1. O NAZISMO LATINO-AMERICANO: UMA ANÁLISE DO DISCURSO
JORNALÍSTICO DA REVISTA DO GLOBO EM RELAÇÃO À ESTRUTURAÇÃO
DO DISCURSO NACIONAL SOCIALISTA ALEMÃO NA ARGENTINA
Jeferson Rasquim Araujo
Iara Medeiros
Pauline Pedroti1
Resumo
Este artigo analisa o tratamento dado pela Revista do Globo à reportagem Onde a GESTAPO
dansa “El Tango” a partir de seu núcleo discursivo central: estruturação do nazismo na
Argentina através de mecanismos de disseminação ideológica, cooptação populacional e
perpetuação partidária.
Palavras-chave: Revista do Globo. Argentina. Nazismo.
1 Introdução
Este artigo tem como objetivo central analisar o tratamento dado pela Revista do
Globo em seu número 323, no ano de 1942, sobre a reportagem intitulada Onde a GESTAPO
dansa “El Tango”, escrita pelo repórter Justino Martins, que tem como núcleo discursivo
central a estruturação da ideologia nazista na Argentina nos anos 1930 e 1940. Sua
organização narrativa em relação ao tema diz respeito aos mecanismos de disseminação do
discurso nazista no território argentino; aos meios de cooptação da população Argentina de
origem alemã que habita esse território e, finalmente, os mecanismos de burla utilizados pelos
nazistas para que sua perpetuação se desse mesmo em um solo fértil de críticas a esse tipo de
construção discursiva. São esses três grupos argumentativos que serão analisados nesse artigo
para compreendermos assim a forma como a revista tratou a temática central.
2 A Revista do Globo
Antes de iniciarmos nossa análise sobre a reportagem de Justino Martins com relação
à sua narrativa publicada no Globo, é necessário que identifiquemos as múltiplas identidades
editoriais desenvolvidas pela revista desde a sua primeira publicação até o ano de 1942, limite
histórico no qual se insere a reportagem que será analisada.
Exatamente em 5 de janeiro de 1929, saía a primeira edição da revista do Globo. Era
um empreendimento jornalístico que duraria 38 anos. Ao longo de quase quatro décadas, o
periódico não só contemplou seu objetivo inicial, “[...] lançar uma revista moderna, que se
propusesse a registrar tudo o que no Rio Grande houvesse e doravante ocorresse, digno de
registro e divulgação” (DALMÁZ, 2002, p. 11), como também obteve importantes
conquistas: alcançou leitores no país como um todo e no exterior, tornando-se “[...] uma das
maiores publicações nacionais abordando os mais variados assuntos” (DALMÁZ, 2002, p.
11). Foi uma publicação que resultava das aspirações da intelectualidade gaúcha por um
periódico de qualidade literária e de uma decisiva sugestão de Getúlio Vargas ao seu dono sr.
1
Graduandos do curso de História das Faculdades Porto-Alegrenses – FAPA, orientados pela professora Sandra
Careli, na disciplina de América V.
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2. José Bertaso, então sócio-diretor da Livraria do Globo. Os desmembramentos dessa pretensão
foram satisfatórios. Segundo o historiador Mateus Dalmáz (2002, p. 273), “[...] chegou-se a
atribuir à revista a segunda maior tiragem do país superada apenas pela revista O Cruzeiro.”
Os propósitos do periódico e as matérias publicadas o enquadram na história
jornalística do Rio Grande do Sul classificada por Francisco Ricardo Rüdiger (1995) de
“informativa moderna”. Segundo a análise desse autor, é possível identificarmos nessa fase
algumas características que a diferenciam da forma como os jornais eram concebidos
anteriormente: ocorre então a superação da tendência político-partidária objetiva expressa nas
reportagens para análises políticas mais abrangentes, nem sempre vinculando-se a um partido
político específico; há ainda o desenvolvimento de múltiplas notícias, um grande espaço para
a publicidade e, finalmente, a ampliação de seu mercado consumidor, gerando um potencial
crescimento estrutural para as editoras que publicavam esse tipo de material. Ao lado dos
jornais Correio do Povo e Diário de Notícias, a Revista do Globo nasce num período de
modernização dos órgãos de imprensa no estado, alcançando, nos anos 1940, a sua projeção
nacional.
Ainda compondo o quadro identitário da Revista do Globo, é possível identificarmos
duas fases de desenvolvimento jornalístico exercido por esse órgão durante sua existência.
Segundo Mateus Dalmáz (2002, p. 274), a primeira fase pode ser identificada pelo
[...] predomínio literário, indo de 1929 a 1938, que é onde observa-se que, o caráter
literário e social do periódico preponderava sobre outros assuntos, mesmo que a
partir de 1933, os assuntos relacionados a Hitler e à Alemanha foram veiculados
com freqüência em suas páginas totalizando 28 matérias.
Essa preponderância por artigos e discursos literários na revista está vinculada à
configuração de sua direção, que era constituída por homens ligados à área das letras. É
importante lembrarmos que o renomado escritor gaúcho Érico Veríssimo assume a cadeira de
direção da empresa em 1932.
A segunda fase da revista inicia em 1939 e vai até 1947, quando assume a
coordenação de edição Justino Martins, escritor da reportagem objeto de análise deste artigo.
Segundo Mateus Dalmáz (2002, p. 274), há nesse período a superação do predomínio literário
e a prática de “[...] um jornalismo mais abrangente, alcançando o equilíbrio dos conteúdos”.
