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Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul – unijuí
vice-reitoria de graduação – vrg
coordenadoria de educação a distância – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2014
Aloísio Ruedell
Luis Alles
Maciel Antoninho Vieira
Valdir Graniel Kinn
Vânia Lisa Fischer Cossetin
(Organizadores)
Filosofia
e ética
Condição humana II – René Magritte
Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
 2014, Editora Unijuí
	Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
	E-mail: editora@unijui.edu.br
Http://www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
F488 Filosofia e ética / Aloísio Ruedell (Org.) ... [et al.]. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2014. – 184 p. –
(Coleção educação a distância. Série livro-texto).
		ISBN 978-85-419-0100-0
		 1. Filosofia. 2. Ética. 3. Ensino. 4. Estratégia organizacional. I. Alles, Luis. II. Vieira,
Maciel Antoninho. III. Kinn, Valdir Graniel. IV. Cossetin, Vânia Lisa Fischer. V. Título. VI.
Série.
			 CDU : 17
3
Sumário
Conhecendo os professores................................................................................................................................................... 5
Apresentação...................................................................................................................................................................................... 9
UNIDADE 1 – REFLEXÃO FILOSÓFICA: RADICALIDADE, CRITICIDADE E TOTALIDADE..................................................11
Seção 1.1 – Do Mito ao Logos: A Gênese da Filosofia..............................................................................................................11
1.1.1 – O Mito: Base do Futuro Desabrochar da Filosofia...........................................................................................12
1.1.2 – Logos: A Emergência da Filosofia..........................................................................................................................15
Seção 1.2 – Do Mito à Filosofia Hermenêutica: Uma Discussão Sobre Hermenêutica e Finitude...........................16
Seção 1.3 – O que é Filosofia?...........................................................................................................................................................26
Seção 1.4 – Lógica e Racionalidade................................................................................................................................................31
1.4.1 – Entre a Dialética Platônica e a Analítica Aristotélica......................................................................................32
1.4.2 – Para que Lógica?..........................................................................................................................................................33
1.4.3 – O Problema da Argumentação..............................................................................................................................34
UNIDADE 2 – UNIVERSIDADE E CONHECIMENTO: O PAPEL FORMADOR DA FILOSOFIA.............................................39
Seção 2.1 – Filosofia e Ensino............................................................................................................................................................40
Seção 2.2 – Ciências Humanas: Contextualização Histórica e Teórica...............................................................................51
Seção 2.3 – Para que Filosofia?.........................................................................................................................................................55
2.3.1 – A Razão da Pergunta..................................................................................................................................................56
2.3.2 – As Pressuposições Filosóficas nas Ciências........................................................................................................56
2.3.3 – Filosofia Como“Arte do Bem-Viver”.
.....................................................................................................................56
2.3.4 – A Atitude Filosófica: Perguntar.
..............................................................................................................................57
2.3.5 – A Reflexão Filosófica..................................................................................................................................................58
Seção 2.4 – Filosofia e Formação: O Perfil do Profissional Universitário...........................................................................59
2.4.1 – Idealizando o Profissional Contemporâneo......................................................................................................60
UNIDADE 3 – ÉTICA E AGIR HUMANO............................................................................................................................................65
Seção 3.1 – Introdução aos Estudos Antropológicos...............................................................................................................66
Seção 3.2 – O que é o Homem?.
.......................................................................................................................................................75
Seção 3.3 – Ética a Partir dos Paradigmas.
....................................................................................................................................93
3.3.1 – A História da Ética a Partir dos Paradigmas.......................................................................................................95
3.3.2 – Perspectivas Para a Ética........................................................................................................................................ 102
Seção 3.4 – Teorias Éticas................................................................................................................................................................. 104
3.4.1 – Correntes Filosóficas: Podemos Ser Livres?.................................................................................................... 105
3.4.1.1 – Liberdade e Determinismo.
................................................................................................................. 105
3.4.1.2 – Racionalismo............................................................................................................................................ 106
3.4.1.3 – Fenomenologia....................................................................................................................................... 106
3.4.1.4 – Existencialismo........................................................................................................................................ 107
3.4.2 – A Diversidade das Teorias.
