O documento descreve a segunda edição da revista RESISTANCE de Junho de 2011. Contém três principais seções: 1) Uma introdução editorial que dá as boas-vindas a novas colaboradoras e pede ajuda de leitores para futuras edições; 2) Uma lista de artigos sobre diversos temas como ciência, cultura e opiniões; 3) Uma errata sobre um erro de edição na edição anterior.
1. RESISTANCE
2ª Edição Junho 2011
José Rebola Nuno Peixinho
Entrevista “Cometas entre Asteróides”
página 9 página 29
2. Editorial
“Ne change rien pour que tout soit différent ”
Jean-Luc Godard
Depois de uma primeira edição cheia de
obstáculos e imprevistos saímos para a
segunda com atenções redobradas. Como o Por isso se queres colaborar connosco na
ditado diz: O que não nos mata, só nos torna edição, na escrita de artigos ou até na colocação
mais fortes. de publicidade nas nossas páginas contacta-
Com a entrada de três novas colaboradoras nos através do nosso e-mail resistancemag@
de Engenharia Biomédica: Ana Patrícia Silva, gmail.com.
Ana Telma Santos e Karen Duarte, contamos Queríamos também deixar um especial
com novas ideias e bastante dedicação para agradecimento a Ângela Dinis, Bruno
que consigamos alcançar novas metas. Sendo a Galhardo, João Domingos e a Nuno Ferreira
prioritária a de sair das portas do Departamento por toda a ajuda prestada no dia das eleições
de Física. Queremos chegar mais longe...! do NEDF/AAC.
O nosso único objectivo é melhorar de edição PS- Novamente, gostaríamos de agradecer a
em edição, mas para isso precisamos da vossa todos as pessoas que participaram nos nossos
ajuda. jantares de angariação de fundos, porque sem
elas seria impossível a distribuição em papel
da Revista.
Errata:
No número anterior da revista, devido a erros de edição, na décima primeira linha da décima página
onde se lê “que outras influências poderão haver” devia ler-se “que outras influências poderá haver“.
Pedimos desculpa pelo incómodo causado.
1 Junho 2011 RESISTANCE
3. Índice
Dentro do dep...
3_”Startup weekend”. João Nogueira
4_”Depois de Coimbra”. Dora Pires
5_”Cem anos do Núcleo Atómico”. Carlos M. B. Fiolhais
7_”As desigualdades de Bell e a
computação quântica”. Fernado M. da Silva Nogueira
26_”Erasmus”. Edson Ferreia
29_”Voluntariado”.Diana Capela
31_”Cometas entre Asteróides” . Nuno V. M. Peixinho Miguel
_22
Viagens...
23_”Estado Excitado”. Adriana Leal
25_”Estado fundamental”.Manuel Soeiro
Cultura...
_23
17_”24 frames por segundo”.
19_”78 rpm”.
21_”A gamer (re)view”
32_”Notícias”
33_”Mãe, afinal sei cozinhar”. Nino Hatter
Opiniões...
_25 _26
22_”Berbequim”. João Pedro Ferreira
27_”Crónicas”.
_5 _29
12 - Queima...
RESISTANCE Junho 2011 2
4. texto_João Nogueira
Nos tempos que correm todos os dias falamos em crise, aposto que todas as empresas gostariam de ter no seu dia-
falta de emprego e falta de dinheiro. Então porque não a-dia por parte dos seus trabalhadores. A ajuda dos nossos
criar o nosso próprio emprego? Porque não pôr mãos à mentores, que aconselham e guiam os participantes
obra? Porque não enriquecer um pouco a nossa visão? com a sua experiência tem uma importância extrema no
Porque não partilhar os nossos conhecimentos com os desenrolar do processo, permitindo-nos chegar muitas
outros? É aqui que entra o Startup Weekend. Dos cerca de vezes a bom porto, a achar soluções para os problemas
350 Startups realizados pelo mundo fora, já surgiram cerca e ultrapassar entraves que se colocam ao longo do nosso
de 700 empresas. Em Coimbra decorreu nos dias 20, 21 e projecto. Tivemos o prazer e a sorte de ter mentores como
22 de Maio na sala de estudo da Associação Académica Fred Oliveira (WeBreakStuff), Miguel Gonçalves (DITS),
de Coimbra. Este evento caracteriza-se pelas intensas 54 e Rui Barroca, entre muitos outros. Deixo-lhes desde já um
horas de trabalho non-stop, em que os participantes irão grande obrigado pela ajuda dada às equipas e pela troca
trabalhar na construção de base de um projecto, dando- sempre interessante de ideias e conselhos. As próprias
lhe forma e tornando-o viável para ir para além do fim- apresentações e a sua preparação é bastante peculiar, já que
-de-semana. Este fim-de-semana torna-se extremamente são direccionadas a um júri, tendo formato muito diferente
enriquecedor já que no evento e a trabalhar nas equipas daquilo que estamos habituados a fazer a nível cientifico.
se juntam pessoas das mais variadas áreas com as mais Com a apresentação dos Pitchs vemos as verdadeiras
variadas competências, o que permite não só elaborar diferenças e a maturação que houve ao longo do fim-de-
um óptimo plano para apresentar a investidores como semana e vemos uma transformação espantosa e uma
ganhar uma experiência enorme a trabalhar de forma concretização das ideias que apenas algumas horas atrás
exaustiva com uma equipa muito diversificada e que não estavam em estado embrionário e de repente ganharam
conhecemos. Os moldes de funcionamento do Startup corpo, em alguns casos vida até. No final os júris fazem os
Weekend são muito simples, cada pessoa que tenha seus devidos comentários do que é preciso melhorar em
trazido uma ideia apresenta-a ao resto dos participantes no cada ideia, como podemos crescer e até mesmo conselhos
inicio do evento. Depois de apresentadas todas as ideias práticos de como fazer a ideia render mais. Em Coimbra
os participantes votam naquelas que mais acreditam e a vencedora foi o Lean Interface. Mas para mim, todos
mais se identificam para trabalhar nas proximas 54h do aqueles que tiveram o prazer de participar neste evento já
evento. Em Coimbra tive o prazer de estar a organização e foram de algum modo vencedores, ao terem passado por
participar no evento, considero que foi um enorme sucesso. esta experiência única.
Pelo facto de estarmos em equipas multidisciplinares, as
ideias fluíam de forma quase natural, e apesar do cansaço Fica desde já o convite a todos para participarem numa
éramos coroados com doses de excitação e empenho que próxima edição do Startup Weekend em Coimbra.
3 Junho 2011 RESISTANCE
5. Depois de Coimbra
O início da jornada...
texto_Dora Pires
A distância temporal entre o dia mas tinha que contrariar esta dedicação total ao mestrado e uma
da defesa da minha tese, que marca tendência: um part-time num centro conciliação de trabalho e estudo. Não
o fim do meu percurso académico, de explicações foi a minha opção; podia dizer “não” a uma oportunidade
e o dia de hoje, é psicologicamente alguma matemática, física e química profissional. Hoje, escrevo este artigo
impossível quantificar. Se por um preenchiam dois dias da minha depois de um dia de trabalho com a
lado sinto que ainda nem passaram semana, restando-me ainda bastante certeza de que quando o terminar,
dois anos, por outro lado esta certeza tempo para a procura de um full-time. terei disciplina e motivação para
diluiu-se quando visitei o carro No início de 2010, resolvi mudar ainda ir estudar algo. Actualmente,
nº16 do Cortejo da Queima das a minha estratégia… decidi então, não tenho dúvidas que a minha vida
Fitas deste ano. Os rostos presentes que independentemente de ser na académica acabou naquele Setembro.
naquele local, eram na sua grande minha área ou não, necessitava da Agora, piso o chão de uma Faculdade
maioria, desconhecidos para mim. minha independência financeira para sempre apressada e focada num único
Entre algumas bengaladas e outras posteriormente investir na minha objectivo: alargar o meu espectro de
tantas saudações, percebi que ali, formação. Planeei, trabalhei, consegui conhecimentos. A vida académica
eu e os meus, éramos simplesmente e… despedi-me. Em Setembro de que cada um de vós vive hoje, é
espectadores. Naquele Setembro,
envolta numa mescla de alívio, Entre algumas bengaladas e outras tantas
alegria e melancolia, começava
a aperceber-me que a minha vida
saudações, percebi que ali, eu e os meus, éramos
académica tinha terminado. “Mas simplesmente espectadores.
e agora?!? Tenho que procurar
emprego… enviar CV’s e estar 2010, assistia à minha primeira aula única. Coimbra, além da formação
sempre contactável!” Pensamentos do Mestrado em Gestão da Faculdade académica, faz-nos crescer, errar e
deste género eram recorrentes. E de Economia da Universidade aprender, sorrir e chorar. E, não é
assim foi… dia após dia enviava de Coimbra, sendo esta a minha necessário alongar-me neste ponto,
CV’s e cartas de motivação, única ocupação na altura. Mas… pois tenho a certeza que partilho
partilhando com os meus colegas a passado algum tempo fui desafiada convosco um facto: What happens in
desilusão de não receber respostas, a visitar uma empresa de consultoria Coimbra, stays in Coimbra!!! Invejo,
bem como as comuns dúvidas: “O energética, aqui, em Coimbra. Não porque sinto uma nostalgia imensa,
que é que eu estou a fazer mal? tinha nada a perder, fui! Ironicamente todos aqueles que enquanto lêem esta
Porque é que ninguém me contacta?” surgiu uma proposta, e aliciante do revista se encontram no BIF, no BM
E desta forma, estabeleceu- se ponto de vista profissional! Em 12 ou até numa qualquer sala de aula do
uma rotina. Não queria desistir, horas, tive que decidir entre uma Departamento de Física.
