O documento discute a relação entre os direitos humanos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU, com foco nos direitos humanos das mulheres. Ao longo de décadas, a ONU promoveu os direitos humanos de forma holística, integrando diferentes agendas. Os ODS atuais representam a cristalização desse esforço, visando um desenvolvimento sustentável e igualitário.
1. Direitos Humanos das Mulheres e os ODS
Brasília, outubro de 2018
Marcela Rezende
Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental
2. Como relacionar os direitos humanos aos objetivos de desenvolvimento sustentável?
Desde a década de 1940, quando foi criada, a ONU mobilizou governos nacionais em
torno da pauta do desenvolvimento humano e da construção de valores comuns para a
promoção dos direitos humanos, apoiando-se em sua Carta, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em diversos tratados internacionais de direitos humanos e, mais
recentemente, na Declaração do Milênio.
Ao longo de sete décadas de atuação da ONU, a ideia e o escopo do que se considera
como parte integrante do rol de direitos humanos foi se aprimorando, em uma
trajetória direcionada à ampliação, ao adensamento e à inclusão de novos aspectos à
medida que a comunidade internacional ia se transformando, amadurecendo e
aperfeiçoando a atuação dos organismos internacionais do sistema ONU.
A chamada Agenda 2030, atual paradigma onusiano para a promoção dos direitos
humanos, cristaliza uma série de ações e pactos previamente acordados, e avança no
sentido de perceber o desenvolvimento humano sob uma perspectiva holística que
agrega preservação de recursos naturais, superação de desigualdades sociais e avanços
econômicos, rumo a um desenvolvimento sustentável, por meio da implementação de
objetivos indivisíveis e integrados.
A ONU, a promoção dos direitos
humanos e os ODS
3. Como relacionar os direitos humanos DAS MULHERES aos objetivos de desenvolvimento
sustentável?
No que tange às mulheres, podemos afirmar que também a defesa de seus direitos foi, ao longo de
décadas de esforço, caminhando rumo à ampliação e à percepção de que esses direitos são
transversais, e não apenas uma agenda “feminina” autorreferenciada e desconectada de demais
temas de preocupação global.
Se, no início da trajetória da ONU, houve um claro esforço em sistematizar e institucionalizar direitos
das mulheres enquanto mulheres, ao longo do processo vão-se ampliando as ideias correlatas ao que
seria esse rol de direitos, agregando-se à defesa de pautas clássicas como o direito à igualdade em
relação aos homens noções como a de promoção do desenvolvimento, da paz, do emprego, da saúde,
da educação, da defesa do meio ambiente, da segurança, entre tantos outros elementos.
Na década de 1990, quando da realização das chamadas conferências sociais da ONU, as mulheres
participaram ativamente dos debates de todas as reuniões realizadas – na conferência que discutiu
meio ambiente, na que versou sobre população e desenvolvimento, na conferência de Viena sobre
direitos humanos, na cúpula para o desenvolvimento social.
Assim, a trajetória da luta pelos direitos das mulheres reflete aquela percorrida no bojo dos direitos
humanos no sistema ONU – rumando à ampliação, à integração e à percepção da transversalidade
dos temas tratados.
A ONU, a promoção dos direitos
humanos das mulheres e os ODS
4. Podemos tentar agrupar fases de atuação da ONU no que concerne aos direitos
humanos das mulheres para fins didáticos
1º momento: 1945 a 1962 – esforços concentrados para a questão da equidade das mulheres
em relação aos homens e para codificação internacional dos direitos das mulheres. Carta da
ONU (1945), criação da CSW (1946) e DUDH (1948) são marcos importantes;
2º momento: 1963 a 1975 – período marcado pelo processo de descolonização e
consequente ampliação do número de Estados-membro, com surgimento de novas agendas
na ordem internacional. Conferência Mundial da Mulher (1975, México) é marco fundamental;
3º momento: 1976 a 1985 – denominada “Década das Mulheres”, momento em que ocorrem
outras duas Conferências – Conferência de Copenhague (1980) e Conferência de Nairóbi
(1985). Também se destaca a CEDAW (1979);
4º momento: Anos 1990 – Conferências sociais da ONU, com destaque para a Conferência de
Beijing (1995) para o caso das mulheres;
5º momento: anos 2000 – os Objetivos do Milênio (ODM);
Momento atual: Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS);
A ONU e os direitos das mulheres:
momentos históricos marcantes
5. Carta das Nações Unidas (1945) é o marco inaugural desse estágio – já em seu
preâmbulo, documento ressalta a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Em seu art. 1º explicita repulsa a qualquer distinção de raça, sexo, língua, religião;
Início do processo de codificação internacional dos direitos das mulheres;
1946: criação da Comissão sobre o Status da Mulher (Comission on the Status of
Women – CSW).