É interessante ressaltarmos que nessa época é criada a revista Província de São Pedro, na qual
os textos de análise literária e vinculados ao mundo das letras são redirecionados para esse
novo caderno, não constituindo mais, a literatura, o núcleo central da Revista do Globo daí
para frente.
Portanto, vimos até aqui que a publicação editorial analisada, segundo Francisco
Rüdiger (1995), nasce num período em que o jornalismo passa a modernizar-se e os temas das
reportagens se tornam múltiplos. No entanto, sinalizamos que, mesmo constituindo um
jornalismo informativo moderno, a revista, segundo Mateus Damáz (2002), surge mais
vinculada ao mundo literário do que ao jornalístico abrangente propriamente dito, dando
amplos espaços a crônicas, poemas e todo arcabouço instrumental da literatura, finalmente
sendo essa fase apenas superada por volta dos anos 1940, quando o jornalismo investigativo
se torna preponderante, dando um novo perfil à revista.
Se, por um lado, identificamos a existência de duas fases editoriais diversas com
relação à estrutura nuclear do discurso da Revista do Globo durante sua história (de 1929 a
1947), podemos também delimitar arcabouços argumentativos diversos, refletidos em
períodos específicos da revista, com relação ao tratamento que esta dá à questão do III Reich,
mais especificadamente à ideologia nazista. Segundo Mateus Damáz, existiriam três fases
distintas de argumentação e construção do discurso jornalístico da revista em relação ao tema
citado. Uma primeira fase caracterizada por reportagens produzidas entre 1933 e 1936, e que
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3. transitavam entre sentimentos de desconfiança e entusiasmo. A desconfiança surgia, segundo
ele, tendo em vista “[...] o rearmamento alemão e o conseqüente desrespeito deste ato ao
tratado de Versalhes; a possibilidade de uma nova guerra devido aos atos de Hitler e relatos
sobre perseguições de judeus na Alemanha” (Dalmáz, 2002, p. 275). Já o segundo sentimento,
entusiasmo, também presente nessa fase, seria justificado pela revista através da publicação
de “discursos que negavam ou justificavam o rearmamento alemão, considerando o líder
nazista um grande líder mundial, destacando o elevado desenvolvimento científico e
tecnológico implementado por ele na Alemanha” (Dalmáz, 2002, p. 275).
Este processo de construção de um discurso não tão crítico e incisivo ao nazismo está
diretamente relacionado à política externa brasileira. Há nesse período uma relação direta
entre a revista e o governo varguista. Seria natural, portanto, que, enquanto o Brasil adotasse
uma postura pragmática na sua política externa, aproximando-se tanto de Washington quanto
de Berlim, fechando acordos comerciais com ambos e, finalmente, realizando uma estreita
cooperação policial e econômica com os alemães, a revista fizesse o mesmo em suas páginas.
Já nos anos de 1937 e 1938 essa relação germano-brasileira passa por um processo de
desgaste, refletindo nas páginas da revista esse novo panorama político, em que a antiga
dicotomia desconfiança-entusiamo começa a perder espaço para críticas veladas ao nazismo e
a Hitler. Nessa segunda fase, segundo Damáz (2002, p. 276), é possível percebermos que
[...] as justificativas aos atos belicosos do Führer foram substituídas por tênues
associações do líder alemão à figura de um desrespeitador de tratados e anexador de
territórios. Sua vida particular, pela primeira vez, tornou-se objeto de discussão nos
artigos, onde novamente, de forma moderada, o chefe nazista foi vinculado a
pretensões militares.
A imagem de Hitler e a da Alemanha, portanto, passa por um processo de transição da
desconfiança-entusiasmo, para um período de hostilidade, ao mesmo tempo em que o Brasil
lentamente passa a afastar-se das relações com Berlim e aproximar-se da política de
Washington.
Já no período que vai de 1939 a 1945, terceira fase argumentativa da revista em
relação ao seu tratamento dado ao nazismo, passam-se a veicular críticas contundentes ao
Terceiro Reich. Exatamente num período em que a política brasileira se alinha
definitivamente aos EUA e no qual o Brasil passa a participar da luta contra o Eixo ao lado
dos Aliados na II Guerra Mundial. Segundo Damáz (2002, p. 277):
[...] procurou se demarcar que tanto os autores estrangeiros quanto os nacionais, que
fossem escrever para a revista, o fizessem ridicularizando a vida pública e particular
de Hitler, bem como apontando os horrores da guerra praticada pela Alemanha.
Portanto, vemos que é possível identificarmos três fases de argumentação distintas
relacionados à construção discursiva da Revista do Globo à temática do III Reich: uma fase
inicial de entusiasmo e desconfiança; uma segunda etapa, em que se iniciaram as críticas ao
nazismo, mas de maneira discreta, quase velada; e, finalmente, na década de 1940 uma
terceira, em que se passa a promover análises incisivas à política alemã do período.
Identificamos ainda que esses direcionamentos jornalísticos específicos se alinham à política
externa brasileira, em modificação de 1933 a 1945, transformando estruturalmente as
temáticas centrais desse editorial num complexo caderno publicitário do governo varguista.
Dos três períodos citados anteriormente, o que nos interessa a priori é justamente este
último contexto jornalístico discursivo, pois é em 1942 que Justino Martins escreve a
reportagem, objeto de nossa análise a partir de agora.