..................................................................................................................................... 107
3.4.2.1 – Ética Grega................................................................................................................................................ 107
3.4.2.2 – Ética Helenista.......................................................................................................................................... 108
3.4.2.3 – Ética Medieval.......................................................................................................................................... 108
3.4.2.4 – Ética do Dever.......................................................................................................................................... 108
3.4.2.5 – Ética Consequencialista........................................................................................................................ 109
3.4.2.5.1 – Ética Utilitarista................................................................................................................... 109
3.4.2.6 – Ética Nietzschiana................................................................................................................................... 109
3.4.2.7 – Ética do Discurso..................................................................................................................................... 110
Seção 3.5 – Responsabilidade Moral, Determinismo e Liberdade................................................................................... 111
3.5.1 – Ignorância e Responsabilidade Moral.............................................................................................................. 112
3.5.2 – Coação Externa e Responsabilidade Moral.................................................................................................... 113
3.5.3 – Coação Interna e Responsabilidade Moral..................................................................................................... 113
3.5.4 – Responsabilidade Moral e Liberdade............................................................................................................... 114
3.5.4.1 – O Determinismo Absoluto................................................................................................................... 115
3.5.4.2 – O Libertarismo......................................................................................................................................... 115
3.5.4.3 – Dialética Entre Liberdade e Necessidade....................................................................................... 116
Seção 3.6 – Considerações Sobre Ética, Política e Cidadania............................................................................................. 117
3.6.1 – Sobre Ética/Política.................................................................................................................................................. 118
3.6.2 – Reflexões Finais......................................................................................................................................................... 126
Seção 3.7 – A Estética e Suas Relações com o Feio................................................................................................................ 130
UNIDADE 4 – ÉTICA E CONTEMPORANEIDADE....................................................................................................................... 139
Seção 4.1 – Algumas Considerações Sobre o Trabalho Alienado em Marx.................................................................. 140
Seção 4.2 – Ética e Violência: A Ética Como Filosofia Primeira........................................................................................... 149
4.2.1 – A Filosofia Ocidental como Fomentadora da Violência e de Uma Vida Sem Sentido..................... 149
4.2.2 – A Lógica Dominadora da Filosofia Ocidental................................................................................................. 150
4.2.3 – A Filosofia da Alteridade e a Liberdade........................................................................................................... 151
4.2.4 – A Experiência Cognoscitiva e a Experiência Moral...................................................................................... 153
4.2.5 – A ética como Filosofia Primeira........................................................................................................................... 154
Seção 4.3 – Reflexões Acerca das Perspectivas para a Educação no Século 21:
Uma Análise em Perspectiva Ético-Filosófica.................................................................................................... 157
4.3.1 – Ética, Conhecimento e Educação....................................................................................................................... 159
4.3.2 – Considerações Finais............................................................................................................................................... 165
Seção 4.4 – Ética, Comunicação e Novas Tecnologias.......................................................................................................... 169
4.4.1 – A Comunicação como Condição Humana e o Objeto Comunicação................................................... 170
4.4.2 – A Ética e a Comunicação na Contemporaneidade...................................................................................... 175
5
Conhecendo os Professores
Aloísio Ruedell
Possui Doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1999). Atualmente é professor-adjunto da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área
de Filosofia, com ênfase em Epistemologia e Filosofia da Linguagem, atuando
principalmente nos seguintes temas: hermenêutica, interpretação, linguagem
e subjetividade.
Cândida de Oliveira
É graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela
Unijuí, e mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). É membro do Observatório da Ética Jornalística (ObjETHOS).
Celso Eidt
Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (1986), Mestrado em Filosofia pela Universida-
de Federal de Minas Gerais (1999) e Doutorado em Filosofia pela Universidade
Estadual de Campinas (2010). Atualmente é professor-adjunto da Universidade
Federal da Fronteira Sul. Tem experiência na área de Filosofia.
Julio César Burdzinsky
Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (1988), Mestrado em Filosofia pela Universida-
de Federal do Rio Grande do Sul (1995) e Doutorado em Filosofia pela PUC/RS
(2004).