Relevância para institucionalização dos direitos das mulheres no contexto
internacional;
Atuou de forma decisiva para a redação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) e de outros documentos importantes, como a Convenção dos
Direitos Políticos das Mulheres (1952) e a Convenção sobre a Nacionalidade das
Mulheres Casadas (1957);
Porém, não tinha caráter coercitivo e, assim, nunca recebeu poderes para
investigar suspeitas de violação de direitos de mulheres ou casos de
discriminação. Com isso, nunca esteve autorizada a tomar medidas capazes de
assegurar o comprometimento dos países com os acordos firmados.
A ONU e os direitos das mulheres:
1945 a 1962 marcos relevantes
6. A ONU e os direitos das mulheres:
1945 a 1962 marcos relevantes
1948: Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e as mulheres
Preâmbulo: “Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos
direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos
dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar
melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla (...)”
Art. 1º: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e
de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Art. 2º: Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente
Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território
independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.
Art.16: A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem
restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução,
ambos têm direitos iguais. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos
futuros esposos.
Art. 23: 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e
satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego; 2. Todos têm direito, sem discriminação
alguma, a salário igual por trabalho igual.
Art. 24: Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da
duração do trabalho e as férias periódicas pagas.
Art. 25: 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.
7. Período marcado pelo processo de descolonização e consequente ampliação do
número de Estados-membro na ONU;
Novos problemas na agenda internacional – as relações econômicas entre nações
desenvolvidas e em desenvolvimento ocuparam o centro do debate na ONU;
Reconhecimento do papel central das mulheres para o desenvolvimento social e
econômico das sociedades;
ONU mantém esforços para garantir igualdade legal para as mulheres, e amplia
programas de assistência técnica para mulheres em países em desenvolvimento;
1967: Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres –
apesar de seu caráter não coercitivo, o documento representou avanço no
movimento internacional de afirmação dos direitos das mulheres;
1968: Conferência Internacional dos Direitos Humanos (Teerã) – a temática dos
direitos das mulheres esteve presente na Conferência. Ao final, dentre as
resoluções adotadas, constava como objetivo a elaboração de programa voltado
para o progresso das mulheres no mundo moderno
1975: Ano Internacional da Mulher – representativo do fortalecimento do
movimento feminista no mundo e da conscientização do compartilhamento dos
problemas e dificuldades de diferentes mulheres em diferentes partes do globo.
A ONU e os direitos das mulheres:
1963 a 1975 marcos relevantes
8. 1975: Conferência Mundial sobre as Mulheres (México)
Primeiro grande passo eminentemente global na tentativa de alcançar a igualdade;
Fortaleceu a relação entre a ONU e a sociedade civil (atuação das ONGs);
Objetivou avaliar a implementação das recomendações da CSW, sugerir novas formas
de promoção da participação feminina no desenvolvimento, particularmente nas
áreas rurais; reconhecer o papel das mulheres para a paz mundial e desenvolver um
plano de ação para o fortalecimento das mulheres no mundo;
A partir de então, igualdade, desenvolvimento e paz tornaram-se a base dos
trabalhos da Organização no tocante às mulheres;
Objetivos do Plano de Ação da Conferência: promover a igualdade entre homens e
mulheres, assegurando a integração e contribuição das mulheres no esforço do
desenvolvimento e da paz mundial. Esses objetivos incluíam propostas de ação
nacional e internacional para o acesso igualitário das mulheres à educação,
treinamento, emprego e participação política, além de melhoras nos serviços de
saneamento básico, saúde, moradia, nutrição e planejamento familiar.
