machado, utilizados de forma decorativa em
vários elementos da fachada. Era no passado remoto o símbolo do Senado
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17. Romano, infelizmente convertido pelos radicais italianos em símbolo da
ideologia “Fascista” depois de 1922.
Quando foi inaugurado, em 1926, foi igualmente descerrada a imagem
de Tiradentes, em bronze, colocado à frente do palácio, escultura de Francisco
de Andrade, e que foi alvo de reparos à época, pois representava o Alferes Mór
do Brasil muito velho, vestindo uma túnica de condenado que lembrava
desagradavelmente uma camisola de dormir. Representava-o, igualmente,
barbado e cabeludo, atributos pilosos que à época, já se sabia que Tiradentes
nunca os tivera.
Fechado o Palácio pela Revolução de 1930, reabriu suas portas três
anos depois para sediar a segunda Assembléia Nacional Constituinte da
República, que elaborou nova e moderna constituição ano seguinte, bem como
nela empossou o Presidente eleito pelo Congresso, Getúlio Vargas. Em 1937,
seria novamente o Tiradentes fechado, agora devido ao golpe de 10 de
novembro, que instaurou no Brasil a ditadura do Estado Novo. Ironicamente, tal
governo foi instaurado pelo próprio Vargas, que agora assumia-se um ditador.
Por oito anos o prédio sediou o temível “DIP”, Departamento de Informação e
Propaganda, órgão de censura da imprensa. Foi também o palácio utilizado
para congressos e cerimônias cívicas. Com a redemocratização do país em
1945, nele deu-se a posse do novo Presidente José Linhares, bem como
sediou nova Assembléia Constituinte no ano seguinte, funcionando
normalmente como Câmara dos Deputados Federais até a transferência da
capital federal para Brasília, em 1960.
De 1960 a 1975, funcionou o Palácio Tiradentes como sede da Câmara
de Deputados do Estado da Guanabara, alternando-se nessa função, algumas
vezes, com o Palácio Pedro Ernesto, antiga Câmara de Vereadores, na Praça
Marechal Floriano, que possuía instalações mais amplas para os escritórios
dos Deputados guanabarinos.
Com a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975,
passou a sediar a ALERJ, Assembléia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro,
atualmente em sua sexta legislatura. Na mesma ocasião, reconstruiu-se o
prédio existente nos fundos, antigo edifício do Ministério da Viação e Obras
Públicas, para funcionar como anexo da Assembléia e escritório de trabalho
dos Deputados.
Hoje, no Palácio Tiradentes, além de suas funções legislativas normais,
funciona um pequeno museu, contando as peripécias do Poder Legislativo no
Brasil em cinco séculos de história.
ARCHIMEDES MEMÓRIA - DADOS BIOGRÁFICOS
Arquiteto, construtor e professor, um dos maiores expoentes
profissionais do ecletismo arquitetônico. Nasceu no Rio de Janeiro em 1895,
tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Começou
trabalhando com Heitor de Mello, cujo escritório assumiu, após a morte do
mestre em 1920. Sua primeira obra foi a construção do Palácio Pedro Ernesto,
na Cinelândia (1920-23), sob projeto de Heitor de Mello. Seguiram-se
encomendas importantes: Palácio Tiradentes, no Centro (1920-26); Palácio da
Grandes Indústrias, que era uma reforma da antiga Casa do Trem, no Castelo
(1921-22); Cassino Beira Mar, no Passeio Público (1921-22, demolido); Fórum
do Rio (1921, não construído); Balneário e Cassino da Urca (1921-22); Jóquei
Clube, na Lagoa (1921-26); Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, na av.
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18. Passos (1922-26); Ampliação da Caixa Econômica, na rua Dom Manuel (1926);
Sede Social do Botafogo, na rua General Severiano (1928); Vitrais do altar-mór
da Igreja da Candelária (1929); Escadaria do hall do Museu Nacional de Belas
Artes (1931); Igreja de Santa Terezinha, no Túnel Novo (1931-34); Capela da
Usina Salgado, em Pernambuco (1935); decoração interna da Embaixada
Britânica, hoje Palácio da Cidade, na rua São Clemente (1944-46); e muitos
outros projetos, infelizmente vários já demolidos. Archimedes foi professor da
cátedra de Composição de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes,
onde formou inúmeros profissionais de talento. Após ver seu projeto vencedor
do novo Ministério da Educação (1935-36), preterido pelo de Lúcio Costa, seu
rival, abandonou os concursos de arquitetura dedicando-se ao magistério.
