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Desfazendo mitos sobre a pragmática

Danilo Marcondes


                                  T uma mitologia está contida em nossa linguagem.
                                   oda
                                  L.Wittgenstein, Observações sobre o Golden Bough de
                                  Frazer.




D
          entre as principais correntes do pensamento contemporâneo, a prag
          mática, ou o pragmatismo tem sido por um lado uma das mais influen
          tes, por outro um alvo de ataque privilegiado por diversos opositores,
o que certamente também é um índice de sua importância e de seu interesse.
       Com freqüência os termos “pragmática” e “pragmatismo”, têm sido
usados de forma equivalente, tal como acima, o que não corresponde contudo
nem à sua origem, nem às correntes de pensamento que caracterizam. É pre-
ciso distinguir portanto, ao menos preliminarmente e em linhas gerais, a prag-
mática enquanto um campo de estudos da linguagem e o pragmatismo enquanto
corrente filosófica, ainda que uma filosofia da linguagem na linha da pragmá-
tica e o pragmatismo se aproximem em muitos aspectos sem contudo se con-
fundirem.
       Em um sentido amplo, “pragmatismo” ou “filosofia pragmática” refe-
rem-se a concepções de filosofia que defendem não só uma distinção entre
teoria e prática, mas sobretudo o primado da razão prática em relação à razão
teórica, incluindo desde Kant, cuja última obra de 1804 intitulou-se precisa-
mente Antropologia de um ponto de vista pragmático, até algumas correntes da filo-
sofia contemporânea1.
       O termo “pragmática” é derivado do grego pragma, significando coisa,
objeto, principalmente no sentido de algo feito ou produzido, sendo que o
verbo pracein, significa precisamente agir, fazer. Os romanos traduziram pragma
pelo latim res, o termo genérico para coisa, perdendo talvez com isso a conotação
do fazer ou agir presente no grego.



38                                      ALCEU - v.1 - n.1 -pg 38 a 46 - jul/dez 2000
Enquanto corrente filosófica o pragmatismo originou-se no final do
século XIX e desenvolveu-se sobretudo ao longo do século XX, principal-
mente nos Estados Unidos. Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James
(1842-1910) e posteriormente John Dewey (1859-1952), são os principais re-
presentantes desse pensamento em suas várias vertentes. Contemporaneamente
Richard Rorty (1931-) se destaca como defendendo o que tem sido caracteri-
zado como neopragmatismo. O filósofo de Harvard, Stanley Cavell (1926-) tam-
bém pode ser incluído dentre os representantes do pragmatismo contemporâ-
neo.
       Peirce destacou-se por sua obra, de grande originalidade e complexida-
de, nos campos da semiótica, da teoria do conhecimento e da filosofia da ciên-
cia. Seu pragmatismo caracteriza-se pela concepção de signo que desenvolve
em sua semiótica, valorizando as várias funções do signo e as várias formas de
constituição do significado, mas também pela definição de verdade que defen-
de em sua concepção de ciência, segundo a qual as teorias científicas são con-
juntos de hipóteses cuja validade só pode ser determinada levando-se em con-
ta sua eficácia e seu sucesso, ou seja, seus resultados, efeitos e conseqüências,
portanto, a prática científica propriamente dita2. O pragmatismo de William
James, embora também adotando o critério de verdade como sucesso e eficá-
cia, teve um caráter mais psicológico e moral, fazendo com que Peirce, que-
rendo se dissociar dele, viesse a adotar o termo “pragmaticismo” para caracte-
rizar a sua própria concepção em oposição a de James. Dewey seguiu, em
grande parte, mais a linha de James do que a de Peirce, desenvolvendo uma
filosofia voltada para a prática, no sentido ético e aplicado, analisando a socie-
dade e a cultura, e preocupando-se com a educação, a política e a moral. Foi
um dos pensadores americanos de maior influência, principalmente nos anos
30 e 40.
       Na lingüística, a pragmática se caracteriza pelo estudo da linguagem em
uso, ou, segundo a definição de Charles Morris (1938), o primeiro a usar esse
termo contemporaneamente, o estudo da “relação dos signos com seus intér-
pretes”. Rudolf Carnap (1938), o lógico e filósofo da ciência de origem alemã
com quem Morris trabalhou em Chicago, por sua vez definiu a pragmática
como o estudo da linguagem em relação aos seus falantes, ou usuários. Tanto
a definição de Morris, quanto a de Carnap, fazem parte da já consagrada dis-
tinção geral do campo de estudos da linguagem entre pragmática, que conside-
ra a linguagem em seu uso concreto, semântica, que examina os signos
lingüísticos em sua relação com os objetos que designam ou a que se referem,
e sintaxe, que analisa a relação dos signos entre si3. Mais recentemente, o termo




