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Despojos de Aljubarrota: O brilho das Estórias
por Constantino Mendes Alves
Local da ação – Campo de batalha de Aljubarrota
Ano da ação – 1415
Velho escudeiro (soldado) da batalha de Aljubarrota – (toca uma caixa de tambor)
Vinde, vinde ouvir estórias de outrora, que por serem velhas serão jovens nos vossos
ouvidos ansiosos de aventura. Neste frenesim em que se encontra a preparação da
armada, podeis ficar a saber da grandeza deste povo. Eu próprio vos contarei cousas
com que nunca sonhastes, estórias de tamanhas figuras e criaturas que o nosso povo
lusitano viveu em terras de S. Jorge, na dita batalha de Aljubarrota.
Infante D. Duarte – Antes de rumar ao Porto e zarpar na Grande aventura Além-Mar,
quero pisar estas terras de Santa Maria e São Jorge que tão tingidas foram de sangue de
Portugal e Castela. Aqui se travou a maior e mais decisiva batalha da nossa História.
Neste ano de 1415, faz por agora 30 anos, mais seis do meu nascimento, que se
encontraram dois exércitos reais.
Portugal estava dividido em duas causas, a de D. Beatriz, filha de D. Fernando I, casada
com D. Juan de Castela, que por isso se fez proclamar rei de Portugal. O outro partido
era de meu pai, D. João I, eleito rei pelas cortes de Coimbra.
Entre 1383 e 1385 Portugal viveu uma verdadeira guerra civil. Famílias partidas, com
irmãos dos dois lados da contenda, como os da família Álvares Pereira, Pedro e Diogo
tomaram lugar no exército de D. Juan I e, o seu irmão, o undécimo de 32 filhos do Prior
do Crato, D. Nuno Álvares Pereira, o nosso glorioso Condestável, do lado de D. João de
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Portugal. Para além disso muitas cidades ora estavam por Castela e Leão, ou pelo rei,
meu pai.
O que se passava era que uns por vassalagem pensavam estar na lealdade para com o
rei de Castela, por este ser marido de D. Beatriz; outros achavam que a vassalagem era
para com a independência de Portugal e o seu agora legitimado rei.
O meu nome é Duarte sou o infante de Portugal, filho de D. João, herdeiro do trono real,
e agora que passeio por aqui, imaginando as hostes valorosas portuguesas, que apesar
de serem poucas em relação ao inimigo, provaram a vitória, vencendo o medo e o
destino com a coragem, a perícia de armas e estratégia.
Decerto eu não teria nascido se Portugal não tivesse vencido aqui, se o rei por exemplo
fosse morto pelo cavaleiro Álvares Gonçalves de Sandoval, num combate de morte em,
com a ajuda de Martim Macedo, el-rei trespassa o seu inimigo, jazendo-o morto como
muitos outros.
Sempre foi destino nosso, de sermos poucos contra muitos, desde o grande rei contra
mouros, ou mais antigo, Ramiro, de Viseu, ou o grande chefe Viriato contra os de Roma.
Agora que já 19.000 lanças se farão ao mar na conquista de mais terras Além-Mar, é
preciso que os nossos saibam que esta bandeira aqui nascida é imortal! Podem gerações
perecer, mas os nossos em vida devem lembrar quão é grandiosa a alma de Portugal!
(retira-se)
Velho escudeiro – Naquele tempo, o homem sofria o purgatório, a peste negra grassava
por todo o lado, queimavam-se cadáveres por todo lado, faltavam assim braços nos
afazeres do campo, a fome espreitava em qualquer lugarejo.
Tínhamos fome e o desespero era enorme, fiz-me cavaleiro do exército de Nun’Álvares
Pereira, percorremos o reino de fio a pavio naqueles anos de 80, refregas, batalhas,
escaramuças, fez de nós soldados duros e temidos, ao meu Deus e santos eu já não
pedia, ver aquele homem ainda mancebo sempre silente e erguido na sua montaria
branca, general Condestável, homem santo, em cujo coração ardia a mais rubra acha
lusitana, era a minha religião, as suas ordens sacramentos.
(bebe vinho da borracha)
As lendas nascem assim, da palavra que queremos esmerar e não existe, da imagem que
vemos indizível, da lição que tomamos e não encontramos facto.
Nunca um acontecimento da História de Portugal fez surgir tantos mitos e lendas como
da batalha de Aljubarrota, aliás que de Aljubarrota não tem nada pois essa localidade
fica a 10 km do campo de batalha, mais correto seria dizer porventura que fora a batalha
de Sta. Maria ou S. Jorge, santos padroeiros de D. João I e de Nun’Álvares Pereira, cujas
insígnias se inscreviam nos estandartes do exército português.
Olhai esta cebola, intacta ela tem forma e substância, é uma cebola, útil para a nossa
alimentação.
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Uma lenda é como uma cebola, composta de diversas camadas. Se considerarmos que
cada camada sobreposta representa uma versão de cada autor sobre o mesmo
determinado fato histórico, então, quando procuramos a própria verdade da história
que queremos conhecer descascando cada camada da cebola ou da lenda, (descasca)
quando chegamos ao fim, na nossa procura da verdade da estória compreendemos que
não temos concretamente nada, pois as lendas raramente se baseiam em factos
concretos.
Mas as lendas, como as histórias são exímias representantes do pensamento popular
sobre determinados factos ou verdades, pelas lendas podemos ficar a conhecer os
medos, as ansiedades ou, por exemplo o impacto que determinadas figuras históricas
tiveram na época.
Sou um velho, já a terra se enamora pelo meu corpo, que cede a essa gravidade imortal.
O passado, a memória representa mais para mim que o futuro.
Desta velha biblioteca (aponta a cabeça) estão livros com estórias que devem ser
contadas aos outros, para que não esmoreçam as vontades e as verdades, que nunca
são preto no branco, mas importa compreender, que elas, as verdades, por serem
importantes estão guardadas com o escudo da fantasia…
Escudeiro- Eh! Velho homem, estiveste em Aljubarrota? Conta-se Que Nun’Álvares
Pereira, que connosco vai também na armada, tinha uma espada sagrada, diz-se que da
“Távola Redonda”!
Velho escudeiro – Sois escudeiro do infante D. Duarte? (escudeiro acena que sim) Pois
ficais a saber que o Condestável tinha mesmo uma espada, então como iria ele
combater?
Escudeiro - Ah! Ah! Pois claro, mas eu queria saber como era ela, de onde vinha?
Velho escudeiro - Diz-se de um Alfageme, ali de Santarém, a mais bela espada já forjada.
Não se sabe nada dela, mas se quereis acreditar….
Escudeiro - Pois que acredito, Nun’Álvares merece a melhor fantasia!
Velho escudeiro - Assim aqui vai: Diz-se forjada em solstício de Verão.
Escudeiro - O sol vencedor!
Velho escudeiro - Isso mesmo! A espada original era de Artur, da Távola Redonda!
Escudeiro - A Excalibur!
Velho escudeiro - Essa mesmo! Andou perdida nos tempos, encontrada por Nun’Álvares
e em Santarém a deu, para restaurar, a um alfageme judeu em Santarém de nome
Fernão Vaz.