Memória atravessou várias fases da arquitetura brasileira neste século.
Começou praticando um ecletismo classicizante, evoluiu para o neocolonial,
onde foi mestre, e, em fins de carreira, abraçou o art-déco, buscando uma
linguagem mais atual para a arquitetura.
Faleceu em 1960.
CARLOS CHAMBELLAND - DADOS BIOGRÁFICOS
Pintor impressionista e designer. Nasceu no Rio de Janeiro em 1884,
irmão de Rodolfo Chambelland, também grande pintor. Formado pela Escola
Nacional de Belas Artes. Trabalhou muito no Recife, onde executou trabalhos
na Igreja da Graça e no Colégio da Estância. Expôs no Salão Nacional e no
Salão Paulista de Belas Artes, em ambos com estrondoso sucesso. No Rio de
Janeiro, fez as decorações murais das salas nobres do Palácio Pedro Ernesto,
bem como um vitral decorativo, junto com o irmão Rodolfo (1923). A convite do
deputado Arnolfo de Azevedo, fez a decoração interna do Palácio Tiradentes
(1925-26), decorando o plenário com um grande vitral e painéis murais de
cunho patriótico.
Faleceu no Rio de Janeiro em 1950.
FRANCISCO ANDRADE – DADOS BIOGRÁFICOS
Não se sabe muita coisa desse escultor, nascido no Brasil em c. 1900.
Estudou escultura com José Otávio Correia Lima na antiga Escola Nacional de
Belas Artes. Recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional de
Belas Artes de 1920, com um gesso retratando o arquiteto Francisco dos
Santos, bem como a pequena medalha de prata no Salão Paulista de Belas
Artes de 1938. Figura no Museu Nacional de Belas Artes com o trabalho
“Cabeça de Menina”. São de sua autoria a estátua de Tiradentes (1926), em
frente à ALERJ e as hermas de Luiz Paixão (1934) e Lima Barreto (1931),
ambas na Ilha do Governador. No Palácio Pedro Ernesto, existem de sua
autoria os bustos de Benjamin Constant e José Bonifácio.
Já é falecido.
ESTAÇÃO DAS BARCAS - PRAÇA XV
O primeiro serviço regular de navegação à vapor entre a Côrte e a
Província do Rio de Janeiro, data de 14 de outubro de 1835, quando
começaram a funcionar três barcas inglesas, da Companhia de Navegação de
Niterói. Trafegavam de hora em hora, das 06:00h da manhã às 18:00h, e
faziam a travessia em trinta minutos. Até então, o percurso era feito em botes,
faluas e saveiros, durando a viagem mais de duas horas.
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19. Seguiu-se a Companhia de Navegação de Niterói a das Barcas Ferry,
cujo serviço foi solenemente inaugurado numa manhã de domingo, 29 de junho
de 1862. Começou com três barcas norte-americanas, com rodas e capacidade
para 300 passageiros. A Companhia Ferry ergueu então uma bonita estação
em estilo neoclássico no Largo do Paço, inaugurada em 1862 por D. Pedro II.
Correram os anos e, em 1o. de outubro de 1889, com a fusão da
Companhia das Barcas Ferry e a Empresa de Obras Públicas no Brasil,
organizou-se a Companhia Cantareira e Viação Fluminense. De 1903 a 1908,
quando a administração passou para o dinâmico Visconde de Moraes, realizou
a Cantareira grandes melhoramentos, dentre eles, a compra de novas barcas,
renovação dos cais e reconstrução das estações da Praça XV e Praça Martim
Afonso (Niterói). A da Praça XV aproveitou-se o arcabouço da velha estação
das barcas Ferry, tendo o arquiteto Adolpho José Dell Vecchio, que projetou
anos antes o palacete da Ilha Fiscal, refeito a fachada em estilo eclético, com
vistosa cúpula bulbosa e pavilhões anexos no mesmo estilo. Foi inaugurada em
1911, tornando-se logo ponto de referência na Praça.