                                                                               39
“pragmática” passou a englobar todos os estudos da linguagem relacionados
a seu uso na comunicação. Uma outra concepção de pragmática se desen-
volveu com base em correntes na filosofia da linguagem e na lingüística que
valorizam a linguagem comum e o uso concreto da linguagem como a prin-
cipal instância de investigação da linguagem, tratando a semântica e a sintaxe
apenas como construções teóricas. A filosofia da linguagem ordinária de
Gilbert Ryle, a teoria dos atos de fala de Austin, a concepção de jogos de
linguagem de Wittgenstein, e mesmo a semiótica de Umberto Eco, dentre
outras, podem ser incluídas nessa vertente. Trata-se basicamente de uma
visão filosófica segundo a qual o estudo da linguagem deve ser realizado em
uma perspectiva pragmática, ou seja, enquanto prática social concreta, exa-
minando portanto a constituição do significado lingüístico a partir da interação
entre falante e ouvinte, do contexto de uso, dos elementos sócio-culturais
pressupostos pelo uso, e dos objetivos, efeitos e conseqüências desses usos.
A pragmática não seria assim apenas um segmento dos estudos da lingua-
gem, mas o seu campo privilegiado.
       Na filosofia alemã, por sua vez, J.Habermas (Pragmática universal e Teoria
da ação comunicativa) e K.O. Apel (Pragmática transcendental) inspirados no
pragmatismo e na filosofia pragmática da linguagem, desenvolveram concep-
ções de pragmática voltadas para a análise das condições de possibilidade da
comunicação, de seus pressupostos e de suas implicações, inclusive nos cam-
pos da ética e da política4.
       Encontramos, portanto, contemporaneamente, várias acepções de prag-
mática e de pragmatismo, com origens historicamente diversas e diferenças
profundas. Em linhas gerais podemos dizer que todas compartilham a atribui-
ção de uma importância central à prática, à experiência concreta, aos aspectos
aplicados do conhecimento e aos contextos concretos de uso, desde signos
específicos e seus usuários até teorias científicas e suas aplicações. Adotam
também uma posição anti-metafísica, no sentido de que não aceitam a con-
cepção de uma realidade supra-sensível, além da experiência concreta e total-
mente distinta desta, acessível apenas a um pensamento racional privilegiado,
o que seria tarefa do filósofo, ou do teórico.
       O pragmatismo enquanto corrente filosófica e a filosofia da linguagem
de orientação pragmática sempre tiveram adversários que levantaram ques-
tões e objeções importantes no debate filosófico contemporâneo5. Pretendo
examinar aqui apenas alguns aspectos desse debate, levando em conta as mais
relevantes dessas questões e objeções, voltadas principalmente contra os pon-
tos em comum entre pragmática e pragmatismo, apontados acima. Algumas




40
delas acabaram por vir a constituir-se em autênticos “mitos”, sendo adotados
sem um exame mais detalhado e constituindo sob muitos aspectos uma cari-
catura das posições que atacam.
       Selecionei para essa breve discussão cinco desses “mitos” mais freqüen-
tes na controvérsia acerca da pragmática e do pragmatismo, passando a examiná-
los em seguida.

1. A pragmática elimina, ou reduz, a importância do conceito de
verdade, central à tradição filosófica

       Segundo essa crítica, se o verdadeiro é o que dá certo ou produz deter-
minados resultados, a verdade passa a ser relativa às condições de realização de
experimentos, testes, verificações, etc., sendo também subordinada às noções
de sucesso ou eficácia. A verdade não seria mais assim o resultado da corres-
pondência ou adequação entre as proposições teóricas e a natureza da realida-
de que descrevem.
       Contudo, a pragmática não elimina nem reduz de importância a noção
de verdade, mas critica uma verdade definida apenas em termos realistas, ou
seja, enquanto correspondência entre proposições e o real descrito por essas
proposições, e problematiza a possibilidade de verdades absolutas, conhecidas
independentemente de um contexto e estabelecidas de modo conclusivo. Pode-
se dizer então que a pragmática complementa a noção de verdade com as no-
ções de sucesso e felicidade, que devem dar conta especificamente da conside-
ração da linguagem como ação, como produzindo efeitos e conseqüências em
contextos determinados.
       Não podemos estabelecer se um conjunto de proposições é verdadeiro
ou falso de modo conclusivo por comparação com uma realidade indepen-
dente dessas proposições, ou da linguagem em que são formuladas, isto é,
uma realidade em si mesma, mas sim os resultados e conseqüências do que
essas proposições afirmam sobre a realidade, a saber, suas pretensões a conhe-
cimento.

2. A pragmática leva ao relativismo e o relativismo equivale ao “vale
tudo”, tanto do ponto de vista ético, quanto do conhecimento

       A pragmática pressupõe uma concepção segundo a qual o significado é
relativo a contextos determinados e deve ser considerado a partir do uso dos
termos e expressões lingüísticos utilizados nesses contextos. Isso não eqüivale



                                                                             41
ao “vale tudo”, porque o significado não é visto como arbitrário, mas como
dependente do contexto. A consideração do uso envolve portanto a determi-
nação das regras e condições de uso que caracterizam os contextos específicos
em que o significado se constitui. Afirmar que o significado é “relativo ao
contexto” não é o mesmo que afirmar o “relativismo” semântico, cognitivo,
ou ético, se “relativismo” significa que todas as posições se eqüivalem e são
igualmente válidas, ou a tese de Humpty Dumpty6 segundo a qual podemos
significar o que quisermos. Ao contrário, a consideração de regras, conven-
ções e condições de uso, exclui a arbitrariedade, explicitando o processo de
constituição e de alteração do significado de uma palavra ou expressão lin-
güística.