Escudeiro - Como era?
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Velho escudeiro - Não se sabe ao certo, há quem diga que tinha brilho de diamante e
desenhada com curvas de ninfa, aberturas na lâmina, e tão afiada…
Escudeiro - Afiada como?
Velho escudeiro - Como a tua língua. Estás a delirar! Ah! Ah!
Escudeiro - Não sei, parece-me uma espada digna do Condestável de Portugal!
Velho escudeiro - Mas a estória continua…O Alfageme tinha um estratagema, ele era
perseguido porque era judeu e quis assegurar o seu futuro, deu-lhe a espada bem afiada,
em troca disse-lhe que D. Nuno lhe pagaria quando fosse conde de Ourém. D. Nuno
estranhou aquelas palavras.
Escudeiro - E depois?
Velho escudeiro - E depois morreram as vacas e ficaram os bois, tendes de ter espera, a
estória não sai sozinha. (bebe da borracha)
Escudeiro - O vinho alembra-te a estória?
Velho escudeiro - Digamos que me alegra a língua, onde íamos? Ah, sim. D. Nuno seguiu
com a sua fantástica espada para o campo de S. Jorge.
Escudeiro - Dizem que matava uma dúzia numa só espadeirada!
Velho escudeiro - Nas lendas contam-se às dúzias, eu diria dois ou três, já é uma boa
conta não é?
Escudeiro - Uma dúzia parece-me melhor.
Velho escudeiro - Uma dúzia seja, mas de valentia e galhardia não lhe faltava. D. Nuno
é um grande general, de grande fé e de grande coragem, isso asseguro-te a verdade, os
meus olhos o viram. Como combatia, havia quem caísse do cavalo só de o ver! (bebe
mais vinho)
Escudeiro - Só de o ver? É o que diz o teu vinho?
Velho escudeiro - Não, que diabo, a mim ninguém fala mal do Grande Condestável de
Portugal ao pé de mim. Queres provar da minha facha?
Escudeiro - Não velho! Conta o resto da estória.
Velho escudeiro - Bem a batalha de S. Jorge foi ganha pelo exército do rei D. João I.
Entretanto o alfageme de Santarém tinha sido preso por invejas com a acusação de
traidor. A mulher deste foi procurar D. Nuno e disse-lhe o que nenhum adultério se
passara. D. Nuno, então já conde Ourém por dádiva de D. João pelos feitos de guerra,
intercedeu junto do rei para libertar Fernão Vaz, o alfageme.
Escudeiro - Fernão Vaz acabou liberto?
Velho escudeiro - Assim foi!
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Escudeiro - E a espada lá ficou!
Velho escudeiro - Ele ainda a tem, será que a voltamos a ver agora em terras de Além-
Mar?
Escudeiro - Assim o espero, estou ansioso por ver de perto essa lenda viva!
Mas diz-me meu velho para onde vai todo este exército que está para embarcar?
Velho escudeiro - Não tenho sabido nada, diz-se aí, da arraia-miúda, que vamos pra
além do mar. O que diz o teu amo?
Escudeiro - Que é segredo o destino, não o deverei mais indagar, estar preparado para
o fim do mundo, é o que ele diz!
Velho escudeiro - O fim do mundo, este vasto exército….o dobro que em S. Jorge
Escudeiro - Quantos eram lá?
Velho escudeiro - Metade, não se sabe ao certo, mas naquele tempo 10.000 lanças era
muita gente, mais toda aquela panóplia de gente que o seguia, quase 5.000:
Armeiros, cutileiros, fabricantes de flechas e virotões, reparadores de arcos e bestas,
arreeiros, correeiros, seleiros, tanoeiros, cordoeiros, reparadores de tendas, pintores,
carpinteiros, ferreiros, forregeadores, condutores de carros de mantimentos,
cozinheiros, pastores de gado, caçadores, segréis, bobos, lavadeiras, costureiras,
prostitutas e até vagabundos prontos para a pilhagem.
Escudeiro - E como correu a batalha? Falam que os de Castela tinham um monstro?
Velho escudeiro - Ah, é verdade, um monstro do demo, o que chamamos uma besta
bestial!
Escudeiro - Então é verdade?
Velho escudeiro - Sabes o que era o monstro? 22.000 Lanças de Castela contra 7.000
das nossas, não achas isso um monstro do diabo?
Escudeiro - Como assim?
Velho escudeiro - O medo, esse era o monstro. Seja como for, cá vai:
Um bruxo castelhano procurou por aquelas terras um monstro que se
dizia indomável.
Escudeiro - Havia mesmo?
Velho escudeiro - Tens de provar esta pinga!
Velho escudeiro - E assim…
- Na beberagem, encontrais os adornos de tamanha criatura, és capaz?
Escudeiro - Pois sim, que quero ver. (bebe)
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Velho escudeiro - Começou o bruxo por perseguir a besta pelo cheiro nauseabundo que
empestava um souto ali perto. Sentes o cheiro?
Escudeiro - Cheira-me a vinho!
Velho escudeiro - Começas a cheirar, assim praticas o olfato, bebe!
- Perseguindo aquele rasto que o nariz acusava, encontrou uma besta
numa caverna a dormir.
Escudeiro - Como era ele?
Velho escudeiro - Como vês?
Escudeiro - Em dobrado.
Velho escudeiro - Pois era assim o monstro de duas cabeças e do dobro do tamanho de
um burro.
Escudeiro - De um burro? A mim parece-me uma coisa disforme.
Velho escudeiro - Pois bem dito, disforme de duas cabeças. E os dentes?
Escudeiro - Ele não comia homens?
Velho escudeiro - Então imagina o tamanho desses dentes.
Escudeiro - Como pedras de um castelo?
Velho escudeiro - Ora aí tens o teu monstro!
Escudeiro - E o rabo, quero dizer a cauda, não tinha?
Velho escudeiro - Do tamanho do alcance de uma besta?
Escudeiro - Assim tão grande?
Velho escudeiro - Bebe mais um pouco.
Escudeiro - Ah, sim, meia légua, tamanha figura!
Velho escudeiro - Para o levar para a batalha, fez-lhe um feitiço.
Escudeiro - O teu vinho é bom.
Velho escudeiro - Pelos vistos quase tão poderoso como a poção que o bruxo deu ao
monstro.
Escudeiro - Ninguém resiste ao bom vinho
Velho escudeiro - Não te desculpes, pariste a criatura.
Escudeiro - E agora?
Velho escudeiro - Ponto da situação: O monstro dos de Castela está na vanguarda do
exército. Os de Nun’Álvares receiam.
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Escudeiro - (tenta levantar-se, anda aos “esses” recuando) Recuaram?
Velho escudeiro - Não tinham bebido tanto vinho como tu. Não, D. João I invocou S.
Jorge, e este enviou-lhe o dragão.
Escudeiro - Uma luta de feras!
Velho escudeiro - O dragão desceu numa bola de fogo e atingiu a fera castelhana.
- Tamanho turbilhão, foi uma coisa de infernos!
- E urros de feras atingidas.