Por duas vezes as estações da Praça XV e Praça Martim Afonso foram
duramente depredadas. A primeira, em 1925, quando se aumentou as
passagens em dezembro. Ambos os prédios foram vandalizados pela turba
enfurecida, bem como as barcas, que foram destruídas. A segunda foi pior. A
Companhia Cantareira fechou as portas em meados da década de 50, sendo
os serviços de transportes marítimos arrendados aos “Irmãos Carreteiro”, de
Niterói. O serviço caiu muito e as barcas atrasavam, num dia de muito atraso,
em 1959, o povo raivoso incendiou a estação Niterói e destruiu todo o interior
da estação Praça XV. Várias barcas foram igualmente incendiadas e
afundadas. A estação de Niterói acabou ficando irrecuperável e foi demolida.
Algum tempo depois, em 1960, foram os serviços assumidos pelo
Estado da Guanabara, tendo sido em 1975, após a fusão, fundada a CONERJ -
Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, que até hoje mantém
os serviços com regularidade. A estação da Praça XV, antiga Estação da
Companhia Cantareira, foi tombada pela municipalidade e recentemente
restaurada.
MONUMENTO À D. JOÃO VI - CAIS PHAROUX - PRAÇA XV
Num pedestal de granito retangular, sob base de cimento armado,
olhando para o mar, eleva-se a estátua eqüestre de D. João VI, tendo na mão
direita a esfera armilar, símbolo da monarquia portuguesa, É de autoria do
escultor Professor B. Feyo, fundida em bronze na oficina de José Guedes, em
Vila Nova de Gaia, Portugal. Foi oferta do Governo Português às
comemorações do IV Centenário da Cidade em 1965. Foi inaugurada naquele
lugar pelo Governador Carlos Lacerda, como lembrança do desembarque da
Família Real naquele sítio em 08 de março de 1808.
JOÃO VI - DADOS BIOGRÁFICOS
João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos
Rafael, nasceu em Lisboa, a 13 de maio de 1767, segundo filho da Rainha D.
Maria I, a “louca”, e de D. Pedro III, seu tio e marido. D. João VI, 27o. Rei de
Portugal, exerceu a regência desde 1792 até 1816, quando faleceu sua mãe.
Reinou apenas dez anos. Foi, inicialmente, destinado à carreira eclesiástica,
mas em menos de dois anos, morreu-lhe o irmão mais velho, D. José II; e o
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20. pai, ambos de bexigas. Casou-se contra a vontade, em 1775, com a princesa
Carlota Joaquina, filha do Rei Carlos V de Espanha, união que lhe traria mais
dissabores que todos os outros problemas. A má esposa sempre o detestou e
logo começou a conspirar contra ele. Como se fosse pouco, ainda em 1789 sua
mãe perdia a razão para nunca mais recuperá-la. Enfrentou a crise política que
envolveu Portugal, oriunda da expansão do Império de Napoleão pela
Península Ibérica (1806-07), fugindo para o Brasil junto com sua côrte, em
novembro de 1807 para não ser aprisionado pelos franceses.
Chegou à Bahia, em 20 de janeiro de 1808. Logo ao chegar, seu
primeiro cuidado foi o de dar maior expansão à Colônia. Insinuado pelo
Visconde de Cairu, brasileiro insigne e ardoroso patriota, decretou a liberdade
do comércio e navegação, assinando logo a 28 de janeiro de 1808, a abertura
dos portos às nações amigas. Percebendo que Salvador não possuía mais
condições de sediar uma côrte, demandou-se para o Rio de Janeiro, onde
desembarcou no Largo do Paço em 08 de março de 1808. Sua primeira
preocupação foi a de acomodar a côrte, formada por quase quinhentos áulicos,
o que teve de fazer invocando a triste lei das aposentadorias, dando aos
nobres o direito de tomar as residências particulares, o que causou grande
descontentamento popular. D. João, logo ao desembarcar, recebeu a dádiva da
Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, acomodando sua mãe no antigo
Convento do Carmo.