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4. 3 Onde a GESTAPO dansa “El Tango”: uma análise
Com relação à metodologia empregada neste artigo, é importante ressaltarmos que
será levado em conta a análise da diagramação do corpo do texto narrativo, sendo elas:
identificação e leitura de fotografias empregadas na reportagem tendo em vista a sua
importância enquanto elemento disseminador simbólico de uma idéia que o autor quer
transmitir ao leitor e sinalização dos trechos em que por motivos específicos o autor utiliza
fontes maiores ou grifos para sinalizar atenção.
Essa reportagem da Revista do Globo tem como núcleo discursivo central a
estruturação da ideologia nazista na Argentina nos anos 1930 e 1940, como já foi dito. Sua
organização narrativa em relação ao tema diz respeito aos mecanismos de disseminação do
discurso nazista no território argentino; aos meios de cooptação da população argentina de
origem alemã que habita esse território e, finalmente, aos mecanismos de burla utilizados
pelos nazistas para que sua perpetuação se desse mesmo em um solo fértil de críticas a esse
tipo de construção discursiva. Começaremos nossa análise sobre o primeiro aspecto citado.
Tentando mostrar a estruturação nazista em solo latino americano, o artigo identifica
como o principal mecanismo de disseminação dessa ideologia o veículo jornalístico impresso.
Já no começo do texto o autor descreve um cenário lúdico, incorporando a essência de Van
Gogh, nos apresenta um quadro narrativo denso e imensamente poluído retratando a situação
dos jornais na Argentina de 1930:
[...] às primeiras horas do dia, transborda para as ruas, em todas as esquinas, as
turbulentas edições dos matutinos. Grupos de rapazes, aqui e ali, munidos de afiados
canivetes, abrem os pacotes, dividem o seu conteúdo entre si e deixam as “cascas”
sobre os asfalto, até que uma verdadeira legião de garis as recolhe para o bojo dos
possantes caminhões da limpeza pública.
Então, quando os primeiros raios de sol se filtram pelos vãos dos arranha-
céus, as portas de aço das casas comerciais começam a subir ruidosamente e os
jornaleiros se cruzam, célebres, em direção das estações do sub-way...
Inicia-se logo a luta dos gigantes olhos ávidos da opinião pública argentina.
Jornais para todos os gostos, para todos os partidos, para todas as ideologias e rapas,
jornais verdes e brancos, róseos e azuis. Jornais em espanhol, alemão, inglês, francês
e até mesmo em turco e idisch... (MARTINS, 1942, p. 17).
É interessante notarmos que o autor utiliza uma alegoria artística, densamente
simbólica, já no início do texto, tentando gerar um impacto narrativo que crie uma imagem de
uma Argentina poluída pela quantidade de informações. Esse argumento fica mais claro
quando nos deparamos com a seguinte afirmação:
Quando um estrangeiro chega a Buenos Aires de madrugada, experimenta
uma súbita decepção com respeito ao anseio da bela cidade. É que, a essa hora, as
ruas, e sobretudo as principais como 25 de Mayo, Corrientes, Calão, etc, se
encontram cobertas de frangalhos de jornais em toda a sua extensão nunca menor
que 16 quilômetros. [...] A sujeira não passa de uma das muitas características que
fazem da capital portenha uma das maiores cidades do mundo: é a sujeira de sua
fantástica imprensa, o lixo de quase uma centena de grandes oficinas impressoras.
(MARTINS, 1942, p.17.)
Portanto, fica claro, a partir de uma análise desse trecho, a razão pela qual o autor
inicia seu discurso com uma estrutura lúdica, envolvente. Cria uma situação narrativa poluída
para a Argentina que poderia ser interpretada, por exemplo, como um sucesso democrático da
comunicação, tendo em vista a quantidade de jornais, para variados públicos. No entanto, logo
depois, o autor nos mostra que essa poluição não revela a democracia, mas sim um aspecto
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5. sujo vinculado ao lixo, e é justamente este o termo empregado por ele para uma série de
jornais que se alinham à ideologia nazista na Argentina.
Neste ponto, o autor nos revela uma distinção entre dois grupos de jornais. De um lado
teríamos os jornais alinhados ao nazismo, seriam eles:
[...] El Pampero, Bandera Argentina, Crisol, Deutsch La Plata Zeitung, El Mattino
D´Itália, El Diário Español, La Fronda, Nueva Ordem ou El Renovador, todos
dirigidos por Joseph Goebbels [...] Seriam nada menos do que dez jornais e cinco
revistas sustentadas pelo Partido Nazista na Argentina, alguns com apoio direto da
Embaixada Alemã. Dentre eles o mais conhecido é El Pampero (atualmente
suspenso por três semanas), que é o maior jornal claramente nazista em circulação
na América do Sul. Sua tiragem se eleva a 150.000 exemplares diários. Seu diretor,
Henrique P. Osés, assim como seus redatores são cidadãos argentinos (MARTINS,
1942, p.18 e 59).
No outro grupo de jornais teríamos os que trabalham com “a verdade dos fatos
(MARTINS, 1942, p.17)”, e seriam eles:
La Prensa, Crítica, La Razón, La Nación, El Mundo, e numerosos outros grandes e
honestos jornais, que não trocam um milímetro das suas colunas pela dose de
nazismo comprada pelo dinheiro da Embaixada Alemã e do Partido Nacional-
Socialista Alemão [...] (MARTINS, 1942, p.18).