A ONU e os direitos das mulheres:
1963 a 1975 marcos relevantes
9. Alguns meses após a Conferência do México sobre a Mulher, a Assembleia Geral da
ONU proclamou o período de 1976 a 1985 como a Década das Nações Unidas para
as Mulheres.
Transformação na percepção internacional sobre o papel das mulheres: antes,
dominava a noção de que o desenvolvimento serviria ao progresso das mulheres;
depois, percebeu-se que o desenvolvimento não era possível sem a participação
delas;
Aumento da influência das ONGs para a promoção dos direitos das mulheres. Se em
1975 cerca de 6 mil representantes de ONGs participaram da Conferência do
México, em 1985, em Nairóbi, esse número pulou para 15 mil;
“Nos contextos domésticos, as ONGs, como que saídas de sua clandestinidade,
passaram a trabalhar para pôr em prática as políticas da Nações Unidas voltadas
para os direitos das mulheres Conferência do México sobre a Mulher . Em vista do
crescente interesse para com as questões de gênero, elas ajudaram a desenvolver
centros de pesquisa e programas voltados para o empowerment das mulheres,
influenciando, em contrapartida, as próprias ações da ONU” (Guarnieri, 2010:9)
A ONU e os direitos das mulheres:
1976 a 1985 marcos relevantes
10. 1979: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres (Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination Against
Women – CEDAW) – embora possa ser vista como uma verdadeira carta
internacional dos direitos das mulheres, abarcando áreas temáticas variadas como
saúde, trabalho, educação e família, é criticada pela ausência de referência à
questão da violência doméstica e sexual contra mulheres. O documento convoca os
governos nacionais a atuarem contra a discriminação não apenas na esfera pública,
mas também, na esfera privada, reconhecendo como de igual importância direitos
civis, políticos, econômicos e sociais e reafirmando a relevância do acesso igualitário
de mulheres e homens à vida política, ao mercado de trabalho e à educação.
Brasil assinou a Convenção em 1981 e a ratificou em 1984, porém, com reservas na
parte referente ao direito de família. Em 1994, essas reservas foram retiradas.
Em 1999, a Convenção foi fortalecida por meio de um Protocolo Facultativo, que
confere poderes a um comitê para receber denúncias sobre violações de direitos
humanos das mulheres. O governo brasileiro assinou esse protocolo em 2001,
ratificando-o em 2002.
A ONU e os direitos das mulheres:
1976 a 1985 marcos relevantes
11. 1980: Conferência de Copenhague – teve como objetivo avaliar os progressos
alcançados com a implementação do Plano de Ação adotado em 1975;
Três áreas – emprego, saúde e educação – foram priorizadas;
O decorrer da Conferência demonstrou que, apesar dos esforços desenvolvidos,
tinha havido deterioração da situação da mulher no mundo. Além disso, ficou
claro que havia sinais de disparidades entre os direitos garantidos às mulheres e
a real capacidade delas em exercer tais direitos;
Assim, o Programa de Ação da Conferência de Copenhague clamava por
medidas mais enérgicas por parte dos países no sentido de assegurar os direitos
das mulheres, particularmente no tocante à posse, propriedade, direitos de
herança e custódia sobre os filhos;
A ONU e os direitos das mulheres:
1976 a 1985 marcos relevantes
12. 1985: Conferência de Nairóbi, realizada com o objetivo de rever os
compromissos e as realizações da Década das Mulheres e a fim de elaborar um
novo conjunto de guias de ação para os próximos quinze anos;
A Conferência alertou que os objetivos estabelecidos para a segunda metade da
Década das Mulheres não haviam sido alcançados. Ela mostrou que apenas uma
minoria de mulheres ao redor do mundo havia, de fato, se beneficiado dos
esforços pela redução da discriminação. No caso das provenientes dos países
em desenvolvimento, as melhoras eram quase insignificantes. Essa constatação
levou à adoção de nova abordagem, focada na ideia de que todas as questões
são questões de mulheres, o que significa ampliar o horizonte de atuação para
além de “questões femininas”.
