O documento descreve uma partida de futebol ocorrida em 1925 entre o Torre Sport Club de Pernambuco e o Flamengo do Rio de Janeiro. O Torre abriu o placar com gol de Piaba, mas o Flamengo virou para 3x1 no segundo tempo, ficando com a taça em disputa. O texto também fornece contexto histórico sobre as duas equipes e o futebol na época.
1. maisesportes » www.jc.com.br/maisesportes
Tratamento de Imagem: Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira
Design: Yana Parente e Gustavo Correia Fotos: Acervos pessoais
N em somente da fábrica de tecelagem vivia o bairro da
Torre nas primeiras décadas do século passado. Os
moradores do local também vivenciaram a existência de um dos
O dia em que o
melhores times de futebol daquele período. O Torre Sport Club Torre encarou
é o assunto do segundo dia da série Quatro Campeões. Amanhã,
o JC destrinchará o Tramways. o Flamengo-RJ
Nas primeiras décadas do século passa-
Rafael Carvalheira diga-se de passagem, diversas partidas fo- do, quando o futebol ainda era predomi-
rvieira@jc.com.br ram interrompidas antes do final pela má nantemente amador, eram comuns excur-
condição do tempo, e, consequentemente, sões de times de outros Estados – sobretu-
Marcos Leandro dos campos, para a prática do futebol. do do Rio de Janeiro – a Pernambuco. A
mleandro@jc.com.br Uma delas, por sinal, acabou resultando vinda do América-RJ, em 1915, por exem-
no próprio título ao clube, que, se ainda es- plo, é apontado como um fator decisivo
O ano de 1930 foi emblemático para
a história do Brasil. No dia 24 de
outubro, estourou a revolução que
levou o gaúcho Getúlio Vargas à presidên-
cia da República. O golpe de Estado (Revo-
tivesse em atividade, teria completado 100
anos de fundação no último dia 13 de
maio.
O jogo aconteceu no dia 6 de outubro
para a guinada do esporte pelas bandas
de cá, trazendo ares de profissionalismo.
Estes amistosos interestaduais eram
considerados a abertura da temporada.
de 1929 e foi paralisado quando faltavam Em 1925, mais precisamente no dia 16
lução de 1930) depôs o antecessor Wa- ainda 35 minutos para o fim do duelo – o de janeiro, o Flamengo do Rio veio ao Re-
shington Luís, impediu a posse do presiden- placar marcava 0x0. No complemento da cife para enfrentar o Torre. Em disputa, o
te eleito Júlio Prestes e pôs fim à República partida, quatro meses depois, já em 16 de troféu Torre Sport Club, a ser entregue ao
Velha. Não imaginava o pai da CLT que a fevereiro de 1930, o Torre fez dois gols no vencedor do “match”, ocorrido no campo
sua chegada ao poder seria decisiva tam- Flamengo (Agnelo e Piaba), ficando com da avenida Malaquias e arbitrado por Al-
bém para o Torre Sport Club sagrar-se pe- a taça. Já em 1926, quando quebrou a he- cindo Wanderley, Pitota, meia-esquerda
la terceira vez campeão pernambucano. gemonia de Sport e América, que juntos de grande habilidade, que vestiu a cami-
Foi a última das taças estaduais conquista- haviam conquistado as últimas dez edi- sa do Santa Cruz nos primeiros jogos da
das pelo Madeira Rubra, cuja sede ficava ções, o Torre foi beneficiado pela briga de história do tricolor. O confronto está regis-
em Ponte d’Uchoa, hoje Avenida Rui Bar- Sport, América e Peres contra a Liga Per- trado nos arquivos oficiais da história do
bosa (foto acima) em 23 participações na nambucana de Desportes Terrestres. rubro-negro carioca (Flapédia).