Precisando dotar o Rio de Janeiro de uma infra-estrutura capaz de
sediar a capital de seu reino, efetuou realizações com o escopo de promover o
progresso da colônia, entre elas: a fundação do Banco do Brasil (1808); da
Imprensa Régia (1808); Fábrica de Pólvora da Lagoa (1808); Real Horto
Botânico (1808); Intendência Geral de Polícia (1809); Real Biblioteca (1810);
Real Academia Militar (1810); Escola Anatômica de Cirurgia Médica (1811);
Real Academia dos Guardas-Marinha (1811); Real Academia de Artes e
Ofícios (1816); Museu Real (1818); Praça do Comércio (1819); e outras úteis
instituições. Assinou a primeira lei destinada a acabar com o tráfico de
escravos no nosso território (1810); e foi o primeiro a estimular a imigração
para o campo, com a vinda de colonos suíços (1818). Tal foi o impulso
imprimido ao Brasil que a 26 de dezembro de 1815, foi ele elevado à categoria
de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
O maior benefício que a presença de D. João legou ao nosso país foi,
sem sombra de dúvidas, a unidade nacional. Não fosse sua presença entre
nós, com certeza teria acontecido à nossa terra o que ocorreu com nossos
vizinhos de colonização espanhola. Quatro Vice-Reinados transformaram-se
em vinte pequenos países, quase sempre envolvidos em guerras fratricidas e
disputas fronteiriças. Seu reinado manteve o Brasil unido, que permitiu que a
grandeza territorial de nosso país não se fracionasse em estados estéreis.
Apesar da oposição de sua mulher, que sempre trabalhou contra ele e
que nos detestava fidagalmente, D. João daqui só se afastou compelido pelo
movimento constitucionalista do Pôrto (1820). Em abril de 1821 seguiu para
Portugal, aqui deixando como regente seu filho D. Pedro I.
Chegando a Lisboa, jurou a nova Constituição, mas sua mulher D.
Carlota Joaquina se recusou a tal e por isso foi exilada com seu filho D. Miguel.
Promoveram os dois uma contra-revolução com fulcro em Vila Franca de Xira,
a “Vilafrancada”, que restabeleceu o absolutismo. Em abril de 1824, o
movimento denominado “Abrilada” obrigou D. João VI a se recolher a bordo de
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21. uma nau inglesa. Restaurado no poder, foi D. Carlota internada e D. Miguel
exilado no estrangeiro. O dissabor sofrido com a ingratidão do filho D. Miguel e
a revolta da mulher D. Carlota, abalou profundamente o monarca, nunca mais
recuperando seu bom humor. Um ano depois, a 29 de agosto de 1825, D. João
reconheceu a Independência do Brasil.
Após um jantar, D. João passou mal e morreu subitamente a 10 de março de
1826. A moderna ciência, examinando seus restos mortais conservados em
álcool, encontrou vestígios de arsênico em dose suficiente o bastante para
matar um “elefante”. D. Carlota Joaquina, a possível mandante de tal atentado,
não saboreou o sucesso. Enlouqueceu como a sogra, suicidando-se tomando
veneno em 1830, aos 55 anos. Dizem, que de uma dose cavalar de “arsênico”.
IGREJA E CONVENTO DO CARMO, RUA PRIMEIRO DE MARÇO, PÇA. XV
Uma capela dedicada à Nossa Senhora da Expectação e do Parto foi
erguida em 1570 na rua Direita por uma devota em cumprimento de uma
promessa. Como a invocação era de difícil pronúncia pela população humilde,
era conhecida como capela de “Nossa Senhora do Ó”, devido à oração de
invocação desta santa iniciar com esta interjeição (Ó Virgem Maria! Ó Mãe de
Deus!).
Em 1589, foi esta capela doada pela Câmara aos frades carmelitas, que
alteraram sua invocação para a Virgem do Carmelo. Em 1611 obtiveram um
terreno do lado esquerdo do templo, onde em 1619 iniciaram a construção de
um convento, com pedras tiradas da Ilha das Enxadas. No século XVII o templo
arruinou e foi reconstruído, mas mesmo assim ainda era uma pequena capela.
O convento, ao lado era em sobrado e foi ampliado na mesma época. Assim
ficaram estabelecidos os carmelitas até o século XVIII.
O belo templo barroco atual foi iniciado em 1761, sob provável risco de
Mestre Manoel Alves Setúbal, que ergueu a Igreja dos Terceiros, logo ao lado.
