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III Simpósio Nacional Villa-Lobos: análise musical, história e conexões.
Festival Villa-Lobos 2017.
A Dança Frenética:ecos da crítica no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos
1920
Maria Aparecida dos Reis Valiatti Passamae
Orquestra Sinfônica do Espírito Santo – OSES
aparecidavaliatti@hotmail.com
Resumo. Este trabalho apresenta e discute a evolução da crítica musical desde o século XVIII até o
século XX, com suas principais características. Faz uma breve abordagem das características
socioculturais das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro para, então, expor as críticas publicadas
nos jornais sobre o trecho sinfônico do bailado Dança Frenética, do primeiro ato da ópera Zoé de
Heitor Villa-Lobos, apresentada, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, pela orquestra da
Sociedade de Cultura Artística e, no mesmo ano, apresentada no Rio de Janeiro pela orquestra
Filarmônica de Viena. As críticas abordadas neste artigo foram publicadas pelos jornais paulistas
Correio Paulistano e Folha da Noite e pelo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, esse, a cargo de
Oscar Guanabarino.
Palavras-chave
Villa-Lobos. Dança frenética. Crítica musical. Oscar Guanabarino.
The Dança Frenética (Frenetic Dance): echoes of critique on Rio de Janeiro and São
Paulo in the 1920’s
Abstract. This paper presents and discusses the evolution of musical criticismfromthe eighteenth
century to the twentieth century with its main characteristics. Briefly discusses the socio-cultural
characteristics of the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, and then exposes the critics published
in the newspapers about the symphonic piece of Dança Frenética (Frenetic Dance), fromthe first
act of the opera Zoé by Heitor Villa-Lobos as composer, presented at the Municipal Theater of São
Paulo in 1922 by the Orchestra da Sociedade de Cultura Artística (Society of Artistic Culture
Orchestra) and in the same year presented in Rio de Janeiro by the Vienna Philharmonic
Orchestra. The criticisms addressed in this article were published by the newspapers Correio
Paulistano and Folha da Noite from the City of São Paulo and the Jornal do Commercio on Rio de
Janeiro, this one by Oscar Guanabarino responsability.
Keywords. Villa-Lobos. Dança frenética (Frenetic dance). Musical criticism. Oscar Guanabarino.
Introdução
A última década do século XIX e as primeiras do século XX foram de fortes
transformações no Brasil com o advento da República (1889) e o aparato ideológico
2
positivista que permeava o pensamento da oficialidade jovem do Exército que derrubou o
Império e direcionava as ações do governo na busca de uma modernização que fosse
representativa de uma nova mentalidade do novo regime.
Nesse contexto, duas cidades despontavam para a modernidade representativa do
novo regime: o Rio de Janeiro, a capital da República, e a cidade de São Paulo, com uma
grande parcela de sua elite muito vibrante e empreendedora.
“O Rio de Janeiro, a capital, passara por fortes transformações no início do século
XX para readequar a cidade ao formato das capitais dos países importantes do mundo, no
modelo parisiense de urbanização” e, conforme mencionado, “para romper com o passado
colonial e imperial” pela busca da consolidação do novo regime. (PASSAMAE, 2015, p. 3).
São Paulo, por essa época, era uma realidade totalmente diferente da cidade do
Rio de Janeiro, que usufruía os benefícios da bela urbanização, herança da política que lhe
trouxe a aparência da Paris da belle époque (PASSAMAE, 2013, p. 71). Possuía suas
especificidades configuradas, ao contrário do Rio com seu cosmopolitismo parisiense, no
“[...] empenho das elites locais, mergulhadas num universo de imigrantes de múltiplas
nacionalidades em buscar uma mítica identidade regional empreendedora” (PINTO, 1999, p.
140 apud PASSAMAE, 2013, p. 71).
O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir os cenários da crítica musical no
contexto da obra Dança Frenética, de Heitor Villa-Lobos, ambientada no Rio de Janeiro e em
São Paulo com suas diferentes especificidades regionais, ou seja, nos diferentes contextos
socioculturais de cada ambiente regional.
As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo no início da década de 1920
As transformações por que passara a cidade do Rio de Janeiro em princípios do
século XX para se adequar como Capital da República recém instalada, como já mencionado,
não se configurava apenas com suas mudanças físicas de inspiração parisiense. A cidade,
representativa do país, deveria se mostrar também como um espelho da transformação que o
regime republicano se propôs a implantar. Nesse contexto, a Capital deveria também espelhar
uma sociedade culturalmente alinhada com os padrões urbanísticos europeus.
Do ponto de vista artístico, comparativamente à cidade de São Paulo, “[...] o
ambiente musical do Rio não era apenas mais encorpado [...]”; era também muito mais
entrosado nas novas tendências, especialmente as francesas. Milhaud trabalhara como adido
da embaixada francesa no Rio, entre 1917 e 1918, e surpreendeu-se com a descoberta de “[...]
3
uma elite viajada e bem informada que lhe permitia viver num ambiente sintonizado com a
cultura de seu país” (GONÇALVES, 2012, p. 234 apud PASSAMAE, 2013, p. 71).
São Paulo, por outro lado, passava, na década de 20, por transformações vigorosas
“[...] de todas as naturezas: econômicas, sociais, administrativas e principalmente culturais”.
Sua conformação não era conhecida em sua totalidade, pois ainda se formava. A composição
desse semblante se apoiava, “[...] por um lado na influência do modelo civilizador e
modernizador da Belle Époque europeia - particularmente a francesa - e de outro numa sólida
herança cultural, advinda das nossas raízes coloniais” (PINTO, 1999, p. 140 apud
PASSAMAE, 2013, p. 71).
O cenário da crítica musical
A crítica musical do século XIX foi submetida a uma mudança de estilo que já
vinha se apresentando desde fins do século XVIII. Assim, “tornou-se pesada, mais simples e
acessível, também mais flexível, ao que a mentalidade romântica acrescentou o entusiasmo, a
poesia e às vezes o idealismo na abordagem e apreciação da música” (SUPICIC, 1997, p.
671). No século XVIII, o crítico musical era um especialista, músicos competentes ou mesmo
teóricos. Com o aumento do público e o novo cenário da música e dos músicos no século XIX
“[...] quase todo mundo começou a sentir-se com direito de dar palpite nessa área, o que
contribuiu para o desenvolvimento de um certo diletantismo e impressionismo crítico”. A
crítica profissional e competente, de um lado, e a que não o era, de outro, passaram a coexistir
lado a lado. Músicos notáveis e de renome, como Schumann e Berlioz, foram críticos. Mas
escritores metidos, “sem competência específica, como Stendhal e Balzac, formavam um
numeroso grupo que também escreveu sobre música” (SUPICIC, 1997, p 671-72).