RESISTANCE Junho 2011 4
6. CEM ANOS DO
NÚCLEO ATÓMICO
Carlos Manuel Baptista Fiolhais
O núcleo atómico fez em 7 de Março de 2011 exactamente dispersão de partículas electrizadas é considerada para um
um século. Com efeito, foi nesse dia, mas do ano de tipo de átomo que consiste de um carga eléctrica central
1911, que o físico britânico, nascido na Nova Zelândia concentrada num ponto e rodeada por uma distribuição
(provavelmente o mais notável de todos os físicos nascidos esférica uniforme de electricidade oposta igual em
no hemisfério sul), Ernest Rutherford leu na Manchester grandeza.” Estava descoberto o núcleo, precisamente a
Literary and Philosophical Society a sua comunicação “carga eléctrica central concentrada num ponto”, apesar do
intitulada “A dispersão dos raios alfa e beta e a estrutura erro de que a carga eléctrica negativa em redor era uniforme.
do núcleo”. Já antes o núcleo se manifestava através dos Daí a dois anos o jovem dinamarquês Niels Bohr, que tinha
fenómenos da radioactiovidade, conhecidos desde 1896, vindo estagiar a Manchester, propunha, num outro grande
mas nessa altura ficou claro o que era o núcleo. Vale a pena momento revolucionário da Física, a teoria quântica antiga:
consultar o documento original e ver como o núcleo bateu os electrões giravam, em órbitas planetárias circulares
à porta da Física, após experiências realizadas por jovens em redor do núcleo, que correspondiam a energias
colaboradores de Rurtherford em finais de 1910. “Existem, quantificadas. Portanto, em 2013 passará um século após
porém, algumas experiências sobre dispersão que indicam a formulação da teoria de Bohr (Prémio Nobel da Física
que uma partícula alfa ou beta ocasionalmente sofre uma em 1922), que, apesar de modificada pela teoria quântica
deflexão de mais do que 90º num único encontro. Por moderna, proposta por um notável conjunto de jovens
exemplo, Geiger e Marsden (Proc. Roy. Soc. 82, 495, físicos entre 1925 e 1927, tem ainda hoje um grande valor
1909) encontraram que uma fracção pequena das partículas conceptual. Na linguagem desconcertante de Rurtherford,
incidentes numa película fina de ouro sofre uma defexão o fenómeno que ele pretendia explicar com o seu novo
superior a um ângulo recto (...) para explicar este e outros modelo era desconcertante: tudo se passava como se um
resultados é necessário supor que a partícula electrizada atirador tivesse arremesssado um obus de 15 polegadas
passa por um campo eléctrico intenso dentro do átomo. A contra uma folha de papel e o tiro tivesse rechaçado para
atingir o nariz do atirador...
Rutherford já era um físico
famoso quando descobriu
o núcleo. Tinha ganho o
Prémio Nobel da Química
em 1908, pelos seus estudos
dos fenómenos radioactivos,
distinção que ele aceitou
fazendo um comentário
irónico relativo às confusões
entre a Física e a Química:
“Tenho assistido a
muitas transmutações
radioactivas bastante
rápidas, mas nenhuma foi
tão rápida como a que o
Comité Nobel acaba de
fazrer transformando-me
de físico em químico”.
5 Junho 2011 RESISTANCE
7. Na época a conclusão de que os átomos de longo alcance que surgem
distinção entre da colisão de partículas alfa com o azoto não são átomos
a Física e a de azoto mas provalmente átomos de hidrogénio, ou
Química era átomos de massa 2. Se é este o caso, temos de concluir
ainda mais que o átomo de azoto se deesintegra sob as forças intensas
esbatida do que desenvolvidas numa colisão próxima com uma partícula
hoje. Basta para alfa rápida e que o átomo de hidrogénio libertado é parte
isso reparar que, constituinte do núcleo de azoto”.
no mesmo ano
da descoberta do O pequeno erro é que não se trata do átomo, mas sim do
núcleo atómico, núcleo de hidrogénio, ao qual mais tarde se veio a chamar
o Prémio Nobel protão. O neutrão viria a ser descoberto a seguir, por um
da Química discípulo de Rutherford, o inglês James Chadwick, em
era atribuído 1932, feito pelo qual recebeu o Prémio Nobel escassos três
à francesa de anos depois. Nesse mesmo ano foi construído o primeiro
origem polaca acelerador circular e foi realizada a primeira reacção
Marie Sklodowska, Madame Curie, pela sua descoberta nuclear num acelerador. A Física nuclear estava em
de novos elementos radioactivos: o rádio e o polónio. franco desenvolvimento... Em 1934, uma filha e um genro
Esse prémio vinha somar-se ao Prémio Nobel que tinha de Madame e Pierre Curie, os franceses Irène e Frédéric
recebido com o seu marido, o francês Pierre Curie, pelos Joliot-Curie, descobriam a radioactividade artificial,
seus trabalhos sobre radioactividade, em 1903, e com o conseguida através de reacções nucleares: receberam o
francês Henri Becquerel, o descobridor da radioactividade. Nobel logo no ano seguinte Em 1938 os alemães Otto Hahn
O Ano Internacional da Química, que se celebra em 2011, e Fritz Strassmann descobriram a cisão espontânea do
quer também assinalar o centenário do segundo Prémio urânio. O italiano Enrico Fermi, com a suas experiências
Nobel de Madame Curie, a única pessoa laureada até à de bombardamento de núcleos por neutrões promoveu a
data com Prémios Nobel de duas disciplinas científicas cisão induzida desse elemento: em 1942, depois de ter
diferentes.
Em 1911, uma fotografia dos participantes do 1.º ...tudo se passava como se um ati-
Congresso Solvay, em Bruxelas, mostra Rutherford perto rador tivesse arremesssado um obus de
de Madame Curie (está sentada numa posição central, em
diálogo com o matemático francês Henri Poincaré). Não
15 polegadas contra uma folha de papel
muito longe deles está o então ainda jovem suíço de origem e o tiro tivesse rechaçado para atingir o
alemã Albert Einstein (tinha 31 anos), sobre cuja teoria nariz do atirador..
da relatividade nem Rutherford nem Madame Curie, os
dois essencialmente experimentalistas, se interessaram. A recebido o Nobel em 1938, conseguia a primeira reacção
primeira reacção nuclear seria efectuada oito anos depois em cadeia do urânio debaixo da bancada de um estádio
da descoberta do núcleo, em Chicago. E o resto é
tendo o feito pertencido história bem conhecida:
ainda a Rutherford. Vale a o projecto Manhattan de
pena, de novo, transcrever construção da primeira
o resumo da comunicação bomba atómica , as bombas
em que ele descreve o de Hiroshima e Nagasaki
arremesso de partículas alfa (Hahn, prémio Nobel da
(que o próprio Rutherford Química em 1944, soube
tinha identificado como dos eventos num campo de
núcleos de hélio) para cima prisioneiros na Inglarerra),
de azoto, verificando-se e o aproveitamento pacífico
que saía, como que num da energia nuclear no pós-
acto de alquimia, oxigénio guerra que se mantém nos
e hidrogénio. Veja- se, dias de hoje. Rutherford
em particular, como Rutherford assinala a presença do nunca acreditou que a energia nuclear viesse alguma vez
hidrogénio dentro do núcleo atómico: a ser usada para efeitos práticos. Que hoje é emprege em
larga escala em muitos países do mundo mostra que os
“Dos resultados obtidos até agora é difícil evitar a grandes génios são também capazes de grandes erros...