A fonte de inspiração foi o Convento do Carmo do Pôrto, Portugal, com o qual
revela afinidades estilísticas. Quando da chegada do Príncipe D. João, em
1808, só estava pronto o Convento, tendo a igreja de ser completada às
pressas com um frontispício de madeira, haja vista ter o Príncipe tê-la
convertido em Capela Real por ser a mais próxima do Paço. O convento ao
lado foi desocupado pelos frades, nele se instalando a Rainha D. Maria I, a
“Louca”, o Real Gabinete de Física e, no térreo, a Real Ucharia, que era o
depósito do Palácio. Nos fundos, numa ala pertencente aos Irmãos Terceiros
do Carmo, onde fôra um hospital, foi instalada em 1810 a Real Biblioteca, com
livros recuperados da Biblioteca do Infantado e da Real Biblioteca da Ajuda. O
convento foi ligado ao Paço por um passadiço.
Internamente, os sete altares e as duas capelas da igreja foram iniciados
em 1785 por Mestre Inácio Ferreira Pinto. O conjunto, de decór rococó, mostra
grande unidade de estilo, que prova ter sido a execução realizada segundo um
projeto de conjunto. O arco cruzeiro é encimado por um magnífico ornato
recortado. A ornamentação da nave é dividida por pilastras de estilo coríntio, o
mesmo se dando mais tarde na igreja vizinha dos Terceiros. Pinturas ovais de
José Leandro de Carvalho, representando os doze apóstolos, são distribuídas
pela nave, entremeando as tribunas.
Durante o reinado de D. Pedro I foi completado o frontispício, segundo o
projeto do engenheiro-arquiteto Pedro Alexandre Cavroé. Êste era
interessante, pois como o da Cruz dos Militares, mostrava, sob influência
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22. clássica, a volta às formas das igrejas romanas da época de Vignola.
Infelizmente, foi a fachada substituída no século XX dando lugar a um
frontispício descaracterizado, terminado em 1923. D. Pedro I igualmente
concebeu que um dos pátios do Convento fosse convertido em Mausoléu
Imperial, mas sua renúncia em 1831 fez abortar o projeto.
Em 1856 foi prolongada a antiga rua do Cano até a rua Direita, sendo a
primeira rebatizada para Sete de Setembro. Sendo assim, foi feito um corte no
Convento, que passou a ser ligado ao templo por outro passadiço, que foi
demolido em 1890. Em 1888/1900 passou o templo por grandes obras.
Reconstruiu-se toda a fachada que dava para a rua Sete de Setembro num
estilo eclético, depois extendido à fachada principal. Em 1905, a pesada torre
sineira foi demolida por ameaçar ruir, sendo erguida outra projetada pelo
arquiteto italiano Raphael Rebecchi. Demoliu-se o pórtico da capela dos
Passos, colocando em seu lugar duas janelas geminadas. As janelas foram
ampliadas para acomodar vitrais. Essas obras foram inauguradas em 1900. Em
1903, o Prefeito Francisco Pereira Passos mandou retirar o gradil do adro para
alargar a rua Primeiro de Março (ex-rua Direita).
Internamente, foram feitas muitas alterações. Retirou-se uma pintura do
altar-mór representando a Família Real, demoliu-se dois corredores laterais,
aprofundando-se os seis altares laterais, para ampliar a nave. Refez-se a
pintura da capela-mór e outras obras. Essa reforma foi ordenada pelo Ministro
Antônio Ferreira Viana, incumbindo-se dos trabalhos o engenheiro Adolpho
José Dell`Vecchio e o artista Thomaz Driendl.
Quanto ao Convento, igualmente não escapou de adulterações. Em
1840 D. Pedro II nele instalou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que
ali ficou até 1896. Em 1907 ganhou uma fachada eclética, projetada pelo
arquiteto Henrique Fleiuss, removida pelo SPHAN em 1970, sendo recomposta
em seus elementos originais. Ainda em 1896 foi nele instalada a Escola
Técnica de Comércio, e, em época mais recente, a Universidade Cândido
Mendes. Nos anos 80, foi construído no pátio do Convento um enorme prédio
de escritórios, o Centro Empresarial Cândido Mendes, projetado por Harry
Cole, que acabou desvirtuando toda a escala da praça e de seus monumentos.