Assim, através de uma classificação constituída sobre os conceitos de veracidade e
parcialidade, a autor tipifica os jornais de conotação nazista, vinculando-os a um panorama de
incredibilidade, na qual os fatos seriam por eles maquiados a partir da compra de suas colunas
pelo partido nazista. É interessante notarmos que o autor anula qualquer possibilidade de
esses jornais se vincularem à ideologia citada por motivos filosóficos ou teóricos, mas se
alinham meramente por questões de cunho econômico.
No entanto, para o historiador argentino Luis Alberto Romero essa questão era mais
complexa do que Justino Martins supunha. Muitos desses jornais teriam se vinculado ao
discurso nazista por não verem mais, na democracia liberal, solução para a contenção das
massas e do próprio pensamento socialista pujante naquele período. Segundo ele,
[...] para o jornal Bandera Argentina o advento de Hitler ao poder marcava a
confirmação do esperado caos da democracia liberal e a necessária afirmação das
soluções de força como método para manter a ordem e o respeito às hierarquias na
sociedade. Já Crisol, vislumbrava na ascensão do movimento nacional-socialista um
feito revolucionário, chamado a desbancar e superar a suposta decadência das
sociedades que estavam em crise com o sistema democrático liberal. [...] Um dos
fatores mais positivos do nazismo para esses jornais era a sua batalha contra o
comunismo, assim justificando todos os excessos e todos os recortes das liberdades
civis. Para Bandera Argentina o inimigo principal era clara e centralmente a
esquerda, a qual se responsabilizava a crise da sociedade contemporânea
(ROMERO, 2006, p.1).
Portanto, mais do que um alinhamento comprado, de fato, esses jornais constituíam
discursos conservadores antes mesmo da ascensão de Hitler, apenas vinculando-se a esse
posteriormente e devido a uma semelhança estrutural entre suas filosofias políticas e o
nazismo.
Finalizando este bloco inicial, é importante analisarmos a forma contundente como
Justino Martins se refere à penetração do nazismo através dos jornais na Argentina:
Quando se trata de investigar os começos de uma infiltração nazista, na
Argentina [...], não é preciso quebrar a cabeça em busca de datas ou de qualquer
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6. acontecimento de importância fundamental na história diplomática dos países. [...] O
começo das atividades nazistas no território argentino se dá no ano de 1929, quando
o então presidente, por decreto de 23 de março, autorizou ao diário Deutsch La Plata
Zeitung, a título precário, a instalação de uma estação receptora, com o objetivo de
receber comunicados procedentes da Transócean de Berlim. (MARTINS, 1942,
p.18.)
Portanto, vemos que o principal mecanismo de disseminação da ideologia nazista em
território argentino, dentro do discurso de Justino Martins, foi o jornalismo estruturado na sua
configuração impressa. Para tanto, o autor, além de utilizar uma linguagem simbólica, quase
artística, para criar um impacto imediato no leitor, desenvolve ainda uma seleção tipológica
em que classifica os jornais que considera com credibilidade jornalística e outros, com
tendência nazistas, duvidosos, retirando-lhes uma autonomia editorial a partir da compra de
suas colunas pelo Partido Nacional-Socialista.
Se a primeira página da reportagem foi iniciada com uma construção narrativa lúdica,
quase assemelhando-se a uma fotografia de impacto construída através de palavras, na página
seguinte será uma imagem, de fato, que irá ter essa função simbólica. Uma não, duas.
Do lado superior esquerdo da página 18 podemos ver uma figura do gênero feminino.
Seu rosto possui traços delicados, e sua pele parece ser macia, apenas retocada com um pouco
de maquilagem. Ela olha serena para o seu lado esquerdo como que desviando seu olhar do do
leitor, quase seduzindo-o. No entanto, um lenço em sua cabeça demonstra sua postura social
recatada. Uma bela moça de família.
Já no canto superior direito, logo ao lado da foto citada anteriormente, podemos ver
uma figura do gênero masculino. Sua boca está cerrada e suas feições talvez sejam tão
delicadas quanto às da moça na figura ao lado. No entanto, seu rosto não demonstra
serenidade, muito menos candura, pelo contrário, ele está bravo. Suas sobrancelhas estão
semi-cerradas, e seu olhos também estão direcionados a sua esquerda. Ele a observa.