Luis Alles
Possui Graduação em Filosofia pelo Instituto Educacional Dom Bosco
(1981), Graduação em Estudos Sociais pelo Instituto Educacional Dom Bosco
(1981), Graduação em Teologia pela PUC/RS (1985), Especialização em Filosofia
pela PUC/RS (1984) e Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio Grande do Sul (1996). Atualmente é professor tempo parcial da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, atuando
principalmente nos seguintes temas: religião, ensino, pastoral, Filosofia e for-
mação humanística.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
6
Maciel Antoninho Vieira
É Graduado em Filosofia e Estudos Sociais pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí –, mestre em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM -. Professor do Departamento de
Humanidades e Educação – DHE – da Unijuí desde 1996.
Maristela Marasca
PossuiGraduaçãoemFilosofiapelaUniversidadeRegionaldo Noroestedo
Estado do Rio Grande do Sul (1992) e Mestrado em Educação nas Ciências pela
mesma instituição (2001). Tem experiência na área de Filosofia, atuando princi-
palmentenosseguintestemas:teatro,dramaturgia,teatrobrasileiro,teatronoRS
e educação. Integrante do Grupo de Teatro A Turma do Dionísio desde 1988.
Paulo Rudi Schneider
Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (1981), Mestrado em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002) e Doutorado em Filosofia
pela mesma Universidade (2005). Atualmente é professor da Universidade Re-
gional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, no Mestrado em Educação
nas Ciências. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos
seguintes temas: Filosofia, verdade, metafísica, pensar e ser.
Valdir Graniel Kinn
É graduado em Filosofia e bacharel em Direito pela Unijuí, mestre em
Filosofia (área de concentração em Ética e Filosofia Política) pela PUC/RS. Seus
estudos estão voltados especialmente para análise política e conjuntural da
sociedade e à ética contemporânea. É professor na Unijuí desde 1988, vinculado
ao Departamento de Humanidades e Educação.
Vânia Dutra de Azeredo
Possui Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1987), Mestrado em Filosofia pela mesma instituição (1996),
Doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2003) e Pós-Doutorado
pela Ecole Normale Supérieure Paris (2012). Atualmente é professora da PUC-
Campinas, membro do corpo editorial da Revista Reflexão, membro do corpo
editorial da Revista Alamedas, membro do corpo editorial dos Cadernos Nietzs-
che, membro do corpo editorial da Humanidades em Revista, membro do corpo
editorial da Revista Trágica e membro do corpo editorial da Philósophos (UFG)
(Cessou em 2000. Cont. ISSN 1982-2928 Revista Philósophos). Tem experiência
na área de Filosofia, com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes
temas: Nietzsche, genealogia, moral.
EaD
7
Filosofia e Ética
Vânia L. F. Cossetin
É graduada em Filosofia e Artes pela Unijuí, mestre e doutora em Filosofia
pela PUC/RS. Seus estudos estão especialmente voltados para o problema da
linguagem no sistema filosófico de Hegel e, atualmente, dedica-se também à
investigação sobre o papel formador da escola de Ensino Médio. É líder do Grupo
de Pesquisa Interdisciplinar de Humanidades no Ensino Médio e participa como
pesquisadora do Grupo de Pesquisa Linguagem, Hermenêutica e Justificação,
da Unijuí, e do Grupo de Pesquisa Dialética, da Unisinos. Atualmente exerce ati-
vidade docente na Unijuí, na Faculdade América Latina e no ColégioTiradentes,
da Brigada Militar de Ijuí.
9
Apresentação
Apresentamos aqui o livro Filosofia e Ética, publicado como material
didático-pedagógico,dadisciplinadomesmonome,paraoscursosdeGraduação
da Unijuí na modalidade a distância e presencial, na forma de Livro-Texto.
A disciplina e o livro aqui apresentados situam-se num contexto em que
diversascorrentesfilosóficas,seguindoadireçãodeKant,propõemqueaFilosofia
seja, se não a instituidora de um“tribunal da razão”, ao menos uma“guardadora
de lugar”, para que as ciências possam escapar aos limites cientificistas nos
quais permanecem, via de regra, confinadas; propõem que a Filosofia também
seja uma “intérprete” mediadora do espaço entre essas mesmas ciências e a
linguagem cotidiana.