RESISTANCE Junho 2011 6
8. sb 6
vb
As desigualdades de Bell
e a computação quântica
Fernando Manuel da Silva Nogueira
A Teoria Quântica é, talvez, a teoria mais espetacularmente Há contudo um desenvolvimento posterior deste problema
bem sucedida dos últimos 100 anos. Graças a esse sucesso que vale a pena analisar. Em 1951 David Bohm publicou
vivemos na época de mais rápido desenvolvimento um livro de texto de Mecânica Quântica3 em que discutiu o
tecnológico da História. Basta reparar em todos os paradoxo EPR recorrendo a um sistema experimentalmente
dispositivos de eletrónica de consumo que nos rodeiam muito acessível: dois eletrões num estado singuleto de
hoje mas que há poucos anos seriam considerados “ficção spin, i.e., dois eletrões com spins correlacionados de tal s ik
va
científica”. s ik
va
modo que o spin total do conjunto seja nulo. Supõe-se que
Esta tão bem sucedida teoria é, no entanto, de difícil os eletrões se movem livremente em direções opostas. Se,
compreensão, pois é, em muitos aspectos, radicalmente s ik
va s i2
va
para um deles, medirmos a componente do spin segundo
diferente da Mecânica Clássica, usada para descrever uma dada direção e obtivermos o valor +1 (com ℏ /2=1
muitos fenómenos macroscópicos, e com a qual estamos s i2
va s i2
va
),sabemos que, para o outro, uma medida da componente
muito familiarizados. Esta difícil conciliação entre a do spin segundo a mesma direção dará -1 e vice-versa. É
Mecânica Quântica e a Física Clássica está na origem de razoável supor que, estando os dois aparelhos de medida
inúmeros “paradoxos” e discussões no seio da comunidade espacialmente afastados um do outro, b 6
sa b
v orientação do
científica. Um dos mais famosos debates foi travado aparelho de Stern-Gerlach usado nas medidas para uma
em 1935, nas páginas da Physical Review, entre Albert sb 5
vc
dos eletrões não afeta os resultados obtidos para o outro.
Einstein e Niels Bohr. Mas então parece ser possível prever o resultado de uma
Einstein (com Boris Podolsky e Nathan Rosen) analisou medida individual para uma dos eletrões sem sobre ele
um sistema quântico muito simples: duas partículas que efetuar qualquer operação de medida: basta medir a mesma
interagiram no passado e cuja função de onda conjunta grandeza para o outro (o que levará ao paradoxo EPR...).
é conhecida1. Analisando medidas da posição ou do É tentador pensar, tal como Einstein, que tal se deve à
momento de uma das partículas, EPR concluíram que existência de uma descrição mais completa do sistema que
seria possível obter duas funções de onda diferentes para aquela que é fornecida pela Mecânica Quântica.
descrever a outra. Não havendo já interação entre as Vamos supor que assim é (esperando com isso eliminar o
partículas, a existência de duas funções de onda diferentes caráter “aleatório” das medidas individuais em Mecânica
para descrever o mesmo sistema (a “segunda” partícula) Quântica...). Esta descrição mais completa será fornecida
significaria que a função de onda não podia ser uma por um conjunto qualquer de variáveis, discretas ou
descrição completa de um sistema. contínuas, que representaremos como uma única variável
Este problema ficou conhecido como “paradoxo EPR” e contínua λ . Então o resultado A1 da medida do spin da
é o artigo mais citado de Einstein (foi mais vezes citado partícula 1 segundo a direção dada pelo vector é a
que o conjunto dos 4 artigos do Annus Mirabilis...). A tese determinado por e λ (não é, portanto, “aleatória”... basta
a size 12{ hbar /2=1} {
dos autores foi prontamente refutada por Niels Bohr2 e conhecer λ para a prever). Podemos escrevê-lo como A1 (
outros. A resposta de Niels Bohr2 é bastante mordaz. Bohr , λ ).Do mesmo modo o resultado B2 ( , λ ) da medida
a b
refuta o paradoxo lembrando Einstein que o aparelho de do spin da partícula 2 segundo a direção dada pelo vector
medida, em Mecânica Quântica, é indissociável do ato de é determinado por e λ . Ora, com ℏ /2=1 ,
b b
medida, tal como na sua Teoria da Relatividade o espaço
é indissociável do tempo. Não pretendendo reproduzir
aqui o debate sobre este paradoxo, recomendo ao leitor A1 , λ =±1
a
interessado uma leitura atenta dos artigos originais. B , λ =±1
b
2
1 “Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?”, A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, Phys. Rev. 47, 777–780 (1935).
2 “Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?”, N. Bohr, Phys. Rev. 48, 696–702 (1935).
3 “Quantum Theory”, David Bohm (New York: Prentice Hall, 1951). Reimpresso em 1989 (New York: Dover).
7 Junho 2011 RESISTANCE
9. s iki9
v av 8
s
Sabemos também que A1 ( , λ )= - B2 ( , λ )
a b
s i9
v8
Supondo que os parâmetros λ se distribuem de acordo com
s il
vb
uma densidade de probabilidade conjunta de ρ(λ) , nor-
malizada à unidade, ∫ dλ ρ(λ) =1, o valor expectável da
medida de A1 ( , λ ) e B2 ( , λ ) é dado por:
a b Vemos facilmente que E( , ) = -1/2, E( , ) = 1/2, e
a b a c
a b s i3
vc a b
, ) = -1/2, donde se conclui que | E( , ) - E( , ) |
E( λ A a
E , =∫ d λρ λ A1 , λ B 2 , λ =−∫ d λρb c 1 , λ A1 , λ
b a b a c
= 1 mas que 1 + E( b c , ) = 1/2 , em claro desacordo com a
desigualdade deduzida. Se as desigualdades de Bell forem
λρ λ A1 , λ B 2 , λ =−∫ d λρ λ A1 , λ A1 , λ
a b a b
verificadas experimentalmente, a Mecânica Quântica é
posta em cheque... Mas não é isso que acontece: todas as
s ib
vc experiências feitas até hoje estão em desacordo com as
Se considerarmos uma terceira direção, dada pelo vector desigualdades de Bell!
, vem :
c
Que conclusões podemos então tirar? A hipótese
E ,b
a a c [
1 a 1 b 1 , λ A1 , λ
a c ]
−E , =−∫ d λρ λ A , λ A , λ − A fundamental para obter a desigualdade foi a da existência
de um conjunto de variáveis (escondidas) cujos valores
predeterminam os resultados das várias medidas. É uma
[ a b a c ]
E , =−∫ d λρ λ A1 , λ A1 , λ − A1 , λ A1 , λ hipótese que vai de encontro aos desejos secretos de
a c
Como A1 ( , λ ) = ±1 podemos ainda escrever:
a s ik
va muitos de nós, pois a sua validade permitiria dizer que o
s i2
va caráter aleatório das medidas individuais em Mecânica
Quântica provém simplesmente do desconhecimento dos
a c [ a b a λ ]
E , −E , =−∫ d λρ λ A1 , λ A1 , λ − A1parâmetros ,. λSe nos fosse possível conhecer os valores
a b , λ A1 c
size 12{ { vec12{ { vec {b}}} {} dessas variáveis poderíamos prever com certeza os
size {a}}} {}
a c s i7
vd a
s ip
b
vc
E , =∫ d λρ λ A1 , λ A1 , λ A1 , λ A1 , λ −1 resultados individuais das medidas. A Mecânica Quântica
[ b c ]
surgiria assim apenas como uma descrição de caráter
estatístico, devido ao conhecimento limitado que
E também : teríamos dos sistemas individuais. Seria até possível
size 12{E, −Evec ∣≤∫ dvecvec {b}} ,)=1 Int, λ ital "λρ" ( λ ) Aem que as variáveis λ obedecessem a
∣E b { , c {a}}} {}{b}}} [ imaginar uma teoria
]
size 12{{ vec {a}},λρ λ 1− A1 {}λ A {d leis do movimento e tivessem {size 12{ vec A{a}}} {}{}
a ( size 12{ { {
a b c rSub size
size 12{ { vecsignificado físico. violação
size 12{ { size 12{ {{} vec {c}}}
vec {b}}} {
{a}}} {}
8{1} } ( } { vec {a}},λ ) B rSub { size 8{2} } ( { vec {b}},λ ) = - Int {d
size 12{ {desigualdades de Bell nosize 12{ (12{{a}}} {a}}}
das vec {c}}}
ital vec {b}} A rSub {d ital "λρ" } ( } size 12{ { vec {b}}} {}{} size 12{} size 12{ vec {} {c}}{
quadro size vec {deste tipo {}
de{ vec
uma teoria {b}}}
{ { vec
}}, { "λρ" ( λ ) ) = Int { size 8{1} ( λ ) A{ vec { size ) Aexplicada por uma “comunicação” instantânea
rSub {a}},λ ser rSub { size 8{1}
poderia 12{ { vec {b}}} {}{}
{ ) B rSub { ) } 8{2} } ( { vec {b}},λ ) = - Intsize aparelhos { vec {c}}}não pode haver sinais
},λvec {b}},λ size {} {d
entre os
size 12{
de medida. Mas
Concluimos que:
size 8{1} } ( } { vec {a}},λ ) A rSub { size 8{1} } ( que se propaguem instantaneamente... Outra possibilidade
é essa comunicação entre aparelhos de medida ocorrer
∣E , −E , ∣≤1E ,
a b a c b c quando os aparelhos são instalados e ajustados. Nesse caso
não é necessária uma comunicação instantânea. Mas já
12{E{( { vec {a}}, { vec {b}} ) - E ( { vec {a}}, {feitas experiências= - que os aparelhos de medida
12{ vec {c}}} {}
foram
vec {c}} ) em Int
só eram ajustados quando as partículas já estavam em voo
l "λρ" ( λ ) left [A rSub { size 8{1} } ( { vec {a}},λ ) A rSub { size
em direção a eles5... Parece portanto que não é possível
} ( {Esta desigualdade ) - -EA rSub {John Bell, umvec({c}} ) = - Int ) A rSub {
vec {b}},λ)foi deduzida vec size 8{1} físico de vec {a}},λ
por {a}}, { } {
{a}}, { vec {b}} ( { construir uma teoria mais completa que a Mecânica
{1} } partículas do CERN, } )19644vec hoje {} ) Acomo Quântica6. Podemos assim responder à pergunta formulada
( { vec 8{1} em ( right é {a}},λ
ft [A rSub { size {c}},λ { , e ]} } conhecida rSub { size
}},λ ) uma das desigualdades de Bell. ( { vec {a}},λ ) Apor Einstein no título do seu artigo: “Yes, it can... so far”.
- A rSub { size 8{1} } rSub {
Se efetuarmos ]} } {} facilmente concluímos que a Este assunto foi amplamente discutido durante décadas,
c {c}},λ ) right os cálculos
12{E (Mecânica vec {a}}} {}{b}} ) - E ( { vec ,{a}}, { habitualmente ) = - Int como académico ou
size 12{ { Quântica { vecpara o valor expectável E( a sendo vec {c}} classificado
{ vec {a}}, prevê
) o) left [A rSub { size 8{1} } ( { vec {a}},λ ) Ado domínio da filosofia. Mas, como tantas
l "λρ" ( λ resultado:
b tido como rSub { size
} ( { vec {b}},λ ) - A rSub { size 8{1} } ( { vec {a}},λ ) esta investigação “fundamental” teve
vezes acontece, A rSub {
{a}}, { vec {b}} E ,E =〈{ vec ⋅ 〉=−a⋅bvec {c}} ) =inesperados. Os sistemas de fotões correlacionados7
) a ( ⋅ {a}},{
- b frutos
Int
{1} } ( { vec {c}},λ ) rightσ]}b} {} σ1 a 2
Sub { size 8{1} } ( { vec {a}},λ ) A rSub { size(“entangled”) usados em todos estes testes são hoje a base
8{1} } (
[A rSub { size 8{1} } ( { vec {b}},λ ) A rSub { dos computadores quânticos...
em que σ é um vector cujas componentes são as matrizes size 8{1}
de Pauli.
- 1 right ]} } {}
ne E ( { vec {a}}, { vec {b}} ) - E ( { vec {a}}, { vec {c}} )
t {d ital "λρ" ( λ ) left [1 - A rSub { size 8{1} } ( { vec {b}},λ )
e 8{1}4 } the Einstein-Podolsky-Rosen paradox”, J. S. Bell, Physics 1, 195–200 (1964).
“On ( { vec {c}},λ ) right ]} } {}
5“Experimental Test of Bell’s Inequalities Using Time-Varying Analyzers”, A. Aspect, J. Dalibard, and G. Roger, Phys. Rev. Lett. 49, 1804–1807 (1982).
6 Há muitas e variadas deduções de desigualdades de Bell que partem de pressupostos ligeiramente diferentes. Mas todas as desigualdades deduzidas são viola-
das…
7 A grande maioria das experiências efetuadas recorreu a pares de fotões com polarizações correlacionadas e não a pares de eletrões.
RESISTANCE Junho 2011 8
10. Entrevista
José Eduardo Figueiredo Lima Rebola
texto_Patrícia Silva
Qual é a sua formação carreira no estrangeiro, acha que portuguesa ainda é bastante limitada.
académica? essa é a melhor alternativa ou acha Uma banda que queira fazer uma
José Rebola: Sou licenciado em que o país ainda possui condições tournée não consegue arranjar mais de
Engenharia Electrotécnica, mas para nos absorver no mercado de vinte datas com condições para tocar.
vim aqui parar (AIBILI) como trabalho? Ainda não é facilmente sustentável
aluno de Doutoramento na área das José Rebola: Claro que ainda há viver da música em Portugal, ainda
neurociências. mercado de trabalho cá. Continua há muita coisa para ultrapassar mas
a haver uma oferta muito maior no acho que estamos no caminho certo.
O que é que o levou a optar por estrangeiro, até porque o estrangeiro
essa área? são muito mais países, 90 e muito é Quanto aos Anaquim, como é
José Rebola: Foi uma coisa um estrangeiro para Portugal. É claro que nasceu o vosso projecto?
bocado por acaso, não estava que há muitas ofertas no estrangeiro José Rebola: Surgiu um bocado por
interessado em ir para Lisboa quando e quando a nossa formação é muito acaso, que se calhar até é a melhor
acabei o curso, e a maioria das ofertas específica ainda mais ofertas há maneira de fazer as coisas, surgiu no
eram lá. Acabei por vir para aqui para essa especificidade. Mas eu fim de 2007. Na altura tinha outra
trabalhar com dados de epilepsia e acho que é nestas alturas de crise e banda, comecei a fazer canções que
gostei deste tema, principalmente da maior dificuldade que também surge não se enquadravam muito naquele
integração da saúde com a engenharia a maior motivação para querer ficar universo, e fui fazendo só para ficarem
e acabei por fazer o doutoramento cá e realmente ajudar o país e a guardadas e para não se perderem
nesta área. comunidade científica portuguesa a aquelas ideias. Depois achei que devia
desenvolver-se. mostrar aquilo a alguém, e as pessoas
Que conselhos dá a outros que ouviram gostaram e acabou por
colegas que pretendam seguir esta E relativamente ao panorama chegar aos ouvidos do JP Simões,
área? musical nacional acha que ainda há que estava a organizar um programa
José Rebola: Acho que esta área tem espaço para novos artistas? E como no canal 2 que era o “Quilómetro
o privilégio de ser multidisciplinar tem sido a vossa adaptação cá? Zero”. Um programa que depois
e essa parte é muito interessante, José Rebola: Nós com este projecto não teve continuidade, com muita
porque consegue conjugar os só estamos há 3 anos, mas cada um pena nossa, e que revelou muitas
desenvolvimentos em várias áreas e dos elementos já está na música à boas bandas portuguesas. De repente,
assim ser realmente inovadora. Hoje 10/15 anos, e vê-se bem a diferença eles queriam gravar um ensaio, mas
em dia é muito difícil inovar numa de aceitação do público às bandas não havia ensaio porque não havia
determinada área, se te dedicas a portuguesas. Boas bandas portuguesas músicos, só ideias soltas que eu tinha
um tema mesmo muito específico, sempre existiram, só que agora o gravado, então aí convidei algumas
começas a ser um especialista numa público começou a virar-se outra vez pessoas para encerrarmos as músicas
coisa cada vez mais pequena e aqui um bocadinho mais para dentro, a e gravarmos para o programa.
não, aqui tens a inovação, que é na dar valor às suas próprias bandas, a Resultou tão bem que acabámos por
integração das diferentes práticas e é cantar outra vez mais em português, ficar com essa formação, que foi
mais rápida a evolução nesse sentido. e é engraçado ver essa comunhão de origem e contínua até agora, e
maior entre o público e as bandas. esperemos que continue por muitos
Neste tempo de crise, em Agora, isso não quer dizer que não mais anos. Depois resolvemos levar
que muitos jovens querem fazer haja problemas, a indústria musical aquilo para a estrada.
9 Junho 2011 RESISTANCE
11. Entrevista
Quais as influências musicais? temática vai continuar a ser a mesma, eles não falam português, não
José Rebola: O nosso som vai de crítica social, de histórias, de entendem as letras e nós pensámos
buscar muito aos ritmos mais folk, à personagens, do quotidiano, mas que, fazendo uma introdução em
música francesa, ao jazz manouche - o som está um bocadinho mais inglês, íamos compor as coisas, e se
jazz cigano, ao folclore balcânico, e intervencionista. calhar eles iam perceber os temas e
também ao folclore americano, que é as ideias. Chegámos lá e percebemos
o country e o dixie. Portanto, acaba Quando é que a música que eles também não falam inglês,
por ter um cariz popular. Mas pessoas apareceu na sua vida? Tem e é engraçado, que apesar disso a
não devem confundir, às vezes formação musical? comunicação fez-se e a empatia
quando se fala de músicas de cariz José Rebola: Tenho, todos temos criou-se. Ao fim, já estavam a curtir
popular, pensam em rancho, mas para formação musical na banda. Eu fui as músicas como o nosso público,
já a música popular portuguesa não é aluno do conservatório
desde os meus 12 ...mas a parte musical também
só rancho e a música popular também
não é necessariamente portuguesa. anos, comecei a tocar transmite muito, que vai para além
guitarra mais cedo
com o meu pai e desde dessa barreira da linguagem...”
Portanto, as nossas principais
influências musicais são a música
popular europeia com algumas muito cedo que a música está na claro a um nível um bocadinho
influências também americanas. minha vida. Mas acho que também menor, mas a parte musical também
está na vida de todos, o virar do transmite muito, que vai para além
E o segundo álbum, já está em radar para ai é que se calhar não é dessa barreira da linguagem.
estúdio? tão presente nalgumas pessoas como
noutras, mas a música faz, e bem, Como surgiu e o que achou da
José Rebola: Em estúdio ainda não,
parte do presente de cada um. colaboração com a Ana Bacalhau?
estamos agora a começar a trabalhar
os temas mais a sério, a deixarem de José Rebola: A Ana é espectacular,
ser esboços para passarem a ser mais Vão continuar sempre a cantar acho que isso é uma opinião unânime
audíveis. É uma fase que gostamos em Português? de toda a gente que trabalha e
muito, é engraçada, há muitas ideias, José Rebola: Em princípio sim, o interage com ela. Aquilo começou
boas e más, e é a fase em que se vê plano é esse, o segundo álbum está por um elogio no MySpace do Pedro,
desenvolver as músicas. Para nós é dirigido nesse sentido. Mas já tivemos o guitarrista dos Deolinda, a que nós
tão, ou mais, engraçada pela parte da outras bandas onde cantávamos em respondemos, e depois surgiu a ideia
criação activa, é claro que também inglês. Acho que não é uma questão de a convidar. Como ela gostava do
é engraçado ver-mo-la registada em de moda, é uma questão de contexto. som e se mostrou muito receptiva
estúdio e vermos depois a aceitação Esta sonoridade e os temas que são a essa ideia fez-se o tema, ela veio
que o publico tem, ou não, a esses tratados fazem sentido cantados em cá e gravou-se numa tarde. E foi
temas. português. engraçado! O encaixar das duas
personagens dessa música foi quase
Vão continuar no mesmo Quais os planos da banda no como o nosso encaixar também,
género musical? exterior do país? nós demo-nos logo bem e isso
José Rebola: Acho que este álbum José Rebola: Nós já tocámos na transpareceu para a música. Foi uma
vai ser um bocadinho mais agressivo, Hungria. Foi uma experiência experiência muito positiva e só tenho
um bocadinho mais rockeiro. A bastante curiosa porque, obviamente coisas boas a dizer da Ana.
RESISTANCE Junho 2011 10
12. Entrevista
Neste momento o que é que 5 elementos todos trabalhadores de letra e maneira de estar. É engraçado
não dispensa ouvir? outras áreas. É com algum esforço, ver que tudo isso transparece para o
José Rebola: A música do Django sacrifício de horas vagas e também público. Há público para essas duas
Reinhardt, que é o expoente máximo com alguma tolerância das pessoas vertentes.
do jazz cigano francês. Não só pela que trabalham connosco.
música, mas também pela sua história A música dos Deolinda
de vida. Django viveu nos anos 30 – A médio/longo prazo vê-se arrastou a manifestação toda em
40, e é engraçado porque ele era um como músico ou engenheiro? Lisboa. Acham que a vossa música
guitarrista espectacular, que aos 18 José Rebola: É difícil. Em Portugal é já teve algum impacto do mesmo
anos teve um fogo na caravana e ficou difícil saber o que vai acontecer, quem nível?
sem os dedos anelar e mindinho da é que sabe se de hoje para amanhã o José Rebola: A música dos Deolinda
mão esquerda, revolucionando toda a FMI não nos corta as tranches todas, foi um fenómeno e não sei se vão
técnica da guitarra. Ele acaba por ser e temos mesmo que fazer pela vida existir muitos paralelos. Mas é
não só uma figura musical mas quase de outra maneira. Neste momento, as engraçado, quando a nossa música
mística no mundo do jazz. Tudo o que duas áreas são muito interessantes e vem referida em blogs, colunas de
tenha ritmos marcados eu gosto, Tom enquanto for possível vou conciliá-- jornal e colunas de opinião. Mas se
las. Agora no as pessoas simplesmente ouvirem a
“Acabei por vir para aqui trabalhar futuro depende música e gostarem, para nós está tudo
com dados de epilepsia e gostei deste também do bem.
que nos vai ser
tema, principalmente da integração da exigido a nível Vocês já se conheciam antes de
saúde com a engenharia...” profissional na se juntarem? Eram já amigos?
música. José Rebola: Amigos se calhar não,
Waits, Gogol Bordello, Severino, etc. mas conhecidos. Quando estás a
Também ouço o que se vai fazendo A vossa música retrata gente. convidar pessoas para uma iniciativa
em Portugal. Como é mais pequeno, É mais pela musicalidade ou pela deste género se calhar não é a melhor
dá para ouvir quase tudo. integração pública? abordagem convidares alguém só
José Rebola: O engraçado no nosso porque é um grande músico. Deves
Como é que consegue conciliar público é que é muito heterogéneo. convidar alguém que se insere na tua
as duas carreiras? Se calhar se formos ver um concerto maneira de estar, com quem te dês a
José Rebola: Não é fácil, vai- numa Queima das Fitas estão lá conviver, 80% a 90% do tempo que
-se roubando algum tempo ao mais pessoas
doutoramento, que já por si é difícil que querem “Ele acaba por ser não só uma
acabar no prazo, e contando também s i m p l e s m e n t e figura musical mas quase mística no
com a tolerância das pessoas, neste estar a ouvir a
caso do orientador e da agência que música, a saltar
mundo do jazz.”
nos gere a carreira musical. Esta sabe e a divertir-se. Noutros concertos uma banda passa é fora do palco.
que nem sempre podemos ter todas em auditórios, se calhar temos lá O único critério não pode ser só
as datas disponíveis porque somos várias pessoas de 40/50 anos que as habilidades musicais, porque é
estão a ouvir necessário criar empatia e conseguir
não só a música, criar alguma coisa em conjunto. São
mas também as todos pessoas em quem eu vejo valor
mensagens e a musical e pessoal, por isso é que as
perceber a música coisas também resultam tão bem.
a outro nível... Mesmo quando as coisas resultam
E o engraçado é menos bem, esse menos bem é o
isso, no fim dos melhor.
concertos às vezes
estamos a falar Quais são os seus hobbies?
com as pessoas e José Rebola: Acaba por não haver
elas vêm-nos dar grande tempo, o pouco tempo que
os parabéns, não tenho é a tocar guitarra, a aprender
só pela música piano, agora queria comprar um
mas também pela contrabaixo mas é caro...
11 Junho 2011 RESISTANCE
14. Queima
Serenata Monumental
Na vida de todos os Estudantes Universitários de deste ano e digo: valeu a pena a hora e meia de espera;
Coimbra, existem momentos marcantes; uns pela pelo espirito, pelo simbolismo, pelo manto negro que se
positiva, outros pela negativa: mas todos eles nos ajudam erguia a minha volta! A partir do momento em que o meu
nesta caminhada que temos a percorrer. Estou aqui hoje padrinho me traçou a capa, eu senti que estava a entrar
para relatar a minha vivência de um momento muito numa nova fase da minha vida. Senti que estava a crescer.
especial, principalmente para dois grupos: os caloiros E de que maneira! Será certamente um dos momentos
e os finalistas (no meu caso, como caloiro). A Serenata que gravarei para sempre na minha memória e que, com
Monumental da Queima da Fitas 2011. De tudo aquilo ajuda de todos, perdurará para sempre nas tradições desta
que ja me tinha sido proporcionado este ano, nada se
compara a este momento de pura magia. Fui priveligiado velha mas grande cidade de Coimbra!
pelo facto de ter acompanhado de muito perto a serenata texto_André Silva
A Serenata Monumental para um tentou acomodar como podia, sempre entre outros temas. No final, para
finalista começa bem cedo, lá para com a preocupação de conseguir ver honra de todos os finalistas presentes,
meio do fim da tarde. os nossos colegas músicos que A Balada de Despedida do Ano
As capas negras que forram o chão protagonizariam o espectáculo. Médico 2010-2011 estreou-se em
servem de toalha a um piquenique De capas traçadas sob um céu chave de ouro para se imortalizar
onde os bidões de gelo arrefecem a limpo azul-escuro, numa atmosfera na já vasta tradição de canções das
calorosa partilha entre as dezenas, ou carregada de nervosismos miudinhos, serenatas da nossa academia. Seguiu-
talvez centenas de estudantes que lá se começaram a ouvir os primeiros se o inevitável Éférreá, gritado em
começam a encher a Praça da Sé acordes das guitarras cujo dedilhado uníssono com o agitar das capas no
Velha. Entre um e outro gole, a meio nos embalou a todos durante uns ar, lançadas por cima dos sorrisos
de uma sandes, entoaram-se gritos quase eternos sessenta minutos. abertos que denunciavam o início
e hinos de curso numa recordação Por todo o lado, uma ou outra da festa. As fitas agitadas acima das
daquilo que tinham sido os tempos lágrima teimou em lavar os rostos cabeças deram um colorido especial
de caloiro, pastrano, grelado, fitado, entristecidos pela saudade e o a todas as recordações e aos segredos
veterano… Fado, que nos juntou ali a todos que todo levaremos, certamente,
O cair da noite trouxe consigo o para daqui a uns meses nos trair daqui para a vida!
negro intenso que agitou as últimas com a derradeira despedida, foi
horas de espera, onde cada um se intercalado com baladas, trovas,
texto_Tatiana Oliveira
13 Junho 2011 RESISTANCE
15. Queima
Baile de Gala
texto_Ângela Dinis
Exótico e misterioso, o Baile de com Vaidade.
Gala da Queima das Fitas decorria Em tons de vermelho e preto e
Sábado e tinha como tema os ao som da Orquestra Ligeira do
“Sete Pecados”. Esperava-se assim Quartel, fomos tirando as fotos
uma noite memorável e cheia de iniciais nos cenários recriados a presentes dispostos a dar de um
glamour nos claustros do Quartel rigor pela organização. A cada pezinho de dança ao som de músicas
de Santanna, onde todas nós nos passo, a cada relance de olhar, dos twenties aos sixties, garantindo
sentiríamos verdadeiras Princesas. crescia a sensação de pertença ao que a Preguiça não descansaria
Foi assim que essa noite de mundo encantado que invadia aquele nas molduras vermelhas. Com o
primavera começou, com um Guloso espaço. As paredes eram preenchidas passar do tempo o salão esvaziava-
jantar no “Giuseppe & Joaquim” por quadros enormes com molduras se, chegando a altura de dar como
com o Prince Charming. Aí, fomos vermelhas de esferovite que terminados a fantasia e o requinte
deliciados tanto com o dourado da correspondiam aos pecados e, com que fomos inebriados durante
decoração como com os lombinhos os tectos, por candeeiros pretos toda a noite. À saída, olhei mais uma
de porco grelhados com gambas gigantes. Também de esferovite vez para a decoração, e o quadro
e ananás. No fim, a Inveja de ver eram os bancos que se encontravam da Ira resolveu piscar-me o olho.
passar “aquela” fatia de bolo de pelos corredores e na divisão do Sorri-lhe e pensei: “Voltaremos a
chocolate, fez com que não saísse de bar, onde, talvez por Avareza, não encontrar-nos dentro em breve!”.
lá sem ter uma para saborear! me quis aventurar nas delícias mais Estava ansiosa por regressar. No
Seguiu-se então uma volta pela peculiares de Baco. Fiquei-me Chá Dançante, pela primeira vez,
nossa bela cidade, rendidos à pela doce caipirinha, qual princesa saberia de antemão que pedaços da
Luxúria de uma limousine pérola moderna. Divertidas, as senhas decoração traria para casa comigo!
onde, de janela aberta, brindávamos das bebidas brancas não podiam O meu “sapatinho” ficou pelas
com quem, por mais uma noite, deixar de se enquadrar na temática escadas do quartel... Mas o meu
se encontrava animado no Largo e encontravam-se impressas no Orgulho em ser finalista da
da Portagem. Um hora depois, formato de notas mexicanas. Universidade de Coimbra e poder ter
rendemo-nos à passadeira vermelha Foi então que os “The Lucky vivido este ambiente mágico durante
que se estendia escadas acima até à Duckies” subiram ao palco, 5 anos, esse ficará comigo para
entrada do Quartel, as quais subimos animando as centenas de estudantes sempre!
Chá Dancante
texto_Joana Melo
O conhecido Chá Dançante é foi tal, que destruímos tudo em poucos
considerado uma festa de despedida minutos, acabando por não sobrar nada
para os cartolados no mesmo ambiente para quem optou por chegar mais tarde.
decorativo do Baile de Gala, este ano Após a calma estar restabelecida e,
com o tema “7 pecados”. No entanto, apesar da saudade daqueles que vivem
esta tradição proporciona a todos os esta tradição como a última, a Fanfarra
estudantes uma noite de diversão. e José Malhoa animaram ainda mais o
Quando cheguei ao Quartel de Sant’Anna evento. Houve dança, mas não houve
deparei-me com uma multidão de Chá. O importante é a algazarra dos
fitados e cartolados ansiosos por estudantes, o divertimento e a festa.
entrar. Entre algumas cotoveladas e No final, os estudantes saíram em massa
empurrões, o espaço foi-se enchendo para o Queimódromo. Uns levaram os
com muitos estudantes. Poucos minutos cortinados enrolados ao traje, outros,
depois de entrar, um grupo de amigos mais criativos, levaram os grandes
apreçados iniciaram a típica destruição quadros e os cartolados, como sempre,
da esferovite, quadros e cortinados a esferovite na bengala. Levamos
do cenário. Nem mesmo os tapetes também na memória uma das noites mais
escaparam na tentativa de levarmos marcantes da queima das fitas, onde o
alguma recordação para casa. A euforia chá nunca existiu.
RESISTANCE Junho 2011 14
16. Queima
Garraiada
noite anterior dentro da pasta; a minha vez de ser empurrada
para que todos possam caber dentro da pequena antecâmara
onde se juntam os estudantes da faculdade antes de entrar na
arena; a minha vez de, ao entrar, olhar para o lado e indagar
Capas negras estendidas na praia; estudantes a dormir, sobre o que fazer a seguir - descobrindo rapidamente que
outros a cantar, outros a refrescar-se. Nem todos irão mais o suposto é levantar o braço com a pasta e agitar as fitas
tarde ao Coliseu Figueirense; atrevo-me a dizer até que a enquanto toca uma música que só mais tarde me apercebi
maior parte não irá mais longe que a zona do areal (que que existia, ao ver a “parada” das outras faculdades; a
por si já é distante da estação onde chegam os comboios minha vez de descobrir que além de a faculdade de ciências
apinhados desta “espécie” que durante um dia invade a e tecnologias ter poucos representantes cartolados nas
Figueira da Foz). Mas há quem meta pés a caminho na bancadas, a presença de estudantes do departamento de
jornada que para alguns não acaba na praia. Satisfação, física nesta tradição é praticamente inexistente; a minha vez
cansaço, alegria, confusão, orgulho: de entoar o “F-R-A” juntamente com
são talvez as palavras que melhor os vários alunos da minha faculdade
descrevam esta ida à garraiada. É certo presentes (sendo que estou convicta
que não era a primeira a que ia, mas era de que a maior parte nunca tinha posto
“a minha”. A minha vez de ficar ao sol os olhos em cima), e de no fim ter
à espera para entrar antes de chamarem dúvidas sobre se também haveria de
os alunos fitados da minha faculdade mandar a pasta ao ar - como se faz com
(é portanto a terceira a “passear-se” a capa - ou se simplesmente o haveria
pela arena, atrás das de Medicina e de fingir (pois iria decerto ser muito
Direito como manda a hierarquia das difícil agarrar a mesma, dado o seu já
faculdades); a minha vez de não pagar referido volume anormal naquele dia);
- pois ia devidamente apetrechada da e por fim, a minha vez de ser mandada
pasta com as fitas (talvez ja não em número correto) e da embora por uma portinha minúscula e de ficar com aquele
Capa e Batina; a minha vez de passar pelos seguranças sabor no pensamento... aquele sabor de quando acaba algo
que, além de verificarem se levamos objetos estranhos muito ansiado e nem se dá conta que começou... Por isso,
(nomeadamente chapéus de uma bebida que dá o nome a no caminho de regresso, quando caí em mim, além de ter
uma tenda bem conhecida de grande parte dos estudantes reposto um pouco o sono em dia, recordei com alguma
do Departamento de Física), nos podem perguntar (ao nostalgia os bons momentos que passei com os amigos que
notarem uns fios vermelhos nos cabelos) “Chá?”, ao que se partilharam a arena comigo nesse dia e com todos aqueles
responde: “Sim”, e passamos orgulhosamente com alguns que conheci em Coimbra e que espero poder sempre guardar
metros de tecido vermelho proveniente do Chá Dançante da na memória com alegria. texto_Diana Amaro
Três horas de sono, duas mil e
Cortejo
a acelerar (reduzindo a nossa visão a república, e o sentimento de que está
quinhentas cervejas carregadas e dois fumo preto), até por cima da rotunda a acabar já se apoderou de mim. Daí
cafés. São ainda 09h30. Estamos até do Papa passámos! Pudemos observar até chegar ao cemitério pareceram
por volta das onze no Quartel onde, as primeiras gargalhadas e rostos cinco minutos, nunca esta distância
apesar de todo o cansaço estampado corados dos presentes a um carro que me pareceu tão curta. Ao olhar para o
nas caras alheias, a folia prevalece. era no mínimo caricato. Uma sandes carro destruído com uma lágrimita no
Os carros vão arrancando, e sente-se de leitão e umas cervejinhas depois, olho (vá, várias), sinto que dois anos
cada vez mais o ambiente de festa; ouve-se a nossa buzina! O desfile vai de trabalho e uma semana de esforço
o Cortejo começa aqui. Chega a começar! Subo rapidamente e tento em que praticamente vivíamos no
nossa vez de arrancar. A viagem do aproveitar ao máximo um cortejo quartel valeram totalmente a pena.
Quartel para o Departamento foi que já se adivinhava rápido. Quando Questiono-me: posso repetir?
uma aventura: o condutor a apitar e me dou conta já estou na praça da
texto_Joana Faria
15 Junho 2011 RESISTANCE
17. Queima
JANTAR RESISTANCE
texto_Margarida Matos & Sara Barbosa
Já a Queima das Fitas ia a meio quando um grupo de de uma boa causa, nos podemos juntar e descobrir que
estudantes aleatório do DF se decidiu juntar para partilhar afinal temos mais em comum com pessoas com quem
a noite mais animada da nossa semana. Tudo isto tinha um não costumamos conviver, ao contrário do que à partida
propósito: angariar fundos para que possam ler este texto! poderíamos pensar.
Entre copos, febras, dados e cartas, fomos partilhando Se esta Revista conseguiu juntar um grupo tão díspar de
histórias e interesses que não sabíamos existir. Apesar pessoas, e proporcionar-nos uma noite tão animada, com
de todos os dias nos cruzarmos nos mesmos corredores certeza que este será o primeiro passo de uma grande
e muitas vezes partilharmos salas de aulas, só nesta caminhada! Assim, esperamos que esta causa volte sempre
noite tivemos a oportunidade de verificar que em nome a juntar-nos.
Último dia
texto_Ricardo Martins
Depois da serenata, cortejo, chá se as baterias (if you know what i Contudo não encaro isso com tristeza,
dançante e das noites do parque, mean :P ) . Esvaziadas as garrafas , pois tudo tem o fim e se é para acabar,
chega o fim desta fantástica semana estou agora nas condições ideais de que seja a “bombar”. Tento derramar
da Queima das Fitas. A bengala entrar no recinto. Um recinto que umas lágrimas (diz que parece bem),
e a cartola apresentam-se já praticamente desconheço por inteiro, mas simplesmente não consigo. Sim
completamente deformadas, o cansaço pois durante toda a semana o spot é hoje é o último dia, mas o sentimento
acumula-se, o meu pé continua sempre o mesmo: tenda do beirão. mais presente é a alegria e não a
inchado (apesar de não doer, pois o Depois de mais uma noite típica, com tristeza. Sei que não será um adeus,
álcool é uma excelente anestesia) e a habitual diversão, palhaçadas, copos pois tenho a certeza que serei sempre
já para não falar da tese que continua e momentos insólitos, o fim da noite muito bem recebido nesta cidade,
por escrever! Tudo isto leva a que aproxima-se. Podem-me perguntar por todos vós. Semanas como esta
a euforia desvaneça um pouco. A se esta noite é diferente das outras. são sagradas, por isso aproveitem ao
solução? Um pouco de whisky para Talvez. Começa a crescer alguma máximo, lembrem-se que o tempo
me elucidar e, assim lá vou a caminho nostalgia, mas que facilmente é não volta atrás. Aproveitem enquanto
do queimódromo. Mas antes disso, disfarçada. Vão ficar saudades? Vão, podem!
como é já praticamente tradição, uma muitas mesmas. Memórias também Para o ano há mais? Há, mas é para
paragem na portagem. Aqui carregam- (algumas um pouco enubladas). vocês, caros colegas, aproveitarem!
RESISTANCE Junho 2011 16
18. 16 Frames por segundo
Fonte da Juventude, por mares revoltos e
“Piratasdas sob encantos de malévolas sirenas, sempre
escutando a fé do Senhor pela voz de um
Caraíbas 4” marinheiro, que terá sido contagiado pelas
novas tendências da época assentes no
“Por Estranhas Marés” Cristianismo. Mas Sparrow acreditando na
salvação da sua alma? Não nos parece, pois
texto_Joana Paiva não? Sparrow, sim, acreditando que poderá
A Fonte da Juventude: não, não se fala em salvar a sua pele, tirando-lhe alguns anos e
Medicina Regenerativa, em elixires da arrumando-os na algibeira de um desgraçado
rejuvenescência, nem sequer no Santo Graal, qualquer, motivação que, aliada à sua
mas sim na nova saga de Jack Sparrow, o incessante sede de velejar por mares quer
pirata desmedido, que por estranhas marés, de água salgada, quer de rum, decide desde
descobre que a palavra “sentimentos” até lhe “jogar” ao críquete humano, em Londres,
soa a algo familiar … e que adquire contornos com um ou dois guardas reais; tornar árvores
reais e bem afeminados, surgindo na pele da alavancas contra Espanhóis; ou até brincar à
voluptuosa Penélope Cruz, que dá a vida a magia negra com bonecos de trapos, só para
Angelica, antiga paixão do ex-comandante avistar as refrescantes gotas da fonte profana
de Black Pearl, e filha do temível Barba … conseguirá ele fazê-lo antes que os
Negra, o terror dos mares personificado. Não restantes candidatos à vida eterna? Um filme
deixando para trás o fervor latino, Angelica em que Johnny Depp surge esplendidamente,
desperta em Sparrow um misto de paixão interpretando o pirata mítico só como ele o
e despique; desejo e revolta; protecção e sabe fazer. Resta esperares para saber o resto
júbilo, levando-o, consigo, em busca da do enredo, numa sala perto de ti… “Topas?”
“Tree of life”
texto_Joana Melo
The Tree of Life é um filme americano da vida humana, não é um filme de fácil
escrito e dirigido por Terrence Malick que interpretação. Terrence Malick mostra-
se estreou no Festival de Cannes, nos um conjunto de imagens da natureza
vencendo a Palma de Ouro de Melhor em bruto, do universo e do milagre da
Filme e que conta com mais uma grande vida absolutamente incríveis e, como
interpretação de Sean Penn (apesar de estas dão forma à nossa vida, quer como
aparecer poucas vezes), de Brad Pitt seres individuais, quer com os outros.
e Jessica Chastain. A Árvore da Vida Com tudo isto e uma trilha sonora muito
acompanha o crescimento do filho mais bem enquadrada leva-nos dentro da nossa
velho de uma família americana. Com uma consciência e memórias. Leva-nos a pensar
mãe carinhosa, que aborda vários valores e a questionar a pureza com que vemos o
importantes na educação de uma criança, mundo, nas nossas dúvidas existenciais
Jack vê-se obrigado a partilhar esse amor e nas contradições religiosas. Por não
incondicional com mais dois irmãos e a conhecer nada de Malick, não esperava que
suportar a obsessão do pai em os preparar o filme tivesse tanta voz-off e nos levasse
para a vida adulta de uma forma bastante continuamente às nossas experiências
autoritária. Até ao dia em que um trágico pessoais e memórias. Contudo não fiquei
acontecimento cai sobre esta família. Como desiludida, aliás bastante surpreendida e
uma tese sobre o crescimento e a condição curiosa sobre os seus restantes filmes.
17 Junho 2011 RESISTANCE
19. 16 Frames por segundo
timer), uma jovem proveniente de uma famíl-
“Match Point”
texto_Joana Paiva
ia rica, com a qual inicia um relacionamento
sério. Um pouco antes, apaixona-se por Nola
(Scarlett Johansson), namorada do irmão de
“Match Point”: um filme sobre o que que- Chloe e, não resistindo aos encantos desta es-
remos conquistar, ou melhor, sobre o que é trondosa mulher, mantém com ela um caso,
possível perder, em que a ironia e o estilo enquanto permanece casado. Porém, Nola
atípicos de Woody Allen triunfam brilhante- engravida de Chris, e este, receando perder
mente. Um melodrama com uma história co- tudo o que adquiriu advindo da fortuna da
mum, em que A ama B e, por sua vez, B ama família de Chloe, sente-se desnorteado e sem
C, confluindo num jogo de mentiras, capri- saber o que fazer para evitar o desmoronar da
chos e superficialidades que, mais uma vez, sua vida de luxúria… E é neste momento que
torna o nome do realizador imortal, cumprin- se questiona: será que o jogo da vida ben-
do com o seu desejo, pois este terá escrito, eficiará o lado da razão ou do coração? Só
em tempos: “Não quero conquistar a imortal- o lado para o qual a bola tombará na rede o
idade através do meu trabalho… Quero con- dirá…
quistá-la não morrendo.” Falando de eterni- “Match Point”: uma prova evidente
dade, o amor surge destoando neste cenário, que a vida é feita de infortúnios e deleites;
sendo isto que se prova no enredo de “Match dias cinzentos e dias claros; de vitórias e der-
Point”. Chris, professor de ténis (Jonathan rotas; e, sobretudo, de prontidão, do repen-
Rhys Meyers), conhece Chloe (Emily Mor- tino com que as fatalidades acontecem…
de Berlin, correrias constantes, e lutas corpo a
“Unknown” corpo o que torna um bom filme para os amantes
do género. Para outros pode-se tornar deveras
texto_João Nogueira irritante devido ás suas incongruências na
Depois de Taken (2008) Liam Neeson mostra- história. O facto de contar com actores como
se mais uma vez como (improvável) estrela Bruno Ganz, Frank Langella e Diane Kruger
de acção, a correr contra o tempo e a tirania. trás uma certa riqueza ao plot. Certas partes
Este filme realizado por Jaume Collet-Serra do filme são mesmo coroadas com muitos
(Orphan) é mais um thriller engraçado que boas interpretações que interrompem a acção
retrata a história de Dr. Harris (Liam Neeson) estonteante, estamos sempre á espera que uma
que após aterrar em Berlim na companhia porta vá pelos ares ou um carro expluda sabe-
da sua mulher (January Jones) perde a sua se lá vindo de onde. Dos poucos momentos
memória e a sua vida, já que aparentemente ricos que o filme tem, em conjunto com o
nem a sua própria mulher o reconhece. O puzzle montado á volta da trama, mostram
filme é característico pela sua acção visual, o potencial de realização de Thrillers por
com perseguições a alta velocidade pelas ruas Collet-Serra
“Piratas das “Match
“Tree of Life” “Unknown”
caraíbas” Point”
Joana
Paiva
Joana
Melo
João
Nogueira
RESISTANCE Junho 2011 18
20. 78 rotações por minuto
Tame Impala
Mayra Andrade
Innerspeaker
Stória,
stória...
Os Tame Impala são um quarteto composto por baixo,
bateria e duas guitarras, que está no activo desde 2007. O
nome é uma referência ao antílope australiano, continente
de onde são originários. Descrevem-se como uma banda
de “psychadelic hypno-groove melodic rock music” e Em ocasião de digressão mundial e de passagem por
apostam na profundidade e textura de um som que nos Portugal, é oportuno chamar a atenção para Mayra
transporta para um ambiente sonhador e aéreo. Andrade. Para quem ainda não conhece, é boa altura para
Innerspeaker é o seu álbum de estreia, lançado em ouvir esta cantora cabo-verdiana baseada em Paris, que
finais de 2010. A sonoridade da parte instrumental é ganhou muito recentemente o prémio BBC Radio 3 World
reminiscente das décadas 60/70 o que, aliado ao timbre Music na categoria Revelação. Já é hábito vermos surgir
e harmonizações das vozes, quase nos deixam fora de grandes talentos deste acolhedor arquipélago, e é com
época, numa nostalgia feliz. É, aliás, a intrusão entre Mayra Andrade que se testemunha a riqueza do património
os instrumentos que reforçam a sonoridade vintage do musical africano, português e brasileiro. Mas não só: o
álbum. timbre enrouquecido da sua voz traz um certo romantismo
Para uma breve ideia do que isto pode significar, ouçam- francês como ingrediente extra e a óptima prestação dos
se os primeiros riffs de “Solitude is Bliss”, e dificilmente músicos satisfaz qualquer amante de jazz. O seu último
não se terá vontade de ouvir até ao fim; ouça-se também trabalho de originais, “Stória, stória…” é já o seu segundo
“Desire Be Desire Go” com uma melodia em devaneio, álbum editado, e conta com temas em português, francês,
ou a viagem de ritmo pulsante de “Alter Ego”. mas sobretudo crioulo. Todas as raízes africanas misturadas
Comparações com The Doors, Jefferson Airplane com influências do seu percurso no Senegal, Alemanha e
e principalmente com os The Beatles tornaram-se França, criam uma mistura de ritmos brasileiros, melodias
inevitáveis pelos críticos do meio. Mas os fãs acreditam cubanas (onde nasceu), harmonias trabalhadas e um groove
que o grupo tem uma assinatura própria, apesar de numa quente e sensual, como quem tem o ambiente de Cabo
primeira impressão parecerem pouco aventureiros, e Verde no sangue. Temas como a balada envolvente “Odjus
esperam-se grandes coisas deste quarteto no futuro. Fitchádu”, ou o encontro entre a clave cubana, a bossa nova
Têm andado em digressão pelo mundo, e como não podia e o samba, “Turbulensa”, aliados à forte presença em palco
deixar de ser, passam por Portugal no dia 14 de Julho, da belíssima cantora, são razões de sobra para assistir às
no palco EDP do festival Super Bock Super Rock. A não suas actuações em Portugal (dias 8, 9 e 10 de Junho, em
perder! Serpa, Figueira da Foz e Tróia, respectivamente).
texto_Inês Ochoa texto_Inês Ochoa
19 Junho 2011 RESISTANCE
21. 78 rotações por minuto
Foo Fighters
Wasting Light
texto_João Borba
Após um interregno de cerca de 4 anos desde o último trabalho (Echoes,
Silence, Patience & Grace, 2007), os americanos Foo Fighters voltam
ao activo com um novo álbum: Wasting Light. Dave Grohl, já antes
do lançamento deste, prometeu que Wasting Light seria o álbum mais
pesado da banda até à data, e que não existiriam baladas neste. O que acabou a ser um comentário que despertou alguma
curiosidade e expectativa, em saber até quando e como o potencial da banda em termos de barulho seria espremido.
E Wasting Light não engana, é hard rock, puro e duro. Desde logo a primeira faixa, “Bridge Burning” é uma óptima
maneira de começar o álbum, ao mesmo tempo que funciona como um prenúncio do caminho que o álbum leva. “White
Limo”, eventualmente, é a música mais pesada da banda, com o riff roubado aos Metallica e uma voz imperceptível,
mas cheia de garra. Sem dúvida, um dos melhores momentos do álbum. Mas sem desligar os amplificadores, ainda
temos as melódicas “Dear Rosemary” e “These Days”, o cheiro a bom single de “Back and Forth”, a raiva de “A Matter
Of Time” e os poros de psicadelismo presentes em “I Should Have Known”. Ainda de destacar o tema “Walk”, não só
pelo trabalho lírico, como também pela maneira encorajadora em como acaba o álbum. Pena o álbum também possuir
momentos menos bons, como “Rope”, um filler que apela ao mainstream e as desgarradas “Arlandria” e “Miss The
Misery”. No final das contas, Wasting Light parece o método mais eficiente por parte dos Foo Fighters de partir os
pratos, de libertar todas as energias acumuladas durante estes últimos 15 anos. Mas Wasting Light também continua a
ser aquilo a que os Foo Fighters sempre nos habituaram: sólidos, energéticos e razoavelmente consistentes. E enquanto
for assim, será difícil ficar insatisfeito.
PS: Queria relembrar que a tour de promoção ao álbum já está em andamento, e os Foo Fighters serão cabeças-de-
cartaz no segundo dia do festival de Verão Optimus Alive! ’11 (6 a 9 de Julho), a ser realizado em em Algés.
Pat Metheny & Charlie
Haden
Beyond the Missouri Sky
texto_Nuno Ferreira
Um disco totalmente acústico e instrumental repleto de sonoridades
paisagísticas e de histórias à volta da fogueira. Os dois autores e intérpretes
encontram-se num registo diferente do que lhes é mais familiar, mas a
diferença é talvez mais acentuada no que diz respeito a Pat Metheny que
é mais conhecido pelo som da sua guitarra eléctrica no Jazz de Fusão. A faixa “Our Spanish Love Song” é um dos
pontos altos do disco, trazendo uma calma arrepiante, que só o som do contrabaixo de Haden consegue transmitir,
aliada ao fraseado característico de Metheny que apesar de tudo não consegue evitar algumas das suas malhas mais
conhecidas (4:39 é o exemplo perfeito com a Pat Metheny Lick do “All The Things You Are”). A não perder também é
a interpretação do tema de Ennio Morricone “Cinema Paradisio (Love Theme)”.
RESISTANCE Junho 2011 20