O que se consolidou como a principal característica da crítica musical do século
XIX, entretanto, “foi o fato dela ter enfrentado praticamente as mesmas contestações que a
estética da música”. Assim, foi desaparecendo aos poucos “toda a unidade de concepções que
a fundamentava no século anterior” e, para isso, as movimentações da sociedade, ocorridas na
época, vieram a contribuir sobremaneira, visto encontrarem-se “marcados cada vez mais por
divisões de toda espécie – filosóficas, políticas e sociais”. Como contraponto “à competência
profissional e ao brilho estilístico de certos críticos, como Hanslick”, por exemplo, “somava-
se todo um mundo de intenções malévolas, apadrinhamentos e partis pris que levava os
críticos a dizerem absurdos e desviarem-se dos verdadeiros objetivos de uma crítica musical
autêntica e respeitadora da verdade” (SUPICIC, 1997, p. 671).
4
O problema parece persistir ao longo do século XX, como pode ser observado no
artigo de Liliana Harb Bollos, intitulado Crítica musical no jornal: uma reflexão sobre a
cultura brasileira. Embora o foco do texto seja a crítica jornalística de música popular, a
autora comenta a crítica jornalística de música erudita efetuada por escritores na primeira
metade do século XX e a transição para os cronistas na segunda metade. Assim, segundo a
autora, “a crítica de música erudita [...] produziu um jornalismo cultural de características
literárias desde a primeira metade do século XX com expoentes importantes da nossa cultura
como os escritores Mário de Andrade, Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux” (BOLLOS,
2005, p. 271). Vale observar que alguns desses personagens possuíam também formação
musical, embora suas atividades principais ficassem no campo da poesia e literatura. Mário de
Andrade, por exemplo, lecionava piano e atuava como musicólogo com obras de
etnomusicologia e Otto Maria Carpeaux, erudito de primorosa formação, autor de vasta obra
literária que inclui Uma Nova História da Música, entre outros expoentes da cultura
brasileira.
Sobre a crítica, a partir da etimologia, a autora estabelece uma definição funcional
na qual a crítica teria como função “fragmentar uma obra de arte, colocar em crise a ideia que
se tem do objeto, para, assim, poder interpretá-la” (BOLLOS, 2005, p. 271). Pelo menos é o
que deveria acontecer como padrão.
Por outro lado, citando Adorno, mostra que, de modo geral, aos críticos musicais
jornalísticos do século XX, falta conhecimento do objeto, ou seja, da música e, nesse sentido,
a crítica passa a sofrer uma influência subjetiva muito além do razoável e a análise vem, de
certa forma, contaminada.
Influenciado pela indústria cultural e pelo poder dos meios de comunicação (e mais
tarde pela obrigatoriedade do diploma de jornalismo), esse formato de jornalismo
impôs novos padrões à crítica musical, sendo o escritor substituído pelo ‘cronista’,
pelo jornalista não-especialista, e irá explorar do texto um caráter mais ideológico e
histórico e menos estético, deixando os aspectos musicais para segundo plano
(BOLLOS, 2005, p. 271).
Um dos mais importantes críticos de artes das últimas décadas do século XIX e
das primeiras do século XX, Oscar Guanabarino de Sousa Silva (Niterói, 1851 – Rio de
Janeiro, 1937), chegou a debater com outro colega, crítico de outro jornal, essas lacunas na
formação técnica de um lado e, de outro lado, a questão do caráter duvidoso, também citado
por Bollos em seu artigo, numa citação direta de Adorno.
Na troca de acusações, Oscar Guanabarino dá-lhe as alcunhas de crítico
impossível e crítico ladrão. A primeira se relacionava com a alegada incompetência musical
do antagonista: o aprendizado do crítico impossível estava impossibilitado – por isso
5
impossível – devido ao seu início tardio na profissão de crítico musical, cujas possibilidades
de educar o ouvido e sedimentar sua capacidade de observação se encontram dificultadas. A
segunda alcunha, a de crítico ladrão, refere-se à prática do antagonista em copiar e publicar,
como seus, textos de terceiros mais de oito vezes após ter sido pilhado no ato (PASSAMAE,
2013, p. 83).
É nesse contexto, que emergem as críticas da obra de Heitor Villa-Lobos
intitulada A Dança Frenética.
As críticas de Dança Frenética de Heitor Villa-Lobos
Segundo o catálogo Villa-Lobos e sua obra, do Museu Villa-Lobos, a peça
intitulada Dança Frenética é um trecho sinfônico de um bailado do primeiro ato da ópera
Zoé, em 3 atos, com libreto de Renato Viannai, composta no Rio de Janeiro por Heitor Villa-
Lobos, em 1919 (MUSEU VILLA-LOBOS, 2010, p. 75).
A peça foi apresentada em São Paulo, em 07 de março de 1922, cerca de duas
semanas após o festival da Semana de Arte Moderna de São Paulo (11/02 a 18/02/1922) e
noticiada na coluna Registro de Arte do jornal Correio Paulistano que não vem assinada.
Segundo o jornal, a obra foi apresentada “perante uma seleta assistência, [...] no Theatro
Municipal, [como] mais um interessante sarau da Sociedade de Cultura Artística, com um
concerto sinfônico, em que foram executados exclusivamente trechos do compositor patrício
Sr. Villa-Lobos”ii.
A nota do jornal é bastante favorável ao programa apresentado, com raros e muito
cuidadosamente elegantes comentários desfavoráveis, registrando que as obras foram “[...]
reveladoras de um perfeito conhecimento dos modernos processos de orquestração, as
composições do festejado maestro produziram, em conjunto, favorável impressão na
assistência”. O comentário jornalístico informa que as peças estavam “[...] subordinadas a
vários gêneros [...]” e que foram escritas em épocas diferentes. As composições incluídas no
programa “[...] evidenciaram também um belo talento, preocupado, porém não raro com
inovações nem sempre felizes”.
Desconsiderando as infelizes inovações, prossegue o jornal afirmando que seria
“justo reconhecer em vários trabalhos, como no poema baile Naufrágio de Kleónikos, no
prelúdio sinfônico da ópera Izakt (sic!)iii e em parte da Dança Frenética, da ópera Zoé, raras
qualidades de orquestrador aliadas a certa felicidade de inspiração”. A reação do público
também foi noticiada como sendo diversa daquela da Semana de Arte Moderna: “[...] a
6
assistência, que por vezes se mostrou excessivamente reservada, não lhe regateou, porém,
sinceros aplausos no final do concerto”, inclusive ao “talentoso violoncelista Newton de
Pádua” coberto “com fartas palmas a ótima execução que deu ao concerto primeiro de
violoncelo e orquestra”iv. A orquestra, da Sociedade de Concertos Sinfônicos, foi regida pelo
maestro Villa-Lobos.
Vale lembrar que outros jornais, como o Folha da Noitev, em meados de fevereiro,
em matéria também não assinada, referindo-se à Semana de Arte Moderna, comenta que as
expectativas eram tenebrosas devido às promessas prévias dos promotores e, embora o
programa apresentado houvesse sido inusitado, os ditos “reformadores” da arte passaram “a
gozar da reputação de idiotas”. Não obstante o jornal ter considerado Villa-Lobos “um grande
compositor e [...] um temperamento artístico excepcional”, considera também que as
tendências mostradas no programa da Semana “estariam melhor num capítulo de
psicopatologia”.