De uma forma interessante essas fotos se completam. Ele, Gottfried Sandstede. Ela,
baronesa Georgette Camille Anne Blanc de Carbieres Possuem rostos com traços parecidos;
no entanto, com expressões opostas. Essas fotos se situam no topo da página e ocupam um
largo espaço. Estrategicamente colocadas, direcionam o pensamento do leitor, tendo em vista
as inscrições que existem logo abaixo de cada foto. Na primeira:
A baronesa Georgette Camille Anne Blanc de Carbieres, foi condenada á
morte pela GESTAPO. Mulher de grande beleza e de rara cultura, ela trabalhava
com a espiã nazista Wanda Hanckel (mais tarde presa pela polícia do Rio Grande do
Sul) que teria seguido com os diplomatas alemães e italianos, no último navio que
deixou o Brasil, recentemente. (MARTINS, 1942, p. 18)
Na segunda foto, podemos ler logo abaixo:
Gottfried Sandstede, que foi um dos mais ardilosos chefes da GESTAPO,
na Argentina. Em julho do ano passado. Em julho do ano passado ele fugiu de
Buenos Aires para o Rio de Janeiro, onde tomou um navio para a Alemanha. O seu
sucessor atual, na capital portenha, é Dietrich Niehbor, capitão na marinha nazista,
que serviu como adido naval à embaixada alemã do Brasil. (MARTINS, 1942, p. 18)
A relação entre as fotos é pontual, e seus paralelos são de fácil identificação para
qualquer tipo de público leitor da Revista do Globo. O principal mecanismo de correlação
utilizado pelo autor da reportagem para criar uma ligação entre as duas fotos certamente é a
sua leitura semiótica, em que de um lado vemos uma moça sorridente e de outro, um rapaz
com olhar firme e sério. No entanto, também foram utilizados elementos qualitativos de
associação a cada uma das fotos. A Baronesa Georgette Camille, segundo Justino Martins, era
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7. uma mulher de grande beleza, rara cultura, morta pela GESTAPO. Não por coincidência,
Gottfried Sandstede era um ardiloso chefe da GESTAPO. De um lado, rara cultura, beleza,
candura, pureza, sedução, requinte e morte. De outro, um ardiloso rapaz, rosto sério, chefe da
GESTAPO. Conclusão: o conjunto diz respeito às fotos de uma vítima e seu assassino, lado
ao lado, e este último a observa com o canto dos olhos. Definitivamente, uma imagem tão
impactante quanto a narrativa lúdica criada pelo autor na página inicial da reportagem.
Há ainda um dado no mínimo interessante de ser sinalizado: é dito que a: “Baronesa
Georgette Camille [...], trabalhava com a espiã nazista Wanda Hanckel.” (MARTINS, 1942, p.
18.)
No entanto, duas páginas depois lemos:
“Um novo escândalo nazista viria [...]. Em maio de 1941, Wanda Hanckel, expiã
alemã adida à GESTAPO de Buenos Aires, enamorou-se de uma aventureira de
origem suíça, a baronesa Georgette Camille Anne [...] e resolveu levá-la consigo
numa viagem à Missões Argentinas, espécie de corredor alemão na fronteira do
Brasil (MARTINS, 1942, p. 20.).
Uma discussão entre elas leva à morte da baronesa. No entanto, não é o final trágico
dessa história que nos interessa, mas o falseamento e a transfiguração da imagem da baronesa
de uma página para outra na revista. Primeiro, na página em que ela aparece como elemento
central no discurso, ocupando uma boa parte da folha não é citada a sua condição
homossexual. A ligação entre ela e sua namorada é resumida, no texto logo abaixo da foto,
como uma relação de trabalho. No entanto, vemos na página seguinte que elas não
trabalhavam juntas. Talvez o encobrimento desse dado tenha-se dado justamente porque nessa
primeira página a baronesa esteja numa condição de destaque; afinal, uma fotografia dela se
situa no topo da página. Já posteriormente ela é apenas citada dentro de um fato mais
complexo do texto do autor. Daí então sua condição sexual é sinalizada, pois era necessária
para a explicação do fato relatado.
Já com relação à transfiguração da personalidade de uma página à outra diz respeito à
utilização do termo “aventureira” na segunda menção de Georgette. Enquanto na primeira ela
se apresenta como uma mulher bonita, detentora de alta cultura, posteriormente ela se
configura como uma aventureira homossexual. A relação entre o espaço dado a ela nas
páginas (primeiro com uma fotografia e depois apenas com uma citação dissolvida no texto) e
os termos associados a sua imagem em cada uma das citações demonstra uma tendência de
encobrimento da sexualidade da personagem, definindo o caráter preconceituoso da
reportagem.
Analisaremos agora o segundo bloco argumentativo de estruturação do nazismo na
Argentina dentro do discurso de Justino Martins, que diz respeito aos meios de cooptação da
população alemã nesse território latino. É possível identificarmos a construção, por parte do
autor, de dois tipos de agregação dessa massa populacional: de um lado, pela promoção da
coerção e, de outro, pelo desenvolvimento do assistencialismo.
Referindo-se ao sucesso da propaganda alemã em solo argentino, o autor nos mostra a
quantidade de pessoas que se relacionam de alguma forma com esse tipo de pensamento
filosófico:
O resultado é que hoje, treze anos após a chegada do nazismo na Argentina,
o Partido Nazista Argentino conta com o assombroso número de setenta mil adeptos
juramentados e devidamente registrados nos livros de Berlim. Uma verdadeira
minoria nazista que, nos dias que corre, pela sua força e pelo perigo que
representam, ameaçam o regime constitucional do país e promovem a
intranqüilidade de todo um hemisfério. (MARTINS, 1942, p.20.)
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8. Portanto, a massa direcionada a esse tipo de pensamento não era de fato tão
significativa, mas o medo do autor e o poder dado a essa população expande suas
possibilidades de atuação se transformando em algo maior do que são. Uma das formas de
englobamento de uma parte da população argentina à ideologia nazista, segundo MARTINS
(1942), será através de uma vinculação econômica. Para isso ele exemplifica o caso da
organização “O Anel do Sacrifício”, ramificação interna dentro do partido nazista. Segundo
ele,
Operários, comerciantes, pequenos artesãos, agricultores e empregados de
granjas DEVEM contribuir para o Anel, cujo lema é: Dinheiro e mais dinheiro. O
operário que trabalha na fábrica, instituição comercial de capital alemão, ou em
qualquer outro serviço que esteja sob a chefia de um membro do partido, é suspenso
e boicotado se não contribuir para a entidade. Em toda indústria ou comércio
particulares há sempre um empregado que é o encarregado de arrecadar o dinheiro,
demarcar as fichas e de manter sempre latente nos trabalhadores o espírito
germânico. Muitos desses trabalhadores contribuem contra a sua vontade para não
perder o emprego (MARTINS, 1942, p.59.)