A Igreja foi Capela Real de 1808 a 1822. Capela Imperial de 1822 a
1889, Catedral Metropolitana, de 1889 a 1976. Sediou, à partir de 1894, a
primeira Cátedra Cardinalícia da América Latina. Hoje é a Igreja de Nossa
Senhora do Carmo da Antiga Sé. A Família Real e, depois a Imperial
prestigiavam as procissões, particularmente a do Senhor dos Passos e a de
São Sebastião, que eram, guardadas as devidas proporções, eventos mais
carnavalescos que religiosos. Foi a única igreja nas Américas que serviu de
palco da Sagração de um Rei, D. João, em fevereiro de 1818; e da Coroação
de dois Imperadores, D. Pedro I, em dezembro de 1822 e D. Pedro II, em julho
de 1841. Ali se batizaram e casaram todos príncipes de sangue real entre 1808
e 1889. D. Pedro I confirmou nela seu casamento em 1817; bem como D.
Pedro II, em 1843; tendo ali se casado a princesa Isabel com o Conde D`Eu,
em 1863. Num corredor lateral da capela foram depositados em 1903, por
iniciativa do Bacharel Alberto de Carvalho, parte dos restos mortais de Pedro
Álvares Cabral, descobridor do Brasil, transladados de Portugal. Foram
regentes da Capela Real, dentre outros, Padre José Maurício Nunes Garcia,
nosso maior compositor sacro colonial; Marcos Portugal, maestro que veio com
D. João em 1808; Sigismundo Neukomm, discípulo de Haidn, que veio com a
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23. Missão Artística Francesa, em 1816. Nesta igreja, começou como simples
violinista, o futuro maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional
Brasileiro. À época de D. João VI, nela tinham coro os famosos “Castrati”,
jovens emasculados para manter a voz aflautada.
Presentemente, está a igreja necessitando de grandes reparos, tendo
sido elaborado um projeto de restauração integral, externa e internamente, que
visa restituir ao templo suas características originais.
O RAPTO DAS GALINHAS
O velho Convento do Carmo, hoje sede da Universidade Cândido
Mendes, situado na Rua Primeiro de Março, entre as ruas da Assembléia e
Sete de Setembro, é um dos mais veneráveis monumentos do Rio. Erguido
pelos frades carmelitas aqui chegados em 1589, ficou concluído em 1619. No
século XVIII, com o afluxo do ouro oriundo de Minas Gerais, foi totalmente
reconstruído depois de 1761.
Entretanto, com a chegada da Côrte portuguesa ao Rio de Janeiro em
março de 1808, o convento teve seu destino mudado.
O Príncipe D. João, se utilizando da lei das aposentadorias, a qual o
facultava requisitar qualquer prédio da cidade para uso próprio, mandou
desalojar os carmelitas ainda em março de 1808. Os frades acabaram indo
para uma pequena igreja, no Largo da Lapa, onde ainda se encontram. No
velho convento, D. João mandou alojar sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca.
Como o espaço era generoso, D. Maria ainda dividiu o espaço do convento
com o Real Gabinete de Física e, nos fundos, onde existia o Hospital da Ordem
Terceira do Carmo, em prédio ainda existente, o Príncipe mandou ali instalar
em 1810 a Real Biblioteca, reunindo os livros arrebanhados às bibliotecas da
Ajuda e do Infantado, trazidos ao Brasil em grandes caixotes quando da fuga
da Família Real.
Entretanto, foi no pavimento térreo onde se instalou a repartição mais
polêmica daqueles tempos: a Real Ucharia.
Ucharia era o armazém de alimentos do Palácio Real. Era onde ficavam
os secos e molhados, os animais e vegetais que abasteciam a real mesa de D.
João. E, no caso dele, era uma mesa bem farta.
D. João se alimentava muito, e mal. Comia demais. Testemunhos de
época relatam com minúcias as glutonarias do Príncipe. Ao acordar bem cedo,
D. João fazia suas orações e logo depois realizava sua primeira refeição, o
almoço (naquela época não se tomava café da manhã). Comia, sem talher
algum, de quatro a seis frangos de leite assados, pequenos como pintos.