A mesma peça foi apresentada no Rio de Janeiro pela Filarmônica de Viena sob a
regência do maestro Felix Weingartner (1863 – 1942), acompanhada de perto por Oscar
Guanabarino, o pianista, professor e crítico nos jornais O Paiz e Jornal do Commercio.
Guanabarino não foi menos duro com a composição do que apresentou a Folha da Noite.
No contexto das polêmicas ocorridas por ocasião da Semana de Arte Moderna,
Guanabarino “não aceita [...] que se julgue genial qualquer artista que transgrida os cânones
dos procedimentos artísticos apenas pela transgressão: não se trata [...] de reproduzir sons,
mas produzir sons com arte”. Para o crítico, a obra nada mais era que um “[...] amontoados de
notas que chocalham [...] como se todos os músicos da orquestra [...] tocassem pela primeira
vez [...] que assim perdem o seu colorido, o seu timbre, a sua nobreza e majestade,
transformando [...] em guizos, berros e latidos” (PASSAMAE, 2013, p. 69-70).
A obra fora também repudiada pelo público e o “repúdio da plateia carioca à peça
do maestro Villa-Lobos, consubstanciado em risos durante a execução, ensejou comentário do
poeta Ronald de Carvalho” ao que, Oscar Guanabarino confronta os cenários dos “concertos
da Filarmônica de Viena e os dirigidos pelo maestro Francisco Braga” com a orquestra da
Sociedade de Cultura Artística do Rio de Janeiro que nunca aconteciam diante de “[...]
poltronas vazias, como aconteceu agora com os concertos futuristas do Sr. Villa-Lobos”
(PASSAMAE, 2013, p. 70).
Sobre os textos críticos de Oscar Guanabarino, Clovis Marquesvi escreve sobre
“duas reações contraditórias de Guanabarino à música de um Heitor Villa-Lobos que então
ainda não era o monstro modernista que esse crítico viria a invectivar com regularidade”.
7
Segundo o autor, “[...] sob a batuta de Weingartner em 1920, Guanabarino se ‘encheu de
alegria’ com a audição de O naufrágio de Kleónikos, de Villa-Lobos, ‘já executado nesta
Capital, mas muito antes do Pelléas et Mélisande’”. Guanabarino prossegue na crítica
elogiosa, na opinião de Marques, de O naufrágio de Kleónikos: “[...] vimos, então, que
Debussy não é esse gênio que mereça tão alto pedestal como querem os músicos futuristas ou
coisa que o valha. O trabalho do nosso patrício vale muito mais do que a partitura do
nefelibata francês”. Prosseguindo, ainda segundo Marques, Guanabarino justifica sua
apreciação sobre O naufrágio no contexto da obra de Debussy:
Lá estão os mesmos processos, os mesmos efeitos, o mesmo sistema de harmonia
dissonante tomando a exceção como regra, a escala de tons inteiros, etc.; mas no final há
música, há arte, há o belo contemplativo na melodia cantada pelo violoncelo acompanhado
por efeitos delicadíssimos e originais obtidos das harpas e clarinetes. O Sr. Villa-Lobos
merecia uma ovação dos seus patrícios (MARQUES, 2011, p. 5).
A contradição, por outro lado, é apresentada quando, em 1922, dois anos depois,
portanto, Guanabarino encerrava, segundo Marques, “uma das críticas dos concertos dos
filarmônicos vienenses regidos por Weingartner”:
“[O público] Aplaudiu também o Ave! Libertas, de Leopoldo Miguez, e com
certeza não compreendeu a Dança frenética de Villa-Lobos, talvez por estar errado o título,
que deveria ser Dança de S. Guido, com uma nota explicativa que dissesse: Para ser executada
por músicos epilépticos e ser ouvida por paranóicos” (MARQUES, 2011, p. 5).
Não há contradição. O autor se refere à reação negativa do crítico e da platéia
carioca ao Pelléas et Mélisande, de fato. Guanabarino ousou “expor o insuportável de Pelléas
et Mellissande e, ao mesmo tempo, elogiar L’enfant prodigue, ambas de Debussy”
(PASSAMAE, 2013, p. 70). Não se trata de contradição para Guanabarino que, mais de uma
vez considerou obras de Villa-Lobos um desperdício de talento devido a erros por falta de
revisão.
Conclusão
O espírito de mudança para consolidar a transição do regime monárquico para o
republicano espraiou-se pelas maiores cidades brasileiras entre a última década do século XIX
e as primeiras décadas do século XX, tendo como uma de suas vertentes a Semana de Arte
Moderna de São Paulo, cuja capital vinha se desenvolvendo espantosamente devido à intensa
imigração e à parte operosa de sua elite.
8
O Rio de Janeiro guardava a tradição de ex-capital imperial e, em 1922, a capital
da República já se encontrava totalmente remodelada no formato da belle époque parisiense,
com uma população mais sofisticada e influenciada pela convivência com o corpo
diplomático da República.
A crítica de arte, principalmente a das artes musicais, já vinha se desenvolvendo
desde o século XVIII, quando era exercida por músicos e profissionais com formação
adequada.
Durante o século XIX, foi se transformando com o aumento do público, pois,
neste período, já se desvinculara de serem demandadas pela aristocracia e pela Igreja, como
ocorria no século anterior. Se, de um lado, figuras de elevado conhecimento técnico como
Hanslick e músicos como Schumann e Berlioz, estiveram nessa atividade de críticos, por
outro lado, grandes escritores carentes de competência específica, como Stendhal e Balzac,
também se meteram a escrever críticas de artes musicais. Mas havia muitos sem uma coisa ou
outra e cujas motivações eram de más intenções, tendenciosas e de apadrinhamentos que os
levavam a dizer absurdos em relação aos objetivos de uma crítica musical autêntica e
verdadeira. Esse processo continuou no século XX, apenas deixando de ser exercido pelos
grandes escritores, mas guardando os vícios observados anteriormente, em parte, com
carência de conhecimento técnico e em parte motivada por interesses nem sempre virtuosos,
com as exceções de sempre.
A constatação pode ser verificada num debate aberto pela imprensa especializada
entre Oscar Guanabarino e um outro crítico musical sem qualquer capacitação e com baixo
padrão moral e ético.
Heitor Villa-Lobos compôs, em 1919, a ópera Zoé em 3 atos, com libreto de
Renato Vianna, na qual, em seu primeiro ato, há um bailado intitulado Dança Frenética, com
um trecho sinfônico apresentado, em 1922, em São Paulo, pela orquestra da Sociedade de
Cultura Artística, regida pelo compositor e, no mesmo ano, no Rio de Janeiro pela orquestra
Filarmônica de Viena.
As críticas publicadas pelos jornais da época, tanto em São Paulo quanto no Rio,
não são, de modo geral, favoráveis à obra e repercutem a mesma impressão do público, com
exceção do Correio Paulistano, cuja crítica é apresentada numa linguagem menos contundente
que os demais e relata que a obra apresenta, “não raro, [...] inovações nem sempre felizes”.
Outros jornais paulistanos são mais contundentes, classificando o programa como caso de
psicopatia, como é o caso do Folha da Noite.
