Especial do Jornal do Commercio, publicado em dezembro de 2009, sobre os times que foram campeões em Pernambuco e ou já foram extintos — caso do Tramways, do Torre e do Flamengo — ou se encontram no ostracismo, como o América. Confira.
O Tramways, o primeiro clube-empresa e bicampeão invicto de Pernambuco
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O Tramways, time sustentado pela então companhia elétrica e
de transportes do Recife, passou sem pedir licença. Como
um furacão, causou estragos aos adversários nos sete anos em que
é bicampeão invicto do Campeonato Pernambucano. Mas
desapareceu da mesma forma, rapidamente. Este é o assunto do
terceiro dia da série Quatro Campeões. Amanhã, na última
esteve na elite do futebol local. Mantém até hoje uma exclusividade: reportagem, o América.
Rafael Carvalheira tida sequer nesses dois anos em que derrubou o trio de gleses, no qual comenta a presença e a influência in- Mesmo com a campanha muito superior a dos ri-
rvieira@jc.com.br ferro Sport, Náutico, Santa Cruz, além do América, que glesa no Recife. vais, ainda ficou a dúvida se o time teria fôlego para se
na época, ainda tinha muito prestígio. Como o próprio Muitos dos jogadores que vestiram a camisa do Tra- manter na ponta, caso a competição seguisse até o fi-
Marcos Leandro nome indicava, o Tramways era patrocinado pela em- mways também atuavam em times de bairros, na Liga nal. Por isso, no ano seguinte, os transviários fizeram
mleandro@jc.com.br presa inglesa, que foi responsável pela transição dos Suburbana, que era muito forte na época. Casos de Zé uma campanha ainda mais arrebatadora, para dizi-
bondes puxados por burros para os elétricos, na primei- Miguel, Olívio, Paisinho e Quetreco. Mas para ser bi- mar quaisquer dúvidas: 14 vitórias e apenas um empa-
D espachando no escritório central, que ficava na
esquina da Rua Aurora com a Princesa Isabel,
Domingos, Furlan e Rubinho. Na seção de ener-
gia, o ponteiro Olívio. O goleiro Zé Miguel ficava até al-
ra metade do século 20. Daí, a equipe de futebol tam-
bém ser conhecida como os “elétricos”.
De uma certa forma, pode-de dizer que o Tramways
foi o primeiro clube-empresa do futebol brasileiro. Brin-
campeão estadual foi preciso também tirar do Santa
Cruz Zezé, Júlio Fernandes e Alcides Cachorrinho, que
marcou 56 gols pelo Tramways em Pernambucanos,
tornando-se o maior artilheiro da equipe na história
te. Sessenta e quatro gols marcados e 16 levados. A pro-
va da superioridade do Tramways foi a goleada aplica-
da no Sport, por 5x2, no jogo que ratificou o título. Olí-
vio, Navarra, Alcides, Quetreco e Sopinha marcaram os
tas horas da noite como chefe de quarto do departa- cadeiras à parte, a relação era bem curiosa. Na época, da competição. Com dinheiro de sobra, o técnico Joa- tentos dos elétricos.
mento de luz. Sopinha, Guaberinha, Paisinho e Fausti- o profissionalismo ainda não tinha se consolidado em quim Loureiro veio de São Paulo para armar a equipe. Até 1941, quando disputou o seu último Estadual, o
no exerciam outras funções na empresa. O entrosamen- Pernambuco. A maioria dos “pebolistas” ainda não ti- Os elétricos disputaram sete estaduais, de 1935 a 41. Tramways seguiu fazendo um papel digno. O fim da
to na inglesa Pernambuco Tramways and Power Com- nha contrato e não recebia dinheiro para jogar futebol. O primeiro título, em 1936, foi tumultuado. Mesmo equipe foi assim explicado por Haroldo Praça, em seu
pany Limited, que foi concessionária dos serviços elétri- Mas no caso dos elétricos, a situação era um pouco dife- ainda faltando 16 partidas para o fim da competição, livro O Gôl de Haroldo, de 2001. “Não obstante reunir
cos e de bondes do Estado durante 50 anos (até 1962), rente. “Muitos jogadores jogavam pelo Tramways em os clubes e a Federação Pernambucana de Desportos re- bons jogadores e armar equipes destacadas, o ‘elétrico’
deu origem ao primeiro, e até hoje único, bicampeão troca de emprego na empresa. Era uma espécie de ama- solveram encerrar o certame. Com sete pontos a mais foi vitimado por moléstia incurável: clube de dono (An-
invicto da história do Campeonato Pernambucano. dorismo marrom, já que os atletas tinham sim salário, do que Náutico e Santa Cruz, o Tramways foi declara- tônio Rodrigues de Souza, diretor da empresa britâni-
No biênio 1936/37, foi o Tramways Sport Club quem não pelo futebol, mas pelas funções que exerciam na do campeão. Sua última partida foi contra o Sport, o ca, responsável pelo investimento na montagem dos ti-
deu as cartas no certame local. O tricolor transviário – companhia inglesa”, destaca o cardiologista e escritor qual derrotou por 3x2, com dois gols de Sopinha e um mes de 1936/37). E aí começou a entrar para a histó-
vestia branco, azul e vermelho –, não perdeu uma par- Rostand Paraíso, que em 1997, lançou o livro Esses In- de Olívio. Foram 11 vitórias e dois empates. ria mais uma aparição brilhante efêmera.” (M.L.)
Bermudes: argentino muy
boêmio, mas bom de bola
Na trajetória do primeiro título estadual do Tra- tricos fez com que o Náutico o contratasse. No Timbu,
mways, em 1936, um jogador merece um capítulo à ele foi novamente campeão pernambucano, em 1939.
parte. Dono de um potente chute, de causar medo nos Companheiro de Bermudes nessa conquista, o golei-
goleiros, como diziam os jornais pernambucanos da ro Djalma, 90 anos, lembra com muita saudade do
época, o argentino Bermudes foi um dos pilares da iné- amigo. “Bermudes era formidável, um grande amigo.
dita conquista do grêmio transviário. Tanto que aca- Dançava muito bem tango. Um dia, chegou a notícia
bou se transferindo para o Náutico, onde integrou o ti- de que ele havia morrido. Pedi licença a Cabelli (Um-
me que foi campeão pernambucano em 1939, o segun- berto, técnico uruguaio, que comandava o Náutico) e
do da história alvirrubra, ao lado dos Carvalheira: Fer- fui para a pensão onde ele morava. Chegando lá, o en-
nando, Zezé e Emídio. contrei no chão, envolto a cigarros e bebida, mas esta-
Em 13 jogos pelo Tramways no Estadual de 36, o va vivo. Então, entrei em contato com a família dele, e
meia-direita Bermudes fez 19 gols, cravando o seu no- o seu pai mandou dinheiro para mandá-lo de volta a
me na galeria dos artilheiros do Campeonato Pernam- Buenos Aires”, relata.
bucano. Náutico, Sport e Santa Cruz sofreram nas Nos anos 50, o ex-arqueiro alvirrubro foi à capital
mãos, ou melhor, nos pés do gringo, que balançou a argentina somente para rever o amigo. “Em 1953, nos
rede do trio de ferro. O Torre, principal rival do Tra- encontramos em Buenos Aires. Ele estava trabalhando
mways, era sua vítima favorita. Na goleada por 8x4 so- como locutor de rádio. Foi a última vez que nos vi-
bre o Madeira Rubra, Bermudes fez a metade dos gols mos”, relembra Djalma, que soube da morte do ami-
dos transviários. go anos depois, através de uma carta enviada pelo es-
Ao todo, juntando os Estaduais de 1935 e 36, Bermu- posa do argentino, Helena.
des marcou 32 gols pelo Tramways – terceiro maior Pelo Náutico, Bermudes anotou 12 gols pelo Esta-
goleador da equipe no Pernambucano, atrás de Alcides dual de 39. No ano seguinte, porém, anotou apenas
Cachorrinho (56 gols) e Olívio (46). O sucesso nos elé- dois, ambos em amistosos. (M.L.)