Escudeiro - E o dragão?
Velho escudeiro - Magnífico como só a fé pode forjar! Cada labareda…
Escudeiro - E S. Jorge?
Velho escudeiro - Impiedoso com o pecado incentiva a sua fera!
Escudeiro - E o pecado?
Velho escudeiro - De Castela em terra de Stª Maria.
Escudeiro - E o fim?
Velho escudeiro -O fim foi o princípio o dragão destruiu o monstro num instante, os de
D. João atacaram e deu-se o desfecho conhecido. O rei de Portugal reconhecido a S-
Jorge e mandou edificar uma ermida em honra do santo padroeiro.
Escudeiro - Valente batalha!
Velho escudeiro - E se foi.
Sai o escudeiro. Aproxima-se D. Duarte
D. Duarte – E é verdade que estiveste na grande batalha?
Velho escudeiro - Sim, na verdade senhor.
D. Duarte - Conta.me esses feitos, gostava de ouvir de tua viva voz.
Discurso monólogo do Velho escudeiro sobre a batalha:
- Dois dias antes da batalha, D. João I fazia o alardo, quer dizer a contagem das
lanças, dos soldados, e organizava o exército em 4 corpos de manobra: A Vanguarda, a
retaguarda e duas alas. Era a tática aprendida com os ingleses desde o reinado de D.
Fernando, a célebre tática do quadrado. Os homens iam a cavalo e a pé, equipados
conforme podiam e deviam: os cavaleiros fidalgos e mais ricos com mais equipagem de
defesa, bacinetes ou elmos, com viseiras ou não; O Condestável tinha uma cota e
peitoral, braçais e arnês de pernas e usava a sua famosa espada e uma adaga. Outros
levavam uma lança, como os peões, que às vezes partiam para dar mais serventia a curta
distância, o peão, na cabeça levava uma coifa, geralmente couro e armava-se de besta,
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lança e ou espada, no caso dos ingleses de arco de longa distância. A dita arraia-miúda,
armavam-se como podiam, de armas que eles próprios produziam a partir de alfaias
agrícolas, como o escorpião de duas metades de pau, uma mais pequena que outra,
unidas por tiras de couro, e na mais curta espetavam-se pregos, era uma arma temível.
D. João contava no seu caderninho, os seus vassalos e homens de armas e ordenava: A
vanguarda comandada pelo Condestável seria composta por 600 cavaleiros em três filas
e mais 50 peões. O rei comandaria a retaguarda com 700 lanças mais besteiros e peões.
Mem Rodrigues de Vasconcelos comandaria a Ala direita, que ficou conhecida pela Ala
dos Namorados com 1.100 homens. A ala esquerda por Antão Vasques, com um total
de 1200 homens.
Dali a 2 dias a batalha:
A véspera passámos em Porto do Mós. Os de Castela e Leão eram em Leiria. O
Condestável foi inspecionar o terreno e escolheu para campo de batalha um pequeno
planalto fechado nas laterais por 2 valas. A légua e distância fez-se depressa e todo o
exército tomou as posições conforme o alardo de D. João I, virados para norte, à espera
do inimigo que viria de Leiria, a favor do sol. Não demorou o rei Juan, doente, com o se
vasto exército cobrindo caminhos e cabeços, parecendo um mar de gente. Os nossos lá
estavam imóveis, compactos, com os estandartes coloridos por todo o exército.
Quando os de Castela se aproximaram mais, perceberam a dificuldade do campo
e decidiram contornar o exército lusitano e seguir para sul, para ficarem com o favor do
sol. Os generais portugueses ficaram com medo que D. Juan não quisesse batalha e
seguisse para Lisboa. Mas não, o exército estrangeiro voltou-se para a vanguarda
portuguesa, que entretanto se virara a sul, ali a 2 tiros de besta.
Houve um silêncio. Aqui e ali o relinchar das montadas. Estávamos juntos, duros com
uma muralha. Um punhado de sal lusitano resistiria ao mar de Castela e Leão? Havia
quem rezasse à medida que se acabavam ainda algumas covas de lobo, outros cortavam
as lanças compridas, para terem mais serventia no guerrear. As cores misturadas em
estandartes, bandeiras e nos corpetes de cavaleiros e peões davam um ar de raiva
colorida à mole de gente determinada. Na memória viva dos soldados estavam os
episódios contados de boca em boca que os de Castela tudo destruíam por onde
passavam, nem respeitavam o território que agora reclamavam como seu. Imune ao
tempo quer passava os portugueses esperavam. Os das fundas faziam os seus
montículos de pedras e os besteiros e arqueiros experimentavam as cordas dos
instrumentos. O Sol teimava-se de pôr, o calor era um braseiro que dessedentava toda
a gente mas ninguém sucumbia, ou por fé, ou pelo valor do caráter.
O impacto foi terrível. Eles vinham numa larga linha de gente com tudo para cima da
gente. Dispararam primeiros as bombardas, que alguns de nós temiam que alarmasse o
nosso dragão de S. Jorge, que por misericórdia ao rei e Nun’Álvares lutava connosco
naquela hora de véspera. Mais próximos já vinha a cavalaria francesa que entesava
ainda mais as lanças dos nossos peões. As flechas dos nossos arqueiros inundavam o céu
e, de repente tudo se cingiu de raiva, bravura, sangue e suor. Os cavalos deles caíam nas
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nossas fossas traiçoeiras ou eram atingidos pelas flechas dos besteiros do reino. Era uma
amálgama de soldados e animais num frenesim de guerra. As duas vanguardas
misturadas combatiam já com vantagem nossa, mas era hora do reforço da retaguarda
e El rei D. João mandou subir o exército. As alas faziam o seu trabalho, a defesa daquele
quadrado era defesa de uma nação cujo coração era Nun’Álvares Pereira, O nosso
amado Condestável que exalava na luta e na estratégia e audácia, coragem, fé e valor,
lutava com um anjo guerreiro, os seus homens faziam-se de escudo para o proteger.
Aqui e ali, combates quase individuais de cavaleiros que combatiam tanto pelo país
como da honra da sua casa ou da sua dama. D. Juan retirava-se, doente pouco
acrescentava à batalha, e quem devia de lá, não acertava com a tática, pareciam
dispersos e sem rumo. A batalha não duraria muito mas eram já milhares caídos na terra.
D. João pelejava a pé o cavaleiro Sandoval, numa luta hercúlea, como um mancebo
lutava o nosso rei com galhardia, depois Macedo acudiu-lhe e desfechou a sua facha no
abdómen do invasor. Um toque lá do lado de Castela tocou e as tropas começaram, a
recuar, não parecia haver necessidade de derramamento de mais sangue, os lusos
ganhavam, não havia rei nem roque nas hostes dispersas de Castela, tinham perdido,
Portugal valia-se, o estandarte de S. Jorge ergueu-se ainda mais alto.
No terreno ficaram mil dos nossos, 4.000 deles. A proporção inversa da expetativa que
investia no combate.
(Vem o bobo)
Bobo - o que sobrou?
Velho escudeiro - o que sobrou como? Um país, Portugal independente!