9
A crítica efetuada pelo principal articulista de arte carioca, Oscar Guanabarino, foi
muito ácida, acompanhando a linha do Folha da Noite. Para o crítico carioca, a obra se
resume num “amontoado de notas que chocalham como se todos os músicos da orquestra
tocassem pela primeira vez” e, portanto, as notas “[...] perdem o seu colorido, o seu timbre, a
sua nobreza e majestade, transformando [-se] em guizos, berros e latidos”. Portanto, nesse
caso, não se tem uma peça musical.
Alguns autores avaliam como contraditórias as críticas de Guanabarino que, se de
um lado, detona Dança Frenética, de outro, elogia O naufrágio de Kleónikos,
comparativamente ao Pelléas et Mélisande de Claude Debussy, que havia sido rejeitado pelo
público e por ele mesmo ao publicar sua crítica sobe essa obra. Guanabarino, acerca de O
naufrágio de Kleónikos, informa que possui os mesmos processos, os mesmos efeitos e o
mesmo sistema de harmonia dissonante do Pelléas et Mélisande, porém, a obra de Villa-
Lobos possui o belo contemplativo na melodia do violoncelo, entre outras passagens
elogiadas. Ou seja, há arte na obra do compositor brasileiro.
Esse posicionamento de Guanabarino não pode ser avaliado como contraditório,
visto que esse crítico não se atém ao indivíduo compositor, mas à obra composta. Igualmente,
detonou Pelléas et Mélisande, de um lado, e elogiou muito o L’enfant prodigue do mesmo
compositor, do outro.
Assim, verifica-se que, de modo geral, o trecho sinfônico do bailado Dança
Frenética, do primeiro ato da ópera Zoé, composta por Villa-Lobos em 1919, não foi muito
bem aceita pela crítica especializada tanto em São Paulo, quando foi executada no Teatro
Municipal pela orquestra da Sociedade de Cultura Artística daquela cidade, regida pelo
compositor, quanto no Rio de Janeiro, quando foi executada pela Orquestra Filarmônica de
Viena, regida por Felix Weingartner.
Referências
BOLLOS, Liliana Harb. Crítica Musical no Brasil: Uma reflexão sobre a cultura brasileira.
Opus, Goiânia, v.11, n.11, p. 270-282, dez. 2005.
GONÇALVES, Marcos Augusto. 1922: a semana que não terminou. 14. ed. São Paulo: Cia.
das Letras, 2012.
MARQUES, Clóvis. O municipal do Rio enfim contado. Disponível em:
<http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/o-municipal-do-rio-enfim-contado/>. Acesso em: 15
jul. 2017.
10
MUSEU VILLA-LOBOS. Catálogo das Obras de Villa-Lobos. Disponível em:
<http://museuvillalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.1.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Oscar Guanabarino e sua produção
crítica de 1922: 2013. Dissertação (Mestrado em Musicologia) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Temporada lírica de 1922: os cenários do
Rio de Janeiro, Europa e América do Sul. In: VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE
MUSICOLOGIA DA UFRJ, n. 6., 2015, Rio de Janeiro/RJ. Anais... Rio de Janeiro: VI Sim,
2015. p 2 – 15.
PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cultura de massas e representações na paulicéia dos
anos 20. Revista Brasileira de História, São Paulo: Departamento de História/FFLCH-USP,
v. 19, n. 38, 1999.
SUPICIC, Ivo. Situação sócio-histórica da música no século XIX. In: MASSIN, Jean;
MASSIN, Brigitte. História da música ocidental. Trad. Ângela Ramalho Viana, Carlos
Sussekind e Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 661-672.
MARIA APARECIDA DOS REIS VALIATTI PASSAMAE atua como violista da Orquestra Sinfônica do
Estado do Espírito Santo, Coordenadora Pedagógica da Pós-graduação lato sensu em Música de Câmara da
Alpha Cursos e como empresária musical no mercado de Vitória. Além destas, atuou também como violista na
Orquestra da Universidade Federal do Espírito Santo e da Orquestra da Faculdade de Música do Espírito Santo.
Professora de viola no Programa Vale Música até 2008. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em
Musicologia. Instituto de Ensino Superior Professor Nelson Abel de Almeida, Pós -graduação latu sensu em
Educação Pré-escolar. Faculdade de Música do Espírito Santo, Bacharel em piano e em viola e Licenciatura em
Música. Universidade Federal do Espírito Santo, Licenciatura Plena em Pedagogia. Prêmio FUNARTE em
produção crítica em música 2016. Análise da sonata para viola e piano de Radamés Gnattali: primeiro
movimento (ANPPOM, 2015). A crítica na mudança dos paradigmas da apreciação musical do século XX
(ANPPOM, 2015). Temporada lírica de 1922: os cenários do Rio de Janeiro, Europa e América do Sul (VI SIM-
UFRJ, 2015). Oscar Guanabarino e o português brasileiro no canto erudito (SIMPOM, 2014). A pedagogia do
piano: o método de Oscar Guanabarino (XIV SEMPEM, 2014). Radamés Gnattali, a era Vargas, e a construção
da identidade nacional (ANPPOM, 2011). CD Melodiário (MD-Musicservice Ltda, 1997).
MARIA APARECIDA DOS REIS VALIATTI PASSAMAE acts as violist in the Espirito Santo State
Symphony Orchestra, Pedagogical Coordinator in Chamber Music at Postgraduation Lato Sensu Alpha Courses
and as music businesswoman in Vitória. Besides this, also served as violist in the Orquestra da Universidade
Federal do Espírito Santo and in Orquestra da Faculdade de Música do Estado do Espírito Santo. Teacher of
viola at the Vale Musica Program until 2008. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Master in Musicology.
Instituto de Ensino Superior Professor Nelson Abel de Almeida, Postgraduate latu sensu in Preschool Education.
Faculdade de Música do Espírito Santo, Bachelor in piano and viola and Full Degree in Music. Universidade
Federal do Espírito Santo, Full Degree in Education. FUNARTE Prize in critical production in music 2016.
Analysis of Radamés Gnattali's Sonata for Viola and Piano: The First Movement (ANPPOM, 2015). The
Criticism in the Changing of Paradigms of Musical Appreciation on the Twentieth Century (ANPPOM, 2015).
The opera season of 1922: the scenarios of Rio de Janeiro, Europe and South America (VI SIM-UFRJ, 2015).
Oscar Guanabarino and Brazilian Portuguese in Classical Singing (SIMPOM, 2014). Piano pedagogy: the
method of Oscar Guanabarino (XIV SEMPEM, 2014). Radames Gnattali, the Vargas era, and the construction of
national identity (ANPPOM, 2011). CD Melodiário (MD-Musicservice Ltda., 1997).
11
i Renato Vianna (Rio de Janeiro RJ 1894 - idem 1953). Autor, diretor, ator. Autor do único espetáculo que, no
ano em que nasce o Modernismo no Brasil, procura criar uma estética nova.
ii Correio Paulistano: 8-3-1922, quarta-feira, p. 4. [Registro de Arte].
iii iii Provavelmente referem-se à opera Izath.
iv Correio Paulistano: 8-3-1922, quarta-feira, p. 4. [Registro de Arte].
v Folha da Noite, 14-02-1922, São Paulo.
vi Clovis Marques é co-autor da obra O Municipal do Rio enfim contado, organizado por Núbia Melhem
Santos. Publicou um artigo com excertos de sua participação na obra coletiva, utilizado neste artigo.

