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CIÊNCIA O GLOBO Sábado, 7 de janeiro de 2012
. HISTÓRIA
Fotos de divulgação/Inah
Sem medo do
fim do mundo
Descobertas arqueológicas mostram
que maias previam início de uma era
em 2012, regida por um novo deus
Elisabeth Wagner
Elisa Martins
ciencia@oglobo.com.br
Especial para O GLOBO • CIDADE DO
MÉXICO
O
O
s maias pré-hispânicos ti-
nham uma obsessão pelo EQUINÓCIO
tempo. Com uma observa- de primavera
ção exaustiva dos astros,
eles construíam calendários precisos em sítio maia na
e previam eventos que ditavam a vida PLACAS COM inscrições maias Península de Yucatán
de sua civilização. Um registro em es-
pecial, no entanto, tem chamado a recém-descobertas em Tortuguero: (acima) e placa com calendário
atenção nos últimos anos. Em um mo- profecias de início de uma nova era maia (ao lado): visão cíclica do tempo
numento no sítio arqueológico de Tor- Justin Kerr/Sachsische Landesbibliothek
tuguero, no estado de Tabasco, Sudes- como referência para indicar as eras respeitaram a concepção dual, mas
te do México, uma inscrição do século que passam. Para eles, o mundo não marcaram uma data de início, 4 Ajaw 8
VII faz referência a uma data: 4 Ajaw 3 acabava, e sim o propósito de cada Kumku (segundo arqueólogos, 13 de
K’ank’in, ou, segundo correlações fei- pessoa nele. agosto de 3114 a.C.) para as contagens
tas por arqueólogos, 21 de dezembro O arqueólogo lembra que por mui- mais longas, separando o tempo em
de 2012. A menção a um dia tão dis- to tempo as inscrições foram um mis- eras de 13 baktunes.
tante da origem do monumento extra- tério, mas hoje se sabe que nenhuma A determinação dessa data para iní-
polou o interesse acadêmico. Com a faz profecias catastróficas: cio da contagem, no entanto, ainda é
chegada de 2012, ganhou força a ideia — As previsões dão recomenda- um mistério. Ela poderia referir-se ao
de que os maias, com todo seu conhe- ções gerais ao povo, desde o nome e o dia de passagem do Sol pelo zênite na
cimento sobre o tempo, teriam previs- destino de cada pessoa em função do região onde teria surgido o calendário
to uma catástrofe global nesta data. dia de nascimento, até questões mais mesoamericano, ou ser apenas uma
Os especialistas na cultura, porém, elaboradas, com base na observação escolha arbitrária. O certo é que a
asseguram que o fim não está próxi- astronômica e da natureza, para saber contagem de 13 baktunes a partir des-
mo. Várias outras placas recém-des- o que poderia afetar colheitas ou co- te dia concluiria, no tão citado 21 de
cobertas na região revelam uma his- mo prevenir-se de secas ou inunda- dezembro de 2012, um marco de fim
tória sobre renovação de eras que ções, por exemplo. de era para os maias, mas sem signi-
nada tem a ver com um apocalipse. O monumento em Tortuguero tam- ficado para o resto de um mundo, que
— A associação do fim do mundo bém cita o governante Bahlam Ajaw eles não conheciam.