3. A pragmática inviabiliza a ciência

        Trata-se, até certo ponto, de um corolário da posição examinada em (1).
A pragmática exclui certamente a concepção realista tradicional de ciência como
um conhecimento definitivo e conclusivo de uma realidade considerada em si
mesma.
        A história da ciência revela a importância de uma consideração pragmá-
tica de ciência7. Não encontramos uma, mas várias noções de ciência desde o
pensamento grego antigo, que primeiro a formulou, até os dias de hoje. No
pensamento antigo a ciência definia-se principalmente como saber teórico; a
partir da modernidade (séc.XVI), aproxima-se mais da prática, de um saber
técnico, aplicado, embora persistam concepções estritamente teóricas de co-
nhecimento científico em campos como a matemática. Sobretudo a partir do
séc.XIX, surge uma distinção entre as ciências naturais e as ciências humanas
e sociais que abre caminho para um debate sobre a metodologia das ciências,
importante até hoje8.
        A ciência e as teorias científicas passam, ao contrário da concepção rea-
lista, a serem consideradas como mais um “jogo de linguagem” na acepção de
Wittgenstein, com regras, convenções e objetivos próprios. Uma teoria é um
modelo explicativo, um conjunto de proposições hipotéticas que visam expli-
car um determinado domínio do real. As noções pragmáticas de efeitos e con-
seqüências são fundamentais para a avaliação dos resultados e experimentos
científicos e para a falsificação e validação de hipóteses científicas.
        Por outro lado, alguns dos principais representantes do neopragmatismo
contemporâneo, principalmente nos Estados Unidos, como Richard Rorty,
questionam determinados pressupostos do pensamento moderno, ainda man-




42
tidos em várias correntes do pensamento contemporâneo, inclusive na filo-
sofia analítica da linguagem, segundo os quais a ciência seria uma espécie de
paradigma de todo conhecimento, a filosofia devendo tomá-la como modelo.
Rorty, por exemplo aponta que na própria tradição filosófica, a literatura e
mesmo a poesia, freqüentemente estiveram mais próximas da filosofia do que
a ciência, sendo ao menos tão relevantes quanto esta, se não mais até, para o
pensamento filosófico9.

4. A pragmática torna a ética impossível

       Essa objeção consiste em uma versão no campo da ética da objeção refe-
rente à questão da ciência examinada acima no item anterior, retomando tam-
bém o argumento contra o relativismo, no caso agora em sua versão ética,
examinado em (2). Segundo esse argumento, se como quer o pragmatismo,
os valores éticos dependem do contexto, de elementos culturais e de fatores
históricos, variando assim em diferentes épocas e culturas, o que hoje consi-
deramos ético, amanhã pode não ser considerado como tal e vice-versa. Por-
tanto, a ética perderia o sentido e qualquer tipo de atitude ou conduta poderia
ser considerado ético.
       O pragmatismo apenas questiona os absolutos éticos, ou seja, a existên-
cia de valores éticos universalmente válidos, independentes de época ou con-
texto, ou ainda, o cognitivismo ético, a posição segundo a qual poderíamos ter
uma “ciência da ética”, baseada no conhecimento desses valores, a partir do
que orientaríamos nossa ação. Propõe, ao contrário, que os conceitos éticos,
tal como os científicos, sejam examinados em relação aos contextos de uso e às
intenções dos agentes usá-los. Uma análise pragmática dos conceitos éticos
explicita seu sentido e seus pressupostos, torna mais evidente seus objetivos e
permite-nos avaliar seus efeitos e conseqüências.
       Um bom exemplo desse tipo de análise se encontra em Austin, quando
sugere como ponto de partida para a discussão do problema ético tradicional
da responsabilidade por meio de uma análise das situações e contextos em que
se admitem desculpas, contrastando-os com aqueles em que não são admiti-
das, ou em que sequer faz sentido pedir desculpas10.
       O pragmatismo ético, considera portanto que os valores éticos depen-
dem sempre de uma determinada cultura em um determinado momento his-
tórico, porém, não considera que isso acarretaria o fim da ética. A definição
cultural de valores éticos, revela, ao contrário, que as sociedades e culturas que
estabelecem esses valores definem normas e regras para sua aplicação e san-




                                                                               43
ções para os que não as cumprem, estabelecendo assim uma normatividade,
que caracteriza a ética em geral. O conteúdo desses valores pode variar e quan-
to a isso uma análise histórica, antropológica ou sociológica, parece com efei-
to deixar claro.
        O fato desses valores serem, nesse sentido, convencionais, não significa,
contudo, que sejam arbitrários, ou que possam ser alterados a qualquer mo-
mento ou por qualquer motivo. Ao contrário, essa convencionalidade social,
faz com que aqueles que os adotam tornem-se responsáveis por sua validade e
por seu cumprimento, podendo portanto ser cobrados nesses sentido, é assim
exatamente na medida em que os valores são convencionais que somos res-
ponsáveis por sua validade, enquanto aqueles que constituem e assumem as
convenções11. O mesmo ocorre quando esses valores são alterados, caem em
desuso ou são substituídos. Em todo esse processo há uma responsabilidade e
uma imputabilidade referentes àqueles que pertencem a esses contextos.