É interessante notarmos que a palavra “devem” está configurada de maneira a ser
incisiva na argumentação (escrita toda com letras maiúsculas). Mais uma vez o autor anula a
possibilidade de uma parte da população se voltar ao nazismo por semelhanças teórico-
identitárias, criando apenas um elo econômico entre ambos.
Tentando apresentar a imensidão do grupo vinculado ao pensamento nazista (de
maneira espontânea ou não), o autor utiliza o mecanismo de transfiguração dessa densidade
populacional para uma soma econômica: “As arrecadações mensais do Anel atingem, só em
Buenos Aires, 500.000 pesos argentinos, ou seja, mais de dois mil e quinhentos contos de réis,
em nossa moeda! (MARTINS, 1942, p.59)”.
Podemos fazer um paralelo entre esse argumento coercitivo de adesão à causa nazista
e a imagem inserida na página 22. Ali podemos ver um grupo de pessoas (todos homens)
levantando suas mãos em direção a um homem que discursa em um palanque. Logo abaixo
segue a inscrição:
Assim é o povo argentino num meeting democrata. Jovens e velhos
manifestam livremente sua conformidade ou oposição contra as idéias do orador.
Neste caso está falando o deputado anti-nazista, Repetto, e o povo o aplaude com
sincero ardor (MARTINS, 1942, p. 22).
Podemos identificar nesse trecho alguns pontos de sinalização e crítica do autor à
doutrina autoritária nazista em detrimento da liberdade democrática. Primeiro, a população
está ali de forma espontânea, e mais, manifestam sua opinião contrária e a favor do que fala o
orador, ou seja, totalmente oposto ao que, em algumas páginas atrás, Justino apresentava na
relação do partido nazista com seus aliados. Em segundo lugar, mesmo que haja a sinalização
do pensamento contrário ao discurso do orador, Justino termina homogeneizando as idéias de
todos os integrantes da foto quando diz: e o povo o aplaude com sincero ardor. Já outra
questão a ser levantada diz respeito à utilização da palavra inglesa “meeting”. Uma simples
palavra que revela toda a potência que existe por trás das narrativas jornalísticas,
principalmente as da Revista do Globo. Aqui vemos surgir o alinhamento deste editorial à
política externa brasileira desenvolvida por Vargas, em que as relações entre Brasil e
Washington se estreitam em detrimento de pactos com a Alemanha. A revista reflete a relação
da política externa brasileira utilizando um termo na língua americana.
Portanto, se umas das formas de adesão e cooptação de uma parte da população
argentina ao nazismo se dá pela coerção econômica e a possibilidade de perda de trabalho se o
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9. indivíduo não contribuísse ao partido, segundo Justino, outro elementos irá agregar essas
pessoas: o assistencialismo promovido pelo partido nazista.
É possível identificarmos esse assistencialismo dentro de seu discurso quando ele nos
apresenta uma lista dos departamentos internos do Partido Nacional Alemão integrando a
população através de atividades desportivas, ações culturais e demais atividades para civis. Os
órgãos internos são:
TROPAS DE ASSALTO DOS ARRABALDES, [...], UNIÃO DOS EX-
COMBATENTES, [...], ESCOTEIROS E ESCOTEIRAS ALEMÃS, [...],
PARTIDO NACIONAL-SOCIALISTA FEMININO, [...], UNIÃO DE
JOGADORES DE BOCHA, [...], UNIÃO ALEMÃ DE ESPORTES, [...], FORÇA
PELA ALEGRIA, [...], GRUPO DE AMADORES TEATRAIS, [...], SOCIEDADE
DE MARINHEIROS ALEMÃES, [...] (MARTINS, 1942, p. 58, grifo em
maiúsculas do autor).
Novamente a diagramação do texto tenta ressaltar o conjunto de mecanismos de
assistência social promovidos pelo partido, situados estrategicamente como forma de
cooptação de parcelas da população. É interessante notarmos que o autor tenta direcionar a
visão do leitor tendo em vista a seleção seqüencial criada por ele. Esse elemento
assistencialista de cooptação é citado primeiramente, e logo depois ele apresenta a parcela da
população que se insere no partido de forma involuntária através da coerção econômica.
Estratégia bem organizada em que toda a possível simpatia do leitor ao assistencialismo
nazista passa a ser anulada a partir da confrontação com dados fortes e repressivos tendo em
vista a população que é obrigada a se aderir ao partido pagando-lhe tributo.
Portanto, vimos que um outro elemento de estruturação do nazismo na Argentina,
dentro da reportagem de Justino Martins na Revista do Globo número 323 diz respeito à
cooptação de uma parcela da população argentina tanto através de uma coerção econômica
quanto pela promoção de estruturas assistencialistas dentro do partido que acabam por agregar
um número considerável de pessoas por simpatia.