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A Dança Frenética: ecos da crítica no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 1920

  • 1. III Simpósio Nacional Villa-Lobos: análise musical, história e conexões. Festival Villa-Lobos 2017. A Dança Frenética:ecos da crítica no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 1920 Maria Aparecida dos Reis Valiatti Passamae Orquestra Sinfônica do Espírito Santo – OSES aparecidavaliatti@hotmail.com Resumo. Este trabalho apresenta e discute a evolução da crítica musical desde o século XVIII até o século XX, com suas principais características. Faz uma breve abordagem das características socioculturais das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro para, então, expor as críticas publicadas nos jornais sobre o trecho sinfônico do bailado Dança Frenética, do primeiro ato da ópera Zoé de Heitor Villa-Lobos, apresentada, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, pela orquestra da Sociedade de Cultura Artística e, no mesmo ano, apresentada no Rio de Janeiro pela orquestra Filarmônica de Viena. As críticas abordadas neste artigo foram publicadas pelos jornais paulistas Correio Paulistano e Folha da Noite e pelo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, esse, a cargo de Oscar Guanabarino. Palavras-chave Villa-Lobos. Dança frenética. Crítica musical. Oscar Guanabarino. The Dança Frenética (Frenetic Dance): echoes of critique on Rio de Janeiro and São Paulo in the 1920’s Abstract. This paper presents and discusses the evolution of musical criticismfromthe eighteenth century to the twentieth century with its main characteristics. Briefly discusses the socio-cultural characteristics of the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, and then exposes the critics published in the newspapers about the symphonic piece of Dança Frenética (Frenetic Dance), fromthe first act of the opera Zoé by Heitor Villa-Lobos as composer, presented at the Municipal Theater of São Paulo in 1922 by the Orchestra da Sociedade de Cultura Artística (Society of Artistic Culture Orchestra) and in the same year presented in Rio de Janeiro by the Vienna Philharmonic Orchestra. The criticisms addressed in this article were published by the newspapers Correio Paulistano and Folha da Noite from the City of São Paulo and the Jornal do Commercio on Rio de Janeiro, this one by Oscar Guanabarino responsability. Keywords. Villa-Lobos. Dança frenética (Frenetic dance). Musical criticism. Oscar Guanabarino. Introdução A última década do século XIX e as primeiras do século XX foram de fortes transformações no Brasil com o advento da República (1889) e o aparato ideológico
  • 2. 2 positivista que permeava o pensamento da oficialidade jovem do Exército que derrubou o Império e direcionava as ações do governo na busca de uma modernização que fosse representativa de uma nova mentalidade do novo regime. Nesse contexto, duas cidades despontavam para a modernidade representativa do novo regime: o Rio de Janeiro, a capital da República, e a cidade de São Paulo, com uma grande parcela de sua elite muito vibrante e empreendedora. “O Rio de Janeiro, a capital, passara por fortes transformações no início do século XX para readequar a cidade ao formato das capitais dos países importantes do mundo, no modelo parisiense de urbanização” e, conforme mencionado, “para romper com o passado colonial e imperial” pela busca da consolidação do novo regime. (PASSAMAE, 2015, p. 3). São Paulo, por essa época, era uma realidade totalmente diferente da cidade do Rio de Janeiro, que usufruía os benefícios da bela urbanização, herança da política que lhe trouxe a aparência da Paris da belle époque (PASSAMAE, 2013, p. 71). Possuía suas especificidades configuradas, ao contrário do Rio com seu cosmopolitismo parisiense, no “[...] empenho das elites locais, mergulhadas num universo de imigrantes de múltiplas nacionalidades em buscar uma mítica identidade regional empreendedora” (PINTO, 1999, p. 140 apud PASSAMAE, 2013, p. 71). O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir os cenários da crítica musical no contexto da obra Dança Frenética, de Heitor Villa-Lobos, ambientada no Rio de Janeiro e em São Paulo com suas diferentes especificidades regionais, ou seja, nos diferentes contextos socioculturais de cada ambiente regional. As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo no início da década de 1920 As transformações por que passara a cidade do Rio de Janeiro em princípios do século XX para se adequar como Capital da República recém instalada, como já mencionado, não se configurava apenas com suas mudanças físicas de inspiração parisiense. A cidade, representativa do país, deveria se mostrar também como um espelho da transformação que o regime republicano se propôs a implantar. Nesse contexto, a Capital deveria também espelhar uma sociedade culturalmente alinhada com os padrões urbanísticos europeus. Do ponto de vista artístico, comparativamente à cidade de São Paulo, “[...] o ambiente musical do Rio não era apenas mais encorpado [...]”; era também muito mais entrosado nas novas tendências, especialmente as francesas. Milhaud trabalhara como adido da embaixada francesa no Rio, entre 1917 e 1918, e surpreendeu-se com a descoberta de “[...]
  • 3. 3 uma elite viajada e bem informada que lhe permitia viver num ambiente sintonizado com a cultura de seu país” (GONÇALVES, 2012, p. 234 apud PASSAMAE, 2013, p. 71). São Paulo, por outro lado, passava, na década de 20, por transformações vigorosas “[...] de todas as naturezas: econômicas, sociais, administrativas e principalmente culturais”. Sua conformação não era conhecida em sua totalidade, pois ainda se formava. A composição desse semblante se apoiava, “[...] por um lado na influência do modelo civilizador e modernizador da Belle Époque europeia - particularmente a francesa - e de outro numa sólida herança cultural, advinda das nossas raízes coloniais” (PINTO, 1999, p. 140 apud PASSAMAE, 2013, p. 71). O cenário da crítica musical A crítica musical do século XIX foi submetida a uma mudança de estilo que já vinha se apresentando desde fins do século XVIII. Assim, “tornou-se pesada, mais simples e acessível, também mais flexível, ao que a mentalidade romântica acrescentou o entusiasmo, a poesia e às vezes o idealismo na abordagem e apreciação da música” (SUPICIC, 1997, p. 671). No século XVIII, o crítico musical era um especialista, músicos competentes ou mesmo teóricos. Com o aumento do público e o novo cenário da música e dos músicos no século XIX “[...] quase todo mundo começou a sentir-se com direito de dar palpite nessa área, o que contribuiu para o desenvolvimento de um certo diletantismo e impressionismo crítico”. A crítica profissional e competente, de um lado, e a que não o era, de outro, passaram a coexistir lado a lado. Músicos notáveis e de renome, como Schumann e Berlioz, foram críticos. Mas escritores metidos, “sem competência específica, como Stendhal e Balzac, formavam um numeroso grupo que também escreveu sobre música” (SUPICIC, 1997, p 671-72). O que se consolidou como a principal característica da crítica musical do século XIX, entretanto, “foi o fato dela ter enfrentado praticamente as mesmas contestações que a estética da música”. Assim, foi desaparecendo aos poucos “toda a unidade de concepções que a fundamentava no século anterior” e, para isso, as movimentações da sociedade, ocorridas na época, vieram a contribuir sobremaneira, visto encontrarem-se “marcados cada vez mais por divisões de toda espécie – filosóficas, políticas e sociais”. Como contraponto “à competência profissional e ao brilho estilístico de certos críticos, como Hanslick”, por exemplo, “somava- se todo um mundo de intenções malévolas, apadrinhamentos e partis pris que levava os críticos a dizerem absurdos e desviarem-se dos verdadeiros objetivos de uma crítica musical autêntica e respeitadora da verdade” (SUPICIC, 1997, p. 671).
  • 4. 4 O problema parece persistir ao longo do século XX, como pode ser observado no artigo de Liliana Harb Bollos, intitulado Crítica musical no jornal: uma reflexão sobre a cultura brasileira. Embora o foco do texto seja a crítica jornalística de música popular, a autora comenta a crítica jornalística de música erudita efetuada por escritores na primeira metade do século XX e a transição para os cronistas na segunda metade. Assim, segundo a autora, “a crítica de música erudita [...] produziu um jornalismo cultural de características literárias desde a primeira metade do século XX com expoentes importantes da nossa cultura como os escritores Mário de Andrade, Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux” (BOLLOS, 2005, p. 271). Vale observar que alguns desses personagens possuíam também formação musical, embora suas atividades principais ficassem no campo da poesia e literatura. Mário de Andrade, por exemplo, lecionava piano e atuava como musicólogo com obras de etnomusicologia e Otto Maria Carpeaux, erudito de primorosa formação, autor de vasta obra literária que inclui Uma Nova História da Música, entre outros expoentes da cultura brasileira. Sobre a crítica, a partir da etimologia, a autora estabelece uma definição funcional na qual a crítica teria como função “fragmentar uma obra de arte, colocar em crise a ideia que se tem do objeto, para, assim, poder interpretá-la” (BOLLOS, 2005, p. 271). Pelo menos é o que deveria acontecer como padrão. Por outro lado, citando Adorno, mostra que, de modo geral, aos críticos musicais jornalísticos do século XX, falta conhecimento do objeto, ou seja, da música e, nesse sentido, a crítica passa a sofrer uma influência subjetiva muito além do razoável e a análise vem, de certa forma, contaminada. Influenciado pela indústria cultural e pelo poder dos meios de comunicação (e mais tarde pela obrigatoriedade do diploma de jornalismo), esse formato de jornalismo impôs novos padrões à crítica musical, sendo o escritor substituído pelo ‘cronista’, pelo jornalista não-especialista, e irá explorar do texto um caráter mais ideológico e histórico e menos estético, deixando os aspectos musicais para segundo plano (BOLLOS, 2005, p. 271). Um dos mais importantes críticos de artes das últimas décadas do século XIX e das primeiras do século XX, Oscar Guanabarino de Sousa Silva (Niterói, 1851 – Rio de Janeiro, 1937), chegou a debater com outro colega, crítico de outro jornal, essas lacunas na formação técnica de um lado e, de outro lado, a questão do caráter duvidoso, também citado por Bollos em seu artigo, numa citação direta de Adorno. Na troca de acusações, Oscar Guanabarino dá-lhe as alcunhas de crítico impossível e crítico ladrão. A primeira se relacionava com a alegada incompetência musical do antagonista: o aprendizado do crítico impossível estava impossibilitado – por isso
  • 5. 5 impossível – devido ao seu início tardio na profissão de crítico musical, cujas possibilidades de educar o ouvido e sedimentar sua capacidade de observação se encontram dificultadas. A segunda alcunha, a de crítico ladrão, refere-se à prática do antagonista em copiar e publicar, como seus, textos de terceiros mais de oito vezes após ter sido pilhado no ato (PASSAMAE, 2013, p. 83). É nesse contexto, que emergem as críticas da obra de Heitor Villa-Lobos intitulada A Dança Frenética. As críticas de Dança Frenética de Heitor Villa-Lobos Segundo o catálogo Villa-Lobos e sua obra, do Museu Villa-Lobos, a peça intitulada Dança Frenética é um trecho sinfônico de um bailado do primeiro ato da ópera Zoé, em 3 atos, com libreto de Renato Viannai, composta no Rio de Janeiro por Heitor Villa- Lobos, em 1919 (MUSEU VILLA-LOBOS, 2010, p. 75). A peça foi apresentada em São Paulo, em 07 de março de 1922, cerca de duas semanas após o festival da Semana de Arte Moderna de São Paulo (11/02 a 18/02/1922) e noticiada na coluna Registro de Arte do jornal Correio Paulistano que não vem assinada. Segundo o jornal, a obra foi apresentada “perante uma seleta assistência, [...] no Theatro Municipal, [como] mais um interessante sarau da Sociedade de Cultura Artística, com um concerto sinfônico, em que foram executados exclusivamente trechos do compositor patrício Sr. Villa-Lobos”ii. A nota do jornal é bastante favorável ao programa apresentado, com raros e muito cuidadosamente elegantes comentários desfavoráveis, registrando que as obras foram “[...] reveladoras de um perfeito conhecimento dos modernos processos de orquestração, as composições do festejado maestro produziram, em conjunto, favorável impressão na assistência”. O comentário jornalístico informa que as peças estavam “[...] subordinadas a vários gêneros [...]” e que foram escritas em épocas diferentes. As composições incluídas no programa “[...] evidenciaram também um belo talento, preocupado, porém não raro com inovações nem sempre felizes”. Desconsiderando as infelizes inovações, prossegue o jornal afirmando que seria “justo reconhecer em vários trabalhos, como no poema baile Naufrágio de Kleónikos, no prelúdio sinfônico da ópera Izakt (sic!)iii e em parte da Dança Frenética, da ópera Zoé, raras qualidades de orquestrador aliadas a certa felicidade de inspiração”. A reação do público também foi noticiada como sendo diversa daquela da Semana de Arte Moderna: “[...] a
  • 6. 6 assistência, que por vezes se mostrou excessivamente reservada, não lhe regateou, porém, sinceros aplausos no final do concerto”, inclusive ao “talentoso violoncelista Newton de Pádua” coberto “com fartas palmas a ótima execução que deu ao concerto primeiro de violoncelo e orquestra”iv. A orquestra, da Sociedade de Concertos Sinfônicos, foi regida pelo maestro Villa-Lobos. Vale lembrar que outros jornais, como o Folha da Noitev, em meados de fevereiro, em matéria também não assinada, referindo-se à Semana de Arte Moderna, comenta que as expectativas eram tenebrosas devido às promessas prévias dos promotores e, embora o programa apresentado houvesse sido inusitado, os ditos “reformadores” da arte passaram “a gozar da reputação de idiotas”. Não obstante o jornal ter considerado Villa-Lobos “um grande compositor e [...] um temperamento artístico excepcional”, considera também que as tendências mostradas no programa da Semana “estariam melhor num capítulo de psicopatologia”. A mesma peça foi apresentada no Rio de Janeiro pela Filarmônica de Viena sob a regência do maestro Felix Weingartner (1863 – 1942), acompanhada de perto por Oscar Guanabarino, o pianista, professor e crítico nos jornais O Paiz e Jornal do Commercio. Guanabarino não foi menos duro com a composição do que apresentou a Folha da Noite. No contexto das polêmicas ocorridas por ocasião da Semana de Arte Moderna, Guanabarino “não aceita [...] que se julgue genial qualquer artista que transgrida os cânones dos procedimentos artísticos apenas pela transgressão: não se trata [...] de reproduzir sons, mas produzir sons com arte”. Para o crítico, a obra nada mais era que um “[...] amontoados de notas que chocalham [...] como se todos os músicos da orquestra [...] tocassem pela primeira vez [...] que assim perdem o seu colorido, o seu timbre, a sua nobreza e majestade, transformando [...] em guizos, berros e latidos” (PASSAMAE, 2013, p. 69-70). A obra fora também repudiada pelo público e o “repúdio da plateia carioca à peça do maestro Villa-Lobos, consubstanciado em risos durante a execução, ensejou comentário do poeta Ronald de Carvalho” ao que, Oscar Guanabarino confronta os cenários dos “concertos da Filarmônica de Viena e os dirigidos pelo maestro Francisco Braga” com a orquestra da Sociedade de Cultura Artística do Rio de Janeiro que nunca aconteciam diante de “[...] poltronas vazias, como aconteceu agora com os concertos futuristas do Sr. Villa-Lobos” (PASSAMAE, 2013, p. 70). Sobre os textos críticos de Oscar Guanabarino, Clovis Marquesvi escreve sobre “duas reações contraditórias de Guanabarino à música de um Heitor Villa-Lobos que então ainda não era o monstro modernista que esse crítico viria a invectivar com regularidade”.
  • 7. 7 Segundo o autor, “[...] sob a batuta de Weingartner em 1920, Guanabarino se ‘encheu de alegria’ com a audição de O naufrágio de Kleónikos, de Villa-Lobos, ‘já executado nesta Capital, mas muito antes do Pelléas et Mélisande’”. Guanabarino prossegue na crítica elogiosa, na opinião de Marques, de O naufrágio de Kleónikos: “[...] vimos, então, que Debussy não é esse gênio que mereça tão alto pedestal como querem os músicos futuristas ou coisa que o valha. O trabalho do nosso patrício vale muito mais do que a partitura do nefelibata francês”. Prosseguindo, ainda segundo Marques, Guanabarino justifica sua apreciação sobre O naufrágio no contexto da obra de Debussy: Lá estão os mesmos processos, os mesmos efeitos, o mesmo sistema de harmonia dissonante tomando a exceção como regra, a escala de tons inteiros, etc.; mas no final há música, há arte, há o belo contemplativo na melodia cantada pelo violoncelo acompanhado por efeitos delicadíssimos e originais obtidos das harpas e clarinetes. O Sr. Villa-Lobos merecia uma ovação dos seus patrícios (MARQUES, 2011, p. 5). A contradição, por outro lado, é apresentada quando, em 1922, dois anos depois, portanto, Guanabarino encerrava, segundo Marques, “uma das críticas dos concertos dos filarmônicos vienenses regidos por Weingartner”: “[O público] Aplaudiu também o Ave! Libertas, de Leopoldo Miguez, e com certeza não compreendeu a Dança frenética de Villa-Lobos, talvez por estar errado o título, que deveria ser Dança de S. Guido, com uma nota explicativa que dissesse: Para ser executada por músicos epilépticos e ser ouvida por paranóicos” (MARQUES, 2011, p. 5). Não há contradição. O autor se refere à reação negativa do crítico e da platéia carioca ao Pelléas et Mélisande, de fato. Guanabarino ousou “expor o insuportável de Pelléas et Mellissande e, ao mesmo tempo, elogiar L’enfant prodigue, ambas de Debussy” (PASSAMAE, 2013, p. 70). Não se trata de contradição para Guanabarino que, mais de uma vez considerou obras de Villa-Lobos um desperdício de talento devido a erros por falta de revisão. Conclusão O espírito de mudança para consolidar a transição do regime monárquico para o republicano espraiou-se pelas maiores cidades brasileiras entre a última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX, tendo como uma de suas vertentes a Semana de Arte Moderna de São Paulo, cuja capital vinha se desenvolvendo espantosamente devido à intensa imigração e à parte operosa de sua elite.
  • 8. 8 O Rio de Janeiro guardava a tradição de ex-capital imperial e, em 1922, a capital da República já se encontrava totalmente remodelada no formato da belle époque parisiense, com uma população mais sofisticada e influenciada pela convivência com o corpo diplomático da República. A crítica de arte, principalmente a das artes musicais, já vinha se desenvolvendo desde o século XVIII, quando era exercida por músicos e profissionais com formação adequada. Durante o século XIX, foi se transformando com o aumento do público, pois, neste período, já se desvinculara de serem demandadas pela aristocracia e pela Igreja, como ocorria no século anterior. Se, de um lado, figuras de elevado conhecimento técnico como Hanslick e músicos como Schumann e Berlioz, estiveram nessa atividade de críticos, por outro lado, grandes escritores carentes de competência específica, como Stendhal e Balzac, também se meteram a escrever críticas de artes musicais. Mas havia muitos sem uma coisa ou outra e cujas motivações eram de más intenções, tendenciosas e de apadrinhamentos que os levavam a dizer absurdos em relação aos objetivos de uma crítica musical autêntica e verdadeira. Esse processo continuou no século XX, apenas deixando de ser exercido pelos grandes escritores, mas guardando os vícios observados anteriormente, em parte, com carência de conhecimento técnico e em parte motivada por interesses nem sempre virtuosos, com as exceções de sempre. A constatação pode ser verificada num debate aberto pela imprensa especializada entre Oscar Guanabarino e um outro crítico musical sem qualquer capacitação e com baixo padrão moral e ético. Heitor Villa-Lobos compôs, em 1919, a ópera Zoé em 3 atos, com libreto de Renato Vianna, na qual, em seu primeiro ato, há um bailado intitulado Dança Frenética, com um trecho sinfônico apresentado, em 1922, em São Paulo, pela orquestra da Sociedade de Cultura Artística, regida pelo compositor e, no mesmo ano, no Rio de Janeiro pela orquestra Filarmônica de Viena. As críticas publicadas pelos jornais da época, tanto em São Paulo quanto no Rio, não são, de modo geral, favoráveis à obra e repercutem a mesma impressão do público, com exceção do Correio Paulistano, cuja crítica é apresentada numa linguagem menos contundente que os demais e relata que a obra apresenta, “não raro, [...] inovações nem sempre felizes”. Outros jornais paulistanos são mais contundentes, classificando o programa como caso de psicopatia, como é o caso do Folha da Noite.