Vivemos, além disso, hoje um momento de crise, em especial crise de
referenciais: ausência de reflexão crítica acerca da consciência da inconsciência
que permeia a existência humana.Nesse sentido, a Unijuí estabelece a disciplina
FilosofiaeÉtica como um exercício crítico do pensar e do agir humanos. Na atual
polêmica mundial acerca dos possíveis sentidos dos valores éticos, políticos, es-
téticos e epistemológicos, a Filosofia e a Ética têm um espaço a ocupar e muito
a contribuir, pois giram em torno de problemas e conceitos criados no decorrer
de sua longa história, os quais, por sua vez, geram discussões promissoras e
criativas que, muitas vezes, desencadeiam ações e transformações. Por isso,
permanecem atuais.
Ademais, Filosofia e Ética, enquanto disciplina acadêmica, desenvolve
as potencialidades que a caracterizam: capacidade de indagação e crítica;
qualidades de sistematização e de fundamentação; rigor conceitual; combate
a qualquer forma de dogmatismo e autoritarismo; disposição para levantar no-
vas questões, para repensar, imaginar e construir conceitos, além da sua defesa
radical da emancipação humana, do pensamento e da ação livres de qualquer
forma de dominação.
Um dos objetivos da formação acadêmico-profissional é a formação plu-
ridimensional e democrática, capaz de oferecer aos estudantes a possibilidade
de compreender a complexidade do mundo contemporâneo, suas múltiplas
particularidades e especializações. Nesse mundo, que se manifesta quase sem-
pre de forma fragmentada, o estudante não pode prescindir de um saber que
opere por questionamentos, conceitos e categorias de pensamento, que busque
articular o espaço-temporal e histórico-social em que se dá o pensamento e a
experiência humanos.
Comodisciplinaconstitutivadaformaçãogeralehumanista,considera-se
que Filosofia e Ética pode viabilizar interfaces com os outros componentes para
a compreensão do mundo da linguagem, das ciências, das técnicas, do mundo
do trabalho e da política.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
10
A disciplina Filosofia e Ética apresenta e tematiza o conceito de Filosofia
enquanto exercício da reflexão crítica e a Ética enquanto investigação e debate
acerca do agir humano. Considerando essa dupla composição da disciplina, o
livro FilosofiaeÉtica consta de quatro unidades temáticas: 1 – Reflexão filosófica:
criticidade, radicalidade e totalidade; 2 – Universidade e Conhecimento: o papel
formador da Filosofia; 3 – Ética e o agir humano; 4 – Ética e contemporaneidade.
Cada unidade consta, por sua vez, de diferentes textos, nos quais são tratados os
principais temas que lhe dizem respeito. Além desses textos, porém, elaborados
pelos professores, em cada unidade há ainda outro importante recurso didático:
imagens, que dizem respeito aos temas tratados e que podem contribuir para
o seu aprofundamento.
Cada texto suscita, com certeza, uma série de questionamentos, mas não
vamos adiantá-los aqui. Deixamos para a criatividade do professor e dos alunos
a maneira de trabalhar os textos e sua relação com as imagens.
Os organizadores
11
Unidade 1
REFLEXÃO FILOSÓFICA:
Radicalidade, Criticidade E Totalidade
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Compreender o processo de nascimento da Filosofia no universo do
•
mundo grego antigo.
Refletir sobre a importância do mito no desenvolvimento da cultura
•
e do mundo ocidental e a passagem deste para o conhecimento
filosófico/racional.
Apresentar a importância do raciocínio lógico para o desenvolvimen-
•
to das ciências ao longo da História e sua significação no âmbito da
formação acadêmico/profissional.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – Do Mito ao Logos: a Gênese da Filosofia
Seção 1.2 – Do Mito à Filosofia Hermenêutica: uma Discussão Sobre Hermenêu-
tica e Finitude
Seção 1.3 – O que é Filosofia?