com as profecias maias partiu de (612-679). Ele seria o anfitrião da vol- O DEUS maia Bolon Yokte: retorno
grupos místicos que exploram con-
cepções de tempo de culturas anti- era significa o início de outra, em uma
ta do deus Bolon Yokte, em uma pro-
jeção do seu reinado para o futuro. A Esse interesse não era só político No ano 4000, um
gas para criar uma visão apocalíptica
— critica Orlando Casares, arqueólo-
visão cíclica de constante renovação
comum em várias religiões. Assim, a
visão cíclica do tempo levava os
maias a acreditarem que, em momen-
ou religioso, mas parte fundamental
do pensamento maia pré-hispânico. novo recomeço
go do Instituto Nacional de Antropo- inscrição em Tortuguero traz, de fato, tos equivalentes de diferentes perío- Poucas civilizações deixaram um le-
logia e História (Inah) do México. — uma profecia: a conclusão de 13 bak- dos, os eventos se repetiriam. Era a gado tão importante em áreas como ● Com a conquista espanhola, o calen-
Hoje as pessoas se informam com tunes marcaria o retorno de uma im- partir desse registro que faziam suas astronomia, matemática e arquitetu- dário maia sofreu tantas alterações
mais facilidade sobre tragédias ocor- portante divindade maia, Bolon Yokte, profecias, em uma prática que tam- ra. Sua origem remonta aos anos 2000 que foi basicamente suplantado pelo
ridas no planeta e buscam uma expli- vinculado à criação e à guerra, na data bém tinha função política. a 1500 a.C. na Mesoamérica. A loca- gregoriano. O calendário ritual, no en-
cação para esses eventos, mas não indicada — 4 Ajaw 3 K’ank’in. Desta — Quando um governante subia ao lização em uma região tropical, com tanto, ainda é usado nas comunidades
existe nenhum argumento científico forma, o 21 de dezembro de 2012 sig- poder, fazia-se um prognóstico para uma variedade de posições do Sol maias atuais, o que atesta contra as
que comprove que os maias tenham nificava para os maias apenas o início seu reinado, que sempre era positivo. que podem ser observadas a olho nu, teorias de colapso dessa civilização.
previsto uma catástrofe. de uma nova era e a volta de um deus, Era uma forma de legitimar a manu- facilitou o desenvolvimento astronô- Da época colonial destaca-se um ma-
A afirmação dos especialistas se ba- e não ao fim do mundo. tenção de sua linhagem, e demonstrar mico maia. Mas seu maior mérito está nuscrito, “Chilam Balam”, formado
seia na organização maia do tempo, di- — Os maias nunca tiveram uma que o tempo estava ao seu favor — na paciência e na capacidade de ela- por livros sagrados que traziam, entre
vidido em eras de 5.125 anos — ou 13 percepção linear do tempo, como nas conta Casares. — Daí a obsessão por borar um calendário que foi aperfei- suas previsões, profecias sobre uma li-
baktunes, períodos de aproximada- tradições judaico-cristãs — explica Ca- observar o entorno, para poder ante- çoado durante 1.200 anos. bertação dos maias.
mente 400 anos cada. O fim de uma sares. — As datas são usadas apenas cipar-se aos acontecimentos. — Os astrônomos maias chegaram — O documento cita três datas:
a cálculos tão precisos que podiam re- 1764, 1774 e uma outra que equivaleria
lacionar em um mesmo calendário o a uma terminação em 12, outra refe-
movimento solar com o de Vênus, as rência que poderia ser a 2012 — revela
fases da Lua e as constelações. Para Casares. — As duas primeiras datas,
eles, deveria haver uma ordem perfeita não por acaso, coincidiram com rebe-
no céu — diz Casares. — Quando as liões indígenas. Tratava-se de um con-
datas do calendário não coincidiam vite à rebeldia, e a tradição profética
com algum movimento, eles o corri- se ajustava bem a esses interesses.
giam, incluindo ou tirando dias até re- Os governantes maias, considera-
encontrar a harmonia. Se algo não saía dos descendentes dos deuses na Ter-
como previsto, era por vontade dos ra, podiam modificar a contagem do
deuses. O que mais preocupava os tempo segundo suas conveniências.
maias era entender as mudanças. Em Palenque, arqueólogos descobri-
A base da contagem do tempo maia ram uma inscrição sobre a vida do
é a mesma de outros povos mesoame- governante Pakal II em que a duração
ricanos unidos por um tronco co- de uma era seria de 20 baktunes, e
mum, a cultura Mixe-Zoque. Há dois não de 13. Isso significaria que, para
calendários para períodos curtos: um os maias dessa região, a era atual ter-
de 365 dias, usado para assuntos civis, minaria bem depois do ano 4000, pró-
e outro sagrado, de 260 dias, para os xima data que pode acabar associada
rituais. A partir dessa ideia, cada cul- erroneamente pelas futuras gerações
SÍTIO ARQUEOLÓGICO maia de Chichén Itzá: civilização avançada que tinha uma obsessão pelo tempo e a observação astronômica tura fez suas adaptações. Os maias a um novo apocalipse. ■