Bobo - quanto sobrou de vinho na borracha?
Velho escudeiro - Sois tolo também por vinho
Bobo - Quem me alegra quando desalegro?
Velho escudeiro - Sois tolo, sempre, com ou sem vinho.
Bobo - Diz-se que os portugueses fizeram batota.
Velho escudeiro - Batota? Como assim, de 1 para 3 ou 4,
Bobo - Tinham mistérios com eles…
Velho escudeiro - Sim, mistérios são esses?
Bobo - Então, um certo dragão dizimou centenas de peões e cavaleiros de Castela,
“Fuuuuu” (dá um pulo) aquilo é que foi, ficaram com o cu a arder.
Velho escudeiro - O dragão de S. Jorge, sim também o vi, aquele ardor na bravura dos
soldados a lutar pelo seu país!
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Bobo - Ora diz-me lá, não era o soldo em que eles pensavam? E nos proveitos da
vassalagem que tinham aos senhores. Sim porque um país tem pertença e só pertence
verdadeiramente aos proprietários.
Velho escudeiro - És mesmo bobo! Um país, uma nação faz-se de tudo, dos mesmos
interesses, desde a língua que usamos, aos costumes comuns, ao credo, ao território
partilhado, até ao vil metal que defende o nosso tempo e labor. Mas com o que se luta
é com a nossa paixão pela terra.
Bobo - Por isso não luto, sabes a terra quando a provo, sabe-me mal, prefiro, uma
codorniz bem assada…
Velho escudeiro - Cala-te disparatateiro, não lutas pela terra por isso és um bobo. Só
sabes rir e fazer rir com as tuas tolices.
Bobo - A verdade esconde-se na tolice porque tem medo do poder de quem mente. O
riso é ponte entre a verdade interdita e a hipocrisia da mentira.
Velho escudeiro - Ah! Agora és sábio? Vá lá bebe um bocado, que te vou contar mais
uma história de Aljubarrota.
Bobo - Conta aquela da soldada que tinha quatro fiadas de dentes e matou uma quarta
de castelhanos.
Velho escudeiro AH! Referes-te à Brites de Almeida? Não era soldada, apesar de haver
algumas nas hostes portuguesas, esta era padeira em Aljubarrota. Conta-se muita coisa
dela, essa das quatro fiadas de dentes nunca tinha ouvido. De certa maneira podes
imaginá-la como quiseres. Vamos a um jogo, tu fazes de padeira e eu descrevo-a.
Por exemplo, era forte como dois soldados juntos, tinha peito para seis crianças de
colo. Tinha bigode de urso, não mãos haviam seis dedos em cada uma. A voz era de
homem, dos grossos. Lutava como Ajax, o grande rei grego. Uma bofetada dela,
misturava a dentadura de quem com ela levava.
(o bobo vai fazendo piruetas)
São ditos, que por aí dizem, mas devia ser uma grande mulherona, nasceu lá nos
Algarves, cuidava de taberna e de terras dos seus pais, que desiludidos com ela a viram
partir para a vagabundagem, que o que ela queria era lutar como os homens, não servia
bem de esposa. Parece que matou o próprio esposo, um besteiro real alentejano, à
revelia da lei pôs-se ao fresco em barco de piratas mouros. Chegada a Tânger fizeram-
na escrava, mas a nossa Brites dali se livrou à pancadaria e navegou até à Ericeira. Depois
aí foi um passo até chegar a Aljubarrota, onde não se sabe como tomou conta de uma
padaria.
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Quando foi aberta caça aos castelhanos fugitivos de Aljubarrota, houve 7 que se
esconderam no forno da nossa padeira. Ela que soube porque tinha cheiro de hiena,
logo os descobriu e os matou com a pá do pão.
Foi feita lenda, mas na verdade poderia ter havido tamanha mulher?
Bobo – É de lenda! É de lenda que esta mulher de verdade seria uma besta.
Velho escudeiro – Sim, mas o que ela representa…
Bobo – Quem representou fui eu, estou cheio de sede, está cá um calor!
Velho escudeiro - A valentia do povo era o que devias ouvir, o que ela representava,
porque nesta época, mais do que em muitas, foi o povo que fez o reino, contra a ideia
que um reino é de um soberano.
Bobo -Não bebo valentia, dá-me da borracha!
Velho escudeiro - Toma, olha, nesse dia, 14 de agosto, estava um dia daqueles de verão,
todas aquelas lanças a horas a fio a pé, debaixo de couraças de couro e metal estavam
sedentas. Nun´Alvares disse que se vencessem, mais ninguém naquele lugar padeceria
de sede. E assim foi, depois da vitória mandou erigir uma ermida com uma bilha de água
sempre cheia.
Bobo - Ouvi essa estória mas contada de outra maneira, era de um general que vendo
as tropas sedentas lhes deu água de uma bilha que uma velha lhes trouxe. E a bilha
nunca se esgotava de água, e dessedentou toda a tropa. Todos ficaram varados-
Milagre! Gritaram, e de joelhos rezaram a S. Jorge.
Velho escudeiro - É mesmo assim essa estória, quem ta contou?
Bobo - Parece que o meu tio.
Velho escudeiro - Não foi o teu pai?
Bobo - Bobo não tem mãe nem pai, é filho de uma p (ouve-se piiiiii)
Velho escudeiro - Maluco do diabo.
- O escudeiro de D. Duarte está a tua cata
- Ainda querem passar pelo mosteiro, ver as obras. D. Duarte dá muito
apreço naquela obra. É colossal!
Bobo - Colossal como o diabo!
Velho escudeiro - És adorador do demo?
Bobo - É que sou do contra, quando se afirma também se nega.
Velho escudeiro - Ah pois! Coisa de bobo.
Bobo - Coisa de bobo pois claro!
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(chega escudeiro)
Escudeiro - Vamos embora, o meu senhor, já viu tudo, quer agora ir ao mosteiro.
Velho escudeiro - Sabes como o pai do vosso amo, el rei d. João I escolheu o local para
a construção do mosteiro?
Escudeiro - Como havia de saber?
Velho escudeiro - Deu um tiro de arco daqui destas terras de S. Jorge, onde a flecha
caiu, se fez esta obra.
Escudeiro - E que obra!
Velho escudeiro - E sabes quem a paga?
Escudeiro - O tesouro do reino?
- Não, nada disso. Os de Leiria, que por terem estado do lado dos de Castela fez o rei,
por vingança, a obrigação dos custos. E dizem que também os monges terão as despesas
a correr por conta dos mesmos.
Velho escudeiro – Os de Leiria, que por apesar de se declarem neutros, deram apoio aos
castelhanos. Assim se vingou o rei.
Escudeiro – É a guerra, quantas estórias trouxe esta batalha.
Velho escudeiro - Vamos lá! Também vou para o Porto com vocês, é lá que se está fazer
a armada. Estas estórias são em nome das vozes que aqui caíram e que chamam por
nós...
Escudeiro – Pois de grande valentia foram os nossos naquele dia.
Velho escudeiro - De muitas coisas se faz uma nação mas há uma que se ergue…
Escudeiro - A raça?!