Seção 1.4 – Lógica e Racionalidade
Seção 1.1
Do Mito ao Logos: a Gênese da Filosofia
Maciel A. Vieira
Vânia L. Fischer Cossetin
Nosso olho nos faz participar do espetáculo das estrelas, do sol e da abóbada
celeste. Este espetáculo nos incitou a estudar o universo inteiro. De lá nasce para
nós a Filosofia, o mais precioso bem concedido pelos Deuses à raça dos mortais
(Platão, Teeteto, 155d.).
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
12
1
Conforme a história do pensa-
mento ocidental, a Filosofia é uma
invençãogregaqueocorreuentreos
séculos 6º e 7º a.C. e que promoveu a
passagemdosabermítico(alegórico,
poético) ao pensamento racional
(logos), ou seja, a razão e a lógica
tornaram-se pressupostos básicos
para o pensar. Esta mudança, po-
rém, não ocorreu de forma abrupta,
mas em meio a um longo processo
histórico.
1
1.1.1 – O Mito: Base do Futuro Desabrochar da Filosofia
Antes da invenção do logos e do saber filosófico havia outro saber, um
modo de pensar que dava conta dos problemas concretos do cotidiano da vida
do homem grego: o mito. Afinal, porém, o que é o mito? Como é e para que
serve? A primeira questão nos remete a uma definição. Para tanto é importante
destacarmos a etimologia da palavra. Em grego, mito significa uma “fala que
narra”aorigemdosfenômenos,tantonaturaisquantohumanos.Diferentemente
do que se pensa, o mito não é uma lenda ou uma fantasia, mas ele surge como
fruto do processo de compreensão da realidade, por isso podemos dizer que ele
é verdadeiro. E se é uma fala, uma narrativa, quem é que o faz? É o poeta.
Havia, basicamente, dois tipos de poetas: o aedo (um criador de poemas
que também recitava de memória, recriava e transformava o verso ancestral) e
o rapsodo (simples repetidor, declamador, de uma versão já fixada).Vale lembrar
que quando o poeta recitava o poema, apresentava-o cantando, com acompa-
nhamento de música e dança. Eram estratégias utilizadas para uma melhor e
mais rápida apropriação dos mitos e de toda a tradição, que por muito tempo
foi conservada e propagada oralmente. Com o advento da escrita, a tradição oral
passouaserfixadacomoumpatrimôniocomumdequeopoetaseriaoguardião.
ExemplodestepatrimônioculturalsãoaspoesiasdeHomero(aIlíadaeaOdisseia,
século 9º a.C.) e de Hesíodo (a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, 7º a.C.).
A questão central, então, passou a ser sobre a credibilidade e a veracidade
da narrativa do poeta. O que garante que ele diz a verdade? Caso o poeta fosse
escolhido e inspirado pelos deuses e desse testemunho inquestionável sobre
a origem de todas as coisas, como se dá a gestação das coisas e dos próprios
deuses? Quem são os deuses?
1
Crianças geopolíticas assistindo ao nascimento do novo homem – Salvador Dali. Fonte: Enciclopédia
Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
EaD
13
Filosofia e Ética
Para os gregos, tudo o que existe, fenômenos naturais e humanos, e mes-
mo os próprios deuses, é oriundo das relações sexuais entre eles. E os deuses,
conforme Reale (1993), são forças naturais diluídas em formas humanas idealiza-
das:“Os deuses são homens amplificados e idealizados, são quantitativamente
superiores a nós, mas não qualitativamente diferentes” (p. 21). Os fenômenos
naturais, nesse sentido, são promovidos pelos deuses. Por exemplo: os trovões
e raios são lançados por Zeus do Olimpo; as ondas do mar são levantadas pelo
tridente de Poseidon; o Sol é carregado pelo carro de Apolo, etc. Também os
fenômenos da vida individual e social do homem grego, o destino da cidade,
das guerras, são todos concebidos pelos deuses e manipulados por eles.Tudo é
divino, ou seja, tudo o que acontece é obra dos deuses.
Afinal, qual é a função do mito na sociedade e na vida do homem grego?
A função primordial do mito era responder a questões fundamentais
como: Qual a origem de todas as coisas? O que significa o homem e qual a sua
relação com o mundo natural e com o mundo humano? Nesse sentido, a narra-
tiva explicava e significava a realidade, o modo de vida, a organização social, a
conduta dos homens, os valores e normas, de modo que “os comportamentos
e as atitudes que a sociedade quer preservar são condensados em paradigmas
– exemplos idealizados e fixados em personagens – que os jovens devem incor-
porar”(Santos, 1985, p. 47).