5. A pragmática impossibilita uma filosofia crítica

       Segundo esse argumento, a possibilidade de um pensamento crítico
pressupõe parâmetros de verdade e de validade com base nos quais se possam
examinar pretensões a conhecimento ou estabelecimento de normas em con-
textos determinados. Se a verdade e os valores forem dependentes dos contex-
tos não há uma instância supracontextual a partir da qual essas pretensões
possam ser julgadas e não temos como questionar sua veracidade ou legitimi-
dade. Todo o tipo de procedimento, cognitivo ou normativo, seria válido e
isso não só inviabilizaria a crítica como esvaziaria o conceito de validade.
       Porém, consideramos que isso ocorre apenas se entendemos que a críti-
ca pressupõe uma verdade definitiva e absoluta que serve de parâmetro para o
exame crítico de proposições e teorias, mas não exclui uma concepção de crí-
tica como consciência de limites, exame de pressupostos, ou possibilidade de
se pensar alternativas. A crítica pode ser exercida assim não necessariamente
com base em uma verdade que fundamenta seus parâmetros, mas como um
movimento reflexivo do pensamento, ou seja, como auto-exame, e também
como exame de alternativas, no sentido do contraste entre posições e procedi-
mentos adotados em um determinado momento ou contexto e outras possi-
bilidades, reais e hipotéticas, a serem adotadas e experimentadas.
       A estratégia, aqui adotada, de defesa de determinados pressupostos bási-
cos da filosofia pragmática contra as objeções mais freqüentes a esse pensa-
mento, que para efeitos de discussão denominei de “mitos”, consistiu em par-




44
te ao menos, em admitir alguns desses pontos, sem contudo aceitar suas
conseqüências negativas. Por exemplo: a relatividade, sem o relativismo; a
contextualização do significado sem que qualquer palavra signifique qualquer
coisa; o questionamento à concepção realista de ciência, sem inviabilizar a
ciência; a recusa do caráter absoluto dos valores éticos, sem abrir mão da ética.

                                             Danilo Marcondes é Professor da PUC-Rio
                                                                 danilo@fil.puc-rio.br

Notas
1. Ver a este respeito Putnam (1995), cap.2, págs.42-45, “The primacy of
practical reason”.
2. Sobre a especificidade do pragmatismo de Peirce e sua diferença em relação
à filosofia pragmática contemporânea, principalmente quanto à questão da
ciência, ver S.Haack, “Quanto àquela frase “Estudando com um espírito
literário”, em Margutti (1998).
3. A propósito dessas definições ver Levinson (1983), 1.2, “Defining
pragmatics”.
4. Sobre a concepção de pragmática em Habermas e Apel, ver M. Oliveira
(1998). Ver também J.Habermas (1990), “Guinada Pragmática”. Apel, p.ex.,
retoma algumas teses de Peirce.
5. Podemos citar, por exemplo, dentre outros, Max Horkheimer(1966),
Thomas Nagel (1997), William Alston (1996). Ver também o cap.3,
“Pragmatism and the contemporary debate” em H.Putnam,(1995).
6. Personagem de Lewis Carroll em Alice no país das maravilhas.
7. A visão histórica de Thomas Kuhn em seu influente A Estrutura das revoluções
científicas (1969), pode ser entendida nessa linha.
8. Como exemplo disso temos o debate entre a Escola de Frankfurt e os assim
chamados “Positivistas”, Adorno et al. (1976).
9. Ver Richard Rorty (1982), principalmente o cap.6, “Philosophy as a kind of
writing”. Stanley Cavell (1976) desenvolve uma argumentação semelhante.
10. Ver nos Philosophical Papers (1970) especialmente dois capítulos, “A Plea for
Excuses” e “Three Ways of Spilling Ink”.
11. Esse é o argumento de J.Mackie (1970), em seu influente Ethics, Inventing
Right and Wrong.




                                                                                  45
Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor et al. The Positivist Dispute in German Sociology. London: Heinemann,
    1976.
ALSTON, William. A Realist Conception of Truth. Ithaca, New York: Cornell Univ. Press,
    1996.
AUSTIN, J. L. Philosophical Papers. Oxford: Clarendon Press, 3ªed., 1977.
CAVELL, Stanley, Must We Mean What We Say? Cambridge: Cambridge Univ. Press,
    1976.
HABERMAS, Jurgen. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro,
    1990.
HORKHEIMER, M. The Eclipse of Reason. New York: Continuum, 1996.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969.
LEVINSON, B. Pragmatics. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1983.
MACKIE, John. Ethics: Inventing Right and Wrong. London: Penguin, 1977.
MARGUTTI, Paulo et al. (orgs.). Filosofia analítica, pragmatismo e ciência. Belo Horizonte,
    MG: Editora UFMG, 1998.
NAGEL, Thomas. The Last Word. Oxford: Oxford Univ. Press, 1997.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São
    Paulo, SP: Loyola, 1996.
PUTNAM, Hilary. Pragmatism. Oxford: Blackwell, 1995.
RORTY, Richard. Consequences of Pragmatism. Minneapolis: Univ. of Minnesota Press,
    1982.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1998.

Resumo
Este texto visa, em primeiro lugar, estabelecer algumas distinções acerca da pragmática
e do pragmatismo e examinar algumas características centrais deste pensamento, para
em seguida, analisar determinadas críticas mais freqüentes a ele, considerando-as “mitos”
e procurando respondê-las.