Velho escudeiro – Não, o caráter. Como o caráter é da pessoa assim também o caráter
dessas pessoas são um país.
Não adianta procurar mil explicações, mil estórias ou credos
O que somos, é o que fazemos na comunhão dos valores.
Bobo- Tu ó velho, não és escudeiro, és rei! Rei das estórias! Rei dos Reis (piruetas)
FIM

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Despojos de Aljubarrota, o brilho das estórias

  • 1. 1 Despojos de Aljubarrota: O brilho das Estórias por Constantino Mendes Alves Local da ação – Campo de batalha de Aljubarrota Ano da ação – 1415 Velho escudeiro (soldado) da batalha de Aljubarrota – (toca uma caixa de tambor) Vinde, vinde ouvir estórias de outrora, que por serem velhas serão jovens nos vossos ouvidos ansiosos de aventura. Neste frenesim em que se encontra a preparação da armada, podeis ficar a saber da grandeza deste povo. Eu próprio vos contarei cousas com que nunca sonhastes, estórias de tamanhas figuras e criaturas que o nosso povo lusitano viveu em terras de S. Jorge, na dita batalha de Aljubarrota. Infante D. Duarte – Antes de rumar ao Porto e zarpar na Grande aventura Além-Mar, quero pisar estas terras de Santa Maria e São Jorge que tão tingidas foram de sangue de Portugal e Castela. Aqui se travou a maior e mais decisiva batalha da nossa História. Neste ano de 1415, faz por agora 30 anos, mais seis do meu nascimento, que se encontraram dois exércitos reais. Portugal estava dividido em duas causas, a de D. Beatriz, filha de D. Fernando I, casada com D. Juan de Castela, que por isso se fez proclamar rei de Portugal. O outro partido era de meu pai, D. João I, eleito rei pelas cortes de Coimbra. Entre 1383 e 1385 Portugal viveu uma verdadeira guerra civil. Famílias partidas, com irmãos dos dois lados da contenda, como os da família Álvares Pereira, Pedro e Diogo tomaram lugar no exército de D. Juan I e, o seu irmão, o undécimo de 32 filhos do Prior do Crato, D. Nuno Álvares Pereira, o nosso glorioso Condestável, do lado de D. João de
  • 2. 2 Portugal. Para além disso muitas cidades ora estavam por Castela e Leão, ou pelo rei, meu pai. O que se passava era que uns por vassalagem pensavam estar na lealdade para com o rei de Castela, por este ser marido de D. Beatriz; outros achavam que a vassalagem era para com a independência de Portugal e o seu agora legitimado rei. O meu nome é Duarte sou o infante de Portugal, filho de D. João, herdeiro do trono real, e agora que passeio por aqui, imaginando as hostes valorosas portuguesas, que apesar de serem poucas em relação ao inimigo, provaram a vitória, vencendo o medo e o destino com a coragem, a perícia de armas e estratégia. Decerto eu não teria nascido se Portugal não tivesse vencido aqui, se o rei por exemplo fosse morto pelo cavaleiro Álvares Gonçalves de Sandoval, num combate de morte em, com a ajuda de Martim Macedo, el-rei trespassa o seu inimigo, jazendo-o morto como muitos outros. Sempre foi destino nosso, de sermos poucos contra muitos, desde o grande rei contra mouros, ou mais antigo, Ramiro, de Viseu, ou o grande chefe Viriato contra os de Roma. Agora que já 19.000 lanças se farão ao mar na conquista de mais terras Além-Mar, é preciso que os nossos saibam que esta bandeira aqui nascida é imortal! Podem gerações perecer, mas os nossos em vida devem lembrar quão é grandiosa a alma de Portugal! (retira-se) Velho escudeiro – Naquele tempo, o homem sofria o purgatório, a peste negra grassava por todo o lado, queimavam-se cadáveres por todo lado, faltavam assim braços nos afazeres do campo, a fome espreitava em qualquer lugarejo. Tínhamos fome e o desespero era enorme, fiz-me cavaleiro do exército de Nun’Álvares Pereira, percorremos o reino de fio a pavio naqueles anos de 80, refregas, batalhas, escaramuças, fez de nós soldados duros e temidos, ao meu Deus e santos eu já não pedia, ver aquele homem ainda mancebo sempre silente e erguido na sua montaria branca, general Condestável, homem santo, em cujo coração ardia a mais rubra acha lusitana, era a minha religião, as suas ordens sacramentos. (bebe vinho da borracha) As lendas nascem assim, da palavra que queremos esmerar e não existe, da imagem que vemos indizível, da lição que tomamos e não encontramos facto. Nunca um acontecimento da História de Portugal fez surgir tantos mitos e lendas como da batalha de Aljubarrota, aliás que de Aljubarrota não tem nada pois essa localidade fica a 10 km do campo de batalha, mais correto seria dizer porventura que fora a batalha de Sta. Maria ou S. Jorge, santos padroeiros de D. João I e de Nun’Álvares Pereira, cujas insígnias se inscreviam nos estandartes do exército português. Olhai esta cebola, intacta ela tem forma e substância, é uma cebola, útil para a nossa alimentação.
  • 3. 3 Uma lenda é como uma cebola, composta de diversas camadas. Se considerarmos que cada camada sobreposta representa uma versão de cada autor sobre o mesmo determinado fato histórico, então, quando procuramos a própria verdade da história que queremos conhecer descascando cada camada da cebola ou da lenda, (descasca) quando chegamos ao fim, na nossa procura da verdade da estória compreendemos que não temos concretamente nada, pois as lendas raramente se baseiam em factos concretos. Mas as lendas, como as histórias são exímias representantes do pensamento popular sobre determinados factos ou verdades, pelas lendas podemos ficar a conhecer os medos, as ansiedades ou, por exemplo o impacto que determinadas figuras históricas tiveram na época. Sou um velho, já a terra se enamora pelo meu corpo, que cede a essa gravidade imortal. O passado, a memória representa mais para mim que o futuro. Desta velha biblioteca (aponta a cabeça) estão livros com estórias que devem ser contadas aos outros, para que não esmoreçam as vontades e as verdades, que nunca são preto no branco, mas importa compreender, que elas, as verdades, por serem importantes estão guardadas com o escudo da fantasia… Escudeiro- Eh! Velho homem, estiveste em Aljubarrota? Conta-se Que Nun’Álvares Pereira, que connosco vai também na armada, tinha uma espada sagrada, diz-se que da “Távola Redonda”! Velho escudeiro – Sois escudeiro do infante D. Duarte? (escudeiro acena que sim) Pois ficais a saber que o Condestável tinha mesmo uma espada, então como iria ele combater? Escudeiro - Ah! Ah! Pois claro, mas eu queria saber como era ela, de onde vinha? Velho escudeiro - Diz-se de um Alfageme, ali de Santarém, a mais bela espada já forjada. Não se sabe nada dela, mas se quereis acreditar…. Escudeiro - Pois que acredito, Nun’Álvares merece a melhor fantasia! Velho escudeiro - Assim aqui vai: Diz-se forjada em solstício de Verão. Escudeiro - O sol vencedor! Velho escudeiro - Isso mesmo! A espada original era de Artur, da Távola Redonda! Escudeiro - A Excalibur! Velho escudeiro - Essa mesmo! Andou perdida nos tempos, encontrada por Nun’Álvares e em Santarém a deu, para restaurar, a um alfageme judeu em Santarém de nome Fernão Vaz. Escudeiro - Como era?