Dito de outro modo, os valores que a sociedade elegeu como os melhores
a serem observados e vivenciados por todos os membros da sociedade estão
expressos nos deuses, semideuses e heróis contados pelos poetas: “o ideal he-
róico, representado por um Aquiles, ou por um Ulisses, em múltiplas situações
concretas, consubstancia um código de valores objetivos (...) constituindo-se
como a norma, o exemplo, que todos os cidadãos devem imitar”(Santos, 1985,
p. 47).
Os mitos, portanto, carregam mensagens que se traduzem nos costumes
e na tradição de uma sociedade. São formas de explicar um determinado modo
de vida. A única forma, aliás, de pensar e de significar as relações do homem no
mundo. Os mitos são modelos norteadores que ajudam a organizar e significar
a vida das pessoas, por isso, no caso específico dos gregos, eles“desenvolvem e
alicerçam, cada um a sua maneira, essa magistral lição de vida, fornecendo com
isso à filosofia a própria base do seu futuro desabrochar”(Ferry, 2009, p. 22).
O mito como fala, como narrativa concreta, portanto, serviu de base
para a emergência de um novo modo de pensar, problematizador, conceitual e
reflexivo: o filosófico.
1.1.2 – Logos: a Emergência da Filosofia
O homem é um ser pensante e criativo e, enquanto tal, cria pensamentos.
Pensamentos estes que irão fundar e desenvolver a civilização ocidental. Cria o
mito e o logos: o primeiro se dá mediante figuras, imagens, fantasias; o segundo,
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
14
mediante a razão, produzindo conceitos. Isto explica por que se pode dizer que
a Filosofia surgiu a partir da crítica e racionalização do mito: porque ela supera a
crençamíticaecolocaarazãoealógicacomopressupostosbásicosparaopensar.
A origem da Filosofia, portanto, está ligada à invenção do logos, razão pela qual
ela pode ser concebida, inicialmente, como o exercício do logos.
Etimologicamente,logosvemdogregolegein,quesignifica“falar”,“reunir”.
Na língua grega clássica, equivale à palavra, verbo, sentença, discurso, pensamen-
to, inteligência, razão, definição. Antes de tudo, portanto, logos se define como
fala, discurso, razão. Nesse sentido ele se opõe ao mito, que também é fala, mas
uma “[...] fala que narra, que comunica por analogia entre situações narradas a
experiência do narrador”, ao passo que logos “[...] significa fala que demonstra,
que descreve o que ocorre às coisas em vista de suas próprias essências”(Cunha,
1992, p. 56).
O surgimento do logos, então, inaugura uma nova fase de entendimento
acerca da realidade: a possibilidade de analisar e interpretar o mundo para além
dos fatos e das experiências, a fim de encontrar sua causa, seu princípio.
O primeiro filósofo foi Tales de Mileto, que viveu entre o final do sécu-
lo 7º e início do século 6º a.C. Vale mencionar outros filósofos desse período
que fizeram questionamentos semelhantes e deram respostas igualmente
semelhantes, dentre eles: Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Pitágoras, Par-
mênides, Empédocles, Anaxágoras, Demócrito. O problema fundamental que
aproxima estes pensadores é a pergunta sobre a origem do mundo e as causas
das transformações da natureza. Ou, ainda, a questão filosófica fundamental é
cosmológica: Como surge o cosmos? Qual é seu princípio fundamental? Como
ocorre sua geração?
Desse momento em diante não é mais atribuída aos deuses a origem do
cosmos e de todas as coisas, mas ao próprio homem, que o faz mediante o uso
da razão. Os primeiros filósofos, portanto, forjaram uma ideia que é fundamental
para explicar e significar o mundo e o próprio homem: elaboraram o conceito de
Physis, ou seja,“a fonte original de tudo o que cresce”, a partir do qual as coisas
emergem, brotam. Physis é o princípio unificador e organizador da diversidade
dos seres e, segundo Aristóteles, Tales teria sido o primeiro filósofo a expressar
aquilo que podemos denominar de pensamento racional: “tudo é água”. Eis a
arché, o princípio de todas as coisas (Santos, 1985, p. 88).