Segurava-os com as mãos e deles só se separava quando restavam apenas
ossos. Não havia acompanhamento nesse prato. Eram só os frangos. Algumas
vezes, D. João também devorava algumas fatias de pão torrado com manteiga,
que somente seu cozinheiro sabia fazer. Bebia apenas água da Ponta da
Armação, em Niterói, a qual mandava buscar em grandes batelões. De
sobremesa, laranjas da Bahia (as do Rio ele as julgava muito doces).
No jantar, que era às 13:00h, os pratos eram quase idênticos, variando apenas
em ocasiões solenes. Na ceia, às 18:00h, tomava canja de galinhas. Após essa
refeição, D. João dormia a sono solto até o dia seguinte, quando a rotina
alimentar se repetia.
Com essa péssima alimentação, mal balanceada e muito gordurosa, D.
João sempre sofreu gravemente de problemas gastro-intestinais, os quais
23
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24. motivaram episódios cômicos ocorridos em público. Às vezes, por força das
circunstâncias essa dieta variava, mas nunca faltavam os frangos, prato que
ele apreciava com veneração.
Desnecessário dizer que a maior parte da Ucharia era o galinheiro, o
qual ocupava todo o pátio do velho convento. Em 1817, quando D. João se
tornou Rei, foi nomeado chefe da Real Ucharia seu barbeiro, Plácido Antônio
Pereira de Abreu. Esse patife era um notório espertalhão e serviria com igual
eficiência ao Imperador D. Pedro I, como barbeiro, secretário e alcoviteiro.
Com a nomeação de Plácido, a roubalheira na Ucharia atingiu níveis
inimagináveis. Plácido fazia imensas requisições de alimentos a seus
fornecedores. Às vezes, requisitava toda a produção de determinado gênero
alimentício. Esses alimentos, comprados em quantidade muito além da
necessária, eram sorrateiramente revendidos a particulares por altos preços.
Em 1819, por sugestão de Plácido, D. João requisitou que seus guardas
recolhessem à Real Ucharia todos os frangos da cidade do Rio de Janeiro.
Todos, inclusive os dos hospitais!
Podiam os doentes ficar sem sua canja de galinha, mas o Rei não
dispensava frango algum!
Claro, a roubalheira rendeu bons frutos, pois só era possível se obter
galinhas pagando as propinas que Plácido arbitrava dos pobres cariocas. Sem
imprensa nem justiça para defender o povo, este apenas protestava nas
esquinas e tabernas. A coisa ficou assim até que um dia de novembro de 1819
um grupo de cidadãos tomou coragem e enviou uma carta de protesto ao Rei,
carta esta que se encontra na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional e
que vale a pena ser aqui reproduzida em seu trecho inicial, bem pitoresco:
“Dizem os moradores desta cidade, que eles, suplicantes, se vem na
maior consternação possível pela falta de galinhas e mais criação de penas
para o socorro dos enfermos particulares, pois por dinheiro algum as podem
encontrar senão em mão do Galinheiro da Real Ucharia.”
“Os habitantes desta Côrte, Real Senhor, são contentes, com a maior
satisfação, que a Real Ucharia tenha a preferência com a maior abundância
possível, mas não que o Galinheiro, a título dela, faça os maiores insultos
possíveis, que é andar com atravessadores pelos recôncavos desta cidade
tomando e apreendendo toda a criação a título de contrato, e não satisfeito
com estes insultos, passa o suplicado em pessoa a andar pelo mar,
embarcado, revistando quantos barcos navegam para a Côrte a fim de as
tomar pois todas chegam embargadas e nenhuma se vende para as
necessidades das ditas moléstias por mais diligência que façam os suplicantes
a concorrerem às praças na sua procura.”
As mesas fartas demais geram fatalmente o desespero em torno das
mesas vazias...
Não precisamos dizer que o Rei não respondeu à petição e esta foi parar
no limbo da burocracia joanina. A roubalheira da Real Ucharia continuou até
abril de 1821, quando D. João retornou à Portugal e o Príncipe D. Pedro
desativou aquela repartição, não sem antes nomear Plácido como seu Valete-
de-Chambre. Depois seria Comendador e acabaria casando com a filha do
Marquês de Inhambupe, Ministro da Fazenda.
Naqueles tempos, a roubalheira do governo ficava impune e o povo era
quem pagava a conta...
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