Na tentativa de rever essa situação, foram elaboradas as Estratégias de Nairóbi,
em que se estabelecia um verdadeiro plano de ação para a promoção de mais
igualdade e oportunidade para as mulheres, com medidas concretas capazes de
auxiliar na superação dos obstáculos para o atingimento das metas estipuladas
para aquela década;
A ONU e os direitos das mulheres:
1976 a 1985 marcos relevantes
13. A Conferência de Nairóbi coincide, no Brasil, com a instalação do primeiro governo civil
após duas décadas de regime militar autoritário. Naquele momento, algumas políticas
públicas para mulheres foram implementadas, como a constituição das primeiras
delegacias de polícia especializadas no atendimento a mulheres e a criação do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), junto com o surgimento de conselhos
estaduais e municipais;
“Cinco anos após a realização da Conferência de Nairóbi, relatórios preparados pela CSW
constatavam que, apesar dos esforços da ONU, poucos haviam sido os avanços
alcançados na Década das Mulheres. Apesar do progresso econômico de muitos países,
não havia ocorrido melhoras significativas nas três áreas priorizadas pela Conferência de
Nairóbi: emprego, educação e saúde das mulheres. Mesmo com a implementação das
estratégias definidas em Nairóbi, muitos obstáculos permaneciam, fazendo com que a
meta de superá-los até o ano 2000 fosse visivelmente impossível. No tocante ao papel
das mulheres no desenvolvimento, apesar da crescente rejeição do progresso econômico
como ‘gender neutral’, na prática, eram poucos os tomadores de decisão que
consideravam o gênero como uma variável chave nos processos políticos” (Guarnieri,
2010:12-3)
Em vistas dessas constatações, e por recomendação do ECOSOC, a Assembleia Geral da
ONU determinou a realização da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, a ser realizada
em Beijing, na China, em 1995.
A ONU e os direitos das mulheres:
1976 a 1985 marcos relevantes
14. A década de 1990 viu surgir uma nova ordem global, com o desmantelamento da União
Soviética e o fim da Guerra Fria. Minimizada a questão militar, uma agenda diferenciada
pôde ser estabelecida, e temas anteriormente delegados a segundo plano se tornaram
proeminentes;
A ideia de segurança global passava a ser entendida em escopo mais amplo, abarcando
preocupações com questões como o meio ambiente, desenvolvimento, direitos
humanos, população, situação das mulheres;
Dentro desse novo contexto, a ONU convoca ao longo da década de 1990 uma sequência
de conferências internacionais com temáticas que, embora específicas, eram capazes de
promover uma agenda integrada para o desenvolvimento humano. Entendia-se que
esses assuntos eram de cunho global, exigindo uma atuação mundial para o avanço
necessário nesses aspectos;
Essa percepção integrativa permitiu que, em cada uma das conferências realizadas, as
agendas feministas fossem consideradas, admitindo-se que as perspectivas de gênero
eram essenciais a todos os temas e programas enfocados;
A ONU e os direitos das mulheres:
anos 1990 marcos relevantes
15. 1992: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92)
– evento reuniu cerca de 30 mil participantes, entre representantes governamentais e
não-governamentais. Pela primeira vez, mulheres foram chamadas a opinar sobre
problemas que não diziam respeito exclusiva e diretamente a causas femininas;
1993: Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena) – os direitos das mulheres
foram reconhecidos como direitos humanos universais, interdependentes, inalienáveis e
indivisíveis. A Conferência ensejou a elaboração da Declaração sobre a Eliminação da
Violência contra a Mulher;
1994: Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo) – um novo
paradigma para o debate sobre população foi introduzido, alocando-se a questão
demográfica e dos direitos reprodutivos no âmbito dos direitos humanos, reivindicação
antiga do movimento de mulheres;
1995: Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhague) – proclamou o
papel decisivo das mulheres na luta contra a pobreza e o desemprego. Reconheceu-se
que a capacitação política, econômica e social das mulheres era essencial à erradicação
dos entraves ao desenvolvimento social;
A ONU e os direitos das mulheres:
anos 1990 marcos relevantes
16. 1995: Conferência de Beijing – “Igualdade, desenvolvimento e paz”
Considerada em conjunto com o fórum não governamental de Huairou, reunido
imediatamente antes do evento nos arredores da capital chinesa, a Conferência reuniu
aproximadamente 50 mil pessoas, sendo mais de 2/3 mulheres. Foi o maior fórum de
discussão já organizado pela ONU;
Resultados da Conferência: Plataforma de Ação e Declaração de Beijing, documentos
que serviram para consolidar os avanços jurídicos de cinco décadas no que tange à
igualdade das mulheres;
A Plataforma de Ação de Beijing representa um guia de ação não apenas para Estados e
ONGs, mas também para famílias e indivíduos. Contém 361 parágrafos, e elenca 12 áreas
críticas de preocupação, representando um parâmetro para a atuação de governos em
prol da promoção da igualdade entre homens e mulheres. Tais áreas são: Mulheres e
Pobreza; Educação e Capacitação de Mulheres; Mulheres e Saúde; Violência contra as
Mulheres; Mulheres e Conflitos Armados; Mulheres e Economia; Mulheres no Poder e na
Liderança; Mecanismos Institucionais para o Avanço das Mulheres; Direitos Humanos das
Mulheres; Mulheres e a Mídia; Mulheres e Meio Ambiente; Direitos das Meninas.