Omododepensar,comoexercíciodarazão(logos)dosprimeirosfilósofos,
é uma reflexão acerca da origem, ordem e transformação da natureza e do ser
humano. É um discurso que institui conceitualmente o princípio fundante que
unifica e ordena a totalidade. O logos é constitutivo e possibilidade de enten-
dimento da realidade. A ideia de um princípio fundante, de onde tudo nasce e
para onde tudo volta, só é possível para o pensamento racional. Este elemento
primordial, eterno e imperecível, é a própria natureza em transformação:“a na-
tureza é mobilidade permanente (...). O movimento do mundo chama-se devir e
o devir segue leis rigorosas que o pensamento conhece”(Chauí, 1994, p. 36).
EaD
15
Filosofia e Ética
Os filósofos pré-socráticos escolheram diferentes Physis para dizer qual
era o princípio que estaria na origem da natureza e de seus movimentos. Além
de Tales de Mileto, podemos ainda mencionar: Heráclito, cujo princípio era o
fogo, o movimento; Pitágoras, que afirmava ser o número o princípio de todas
as coisas; Leucipo e Demócrito, para quem o princípio era o átomo.
O nascimento da Filosofia, portanto, pode ser entendido como um novo
modo de pensar que se diferencia do mito, de uma visão de mundo única que
se formou a partir de narrativas que eram transmitidas oralmente de geração
para geração. A religião, portanto, era apresentada sem sistemas teóricos escri-
tos, livros sagrados, sacerdotes, e aceita pela população que nela acreditava e
a concebia como verdadeira. Mais tarde esta tradição oral foi sistematizada e
escrita por Homero e Hesíodo.
Por muito tempo o pensamento mítico foi suficiente para organizar, ex-
plicar e significar o mundo. À diferença do mito, porém, o pensamento filosófico,
enquanto um pensar conceitual e reflexivo acerca da realidade, busca ordenar,
explicaresignificaracomplexidadedocosmoseadiversidadedosseresmediante
um discurso que justifique a sua existência. Por isso, filosofar significa buscar na
multiplicidade um princípio (physis) único que seja a fonte de onde toda essa
variedadeemerge.Essafoiagrandetarefarealizadapelosprimeirosfilósofos.Sua
intenção era buscar justamente na totalidade das coisas, na multiplicidade do
mundo, uma unidade a ser conhecida e interpretada pela razão, sem, portanto,
projetartemoresecrenças,mas,conformePlatão,simplesmentepelacapacidade
de se espantar, que“é o começo da Filosofia”.
Referências
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CUNHA, J. A. Filosofia: iniciação à investigação filosófica. Campinas: Atual Editora,
1992.
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de Janeiro: Objetiva, 2009.
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SANTOS, J. T. Antes de Sócrates: introdução ao estudo da filosofia grega. Lisboa:
Gradiva, 1985.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
16
Seção 1.2
Do Mito à Filosofia Hermenêutica:
Uma Discussão Sobre Hermenêutica e Finitude
Aloísio Ruedell
O que está em questão não é o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que
nos acontece além do nosso querer e fazer (Gadamer, 2003, p. 14).
2
Esta passagem de Gadamer
fornece uma chave de leitura
para seu livro Verdade e Método
e, por extensão, para a discussão
hermenêutica em geral, como foi
desenvolvida ao longo do século
20, até os dias atuais. O que, pois,
orienta o filósofo é a consciência
histórica ou consciência das con-
dições históricas nas quais toda
compreensão humana está sub-
metida, sob o regime da finitude.
2
Tem consciência de estar exposto à História e a sua ação, de tal forma que
não pode objetivar essa ação sobre nós, porque isso faz parte de seu sentido
enquanto fenômeno histórico.
