SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 22
1
Isto é um número.
1
     E você sabe disso.
E eu sei que você sabe disso.
1
  Eu sei que você sabe disso,
porque eu sei que todo mundo
 sabe que isso é um número.
1
Claro, nem todo mundo escreve
 esse número assim. E há quem
nem mesmo o escreva, mas todo
mundo sabe como ele funciona.
一
(Um número é um número porque
  funciona como um número.)
一
Por que os números funcionam,
 houve até quem pensasse que
    eles têm vida própria...
Eu diria que um número funciona
 porque ele se manifesta de uma
 certa maneira, e a manifestação
  dele a gente pode manipular.
Por exemplo, um número pode se
 manifestar como uma régua, ou
como um conjunto de contas, ou
como o mostrador de um relógio.
Aí você pode dizer, “sim, um
  número funciona contando,
 medindo ou ordenando coisas”.
 E eu diria, “O.K.”. Mas também
 pensaria que, se houver outras
 manifestações possíveis, poderá
haver números que funcionem de
   maneiras muito diferentes.
Outra coisa: as manifestações
possíveis dos números não estão
     isentas de problemas.
 Por exemplo, é impossível medir
  com exatidão a diagonal de um
 quadrado, como a mesma régua
  usada para medir um dos seus
lados (não importa como a régua
          seja dividida).
Pior ainda, a relação entre o
 diâmetro de um círculo e o seu
perímetro nem mesmo pode ser
   expressa por uma equação
        algébrica (finita).
Isso significa que a história das
     manifestações possíveis dos
números é necessariamente feita de
  elementos visíveis, afirmativos e
      originais, mas também de
   elementos ocultos, negativos e
               derivados.
Ou seja, a existência dos números se
           deve a um jogo.
2 3
Voltando ao início: sei que você
também conhece esses outros
          números.
4
Mas quanto a esse, minha
    certeza é menor.
Acontece que há maneiras de:
a. Escrever números:
               numerais
b. Escrever sobre os números:
               teoremas
c. Descrever com números:
                símbolos
d. Operar números:
               máquinas
Entretanto:
Um teorema deve poder ser
simbolizado, claro. Um símbolo deve
poder ser operado (concatenado,
repetido...), e portanto também pode
ter seu comportamento compreendido
por teoremas.
Símbolos podem ser numerados
(formando séries). Teoremas também.
Teoremas devem poder ser operados
(por regras de inferência). Numerais
também, claro. Máquinas podem ser
simbolizadas. Podem, portanto, ser –
elas mesmas – operadas, e até
numeradas. Números são
compreendidos por teoremas, é
evidente, mas as máquinas também.
Fica estranhamente difícil dizer,
 diante disso, o que não é número.
   Se até o que se sabe sobre os
  números é também da natureza
              deles...
Nesse caso, a existência de algo que
  não se possa saber sobre eles,
implica a existência de algo que eles
  não possam efetivamente ser...
Assim, na teoria dos números (e isso
 pode ser demonstrado), escrever,
   saber e ser são a mesma coisa.
É claro que os resultados da teoria
     da computação podem ser
considerados impressionantes, mas
  eles, por si sós, não têm o poder
      transformador que tem a
  perspectiva conceitual da qual se
               originam.
De certa forma, a fluidez que se
  observa na relação do cidadão
contemporâneo com seus objetos,
com seus saberes, seus hábitos, e
   seu legado, é parente dessa
    identidade arquetípica (de
   princípios) entre saber, ser e
             escrever.
É claro que ela pôde ser sonhada
   antes, mas não posta em ato.
  Ocorre (e isso é essencial) que é
propondo novos problemas – e não
   apenas traduzindo os modelos
      precedentes – que essa
transformação se impõe, que ela se
   torna capaz de energizar o seu
               tempo.
Por exemplo, “escrever é saber” não
    é novo, nem “saber é ser” ou
“escrever é ser” (pense no problema
        dos textos sagrados).
   Mas os três ao mesmo tempo,
  fazem pensar, por exemplo, que
 “ser” é o ser de uma máquina de
              escrever.
      E isso é só o começo...

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Teoria dos números

História da matemática atps
História da matemática atpsHistória da matemática atps
História da matemática atpscorrea.edelzia
 
História da matemática
História da matemáticaHistória da matemática
História da matemáticacorrea.edelzia
 
o raciocínio algébrico
 o raciocínio algébrico o raciocínio algébrico
o raciocínio algébricoErasmo lopes
 
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdf
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdfprojeto-110828132648-phpapp02 (1).pdf
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdfJoyceLima490369
 
Números.reais.introdução
Números.reais.introduçãoNúmeros.reais.introdução
Números.reais.introduçãoFilipa Guerreiro
 
Expensmat icap2
Expensmat icap2Expensmat icap2
Expensmat icap2con_seguir
 
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃO
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃOPNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃO
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃOAmanda Nolasco
 
Apresentação oficial pnaic completo parte 4
Apresentação oficial pnaic  completo   parte 4Apresentação oficial pnaic  completo   parte 4
Apresentação oficial pnaic completo parte 4Julio de Pontes
 
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoesMagda Jurdi
 
Conjuntos numéricos
Conjuntos numéricosConjuntos numéricos
Conjuntos numéricosandreilson18
 
Algumas observações sobre a forma lógica wittgenstein
Algumas observações sobre a forma lógica   wittgensteinAlgumas observações sobre a forma lógica   wittgenstein
Algumas observações sobre a forma lógica wittgensteinOsandijr
 
Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02weleslima
 
Sistemas de numeração
Sistemas de numeraçãoSistemas de numeração
Sistemas de numeraçãoJocelma Rios
 
Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02weleslima
 

Semelhante a Teoria dos números (20)

História da matemática atps
História da matemática atpsHistória da matemática atps
História da matemática atps
 
História da matemática
História da matemáticaHistória da matemática
História da matemática
 
A história dos Números
A história dos NúmerosA história dos Números
A história dos Números
 
o raciocínio algébrico
 o raciocínio algébrico o raciocínio algébrico
o raciocínio algébrico
 
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdf
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdfprojeto-110828132648-phpapp02 (1).pdf
projeto-110828132648-phpapp02 (1).pdf
 
Cópia de fichamento do texto
Cópia de fichamento do textoCópia de fichamento do texto
Cópia de fichamento do texto
 
Números.reais.introdução
Números.reais.introduçãoNúmeros.reais.introdução
Números.reais.introdução
 
1374
13741374
1374
 
Expensmat icap2
Expensmat icap2Expensmat icap2
Expensmat icap2
 
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃO
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃOPNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃO
PNAIC CADERNO 2 QUANTIFICAÇÃO, REGISTRO E AGRUPAMENTO U2 1º VERSÃO
 
0000016821
00000168210000016821
0000016821
 
Apresentação oficial pnaic completo parte 4
Apresentação oficial pnaic  completo   parte 4Apresentação oficial pnaic  completo   parte 4
Apresentação oficial pnaic completo parte 4
 
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes
3049310 matematica-ensino-fundamental-e-facil-aprender-fracoes
 
Conjuntos numéricos
Conjuntos numéricosConjuntos numéricos
Conjuntos numéricos
 
Algumas observações sobre a forma lógica wittgenstein
Algumas observações sobre a forma lógica   wittgensteinAlgumas observações sobre a forma lógica   wittgenstein
Algumas observações sobre a forma lógica wittgenstein
 
Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02
 
Sistemas de numeração
Sistemas de numeraçãoSistemas de numeração
Sistemas de numeração
 
Modelos e logica
Modelos e logicaModelos e logica
Modelos e logica
 
Matemática contagem.
Matemática contagem.Matemática contagem.
Matemática contagem.
 
Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02Caderno2 140520215042-phpapp02
Caderno2 140520215042-phpapp02
 

Teoria dos números

  • 1. 1 Isto é um número.
  • 2. 1 E você sabe disso. E eu sei que você sabe disso.
  • 3. 1 Eu sei que você sabe disso, porque eu sei que todo mundo sabe que isso é um número.
  • 4. 1 Claro, nem todo mundo escreve esse número assim. E há quem nem mesmo o escreva, mas todo mundo sabe como ele funciona.
  • 5. 一 (Um número é um número porque funciona como um número.)
  • 6. 一 Por que os números funcionam, houve até quem pensasse que eles têm vida própria...
  • 7. Eu diria que um número funciona porque ele se manifesta de uma certa maneira, e a manifestação dele a gente pode manipular. Por exemplo, um número pode se manifestar como uma régua, ou como um conjunto de contas, ou como o mostrador de um relógio.
  • 8. Aí você pode dizer, “sim, um número funciona contando, medindo ou ordenando coisas”. E eu diria, “O.K.”. Mas também pensaria que, se houver outras manifestações possíveis, poderá haver números que funcionem de maneiras muito diferentes.
  • 9. Outra coisa: as manifestações possíveis dos números não estão isentas de problemas. Por exemplo, é impossível medir com exatidão a diagonal de um quadrado, como a mesma régua usada para medir um dos seus lados (não importa como a régua seja dividida).
  • 10. Pior ainda, a relação entre o diâmetro de um círculo e o seu perímetro nem mesmo pode ser expressa por uma equação algébrica (finita).
  • 11. Isso significa que a história das manifestações possíveis dos números é necessariamente feita de elementos visíveis, afirmativos e originais, mas também de elementos ocultos, negativos e derivados. Ou seja, a existência dos números se deve a um jogo.
  • 12. 2 3 Voltando ao início: sei que você também conhece esses outros números.
  • 13. 4 Mas quanto a esse, minha certeza é menor.
  • 14. Acontece que há maneiras de: a. Escrever números: numerais b. Escrever sobre os números: teoremas c. Descrever com números: símbolos d. Operar números: máquinas
  • 15. Entretanto: Um teorema deve poder ser simbolizado, claro. Um símbolo deve poder ser operado (concatenado, repetido...), e portanto também pode ter seu comportamento compreendido por teoremas.
  • 16. Símbolos podem ser numerados (formando séries). Teoremas também. Teoremas devem poder ser operados (por regras de inferência). Numerais também, claro. Máquinas podem ser simbolizadas. Podem, portanto, ser – elas mesmas – operadas, e até numeradas. Números são compreendidos por teoremas, é evidente, mas as máquinas também.
  • 17. Fica estranhamente difícil dizer, diante disso, o que não é número. Se até o que se sabe sobre os números é também da natureza deles... Nesse caso, a existência de algo que não se possa saber sobre eles, implica a existência de algo que eles não possam efetivamente ser...
  • 18. Assim, na teoria dos números (e isso pode ser demonstrado), escrever, saber e ser são a mesma coisa.
  • 19. É claro que os resultados da teoria da computação podem ser considerados impressionantes, mas eles, por si sós, não têm o poder transformador que tem a perspectiva conceitual da qual se originam.
  • 20. De certa forma, a fluidez que se observa na relação do cidadão contemporâneo com seus objetos, com seus saberes, seus hábitos, e seu legado, é parente dessa identidade arquetípica (de princípios) entre saber, ser e escrever.
  • 21. É claro que ela pôde ser sonhada antes, mas não posta em ato. Ocorre (e isso é essencial) que é propondo novos problemas – e não apenas traduzindo os modelos precedentes – que essa transformação se impõe, que ela se torna capaz de energizar o seu tempo.
  • 22. Por exemplo, “escrever é saber” não é novo, nem “saber é ser” ou “escrever é ser” (pense no problema dos textos sagrados). Mas os três ao mesmo tempo, fazem pensar, por exemplo, que “ser” é o ser de uma máquina de escrever. E isso é só o começo...