A Conferência de Beijing (1995)
17. A Conferência de Beijing vem coroar, então, o acúmulo de conhecimentos e aprendizados
adquiridos ao longo das décadas anteriores, e teve como um de seus principais legados o
comprometimento dos países participantes com a agenda de empoderamento feminino,
a fim de que as mulheres pudessem apresentar as suas próprias prioridades enquanto
parceiras dos homens em processos de tomadas de decisão;
A partir dela, passou-se a adotar o conceito de gênero ao invés de se falar apenas em
questões de mulheres, evidenciando a natureza relacional das estruturas da sociedade, e
a necessidade de rever esse embasamento tradicional a fim de que a igualdade entre
homens e mulheres possa ocorrer de fato, em benefício de todos e todas;
Entre as apostas da Conferência para a colocação em prática das agendas contidas na
Plataforma de Beijing, surge a ideia da transversalidade de gênero (gender
mainstreaming) como metodologia de ação governamental, com a finalidade de que,
antes de serem implementadas políticas públicas, fossem realizados diagnósticos que
levassem em conta necessidades tanto de mulheres como de homens, atendendo ambos
os sexos igualmente;
A Conferência de Beijing (1995)
18. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM surgiram em 2000, por meio
da Declaração do Milênio das Nações Unidas, adotada pelos 191 Estados membros da
Organização naquele momento, inclusive o Brasil.
Consistiu em um em um esforço internacional para alcançar desenvolvimento em setores
e temas como: meio ambiente, direitos humanos e das mulheres, igualdade social e
racial. Percebe-se, aqui, que já no ano 2000 a perspectiva holística que embasa os atuais
Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) estava presente, ainda que de forma
incipiente.
Foram estabelecidos 8 objetivos a serem atingidos até 2015, por meio da implementação
de 21 metas, que poderiam ser mensuradas e comparadas entre os países por meio de
60 indicadores. São eles:
1 - Acabar com a fome e a miséria
2 - Oferecer educação básica de qualidade para todos
3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
4 - Reduzir a mortalidade infantil
5 - Melhorar a saúde das gestantes
6 - Combater a Aids, a malária e outras doenças
7 - Garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
8 - Estabelecer parcerias para o desenvolvimento
Os Objetivos do Milênio (ODM)
19. Findo o prazo para o alcance dos ODM, chefes de Estado e de governo reuniram-se, em
setembro de 2015, na sede da ONU, em Nova York, para assinar a declaração que
aprovou a existência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS.
Composto de 17 objetivos e 169 metas, os ODS pretendem cumprir uma agenda política
de grande alcance que fixe metas globais para o desenvolvimento. Trata-se de uma
agenda ambiciosa e robusta, que requer um investimento também robusto em
capacidades estatais para a implementação de políticas públicas, com a criação de
condições institucionais que facilitem o alcance dos acordos assumidos
internacionalmente pelo país.