Palavras-chave
Pragmática, filosofia da linguagem, filosofia contemporânea.

Abstract
This paper has as its first aim a definition of pragmatics and pragmatism, examining their
similarities and differences. In the light of this definition, some of the main objections
against this kind of thought, here seen as “myths”, are examined and some possible ways
out of these objections are considered.

Key-words
Pragmatics, philosophy of language, contemporary philosophy.




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Desmistificando a pragmática

  • 1. Desfazendo mitos sobre a pragmática Danilo Marcondes T uma mitologia está contida em nossa linguagem. oda L.Wittgenstein, Observações sobre o Golden Bough de Frazer. D entre as principais correntes do pensamento contemporâneo, a prag mática, ou o pragmatismo tem sido por um lado uma das mais influen tes, por outro um alvo de ataque privilegiado por diversos opositores, o que certamente também é um índice de sua importância e de seu interesse. Com freqüência os termos “pragmática” e “pragmatismo”, têm sido usados de forma equivalente, tal como acima, o que não corresponde contudo nem à sua origem, nem às correntes de pensamento que caracterizam. É pre- ciso distinguir portanto, ao menos preliminarmente e em linhas gerais, a prag- mática enquanto um campo de estudos da linguagem e o pragmatismo enquanto corrente filosófica, ainda que uma filosofia da linguagem na linha da pragmá- tica e o pragmatismo se aproximem em muitos aspectos sem contudo se con- fundirem. Em um sentido amplo, “pragmatismo” ou “filosofia pragmática” refe- rem-se a concepções de filosofia que defendem não só uma distinção entre teoria e prática, mas sobretudo o primado da razão prática em relação à razão teórica, incluindo desde Kant, cuja última obra de 1804 intitulou-se precisa- mente Antropologia de um ponto de vista pragmático, até algumas correntes da filo- sofia contemporânea1. O termo “pragmática” é derivado do grego pragma, significando coisa, objeto, principalmente no sentido de algo feito ou produzido, sendo que o verbo pracein, significa precisamente agir, fazer. Os romanos traduziram pragma pelo latim res, o termo genérico para coisa, perdendo talvez com isso a conotação do fazer ou agir presente no grego. 38 ALCEU - v.1 - n.1 -pg 38 a 46 - jul/dez 2000
  • 2. Enquanto corrente filosófica o pragmatismo originou-se no final do século XIX e desenvolveu-se sobretudo ao longo do século XX, principal- mente nos Estados Unidos. Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James (1842-1910) e posteriormente John Dewey (1859-1952), são os principais re- presentantes desse pensamento em suas várias vertentes. Contemporaneamente Richard Rorty (1931-) se destaca como defendendo o que tem sido caracteri- zado como neopragmatismo. O filósofo de Harvard, Stanley Cavell (1926-) tam- bém pode ser incluído dentre os representantes do pragmatismo contemporâ- neo. Peirce destacou-se por sua obra, de grande originalidade e complexida- de, nos campos da semiótica, da teoria do conhecimento e da filosofia da ciên- cia. Seu pragmatismo caracteriza-se pela concepção de signo que desenvolve em sua semiótica, valorizando as várias funções do signo e as várias formas de constituição do significado, mas também pela definição de verdade que defen- de em sua concepção de ciência, segundo a qual as teorias científicas são con- juntos de hipóteses cuja validade só pode ser determinada levando-se em con- ta sua eficácia e seu sucesso, ou seja, seus resultados, efeitos e conseqüências, portanto, a prática científica propriamente dita2. O pragmatismo de William James, embora também adotando o critério de verdade como sucesso e eficá- cia, teve um caráter mais psicológico e moral, fazendo com que Peirce, que- rendo se dissociar dele, viesse a adotar o termo “pragmaticismo” para caracte- rizar a sua própria concepção em oposição a de James. Dewey seguiu, em grande parte, mais a linha de James do que a de Peirce, desenvolvendo uma filosofia voltada para a prática, no sentido ético e aplicado, analisando a socie- dade e a cultura, e preocupando-se com a educação, a política e a moral. Foi um dos pensadores americanos de maior influência, principalmente nos anos 30 e 40. Na lingüística, a pragmática se caracteriza pelo estudo da linguagem em uso, ou, segundo a definição de Charles Morris (1938), o primeiro a usar esse termo contemporaneamente, o estudo da “relação dos signos com seus intér- pretes”. Rudolf Carnap (1938), o lógico e filósofo da ciência de origem alemã com quem Morris trabalhou em Chicago, por sua vez definiu a pragmática como o estudo da linguagem em relação aos seus falantes, ou usuários. Tanto a definição de Morris, quanto a de Carnap, fazem parte da já consagrada dis- tinção geral do campo de estudos da linguagem entre pragmática, que conside- ra a linguagem em seu uso concreto, semântica, que examina os signos lingüísticos em sua relação com os objetos que designam ou a que se referem, e sintaxe, que analisa a relação dos signos entre si3. Mais recentemente, o termo 39