  • 4. 4 Velho escudeiro - Não se sabe ao certo, há quem diga que tinha brilho de diamante e desenhada com curvas de ninfa, aberturas na lâmina, e tão afiada… Escudeiro - Afiada como? Velho escudeiro - Como a tua língua. Estás a delirar! Ah! Ah! Escudeiro - Não sei, parece-me uma espada digna do Condestável de Portugal! Velho escudeiro - Mas a estória continua…O Alfageme tinha um estratagema, ele era perseguido porque era judeu e quis assegurar o seu futuro, deu-lhe a espada bem afiada, em troca disse-lhe que D. Nuno lhe pagaria quando fosse conde de Ourém. D. Nuno estranhou aquelas palavras. Escudeiro - E depois? Velho escudeiro - E depois morreram as vacas e ficaram os bois, tendes de ter espera, a estória não sai sozinha. (bebe da borracha) Escudeiro - O vinho alembra-te a estória? Velho escudeiro - Digamos que me alegra a língua, onde íamos? Ah, sim. D. Nuno seguiu com a sua fantástica espada para o campo de S. Jorge. Escudeiro - Dizem que matava uma dúzia numa só espadeirada! Velho escudeiro - Nas lendas contam-se às dúzias, eu diria dois ou três, já é uma boa conta não é? Escudeiro - Uma dúzia parece-me melhor. Velho escudeiro - Uma dúzia seja, mas de valentia e galhardia não lhe faltava. D. Nuno é um grande general, de grande fé e de grande coragem, isso asseguro-te a verdade, os meus olhos o viram. Como combatia, havia quem caísse do cavalo só de o ver! (bebe mais vinho) Escudeiro - Só de o ver? É o que diz o teu vinho? Velho escudeiro - Não, que diabo, a mim ninguém fala mal do Grande Condestável de Portugal ao pé de mim. Queres provar da minha facha? Escudeiro - Não velho! Conta o resto da estória. Velho escudeiro - Bem a batalha de S. Jorge foi ganha pelo exército do rei D. João I. Entretanto o alfageme de Santarém tinha sido preso por invejas com a acusação de traidor. A mulher deste foi procurar D. Nuno e disse-lhe o que nenhum adultério se passara. D. Nuno, então já conde Ourém por dádiva de D. João pelos feitos de guerra, intercedeu junto do rei para libertar Fernão Vaz, o alfageme. Escudeiro - Fernão Vaz acabou liberto? Velho escudeiro - Assim foi!
  • 5. 5 Escudeiro - E a espada lá ficou! Velho escudeiro - Ele ainda a tem, será que a voltamos a ver agora em terras de Além- Mar? Escudeiro - Assim o espero, estou ansioso por ver de perto essa lenda viva! Mas diz-me meu velho para onde vai todo este exército que está para embarcar? Velho escudeiro - Não tenho sabido nada, diz-se aí, da arraia-miúda, que vamos pra além do mar. O que diz o teu amo? Escudeiro - Que é segredo o destino, não o deverei mais indagar, estar preparado para o fim do mundo, é o que ele diz! Velho escudeiro - O fim do mundo, este vasto exército….o dobro que em S. Jorge Escudeiro - Quantos eram lá? Velho escudeiro - Metade, não se sabe ao certo, mas naquele tempo 10.000 lanças era muita gente, mais toda aquela panóplia de gente que o seguia, quase 5.000: Armeiros, cutileiros, fabricantes de flechas e virotões, reparadores de arcos e bestas, arreeiros, correeiros, seleiros, tanoeiros, cordoeiros, reparadores de tendas, pintores, carpinteiros, ferreiros, forregeadores, condutores de carros de mantimentos, cozinheiros, pastores de gado, caçadores, segréis, bobos, lavadeiras, costureiras, prostitutas e até vagabundos prontos para a pilhagem. Escudeiro - E como correu a batalha? Falam que os de Castela tinham um monstro? Velho escudeiro - Ah, é verdade, um monstro do demo, o que chamamos uma besta bestial! Escudeiro - Então é verdade? Velho escudeiro - Sabes o que era o monstro? 22.000 Lanças de Castela contra 7.000 das nossas, não achas isso um monstro do diabo? Escudeiro - Como assim? Velho escudeiro - O medo, esse era o monstro. Seja como for, cá vai: Um bruxo castelhano procurou por aquelas terras um monstro que se dizia indomável. Escudeiro - Havia mesmo? Velho escudeiro - Tens de provar esta pinga! Velho escudeiro - E assim… - Na beberagem, encontrais os adornos de tamanha criatura, és capaz? Escudeiro - Pois sim, que quero ver. (bebe)
  • 6. 6 Velho escudeiro - Começou o bruxo por perseguir a besta pelo cheiro nauseabundo que empestava um souto ali perto. Sentes o cheiro? Escudeiro - Cheira-me a vinho! Velho escudeiro - Começas a cheirar, assim praticas o olfato, bebe! - Perseguindo aquele rasto que o nariz acusava, encontrou uma besta numa caverna a dormir. Escudeiro - Como era ele? Velho escudeiro - Como vês? Escudeiro - Em dobrado. Velho escudeiro - Pois era assim o monstro de duas cabeças e do dobro do tamanho de um burro. Escudeiro - De um burro? A mim parece-me uma coisa disforme. Velho escudeiro - Pois bem dito, disforme de duas cabeças. E os dentes? Escudeiro - Ele não comia homens? Velho escudeiro - Então imagina o tamanho desses dentes. Escudeiro - Como pedras de um castelo? Velho escudeiro - Ora aí tens o teu monstro! Escudeiro - E o rabo, quero dizer a cauda, não tinha? Velho escudeiro - Do tamanho do alcance de uma besta? Escudeiro - Assim tão grande? Velho escudeiro - Bebe mais um pouco. Escudeiro - Ah, sim, meia légua, tamanha figura! Velho escudeiro - Para o levar para a batalha, fez-lhe um feitiço. Escudeiro - O teu vinho é bom. Velho escudeiro - Pelos vistos quase tão poderoso como a poção que o bruxo deu ao monstro. Escudeiro - Ninguém resiste ao bom vinho Velho escudeiro - Não te desculpes, pariste a criatura. Escudeiro - E agora? Velho escudeiro - Ponto da situação: O monstro dos de Castela está na vanguarda do exército. Os de Nun’Álvares receiam.
  • 7. 7 Escudeiro - (tenta levantar-se, anda aos “esses” recuando) Recuaram? Velho escudeiro - Não tinham bebido tanto vinho como tu. Não, D. João I invocou S. Jorge, e este enviou-lhe o dragão. Escudeiro - Uma luta de feras! Velho escudeiro - O dragão desceu numa bola de fogo e atingiu a fera castelhana. - Tamanho turbilhão, foi uma coisa de infernos! - E urros de feras atingidas. Escudeiro - E o dragão? Velho escudeiro - Magnífico como só a fé pode forjar! Cada labareda… Escudeiro - E S. Jorge? Velho escudeiro - Impiedoso com o pecado incentiva a sua fera! Escudeiro - E o pecado? Velho escudeiro - De Castela em terra de Stª Maria. Escudeiro - E o fim? Velho escudeiro -O fim foi o princípio o dragão destruiu o monstro num instante, os de D. João atacaram e deu-se o desfecho conhecido. O rei de Portugal reconhecido a S- Jorge e mandou edificar uma ermida em honra do santo padroeiro. Escudeiro - Valente batalha! Velho escudeiro - E se foi. Sai o escudeiro. Aproxima-se D. Duarte D. Duarte – E é verdade que estiveste na grande batalha? Velho escudeiro - Sim, na verdade senhor. D. Duarte - Conta.me esses feitos, gostava de ouvir de tua viva voz. Discurso monólogo do Velho escudeiro sobre a batalha: - Dois dias antes da batalha, D. João I fazia o alardo, quer dizer a contagem das lanças, dos soldados, e organizava o exército em 4 corpos de manobra: A Vanguarda, a retaguarda e duas alas. Era a tática aprendida com os ingleses desde o reinado de D. Fernando, a célebre tática do quadrado. Os homens iam a cavalo e a pé, equipados conforme podiam e deviam: os cavaleiros fidalgos e mais ricos com mais equipagem de defesa, bacinetes ou elmos, com viseiras ou não; O Condestável tinha uma cota e peitoral, braçais e arnês de pernas e usava a sua famosa espada e uma adaga. Outros levavam uma lança, como os peões, que às vezes partiam para dar mais serventia a curta distância, o peão, na cabeça levava uma coifa, geralmente couro e armava-se de besta,
  • 8. 8 lança e ou espada, no caso dos ingleses de arco de longa distância. A dita arraia-miúda, armavam-se como podiam, de armas que eles próprios produziam a partir de alfaias agrícolas, como o escorpião de duas metades de pau, uma mais pequena que outra, unidas por tiras de couro, e na mais curta espetavam-se pregos, era uma arma temível. D. João contava no seu caderninho, os seus vassalos e homens de armas e ordenava: A vanguarda comandada pelo Condestável seria composta por 600 cavaleiros em três filas e mais 50 peões. O rei comandaria a retaguarda com 700 lanças mais besteiros e peões. Mem Rodrigues de Vasconcelos comandaria a Ala direita, que ficou conhecida pela Ala dos Namorados com 1.100 homens. A ala esquerda por Antão Vasques, com um total de 1200 homens. Dali a 2 dias a batalha: A véspera passámos em Porto do Mós. Os de Castela e Leão eram em Leiria. O Condestável foi inspecionar o terreno e escolheu para campo de batalha um pequeno planalto fechado nas laterais por 2 valas. A légua e distância fez-se depressa e todo o exército tomou as posições conforme o alardo de D. João I, virados para norte, à espera do inimigo que viria de Leiria, a favor do sol. Não demorou o rei Juan, doente, com o se vasto exército cobrindo caminhos e cabeços, parecendo um mar de gente. Os nossos lá estavam imóveis, compactos, com os estandartes coloridos por todo o exército. Quando os de Castela se aproximaram mais, perceberam a dificuldade do campo e decidiram contornar o exército lusitano e seguir para sul, para ficarem com o favor do sol. Os generais portugueses ficaram com medo que D. Juan não quisesse batalha e seguisse para Lisboa. Mas não, o exército estrangeiro voltou-se para a vanguarda portuguesa, que entretanto se virara a sul, ali a 2 tiros de besta. Houve um silêncio. Aqui e ali o relinchar das montadas. Estávamos juntos, duros com uma muralha. Um punhado de sal lusitano resistiria ao mar de Castela e Leão? Havia quem rezasse à medida que se acabavam ainda algumas covas de lobo, outros cortavam as lanças compridas, para terem mais serventia no guerrear. As cores misturadas em estandartes, bandeiras e nos corpetes de cavaleiros e peões davam um ar de raiva colorida à mole de gente determinada. Na memória viva dos soldados estavam os episódios contados de boca em boca que os de Castela tudo destruíam por onde passavam, nem respeitavam o território que agora reclamavam como seu. Imune ao tempo quer passava os portugueses esperavam. Os das fundas faziam os seus montículos de pedras e os besteiros e arqueiros experimentavam as cordas dos instrumentos. O Sol teimava-se de pôr, o calor era um braseiro que dessedentava toda a gente mas ninguém sucumbia, ou por fé, ou pelo valor do caráter. O impacto foi terrível. Eles vinham numa larga linha de gente com tudo para cima da gente. Dispararam primeiros as bombardas, que alguns de nós temiam que alarmasse o nosso dragão de S. Jorge, que por misericórdia ao rei e Nun’Álvares lutava connosco naquela hora de véspera. Mais próximos já vinha a cavalaria francesa que entesava ainda mais as lanças dos nossos peões. As flechas dos nossos arqueiros inundavam o céu e, de repente tudo se cingiu de raiva, bravura, sangue e suor. Os cavalos deles caíam nas
  • 9. 9 nossas fossas traiçoeiras ou eram atingidos pelas flechas dos besteiros do reino. Era uma amálgama de soldados e animais num frenesim de guerra. As duas vanguardas misturadas combatiam já com vantagem nossa, mas era hora do reforço da retaguarda e El rei D. João mandou subir o exército. As alas faziam o seu trabalho, a defesa daquele quadrado era defesa de uma nação cujo coração era Nun’Álvares Pereira, O nosso amado Condestável que exalava na luta e na estratégia e audácia, coragem, fé e valor, lutava com um anjo guerreiro, os seus homens faziam-se de escudo para o proteger. Aqui e ali, combates quase individuais de cavaleiros que combatiam tanto pelo país como da honra da sua casa ou da sua dama. D. Juan retirava-se, doente pouco acrescentava à batalha, e quem devia de lá, não acertava com a tática, pareciam dispersos e sem rumo. A batalha não duraria muito mas eram já milhares caídos na terra. D. João pelejava a pé o cavaleiro Sandoval, numa luta hercúlea, como um mancebo lutava o nosso rei com galhardia, depois Macedo acudiu-lhe e desfechou a sua facha no abdómen do invasor. Um toque lá do lado de Castela tocou e as tropas começaram, a recuar, não parecia haver necessidade de derramamento de mais sangue, os lusos ganhavam, não havia rei nem roque nas hostes dispersas de Castela, tinham perdido, Portugal valia-se, o estandarte de S. Jorge ergueu-se ainda mais alto. No terreno ficaram mil dos nossos, 4.000 deles. A proporção inversa da expetativa que investia no combate. (Vem o bobo) Bobo - o que sobrou? Velho escudeiro - o que sobrou como? Um país, Portugal independente! Bobo - quanto sobrou de vinho na borracha? Velho escudeiro - Sois tolo também por vinho Bobo - Quem me alegra quando desalegro? Velho escudeiro - Sois tolo, sempre, com ou sem vinho. Bobo - Diz-se que os portugueses fizeram batota. Velho escudeiro - Batota? Como assim, de 1 para 3 ou 4, Bobo - Tinham mistérios com eles… Velho escudeiro - Sim, mistérios são esses? Bobo - Então, um certo dragão dizimou centenas de peões e cavaleiros de Castela, “Fuuuuu” (dá um pulo) aquilo é que foi, ficaram com o cu a arder. Velho escudeiro - O dragão de S. Jorge, sim também o vi, aquele ardor na bravura dos soldados a lutar pelo seu país!