Entre os desafios que o Brasil precisa enfrentar para implementar os ODS, recente
pesquisa realizada pela ENAP destaca 3 dimensões:
Necessidade de aprimoramento de gestão;
Desenvolvimento de mecanismos de governança capazes de coordenar a
diversidade de atores e iniciativas necessários para o cumprimento da Agenda 2030;
A mobilização de recursos financeiros e o fortalecimento de parcerias e redes com a
sociedade civil;
Os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
20. ODS 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares
ODS 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura
sustentável
ODS 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
ODS 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao
longo da vida para todos
ODS 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
ODS 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e o saneamento para todos
ODS 7. Assegurar a todos o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia
ODS 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e
trabalho decente para todos
ODS 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a
inovação
ODS 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
ODS 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
ODS 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis
ODS 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos
ODS 14. Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável
ODS 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável
as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade
ODS 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à
justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
ODS 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável
Os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
21. Como se percebe, é uma agenda extensa e complexa e, a fim de cumpri-la, o governo
federal propôs 3 etapas para o processo de internalização da Agenda 2030 à realidade
nacional:
Criação da Comissão Nacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (CNODS);
Adequação das metas globais à realidade nacional;
Definição de indicadores nacionais;
Dada essa complexidade, há entendimentos diversos acerca da agenda quanto aos
atores com ela envolvidos, além de níveis muito distintos de envolvimento de
servidores/as com a agenda.
O mesmo estudo da Enap já citado demonstra que, no universo da pesquisa, apenas
27,85% dos entrevistados considerava que os ODS tinham influência na política pública
com que trabalham, ao passo que 17,35% responderam que a agenda influencia
parcialmente o trabalho. 27,7% dos entrevistados afirmaram não conhecer a agenda dos
ODS, 15,5% disseram que não sabem se os ODS influenciam seu trabalho e 11,6%
afirmaram que não há influência. Ou seja, somando os que desconhecem a agenda, não
sabem ou não percebem influência dela em seu trabalho, obtém-se mais 54,8% do total,
o que indica que a burocracia estatal brasileira ainda desconhece o tema. Isso
representa um desafio considerável para o atingimento das metas pactuadas.
Os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
22. Recentemente, o Ipea lançou publicação contendo a proposta de adequação de metas
do Brasil às metas globais dos ODS;
No que se refere ao ODS 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as
mulheres e meninas, foram propostas algumas adequações às metas globais propostas
pela ONU.
Buscou-se, nas novas redações propostas, ressaltar as intersecções com outros
fenômenos que geram desigualdade e discriminação, a fim de dar visibilidade a essas
intersecções, o que reflete uma demanda por reconhecimento, para que sejam levadas
em conta as singularidades das desigualdades e discriminações que afetam os diferentes
sujeitos.
Este reconhecimento coaduna-se com o lema dos ODS: “não deixar ninguém para trás”.
Para alcançá-lo, é desejável reconhecer essas disparidades no enunciado da meta, a fim
de promover o monitoramento dos avanços para os diferentes agrupamentos e não se
limitar à média da população.
Os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS): ODS 5
23. ODS 5: proposta brasileira de
adequação de metas
Meta ONU Adequação de meta Brasil
5.1 Acabar com todas as formas de discriminação
contra todas as mulheres e meninas em toda parte.
Eliminar todas as formas de discriminação de gênero,
nas suas intersecções com raça, etnia, idade,
deficiência, orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as meninas e mulheres do campo, da
floresta, das águas e das periferias urbanas.
5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas
as mulheres e meninas nas esferas públicas e
privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de
outros tipos.
Eliminar todas as formas de violência de gênero nas
esferas pública e privada, destacando a violência
sexual, o tráfico de pessoas e os homicídios, nas suas
intersecções com raça, etnia, idade, deficiência,
orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas.
5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como os
casamentos prematuros, forçados e de crianças e
mutilações genitais femininas.
Eliminar todas as práticas nocivas, como os
casamentos e uniões precoces, forçados e de crianças
e jovens, nas suas intersecções com raça, etnia, idade,
deficiência, orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas.
24. ODS 5: proposta brasileira de
adequação de metas
Meta ONU Adequação de meta Brasil
5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e
doméstico não remunerado, por meio da
disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e
políticas de proteção social, bem como a promoção
da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da
família, conforme os contextos nacionais.