  • 9. 9 A crítica efetuada pelo principal articulista de arte carioca, Oscar Guanabarino, foi muito ácida, acompanhando a linha do Folha da Noite. Para o crítico carioca, a obra se resume num “amontoado de notas que chocalham como se todos os músicos da orquestra tocassem pela primeira vez” e, portanto, as notas “[...] perdem o seu colorido, o seu timbre, a sua nobreza e majestade, transformando [-se] em guizos, berros e latidos”. Portanto, nesse caso, não se tem uma peça musical. Alguns autores avaliam como contraditórias as críticas de Guanabarino que, se de um lado, detona Dança Frenética, de outro, elogia O naufrágio de Kleónikos, comparativamente ao Pelléas et Mélisande de Claude Debussy, que havia sido rejeitado pelo público e por ele mesmo ao publicar sua crítica sobe essa obra. Guanabarino, acerca de O naufrágio de Kleónikos, informa que possui os mesmos processos, os mesmos efeitos e o mesmo sistema de harmonia dissonante do Pelléas et Mélisande, porém, a obra de Villa- Lobos possui o belo contemplativo na melodia do violoncelo, entre outras passagens elogiadas. Ou seja, há arte na obra do compositor brasileiro. Esse posicionamento de Guanabarino não pode ser avaliado como contraditório, visto que esse crítico não se atém ao indivíduo compositor, mas à obra composta. Igualmente, detonou Pelléas et Mélisande, de um lado, e elogiou muito o L’enfant prodigue do mesmo compositor, do outro. Assim, verifica-se que, de modo geral, o trecho sinfônico do bailado Dança Frenética, do primeiro ato da ópera Zoé, composta por Villa-Lobos em 1919, não foi muito bem aceita pela crítica especializada tanto em São Paulo, quando foi executada no Teatro Municipal pela orquestra da Sociedade de Cultura Artística daquela cidade, regida pelo compositor, quanto no Rio de Janeiro, quando foi executada pela Orquestra Filarmônica de Viena, regida por Felix Weingartner. Referências BOLLOS, Liliana Harb. Crítica Musical no Brasil: Uma reflexão sobre a cultura brasileira. Opus, Goiânia, v.11, n.11, p. 270-282, dez. 2005. GONÇALVES, Marcos Augusto. 1922: a semana que não terminou. 14. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2012. MARQUES, Clóvis. O municipal do Rio enfim contado. Disponível em: <http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/o-municipal-do-rio-enfim-contado/>. Acesso em: 15 jul. 2017.
  • 10. 10 MUSEU VILLA-LOBOS. Catálogo das Obras de Villa-Lobos. Disponível em: <http://museuvillalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.1.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017. PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Oscar Guanabarino e sua produção crítica de 1922: 2013. Dissertação (Mestrado em Musicologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Temporada lírica de 1922: os cenários do Rio de Janeiro, Europa e América do Sul. In: VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE MUSICOLOGIA DA UFRJ, n. 6., 2015, Rio de Janeiro/RJ. Anais... Rio de Janeiro: VI Sim, 2015. p 2 – 15. PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cultura de massas e representações na paulicéia dos anos 20. Revista Brasileira de História, São Paulo: Departamento de História/FFLCH-USP, v. 19, n. 38, 1999. SUPICIC, Ivo. Situação sócio-histórica da música no século XIX. In: MASSIN, Jean; MASSIN, Brigitte. História da música ocidental. Trad. Ângela Ramalho Viana, Carlos Sussekind e Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 661-672. MARIA APARECIDA DOS REIS VALIATTI PASSAMAE atua como violista da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo, Coordenadora Pedagógica da Pós-graduação lato sensu em Música de Câmara da Alpha Cursos e como empresária musical no mercado de Vitória. Além destas, atuou também como violista na Orquestra da Universidade Federal do Espírito Santo e da Orquestra da Faculdade de Música do Espírito Santo. Professora de viola no Programa Vale Música até 2008. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Musicologia. Instituto de Ensino Superior Professor Nelson Abel de Almeida, Pós -graduação latu sensu em Educação Pré-escolar. Faculdade de Música do Espírito Santo, Bacharel em piano e em viola e Licenciatura em Música. Universidade Federal do Espírito Santo, Licenciatura Plena em Pedagogia. Prêmio FUNARTE em produção crítica em música 2016. Análise da sonata para viola e piano de Radamés Gnattali: primeiro movimento (ANPPOM, 2015). A crítica na mudança dos paradigmas da apreciação musical do século XX (ANPPOM, 2015). Temporada lírica de 1922: os cenários do Rio de Janeiro, Europa e América do Sul (VI SIM- UFRJ, 2015). Oscar Guanabarino e o português brasileiro no canto erudito (SIMPOM, 2014). A pedagogia do piano: o método de Oscar Guanabarino (XIV SEMPEM, 2014). Radamés Gnattali, a era Vargas, e a construção da identidade nacional (ANPPOM, 2011). CD Melodiário (MD-Musicservice Ltda, 1997). MARIA APARECIDA DOS REIS VALIATTI PASSAMAE acts as violist in the Espirito Santo State Symphony Orchestra, Pedagogical Coordinator in Chamber Music at Postgraduation Lato Sensu Alpha Courses and as music businesswoman in Vitória. Besides this, also served as violist in the Orquestra da Universidade Federal do Espírito Santo and in Orquestra da Faculdade de Música do Estado do Espírito Santo. Teacher of viola at the Vale Musica Program until 2008. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Master in Musicology. Instituto de Ensino Superior Professor Nelson Abel de Almeida, Postgraduate latu sensu in Preschool Education. Faculdade de Música do Espírito Santo, Bachelor in piano and viola and Full Degree in Music. Universidade Federal do Espírito Santo, Full Degree in Education. FUNARTE Prize in critical production in music 2016. Analysis of Radamés Gnattali's Sonata for Viola and Piano: The First Movement (ANPPOM, 2015). The Criticism in the Changing of Paradigms of Musical Appreciation on the Twentieth Century (ANPPOM, 2015). The opera season of 1922: the scenarios of Rio de Janeiro, Europe and South America (VI SIM-UFRJ, 2015). Oscar Guanabarino and Brazilian Portuguese in Classical Singing (SIMPOM, 2014). Piano pedagogy: the method of Oscar Guanabarino (XIV SEMPEM, 2014). Radames Gnattali, the Vargas era, and the construction of national identity (ANPPOM, 2011). CD Melodiário (MD-Musicservice Ltda., 1997).
  • 11. 11 i Renato Vianna (Rio de Janeiro RJ 1894 - idem 1953). Autor, diretor, ator. Autor do único espetáculo que, no ano em que nasce o Modernismo no Brasil, procura criar uma estética nova. ii Correio Paulistano: 8-3-1922, quarta-feira, p. 4. [Registro de Arte]. iii iii Provavelmente referem-se à opera Izath. iv Correio Paulistano: 8-3-1922, quarta-feira, p. 4. [Registro de Arte]. v Folha da Noite, 14-02-1922, São Paulo. vi Clovis Marques é co-autor da obra O Municipal do Rio enfim contado, organizado por Núbia Melhem Santos. Publicou um artigo com excertos de sua participação na obra coletiva, utilizado neste artigo.