  • 10. 10 Bobo - Ora diz-me lá, não era o soldo em que eles pensavam? E nos proveitos da vassalagem que tinham aos senhores. Sim porque um país tem pertença e só pertence verdadeiramente aos proprietários. Velho escudeiro - És mesmo bobo! Um país, uma nação faz-se de tudo, dos mesmos interesses, desde a língua que usamos, aos costumes comuns, ao credo, ao território partilhado, até ao vil metal que defende o nosso tempo e labor. Mas com o que se luta é com a nossa paixão pela terra. Bobo - Por isso não luto, sabes a terra quando a provo, sabe-me mal, prefiro, uma codorniz bem assada… Velho escudeiro - Cala-te disparatateiro, não lutas pela terra por isso és um bobo. Só sabes rir e fazer rir com as tuas tolices. Bobo - A verdade esconde-se na tolice porque tem medo do poder de quem mente. O riso é ponte entre a verdade interdita e a hipocrisia da mentira. Velho escudeiro - Ah! Agora és sábio? Vá lá bebe um bocado, que te vou contar mais uma história de Aljubarrota. Bobo - Conta aquela da soldada que tinha quatro fiadas de dentes e matou uma quarta de castelhanos. Velho escudeiro AH! Referes-te à Brites de Almeida? Não era soldada, apesar de haver algumas nas hostes portuguesas, esta era padeira em Aljubarrota. Conta-se muita coisa dela, essa das quatro fiadas de dentes nunca tinha ouvido. De certa maneira podes imaginá-la como quiseres. Vamos a um jogo, tu fazes de padeira e eu descrevo-a. Por exemplo, era forte como dois soldados juntos, tinha peito para seis crianças de colo. Tinha bigode de urso, não mãos haviam seis dedos em cada uma. A voz era de homem, dos grossos. Lutava como Ajax, o grande rei grego. Uma bofetada dela, misturava a dentadura de quem com ela levava. (o bobo vai fazendo piruetas) São ditos, que por aí dizem, mas devia ser uma grande mulherona, nasceu lá nos Algarves, cuidava de taberna e de terras dos seus pais, que desiludidos com ela a viram partir para a vagabundagem, que o que ela queria era lutar como os homens, não servia bem de esposa. Parece que matou o próprio esposo, um besteiro real alentejano, à revelia da lei pôs-se ao fresco em barco de piratas mouros. Chegada a Tânger fizeram- na escrava, mas a nossa Brites dali se livrou à pancadaria e navegou até à Ericeira. Depois aí foi um passo até chegar a Aljubarrota, onde não se sabe como tomou conta de uma padaria.
  • 11. 11 Quando foi aberta caça aos castelhanos fugitivos de Aljubarrota, houve 7 que se esconderam no forno da nossa padeira. Ela que soube porque tinha cheiro de hiena, logo os descobriu e os matou com a pá do pão. Foi feita lenda, mas na verdade poderia ter havido tamanha mulher? Bobo – É de lenda! É de lenda que esta mulher de verdade seria uma besta. Velho escudeiro – Sim, mas o que ela representa… Bobo – Quem representou fui eu, estou cheio de sede, está cá um calor! Velho escudeiro - A valentia do povo era o que devias ouvir, o que ela representava, porque nesta época, mais do que em muitas, foi o povo que fez o reino, contra a ideia que um reino é de um soberano. Bobo -Não bebo valentia, dá-me da borracha! Velho escudeiro - Toma, olha, nesse dia, 14 de agosto, estava um dia daqueles de verão, todas aquelas lanças a horas a fio a pé, debaixo de couraças de couro e metal estavam sedentas. Nun´Alvares disse que se vencessem, mais ninguém naquele lugar padeceria de sede. E assim foi, depois da vitória mandou erigir uma ermida com uma bilha de água sempre cheia. Bobo - Ouvi essa estória mas contada de outra maneira, era de um general que vendo as tropas sedentas lhes deu água de uma bilha que uma velha lhes trouxe. E a bilha nunca se esgotava de água, e dessedentou toda a tropa. Todos ficaram varados- Milagre! Gritaram, e de joelhos rezaram a S. Jorge. Velho escudeiro - É mesmo assim essa estória, quem ta contou? Bobo - Parece que o meu tio. Velho escudeiro - Não foi o teu pai? Bobo - Bobo não tem mãe nem pai, é filho de uma p (ouve-se piiiiii) Velho escudeiro - Maluco do diabo. - O escudeiro de D. Duarte está a tua cata - Ainda querem passar pelo mosteiro, ver as obras. D. Duarte dá muito apreço naquela obra. É colossal! Bobo - Colossal como o diabo! Velho escudeiro - És adorador do demo? Bobo - É que sou do contra, quando se afirma também se nega. Velho escudeiro - Ah pois! Coisa de bobo. Bobo - Coisa de bobo pois claro!
  • 12. 12 (chega escudeiro) Escudeiro - Vamos embora, o meu senhor, já viu tudo, quer agora ir ao mosteiro. Velho escudeiro - Sabes como o pai do vosso amo, el rei d. João I escolheu o local para a construção do mosteiro? Escudeiro - Como havia de saber? Velho escudeiro - Deu um tiro de arco daqui destas terras de S. Jorge, onde a flecha caiu, se fez esta obra. Escudeiro - E que obra! Velho escudeiro - E sabes quem a paga? Escudeiro - O tesouro do reino? - Não, nada disso. Os de Leiria, que por terem estado do lado dos de Castela fez o rei, por vingança, a obrigação dos custos. E dizem que também os monges terão as despesas a correr por conta dos mesmos. Velho escudeiro – Os de Leiria, que por apesar de se declarem neutros, deram apoio aos castelhanos. Assim se vingou o rei. Escudeiro – É a guerra, quantas estórias trouxe esta batalha. Velho escudeiro - Vamos lá! Também vou para o Porto com vocês, é lá que se está fazer a armada. Estas estórias são em nome das vozes que aqui caíram e que chamam por nós... Escudeiro – Pois de grande valentia foram os nossos naquele dia. Velho escudeiro - De muitas coisas se faz uma nação mas há uma que se ergue… Escudeiro - A raça?! Velho escudeiro – Não, o caráter. Como o caráter é da pessoa assim também o caráter dessas pessoas são um país. Não adianta procurar mil explicações, mil estórias ou credos O que somos, é o que fazemos na comunhão dos valores. Bobo- Tu ó velho, não és escudeiro, és rei! Rei das estórias! Rei dos Reis (piruetas) FIM