Eliminar a desigualdade na divisão sexual do trabalho
remunerado e não remunerado, inclusive no trabalho
doméstico e de cuidados, promovendo maior
autonomia de todas as mulheres, nas suas
intersecções com raça, etnia, idade, deficiência,
orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas, por meio de políticas
públicas e da promoção da responsabilidade
compartilhada dentro das famílias.
5.5 Garantir a participação plena e efetiva das
mulheres e a igualdade de oportunidades para a
liderança em todos os níveis de tomada de decisão na
vida política, econômica e pública.
Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e
a igualdade de oportunidades para a liderança em
todos os níveis de tomada de decisão na esfera
pública, em suas dimensões política e econômica,
considerando as intersecções com raça, etnia, idade,
deficiência, orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas.
25. ODS 5: proposta brasileira de
adequação de metas
Meta ONU Adequação de meta Brasil
5.6 Assegurar o acesso universal à saúde sexual e
reprodutiva e os direitos reprodutivos, como
acordado em conformidade com o Programa de Ação
da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de
Pequim e os documentos resultantes de suas
conferências de revisão.
Promover, proteger e garantir a saúde sexual e
reprodutiva, os direitos sexuais e direitos
reprodutivos, em consonância com o Programa de
Ação da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de
Pequim e os documentos resultantes de suas
conferências de revisão, considerando as intersecções
de gênero com raça, etnia, idade, deficiência,
orientação sexual, identidade de gênero,
territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em
especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas.
26. ODS 5: proposta brasileira de
adequação de metas
Meta ONU Adequação de meta Brasil
5.B Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular
as tecnologias de informação e comunicação, para
promover o empoderamento das mulheres.
5.b.1br Garantir a igualdade de gênero no acesso,
habilidades de uso e produção das tecnologias de
informação e comunicação, considerando as intersecções
com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual,
identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e
nacionalidade, em especial para as mulheres do campo,
da floresta, das águas e das periferias urbanas.
5.b.2br Garantir a igualdade de gênero no acesso e
produção do conhecimento científico em todas as áreas
do conhecimento e promover a perspectiva de gênero na
produção do conhecimento, considerando as intersecções
com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual,
identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e
nacionalidade, em especial para as mulheres do campo,
da floresta, das águas e das periferias urbanas.
5.b.3br Garantir a igualdade de gênero no acesso e
produção da informação, conteúdos de comunicação e
mídias, considerando as intersecções com raça, etnia,
idade, deficiência, orientação sexual, identidade de
gênero, territorialidade, cultura, religião e nacionalidade,
em especial para as mulheres do campo, da floresta, das
águas e das periferias urbanas.
27. Além dos desafios já citados que o aparato estatal brasileiro precisa resolver
para o atingimento das metas dos ODS, no que tange especificamente ao ODS 5
é preciso enfrentar
Perpetuação de valores e convenções tradicionais de gênero;
Insuficiência de recursos financeiros e orçamentários – ajuste fiscal;
Inexistência ou baixo protagonismo de estrutura institucional de políticas
para as mulheres para apoiar a implementação e monitoramento dos
ODS;
Redução no número de servidores/as e terceirização de atividades fins;
Assim, percebe-se que o real atingimento das metas estipuladas no ODS 5 não
representa tarefa simples, nem de fácil execução, e possivelmente demandará
mais tempo do que aquele que a janela para a consecução da Agenda 2030 nos
permite.
ODS 5: desafios à implementação
28. Referências bibliográficas
ENAP. Desafios e condicionantes para implementação da Agenda dos ODS na
administração pública federal brasileira. Cadernos ENAP, nº57, Brasília: Enap, 2018.
Disponível em:
http://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/3411/1/Caderno_ODS_57.pdf
GUARNIERI, Tathiana Haddad. 2010. Os direitos das mulheres no contexto
internacional da criação da ONU (1945) à Conferencia de Beijing (1995). Revista
Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery, n. 8. Disponível em:
http://re.granbery.edu.br/artigos/MzUx.pdf
IPEA. Agenda 2030: ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável Proposta de adequação. Brasília, 2018. Disponível em:
http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/180801_ods_metas_nac
_dos_obj_de_desenv_susten_propos_de_adequa.pdf
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta da ONU. 1945. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das-
Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf
_______. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf