Desenvolvimentos na cosmologia são muitas vezes utilizados para argumentar que a ciência contemporânea eliminou a necessidade de se apelar para um criador para explicar a origem e o desenvolvimento do universo. Livros como os de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow [The Grand Design (2010)] e Lawrence Krauss [A universe from nothing. Why there is something rather than nothing (2012)] ilustram bem o tema de que a origem do universo (na verdade, a antiga questão filosófica de “por que existe algo ao invés do nada”) agora se encaixa no alcance explicativo da cosmologia e da física quântica. Hawking e Mlodinow negam a inteligibilidade de um “começo” para o universo, uma vez que o próprio tempo (time) emergiu no universo. Abraçando uma versão da hipótese do multiverso, eles concluem: “A criação espontânea é a razão por que existe algo ao invés de nada; é a razão por que o universo existe e por que existimos. Portanto não é necessário invocar a Deus para colocar o Universo em marcha…”. Notoriamente, eles observam que “a filosofia está morta”, e quando entrevistado por Larry king na CNN, Hawking opinou que “a teologia é irrelevante.”
1. A MATEMÁTICA COMO LINGUAGEM:
UM OLHAR FILOSÓFICO
Antes de discutirmos a Matemática como uma linguagem, é preciso nos
questionar sobre o que são alguns elementos básicos da Matemática. Você já
se perguntou o que é “número”? Se alguém lhe perguntasse sobre o que é o
“número dois”, o que você responderia? Você já viu um “número dois” andando
por aí? Provavelmente você tentaria explicar fazendo uma associação com
alguma coleção de dois objetos. Então, talvez o “número dois” não exista por si
só e não tenha um significado isolado. Talvez os números sejam apenas ideias
abstratas que usamos para expressar quantidades de objetos.
Basicamente, uma das ideias de “número” para a atual Filosofia da
Matemática, compreende “número” como algo que caracteriza uma classe de
classes das quais possuem um mesmo número de termos. Por exemplo, a
ideia do número dois atribui a propriedade que caracteriza a todos os infinitos
conjuntos de duplas. Mas ao mesmo tempo, é necessário especificar como
dizer que dois conjuntos tem o mesmo número de termos, sem que para isso
se use o termo “número”, pois afinal se quer definir o que é “número”.
Contornamos isso a partir da ideia de um-para-um, assim, se dois conjuntos
possuem o mesmo número de termos, podemos expressar isso dizendo que
para cada termo de um conjunto haverá uma correspondência um-para-um no
outro conjunto.
Por outro lado, e se alguém lhe perguntasse o que é um círculo? O que
você responderia? Já viu algum círculo rolando por aí? Por mais que você tente
explicar o que é um círculo e, que para isso, faça o uso de objetos com forma
circular, mesmo assim, esses objetos não são círculos! Assim, uma mesa com
tampo redondo e razoavelmente plano, também não é um círculo – ela apenas
nos representa a “ideia” do que seja um círculo. Nesse sentido, os objetos da
geometria só possuem definições precisas no campo dos conceitos abstratos e
idealizados como o ponto, a reta e o plano.
Mas então, qual é o propósito prático da Matemática? A essa pergunta já
surgiram várias tentativas de resposta ao longo da história da humanidade e
não será neste breve texto que tentaremos responder. Aqui nos limitaremos
apenas a analisar a proposta de que a Matemática fornece a linguagem precisa
para descrever os fenômenos da natureza.
Certa vez, o filósofo e cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642) disse:
“A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo”
Não vamos querer entrar aqui na discussão sobre a existência ou não
existência de um “Deus”, mas vamos tentar analisar o que Galileu quis dizer.
Dizer que a Matemática é o alfabeto com o qual foi escrito o Universo é uma
metáfora que põe a Matemática numa posição de linguagem.
Quando os cientistas aplicam o Método Científico para tentar entender o
funcionamento das leis do Universo, eles estão tentando compreender os
padrões comportamentais que a natureza apresenta. Um fenômeno físico, por
2. exemplo, se analisado friamente, aplicando todas as etapas do Método,
geralmente apresentará determinados tipos de padrões – algo que possa vir a
ser previsto em uma Teoria Científica.
Por exemplo, quando Einstein propôs que energia e massa se
relacionam por meio da equação “E=mc2”, ele modelou matematicamente um
comportamento padrão que pode ser observado na natureza. Este modelo
expressa com precisão algo que pode ser testado e inclusive prevê resultados
de experimentos futuros.
Mas agora voltemos à ideia das abstrações matemáticas. Mesmo que
você tenha dificuldades em definir os objetos da Matemática, essas
idealizações permitem que sejam expressos com nitidez e precisão os
fenômenos estudados pelas ciências naturais. Não é atoa então que a
linguagem matemática contenha elementos, que mesmo abstratos, fornecem
idealizações gerais para objetos do mundo real. É fascinante que um círculo
não represente apenas um único objeto, mas sim uma infinita família de objetos
e, o mesmo vale para o “número dois” que caracteriza uma infinidade de duplas
ou o “número três” com os trios, e assim por diante.
No entanto, vale mencionar aqui que mesmo os números, tal como os
entendemos hoje, mesmo que esses tenham sido uma invenção humana, nós
não os compreendemos por completo. Ainda que mesmo um irracional como a
“raiz quadrada de dois” possa caracterizar toda uma classe de classes como as
medidas de diagonais de um quadrado, há ainda aspectos que não
compreendemos nos números. Por exemplo, o próprio comportamento dos
números primos que acarretam questões como a Conjectura de Goldbach.
Entretanto, a proposta de número independe da capacidade ou
existência do ser humano – lembremos que quando duas duplas de
dinossauros se encontraram próximo a algum vulcão há milhões de anos atrás,
não havia ali um humano pra dizer que eram quatro dinossauros e mesmo
assim havia quatro deles. Nesse sentido, ainda que não compreendamos os
elementos matemáticos por completo, do ponto de vista filosófico, faz todo
sentido concordarmos que a Matemática é sim a Linguagem do Universo, pois
apresenta um modo racional de concepção do mesmo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[ 1 ] RUSSELL, B. Introdução à Filosofia Matemática. 4 ed. Trad.
Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1966.
[ 2 ] TARSKI, A. Introducción a la Lógica: y a La metodología de las
ciencias deductivas. 4 ed. Madrid: Espasa-Cape, 1985.
[ 3 ] DESCARTES, R. Discurso do Método. 4 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
[ 4 ] GARDNER, M. Is Mathematics for Real? In: DAVIS, P.; HERSH,
R. The Mathematical Experience. p. 440. Boston: Birkhäuser, 1981.