Agora iremos analisar o último bloco argumentativo desenvolvido pelo autor para
compor um quadro panorâmico do tema central: nazismo na Argentina. Esse núcleo final diz
respeito aos mecanismos de burla utilizados pelos nazistas para que sua perpetuação se desse
mesmo em um solo fértil de críticas a esse tipo de construção discursiva
As críticas e denúncias da infiltração nazista na Argentina se dão, segundo o autor,
tanto por deputados do Câmara quanto por dissidentes do partido alemão. Como forma de dar
maior visibilidade à existência de pessoas que apoiavam o partido, mas que posteriormente se
tornam dissidentes, Justino Martins situa no canto superior esquerdo da página 19 a foto de
um senhor sentado em uma grande poltrona. Ele veste calças justas presas nos tornozelos com
botas de couro, casaco grande com uma insígnia nazista presa ao braço esquerdo e segura um
chapéu que também contém o símbolo citado. Logo abaixo podemos ler a seguinte inscrição:
Enrique Jürges, residente antigo na Argentina, que, como membro da
GESTAPO, caiu na desgraça de seus companheiros e foi condenado à morte.
Buscando refúgio na polícia, ele denunciou toda a trama nazista no país, sendo
condenado a dois anos de prisão, como “farsante” – segundo a opinião das
autoridades argentinas. (MARTINS, 1942, p. 19).
Se de um lado o autor quer demonstrar que existem pessoas que em um determinado
período passam a criticar de dentro o partido, tornando-se dissidentes, de outro mostra que
essa ação apenas leva a problemas maiores, como a citada prisão de Enrique Jürges.
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10. Outro grupo que irá desempenhar severas críticas ao nazismo, segundo o autor, será o
dos deputados argentinos. Em relação a esse grupo, Justino faz questão de citar uma série de
políticos realmente tão sérios quanto os jornais antifascistas argentinos. Segundo ele,
A este grupo pertencem, entre outros, os deputados Lanús, Manbéns,
Galvet, Damonte Taborda, Teissaire Repetto e Mercader. São homens que
combatem o nazi-fascismo argentino com tanto ardor como pretendem defender a
Constituição de seu país. São eles que, constantemente estão exigindo explicações
do Governo sobre este ou aquele assunto de importância à nação. (MARTINS, 1942,
p.21).
Para compor este quadro, o autor irá utilizar a seleção de duas imagens de políticos
alinhados ao pensamento antifascista. O primeiro se situa na página 23 e diz respeito ao
deputado Raul Damonte Taborda citado no trecho acima. Tentando mostrar a credibilidade do
político, a foto nos mostra apenas o rosto de Raul. Figura com olhar firme e traços faciais que
transmitem uma seriedade no que fala, com sua boca semi-aberta. A foto nos mostra o
deputado discursando com ardor. Logo abaixo podemos ler: “Raul Damonte Taborna, um dos
maiores defensores da democracia na Argentina. Como deputado sua voz se ergue
freqüentemente contra a infiltração nazista em seu país. Taborna é célebre pelos seus duelos.”
(MARTINS, 1942, p. 23).
A outra imagem diz respeito ao ex-presidente argentino Roberto M. Ortiz. Nessa foto
ele se encontra com a cabeça baixa, observando duas crianças que seguram firmemente em
suas mãos. Cria-se nessa perspectiva uma imagem doce, uma segurança paternalista. Logo
abaixo podemos ler:
O ex-presidente da Argentina, ardoroso democrata e antitotalitário que a
poucos dias faleceu. Durante as cerimônias de seu sepultamento o povo argentino
fez diversas manifestações de fé democrática [...]. O Dr. Ortiz aparece aí com seus
dois netinhos (MARTINS, 1942, p. 21).
Tanto a utilização da primeira imagem quanto a da segunda querem apresentar a
credibilidade, a segurança e a crença de uma parcela de políticos argentinos ao ideal
antifascista, sendo ainda apresentados como os verdadeiros defensores da nação.
Serão esses dois grupos (de um lado, políticos, mais insistentemente deputados; e de
outro, dissidentes partidários) que irão compor críticas e irão gerar empecilhos à perpetuação
nazista no território argentino. Mas os nazistas irão desenvolver mecanismos de burla a essas
barreiras, segundo o autor, através de constantes mudanças de nomes do partido e a fuga de
suas lideranças para outros países latinos, como o Brasil, por exemplo.
Ele cita um dos casos de troca de nome do partido vinculado ao caso relatado
anteriormente. As denúncias de Enrique Jürges serão levadas às últimas conseqüências,
mesmo que este esteja preso, por deputados antifascistas. Relatando esse fato, o autor constrói
o seguinte discurso:
[...] o assunto tomou vulto e um grupo de deputados iniciou uma campanha
antinazista na Câmara, que culminou num decreto do Poder Executivo dissolvendo a
propaganda política do Nacional-Socialismo.
Esse decreto, porém, foi burlado de maneira manifesta. Os nazistas
trocaram o nome do seu partido pelo título de “Federación de los Círculos Alemães
de Resistência y Cultura” e Berlim substituiu o chefe da GESTAPO no país.
(MARTINS, 1942, p. 20).