  • 3. “pragmática” passou a englobar todos os estudos da linguagem relacionados a seu uso na comunicação. Uma outra concepção de pragmática se desen- volveu com base em correntes na filosofia da linguagem e na lingüística que valorizam a linguagem comum e o uso concreto da linguagem como a prin- cipal instância de investigação da linguagem, tratando a semântica e a sintaxe apenas como construções teóricas. A filosofia da linguagem ordinária de Gilbert Ryle, a teoria dos atos de fala de Austin, a concepção de jogos de linguagem de Wittgenstein, e mesmo a semiótica de Umberto Eco, dentre outras, podem ser incluídas nessa vertente. Trata-se basicamente de uma visão filosófica segundo a qual o estudo da linguagem deve ser realizado em uma perspectiva pragmática, ou seja, enquanto prática social concreta, exa- minando portanto a constituição do significado lingüístico a partir da interação entre falante e ouvinte, do contexto de uso, dos elementos sócio-culturais pressupostos pelo uso, e dos objetivos, efeitos e conseqüências desses usos. A pragmática não seria assim apenas um segmento dos estudos da lingua- gem, mas o seu campo privilegiado. Na filosofia alemã, por sua vez, J.Habermas (Pragmática universal e Teoria da ação comunicativa) e K.O. Apel (Pragmática transcendental) inspirados no pragmatismo e na filosofia pragmática da linguagem, desenvolveram concep- ções de pragmática voltadas para a análise das condições de possibilidade da comunicação, de seus pressupostos e de suas implicações, inclusive nos cam- pos da ética e da política4. Encontramos, portanto, contemporaneamente, várias acepções de prag- mática e de pragmatismo, com origens historicamente diversas e diferenças profundas. Em linhas gerais podemos dizer que todas compartilham a atribui- ção de uma importância central à prática, à experiência concreta, aos aspectos aplicados do conhecimento e aos contextos concretos de uso, desde signos específicos e seus usuários até teorias científicas e suas aplicações. Adotam também uma posição anti-metafísica, no sentido de que não aceitam a con- cepção de uma realidade supra-sensível, além da experiência concreta e total- mente distinta desta, acessível apenas a um pensamento racional privilegiado, o que seria tarefa do filósofo, ou do teórico. O pragmatismo enquanto corrente filosófica e a filosofia da linguagem de orientação pragmática sempre tiveram adversários que levantaram ques- tões e objeções importantes no debate filosófico contemporâneo5. Pretendo examinar aqui apenas alguns aspectos desse debate, levando em conta as mais relevantes dessas questões e objeções, voltadas principalmente contra os pon- tos em comum entre pragmática e pragmatismo, apontados acima. Algumas 40
  • 4. delas acabaram por vir a constituir-se em autênticos “mitos”, sendo adotados sem um exame mais detalhado e constituindo sob muitos aspectos uma cari- catura das posições que atacam. Selecionei para essa breve discussão cinco desses “mitos” mais freqüen- tes na controvérsia acerca da pragmática e do pragmatismo, passando a examiná- los em seguida. 1. A pragmática elimina, ou reduz, a importância do conceito de verdade, central à tradição filosófica Segundo essa crítica, se o verdadeiro é o que dá certo ou produz deter- minados resultados, a verdade passa a ser relativa às condições de realização de experimentos, testes, verificações, etc., sendo também subordinada às noções de sucesso ou eficácia. A verdade não seria mais assim o resultado da corres- pondência ou adequação entre as proposições teóricas e a natureza da realida- de que descrevem. Contudo, a pragmática não elimina nem reduz de importância a noção de verdade, mas critica uma verdade definida apenas em termos realistas, ou seja, enquanto correspondência entre proposições e o real descrito por essas proposições, e problematiza a possibilidade de verdades absolutas, conhecidas independentemente de um contexto e estabelecidas de modo conclusivo. Pode- se dizer então que a pragmática complementa a noção de verdade com as no- ções de sucesso e felicidade, que devem dar conta especificamente da conside- ração da linguagem como ação, como produzindo efeitos e conseqüências em contextos determinados. Não podemos estabelecer se um conjunto de proposições é verdadeiro ou falso de modo conclusivo por comparação com uma realidade indepen- dente dessas proposições, ou da linguagem em que são formuladas, isto é, uma realidade em si mesma, mas sim os resultados e conseqüências do que essas proposições afirmam sobre a realidade, a saber, suas pretensões a conhe- cimento. 2. A pragmática leva ao relativismo e o relativismo equivale ao “vale tudo”, tanto do ponto de vista ético, quanto do conhecimento A pragmática pressupõe uma concepção segundo a qual o significado é relativo a contextos determinados e deve ser considerado a partir do uso dos termos e expressões lingüísticos utilizados nesses contextos. Isso não eqüivale 41
  • 5. ao “vale tudo”, porque o significado não é visto como arbitrário, mas como dependente do contexto. A consideração do uso envolve portanto a determi- nação das regras e condições de uso que caracterizam os contextos específicos em que o significado se constitui. Afirmar que o significado é “relativo ao contexto” não é o mesmo que afirmar o “relativismo” semântico, cognitivo, ou ético, se “relativismo” significa que todas as posições se eqüivalem e são igualmente válidas, ou a tese de Humpty Dumpty6 segundo a qual podemos significar o que quisermos. Ao contrário, a consideração de regras, conven- ções e condições de uso, exclui a arbitrariedade, explicitando o processo de constituição e de alteração do significado de uma palavra ou expressão lin- güística. 3. A pragmática inviabiliza a ciência Trata-se, até certo ponto, de um corolário da posição examinada em (1). A pragmática exclui certamente a concepção realista tradicional de ciência como um conhecimento definitivo e conclusivo de uma realidade considerada em si mesma. A história da ciência revela a importância de uma consideração pragmá- tica de ciência7. Não encontramos uma, mas várias noções de ciência desde o pensamento grego antigo, que primeiro a formulou, até os dias de hoje. No pensamento antigo a ciência definia-se principalmente como saber teórico; a partir da modernidade (séc.XVI), aproxima-se mais da prática, de um saber técnico, aplicado, embora persistam concepções estritamente teóricas de co- nhecimento científico em campos como a matemática. Sobretudo a partir do séc.XIX, surge uma distinção entre as ciências naturais e as ciências humanas e sociais que abre caminho para um debate sobre a metodologia das ciências, importante até hoje8. A ciência e as teorias científicas passam, ao contrário da concepção rea- lista, a serem consideradas como mais um “jogo de linguagem” na acepção de Wittgenstein, com regras, convenções e objetivos próprios. Uma teoria é um modelo explicativo, um conjunto de proposições hipotéticas que visam expli- car um determinado domínio do real. As noções pragmáticas de efeitos e con- seqüências são fundamentais para a avaliação dos resultados e experimentos científicos e para a falsificação e validação de hipóteses científicas. Por outro lado, alguns dos principais representantes do neopragmatismo contemporâneo, principalmente nos Estados Unidos, como Richard Rorty, questionam determinados pressupostos do pensamento moderno, ainda man- 42
  • 6. tidos em várias correntes do pensamento contemporâneo, inclusive na filo- sofia analítica da linguagem, segundo os quais a ciência seria uma espécie de paradigma de todo conhecimento, a filosofia devendo tomá-la como modelo. Rorty, por exemplo aponta que na própria tradição filosófica, a literatura e mesmo a poesia, freqüentemente estiveram mais próximas da filosofia do que a ciência, sendo ao menos tão relevantes quanto esta, se não mais até, para o pensamento filosófico9. 4. A pragmática torna a ética impossível Essa objeção consiste em uma versão no campo da ética da objeção refe- rente à questão da ciência examinada acima no item anterior, retomando tam- bém o argumento contra o relativismo, no caso agora em sua versão ética, examinado em (2). Segundo esse argumento, se como quer o pragmatismo, os valores éticos dependem do contexto, de elementos culturais e de fatores históricos, variando assim em diferentes épocas e culturas, o que hoje consi- deramos ético, amanhã pode não ser considerado como tal e vice-versa. Por- tanto, a ética perderia o sentido e qualquer tipo de atitude ou conduta poderia ser considerado ético. O pragmatismo apenas questiona os absolutos éticos, ou seja, a existên- cia de valores éticos universalmente válidos, independentes de época ou con- texto, ou ainda, o cognitivismo ético, a posição segundo a qual poderíamos ter uma “ciência da ética”, baseada no conhecimento desses valores, a partir do que orientaríamos nossa ação. Propõe, ao contrário, que os conceitos éticos, tal como os científicos, sejam examinados em relação aos contextos de uso e às intenções dos agentes usá-los. Uma análise pragmática dos conceitos éticos explicita seu sentido e seus pressupostos, torna mais evidente seus objetivos e permite-nos avaliar seus efeitos e conseqüências. Um bom exemplo desse tipo de análise se encontra em Austin, quando sugere como ponto de partida para a discussão do problema ético tradicional da responsabilidade por meio de uma análise das situações e contextos em que se admitem desculpas, contrastando-os com aqueles em que não são admiti- das, ou em que sequer faz sentido pedir desculpas10. O pragmatismo ético, considera portanto que os valores éticos depen- dem sempre de uma determinada cultura em um determinado momento his- tórico, porém, não considera que isso acarretaria o fim da ética. A definição cultural de valores éticos, revela, ao contrário, que as sociedades e culturas que estabelecem esses valores definem normas e regras para sua aplicação e san- 43
  • 7. ções para os que não as cumprem, estabelecendo assim uma normatividade, que caracteriza a ética em geral. O conteúdo desses valores pode variar e quan- to a isso uma análise histórica, antropológica ou sociológica, parece com efei- to deixar claro. O fato desses valores serem, nesse sentido, convencionais, não significa, contudo, que sejam arbitrários, ou que possam ser alterados a qualquer mo- mento ou por qualquer motivo. Ao contrário, essa convencionalidade social, faz com que aqueles que os adotam tornem-se responsáveis por sua validade e por seu cumprimento, podendo portanto ser cobrados nesses sentido, é assim exatamente na medida em que os valores são convencionais que somos res- ponsáveis por sua validade, enquanto aqueles que constituem e assumem as convenções11. O mesmo ocorre quando esses valores são alterados, caem em desuso ou são substituídos. Em todo esse processo há uma responsabilidade e uma imputabilidade referentes àqueles que pertencem a esses contextos. 5. A pragmática impossibilita uma filosofia crítica Segundo esse argumento, a possibilidade de um pensamento crítico pressupõe parâmetros de verdade e de validade com base nos quais se possam examinar pretensões a conhecimento ou estabelecimento de normas em con- textos determinados. Se a verdade e os valores forem dependentes dos contex- tos não há uma instância supracontextual a partir da qual essas pretensões possam ser julgadas e não temos como questionar sua veracidade ou legitimi- dade. Todo o tipo de procedimento, cognitivo ou normativo, seria válido e isso não só inviabilizaria a crítica como esvaziaria o conceito de validade. Porém, consideramos que isso ocorre apenas se entendemos que a críti- ca pressupõe uma verdade definitiva e absoluta que serve de parâmetro para o exame crítico de proposições e teorias, mas não exclui uma concepção de crí- tica como consciência de limites, exame de pressupostos, ou possibilidade de se pensar alternativas. A crítica pode ser exercida assim não necessariamente com base em uma verdade que fundamenta seus parâmetros, mas como um movimento reflexivo do pensamento, ou seja, como auto-exame, e também como exame de alternativas, no sentido do contraste entre posições e procedi- mentos adotados em um determinado momento ou contexto e outras possi- bilidades, reais e hipotéticas, a serem adotadas e experimentadas. A estratégia, aqui adotada, de defesa de determinados pressupostos bási- cos da filosofia pragmática contra as objeções mais freqüentes a esse pensa- mento, que para efeitos de discussão denominei de “mitos”, consistiu em par- 44
  • 8. te ao menos, em admitir alguns desses pontos, sem contudo aceitar suas conseqüências negativas. Por exemplo: a relatividade, sem o relativismo; a contextualização do significado sem que qualquer palavra signifique qualquer coisa; o questionamento à concepção realista de ciência, sem inviabilizar a ciência; a recusa do caráter absoluto dos valores éticos, sem abrir mão da ética. Danilo Marcondes é Professor da PUC-Rio danilo@fil.puc-rio.br Notas 1. Ver a este respeito Putnam (1995), cap.2, págs.42-45, “The primacy of practical reason”. 2. Sobre a especificidade do pragmatismo de Peirce e sua diferença em relação à filosofia pragmática contemporânea, principalmente quanto à questão da ciência, ver S.Haack, “Quanto àquela frase “Estudando com um espírito literário”, em Margutti (1998). 3. A propósito dessas definições ver Levinson (1983), 1.2, “Defining pragmatics”. 4. Sobre a concepção de pragmática em Habermas e Apel, ver M. Oliveira (1998). Ver também J.Habermas (1990), “Guinada Pragmática”. Apel, p.ex., retoma algumas teses de Peirce. 5. Podemos citar, por exemplo, dentre outros, Max Horkheimer(1966), Thomas Nagel (1997), William Alston (1996). Ver também o cap.3, “Pragmatism and the contemporary debate” em H.Putnam,(1995). 6. Personagem de Lewis Carroll em Alice no país das maravilhas. 7. A visão histórica de Thomas Kuhn em seu influente A Estrutura das revoluções científicas (1969), pode ser entendida nessa linha. 8. Como exemplo disso temos o debate entre a Escola de Frankfurt e os assim chamados “Positivistas”, Adorno et al. (1976). 9. Ver Richard Rorty (1982), principalmente o cap.6, “Philosophy as a kind of writing”. Stanley Cavell (1976) desenvolve uma argumentação semelhante. 10. Ver nos Philosophical Papers (1970) especialmente dois capítulos, “A Plea for Excuses” e “Three Ways of Spilling Ink”. 11. Esse é o argumento de J.Mackie (1970), em seu influente Ethics, Inventing Right and Wrong. 45
  • 9. Referências bibliográficas ADORNO, Theodor et al. The Positivist Dispute in German Sociology. London: Heinemann, 1976. ALSTON, William. A Realist Conception of Truth. Ithaca, New York: Cornell Univ. Press, 1996. AUSTIN, J. L. Philosophical Papers. Oxford: Clarendon Press, 3ªed., 1977. CAVELL, Stanley, Must We Mean What We Say? Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1976. HABERMAS, Jurgen. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1990. HORKHEIMER, M. The Eclipse of Reason. New York: Continuum, 1996. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. LEVINSON, B. Pragmatics. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1983. MACKIE, John. Ethics: Inventing Right and Wrong. London: Penguin, 1977. MARGUTTI, Paulo et al. (orgs.). Filosofia analítica, pragmatismo e ciência. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 1998. NAGEL, Thomas. The Last Word. Oxford: Oxford Univ. Press, 1997. OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo, SP: Loyola, 1996. PUTNAM, Hilary. Pragmatism. Oxford: Blackwell, 1995. RORTY, Richard. Consequences of Pragmatism. Minneapolis: Univ. of Minnesota Press, 1982. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1998. Resumo Este texto visa, em primeiro lugar, estabelecer algumas distinções acerca da pragmática e do pragmatismo e examinar algumas características centrais deste pensamento, para em seguida, analisar determinadas críticas mais freqüentes a ele, considerando-as “mitos” e procurando respondê-las. Palavras-chave Pragmática, filosofia da linguagem, filosofia contemporânea. Abstract This paper has as its first aim a definition of pragmatics and pragmatism, examining their similarities and differences. In the light of this definition, some of the main objections against this kind of thought, here seen as “myths”, are examined and some possible ways out of these objections are considered. Key-words Pragmatics, philosophy of language, contemporary philosophy. 46