1. 1
COLÉGIO E CURSO GÊN SIS
NOME:
TEXTO COMPLEMENTAR – 1º BIMESTRE
3º ANO E. M.
PROFESSOR JASON LIMA
Nº_____
Data: JANEIRO DE 2014
MODERNISMO 1ª FASE
Antipassadismo cultural e liberdade de
criação são as marcas principais da arte moderna.
Ao mesmo tempo que desejavam
demolir os padrões e a ideologia
realista-naturalista vigentes, os
artistas modernos não queriam
se prender a normas rígidas e
valorizavam o ilogismo e a
subjetividade.
PANORAMA MUNDIAL
Modernismo é, antes de tudo, a presença do
moderno na arte. Mas o que é o moderno? É lógico
que um quadro abstracionista, hoje, não é tão novo
como no início do século XX. Verdade é que
Modernismo está ligado ao conceito de novo – o
novo do início do século XX.
De 1886 a 1914 ocorre na Europa a chamada
Belle Époque, período embriagado pela euforia
ante invenções como a luz elétrica, o automóvel, o
telégrafo, ... É a época do surgimento do
cinematógrafo, aparelho que pôs a vida que a
fotografia havia retratado em movimento. Todo
esse progresso acabou marcando a vida diária com
velocidade, com luz, com dinamismo. Em
consequência disso se observa uma grande
quantidade de tendências filosóficas, científicas e
artísticas. É a atmosfera de sonho com o evento da
máquina. Tem-se a sensação de conforto e de
segurança, como se nada pudesse abalar a ―doçura
de viver‖ (principalmente para a burguesia
industrial e a classe média que tinha acesso aos
prazeres materiais que a vida moderna podia
oferecer). Culturalmente, percebe-se, também, uma
intensa atividade artística, principalmente em Paris
e Viena.
A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918),
no entanto, põe fim ao excesso de otimismo da
Belle Époque. A sensação de equilíbrio é
primeiramente
quebrada
pelas
tentativas
frustradas de evitar a guerra. A Revolução Russa,
em 1917, conduz a classe trabalhadora ao poder. A
―ameaça‖ do Comunismo alastra-se pelo mundo, e
a sensação de paz deixa de existir – mesmo após o
fim da guerra. Neste sentido, temos uma Europa
devastada, arruinada. Há desequilíbrio econômico
e político, agitação social, desespero moral,
angústia, enfim, perde-se a fé nos valores
humanos. As mortes inúteis levam à bancarrota os
códigos, os padrões morais. A filosofia, a religião, o
direito não podiam explicar nem a violência nem a
desintegração que tomavam conta da realidade.
Ao lado desse quadro político-econômico
conturbado que caracteriza o início do século XX,
surgem por toda a Europa, durante a Belle Époque
e depois dela, diversas correntes artísticas que
refletem o espírito caótico e violento da época. São
as chamadas “vanguardas europeias”, movimento
de caráter agressivo e experimental, que rompe
radicalmente os padrões de arte tradicional,
provocando polêmicas e debates apaixonados nos
meios em que se difundem.
Como
uma
clara reação ao
racionalismo e ao
objetivismo
das
correntes científicas
e literárias ainda
predominantes na
cultura desde a
segunda metade do século XIX, as vanguardas
defendem o irracionalismo, valorizando o
decadentismo simbolista , os estudos psicológicos
de Freud e a teoria intuicionista de Bergson, ambos
pensadores que rejeitam a análise positivista e
buscam uma compreensão mais subjetiva e interior
do homem e de seus problemas.
Trata-se, portanto, da implantação de uma
nova estética, de uma outra ordem de valores
artísticos, ao mesmo tempo subjetiva e moderna,
atualizada em relação às grandes conquistas da era
da máquina e da velocidade. Por isso, quase todas
as correntes de vanguarda europeia assumem, num
primeiro momento, uma postura destruidora em
relação ao passado, o que não as impede, contudo,
de realizar importantes conquistas, dado seu
caráter experimentalista, tais como a integração
maior entre os vários domínios da arte e busca de
novas técnicas e linguagens comuns à música, à
literatura e às artes plásticas.
Apesar de as primeiras décadas do século XX
se terem caracterizado pelo clima de caos e
2. 2
destruição trazido pela guerra e pelo caráter
demolidor das correntes de vanguarda, no
Futurismo, Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo e
Surrealismo, principalmente, se encontram os
elementos que constituirão uma nova arte, a arte
do século XX – o Modernismo.
O MODERNISMO NO BRASIL
As renovações no campo da
arte e da literatura brasileiras já
ensaiavam seus primeiros passos,
ainda tímidos, desde o início do
século XX. Contudo, até a
realização da Semana de Arte
Moderna, em 1922, um verdadeiro ―divisor de
águas‖ na cultura brasileira, a mentalidade oficial
que predominava em nossa cultura era
essencialmente acadêmica e parnasiana.
ANTECEDENTES DA SEMANA
DE ARTE MODERNA
3. 3
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DA 1ª FASE
8. Tendência crítica e anarquista.
Exemplo:
1. Negação do passado e uso de “palavras em ―Eu insulto o burguês! O burguês níquel,
liberdade”.
O burguês-burguês
Exemplo:
a digestão bem feita de São Paulo!‖
―Sentaram-me num automóvel de pêsames‖.
(Manuel Bandeira)
(Oswald de Andrade - Memórias Sentimentais de
João Miramar)
9. Antipassadiano
Exemplo:
2. Busca do original e polêmico na literatura e ―Estou farto do lirismo comedido
apego à modernidade da época.
Do lirismo bem comportado
Exemplo:
(...)
―... E o médico veio de Chevrolet
Não quero mais saber do lirismo que não é
Trazendo um prognóstico
libertação.‖
e toda a minha infância nos olhos.‖
(Manuel Bandeira)
(Oswald de Andrade)
10. Flashes cinematográficos, simultaneidade.
3. Ausência de rimas convencionais e utilização Exemplo:
de versos livres.
―O céu jogava tinas de água sobre o noturno que
Exemplo:
me devolvia a São Paulo‖.
―Naquela casa mora,
(Oswald de Andrade)
mora, ponhamos: guaraciaba..
A dos cabelos fogaréu!
11. Interesse pelo homem comum.
(Mário de Andrade)
Exemplo:
―João gostoso era carregador de feira-livre e
4. Coloquialismo de linguagem.
morava no morro da Babilônia...‖
Exemplo:
(Manuel Bandeira)
―- Qué apanhá sordado?
- O quê?
- Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.‖
(Oswald de Andrade)
5. Valorização poética do cotidiano
Exemplo:
―Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió‖.
(Oswald de Andrade)
6. Utilização da paródia, do humor pela piada.
Exemplo:
―Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.‖
(Oswald de Andrade)
7. Nacionalismo intransigente, bairrismo.
Exemplo:
―Recife morto, Recife bom, recife brasileiro
como a casa de meu avô.‖
(Manuel Bandeira)
4. 4
PRINCIPAIS AUTORES DA 1ª FASE
Mário de Andrade
- O ―papa‖ do Modernismo publica, em 1917, ―Há
uma gota de sangue em cada Poema‖, sob o
pseudônimo de Mário Sobral. Mário de Andrade
considerava São Paulo a sua musa inspiradora.
Deu à sua obra o caráter de missão , ou seja,
considerou-se um arauto de novas ideias e colocou
seus textos a serviço da renovação cultural e
política do país. Assim, sua obra traz os traços da
modernidade, ao mesmo tempo em que é
participante de todos os movimentos democráticos
da época.
Obras do autor: ―Paulicéia Desvairada‖, ―Há uma
gota de sangue em cada poema‖, ―Amar, verbo
intransitivo‖, ―Contos Novos‖ e ―Macunaíma‖.
Oswald de Andrade
- Foi uma das figuras
centrais
na
campanha
preparatória para a Semana
de Arte Moderna, de 1922.
Oswald de Andrade lutou
intensamente pela criação
de uma literatura brasileira modernizada, de uma
arte nacional.
5. 5
Obras do autor: ―Estrela do absinto‖, ―Memórias Houve uma mudança gradativa para a estética
sentimentais de João Miramar‖, ―Serafim Ponte modernista, já se notava que sua poesia não se
Grande‖, ―O homem e o cavalo‖, ―A morta‖, ―O enquadrava com as técnicas antigas.
Rei da Vela‖ e ―Marco zero‖.
Obras do autor: Cinza das Horas (1917), Carnaval
(1919), Ritmo Dissoluto (1924), Libertinagem
(1930), Estrela da Manhã (1936), Lira dos
Cinquent’anos (1948), Belo belo (1951), Itinerário
de Pasárgada.
TEXTOS
Teresa
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o
resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando
que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face
das águas.
Manuel Bandeira
Manuel Bandeira
Influenciado
pelos
simbolistas
franceses
Os sapos
Baudelaire e Verlaine, seus
Enfunando os papos,
versos deixam transparecer a
Saem da penumbra,
ideia da morte, do desalento.
Aos pulos, os sapos.
Com
―Carnaval‖
(1919),
A luz os deslumbra.
Manuel Bandeira granjeia
grande sucesso, porém, em
Em ronco que aterra,
contraste com a euforia
Berra o sapo-boi:
carnavalesca, a maioria dos
— "Meu pai foi à guerra!"
poemas desta obra traz a
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!".
marca da decepção. Manuel Bandeira foi
parnasiano antes de pensar em ser modernista.
O sapo-tanoeiro,
Temática abordada pelo autor:
Parnasiano aguado,
1. paixão pela vida
Diz: — "Meu cancioneiro
2. morte
É bem martelado.
3. amor
4. erotismo
Vede como primo
5. solidão
Em comer os hiatos!
6. angústia existencial
Que arte! E nunca rimo
7. cotidiano
Os termos cognatos!
8. infância
O meu verso é bom
A obra do artista tem características diversas: pósFrumento sem joio
Parnasianismo, pós-Simbolismo e experiências
Faço rimas com
concretistas.
Consoantes de apoio.
6. 6
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
..........................................................................................
.....................
— O senhor tem uma escavação no pulmão
esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o
pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
argentino.
Manuel Bandeira
Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do
fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira
namorada.
Manuel Bandeira
Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
— "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa . . .
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
1918
Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
Que Joana a Louca de Espanha
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Rainha e falsa demente
Tosse, tosse, tosse.
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
7. 7
Autorretrato
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Manuel Bandeira
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias
Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicotequeimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o
pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada
com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas
O bicho, meu Deus, era um homem.
politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Rio, 27 de dezembro de 1947 Craveiro dá-me um botão
Manuel Bandeira
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
8. 8
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir
ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha
infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de
Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores
destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta
das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era
cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos
livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não
entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.
Manuel Bandeira
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto
expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos
universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante
exemplar com cem modelos de cartas e as
diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
9. 9
— Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.
Manuel Bandeira
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e
morava no morro da Babilônia num barracão sem
número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e
morreu afogado.
Manuel Bandeira
Trem de ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)
(Manuel Bandeira in "Estrela da Manhã" 1936)
O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e
menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os
diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem
explicação.
Manuel Bandeira