Por outro lado, o autor sinaliza que não será apenas pela troca de nome que ocorrerão
as burlas nazistas à pressão antifascista, mas também pela fuga de líderes acusados por
políticos argentinos. Exemplificando esse fato, Justino declara:
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11. Após uma discussão de quase três semanas foi votada a designação da
“Comissión Especial”. [...] Logo se iniciaram as investigações, promovendo uma
série de apreensões de material de propaganda em todos os principais centros do
nazismo no país e realizando inúmeros inquéritos, a fim de apurar os mínimos
detalhes da organização do partido. [...] Os empecilhos criados às investigações pela
quinta coluna, transtornaram a comissão da Câmara. Enumerá-los seria estender essa
narrativa a centenas de páginas. Mas basta citar o caso do chefe da GESTAPO,
Gottfried Sandstede que, apesar de requerida pelo juiz antinazista Dr. Vasquez,
deixou de ser executada pela polícia. Gottfried, como seus antecessores fizeram,
ocultou-se na embaixada alemã e, dois dias após, fugiu para o Rio de Janeiro, de
avião, onde, mais tarde, embarcou para a Alemanha. (MARTINS, 1942, p. 22).
Podemos analisar dois encaminhamentos narrativos criados pelo autor nesse trecho
citado. Em primeiro lugar, é interessante identificarmos como o autor trata dos empecilhos
gerados pelos nazistas para impedir o prosseguimento das investigações. Ele utiliza narrativa
simbólica: “enumerá-los seria estender essa narrativa a centenas de páginas”. Obviamente ele
poderia catalogar as dificuldades encontradas pela comissão; no entanto, prefere utilizar um
mecanismo lingüístico simbólico para criar uma sensação de imensa barreira intransponível
criada pelos alemães na Argentina, impossibilitando assim a continuidade dos processos
investigatórios. Em segundo lugar, quando o autor trata da fuga de Gottfried, incorpora a
seguinte expressão no seu discurso: “como seus antecessores fizeram”. Mais uma vez ele
utiliza o artifício da indefinição narrativa para expandir a sua afirmação. Ele não cita o nome
dos outros nazistas que, assim como Gottfried, teriam fugido do território argentino devido às
investigações da Câmara, mas prefere apenas sinalizar a existência de outros, não
quantificando-os. Obviamente, devido à forma como ele encaminha o pensamento do leitor a
uma crítica ao nazismo, este irá pensar instantaneamente que muitos partidários nazistas
teriam fugido daquela região devido a questões de cunho político.
Identificamos, portanto, a estruturação nazista na Argentina, dentro do discurso de
Justino Martins, através do desenvolvimento de mecanismos de burla, configurados tanto
através de constantes mudanças de nomes do partido quanto da fuga de seus líderes para
outros países latinos. Caracterizamos ainda o mecanismo pelo qual o autor apresenta os
agentes sociais que teriam construído limites a essa perpetuação, tanto dissidentes partidários
quanto deputados terão seus espaços em imagens.
4 Conclusão
Analisamos o discurso de Justino Martins em sua reportagem intitulada Onde a
GESTAPO dansa “El Tango”, a partir de sua análise sobre a estruturação do nazismo na
Argentina nos anos 30 e 40 do século XX. Vimos que seu discurso se fragmenta em três
blocos centrais analisados durante o corpo deste artigo.
O primeiro diz respeito aos mecanismos de disseminação da ideologia nazista em
território argentino, mais precisamente vinculado ao jornalismo impresso. Para tanto, o autor,
além de utilizar uma linguagem simbólica, quase artística, para criar um impacto imediato no
leitor. Desenvolve ainda uma seleção tipológica em que classifica os jornais que considera
com credibilidade jornalística e outros, com tendência nazistas, duvidosos, retirando-lhes uma
autonomia editorial a partir da compra de suas colunas pelo Partido Nacional-Socialista.
No segundo bloco identificamos a construção discursiva de Justino vinculada à
cooptação de uma parcela da população argentina tanto através de uma coerção econômica
(estruturada por uma contribuição mensal, nem sempre espontânea), quanto pela promoção de
departamentos assistencialistas dentro do partido que acabam por agregar um número
considerável de pessoas por simpatia tanto através de atividades desportivas quanto culturais.
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12. E, finalmente, num terceiro bloco, vimos que a estruturação nazista na Argentina,
dentro do discurso de Justino Martins, passa pelo desenvolvimento de mecanismos de burla,
configurados tanto através de constantes mudanças de nomes do partido quanto da fuga de
líderes desses grupos para outros países latinos. Sinalizamos ainda que o autor seleciona
imagens de políticos e dissidentes partidários nazistas para mostrar os agentes sociais que
teriam construído limites a essa perpetuação nazista.
Referências
DÁLMAZ, Mateus. A imagem do Terceiro Reich na Revista do Globo (1933-1945). Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2002.
MARTINS, Justino. Onde a GESTAPO dansa "El Tango". Revista do Globo. Porto Alegre:
Globo, n. 323, 1942.
ROMERO, Luis Alberto. Breve historia contemporánea de la Argentina. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Econômica de Argentina, 2001.
ROMERO, Luis Alberto. La sociedad argentina y el auge y caida del III Reich, 1933 - 1945.
Disponível em: <http://www.ceana.org.ar/final/final.htm>. Acesso em: 20 abr. 2006.
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Contribuição à história da publicidade no Rio Grande do Sul.
Revista FAMECOS, PUCRS, Porto Alegre, n. 3, set. 1995.
SHILLING, Voltaire. O nazismo: breve história ilustrada. Porto Alegre: Ed. da
Universidade/UFRGS, 1995.
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