elite local. Sentindo-se desprestigiados politicamen- Na época, o Flamengo já havia con-
O alvoroço político pelo qual passava o te, os três romperam com a entidade. O im- quistado quatro títulos estaduais,
Brasil, obviamente, invadiu as divisas per- passe durou seis meses, até que América e 1914/15/20 e 21 e seria o campeão de
nambucanas, afetando as mais variadas Sport decidiram entrar no Estadual, já no 1925. Os visitantes tinham um bom trio
atividades locais, inclusive o futebol. O en- final, mesmo sabendo que não possuíam de ataque, formado por Benevenuto, Jun-
tão governador Estácio Coimbra, um con- mais condições de brigar pelo título. O Pe- queira e Moderato. Já os anfitriões aposta-
fesso admirador do Torre, foi destituído do res, por outro lado, se manteve ausente. vam no goleiro Valença e na dupla Oswal-
posto, assumindo em seu lugar Carlos de Toda essa confusão acabou gerando a do Guimarães e Piaba, todos vestiriam,
Lima Cavalcanti. A turbulência implicou a transferência do atacante Péricles Caldas mais tarde, a camisa da seleção pernam-
paralisação do Campeonato Pernambuca- do Sport para o Torre. De futebol refinado bucana. Piaba, inclusive, marcou 55 gols
no de 1930. Os dirigentes se viram sem – diziam que poderia jogar de smoking pelo Madeira Rubra em Campeonatos
condições de dar sequência ao torneio. que não o sujaria de barro –, Péricles ti- Pernambucanos, tornando-se o maior ar-
O presidente da Liga Pernambucana de nha sido campeão pelo rubro-negro em tilheiro do clube na história da competi-
Desportes Terrestres (atual Federação Per- 1920, com apenas 17 anos, e tricampeão ção.
nambucana de Futebol), Renato Silveira, em 1923/24/25. No Torre, foi decisivo para O duelo seguia equilibrado, até Piaba
convocou assembleia extraordinária para a conquista do Estadual de 1926. fazer 1x0 para o Torre, aos 34 minutos
o dia 12 de dezembro e encerrou a compe- Foi dele um dos gols da vitória por 2x0 da etapa inicial. O Madeira Rubra, que
tição, mesmo com 20 partidas ainda por sobre o América, na última partida da havia sido vice-campeão pernambucano
realizar. Como liderava com 14 pontos, competição. “Meu pai era muito mão aber- no ano anterior, segurou a vantagem até
três a mais do que o América, o Torre foi ta. Por isso, não temos nenhuma recorda- o final do primeiro tempo – na época, ca-
declarado campeão. O último jogo do Ma- ção dos tempos de Torre, como faixas, ca- da tempo tinha 40 minutos, e não 45.
deira Rubra (assim conhecido pelo verme- misas ou medalhas. Mas lembro que era Mas, na etapa complementar, o Flamen-
lho predominante do seu uniforme) foi um jogador muito respeitado na época”, go impôs a sua melhor qualidade técnica
contra o Sport, quando venceu por 2x1, lembra seu filho, o escritor Paulo Caldas, e virou a partida para 3x1. Benevenuto,
com gols de Silva e Maturano. 64 anos, acrescentando que, além de jogar aos seis, Moderato, aos nove, e Junqueira,
O clube, aliás, parecia bafejado pela sorte futebol, o pai trabalhava em um banco es- aos 24, comprovaram o favoritismo e de-
quando a conjuntura, digamos, não era de trangeiro, já que a remuneração no fute- ram a taça ao rubro-negro carioca.
calmaria. O título que caiu no colo por con- bol era muito diferente dos dias atuais. Além do Flamengo, o Torre também
ta da turbulência causada pelo golpe de Péricles jogou pelo Torre ainda em enfrentou o Botafogo, quando o alvine-
1930 foi apenas o grand finale deste retros- 1927, retornando ao Sport em 1928, onde gro carioca fez uma excursão ao Recife
pecto insólito. “Teve confusão, o Torre é ganhou seu sexto título estadual ao lado em 1927. Mas, dessa vez, as lembranças
campeão.” Quando queriam provocar o Tor- dos irmãos Aloísio e Jubal. Faleceu em são mais cruéis: 4x0 para o time da Estre-
re, era esta frase que os rivais usavam. E, de 1970, aos 67 anos. O Torre, por sua vez, in- la Solitária, no dia de Natal, tendo como
toda maneira, com razão. Os outros dois tí- terrompeu a sua trajetória bem antes dis- palco novamente a avenida Malaquias.
tulos pernambucanos do time do coronel Jo- so. Atropelado pelo profissionalismo nos Vale a pena destacar que nessa mesma
sé da Silva Loyo Neto (Zeca Loyo) sofreram anos 30 e sem suporte de figuras políticas passagem por solo pernambucano, o Bo-
a influência de elementos extracampo. importantes do Estado, integrou a elite lo- tafogo derrotou o Sport (5x1), o Santa
Em 1929, quando o madeira rubra fatu- cal pela última vez em 1940, encerrando Cruz (1x0) e empatou com o América
rou seu segundo troféu, de forma invicta, sua história como vice-lanterna. (M.L.) (1x1). (M.L.)