Essa forma de pensar, contudo, não é exclusividade de Gadamer. São
atualmente muitos os autores que têm a mesma percepção, e o destaque está
por conta de Martin Heidegger, com sua analítica do Dasein. O desenvolvimento
de suas discussões, em Ser e Tempo, acabou produzindo o que se designa como
pensamento da finitude (Stein, 1976, p. 76). É uma perspectiva de grande parte
da Filosofia contemporânea, que se fortalece a partir dos, assim denominados,
mestres da suspeita, como Nietzsche, Freud e Foucault, mas que, certamente,
também tem legitimidade filosófica a partir de Kant, preocupado com os limites
do conhecimento.
O tema do presente ensaio surgiu desse contexto de discussão. Vincula-
se também ao projeto de pesquisa Interpretação e finitude, cujo propósito é
refletir sobre os limites da linguagem e da interpretação, a partir do conceito de
finitude. Considerando a centralidade desse conceito no atual cenário filosófico,
2
Prometeu Acorrentado – Peter Paul Rubens. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo:
Alphabetum Edições Multimídia.
EaD
17
Filosofia e Ética
pretendemos examinar sucintamente como ele se configura na discussão her-
menêutica. Para efeito de delimitação, sem fazer todo o percurso da história da
hermenêutica,dirigiremosumolharprivilegiadoadoismomentos,aodaFilosofia
hermenêutica,marcacaracterísticadadiscussãoatual,eomomentodomito,que
eventualmente poderia ser designado como pré-história da hermenêutica.
Iniciaremos a indagação por esse momento específico da história her-
menêutica, que é o seu nascedouro na mitologia grega, de onde procedem a
etimologia e o sentido originários do termo. Pretendemos examinar resumida-
mente o sentido e as consequências dos limites humanos, percebidos diante da
narrativa do mito sobre Hermes, que medeia a comunicação entre os deuses e
os homens. Isso permitirá, ao final, estabelecer uma diferença fundamental entre
essa primeira percepção dos limites humanos, no contexto do mito, e o sentido
desses limites na atual discussão sobre hermenêutica e finitude.
O recurso ao mito não significa nenhuma concessão do rigor filosófico
em favor de um pensamento mítico. Fazer referência a uma narrativa mítica
não equivale a transformá-la em princípio da realidade. A Filosofia, entretanto,
reconhece o teor do mito como genuinamente humano, e enquanto tal o as-
sume em sua discussão. Sem se orientar por sua visão de mundo, nem por suas
soluções, a Filosofia identifica no mito problemas e perguntas fundamentais da
humanidade, que serão debatidos ao longo de toda a História da Filosofia, até
os dias de hoje.
Assim, a riqueza da moderna discussão hermenêutica esclarece-se, em
grande parte, à luz do mito, no qual, pela primeira vez, a humanidade colocou
o problema da compreensão e da interpretação. Personagens e funções na
mitologia serão, posteriormente, fonte de conceitos e de discussões filosóficas.
Embora criação da modernidade, a hermenêutica remete-nos, etimologica-
mente, ao mito de Hermes. Filho de Zeus e de Maia, Hermes era uma divindade
complexa e imprevisível. Transgredia e, ao mesmo tempo, obedecia à ordem
superior; era diurno e noturno. Acusado de mentiroso diante de Zeus, este o
fez prometer que nunca mais faltaria com a verdade. Aceitou a cobrança do pai,
mas acrescentando-lhe uma ressalva: que não estaria obrigado a dizer toda a
verdade (Brandão, 2005, p. 193).
Ou seja, ao mesmo tempo em que estaria obrigado a dizer a verdade,
lhe assistiria o direito de reter parte dela. Com esse acordo, falar e reter, ocultar
e desocultar a verdade seriam duas faces características da personalidade de
Hermes.
Trata-se de uma divindade que, em sua função paradoxal, representa,
aqui, a personificação da própria linguagem, que, ao mesmo tempo, comunica
e também se interpõe à comunicação. Não faltaram, na História, sonhadores de
uma comunicação direta e perfeita entre as consciências, sem a mediação de
palavras e discursos ou outros meios, que sempre são deficientes; ao mesmo
tempo transmitem uma mensagem e também a retêm parcialmente, em virtude
de sua opacidade. Após o giro linguístico, no entanto, é muito difícil que alguém
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
18
ainda pense em comunicar-se sem a linguagem. Como isso, afinal, seria possível,
se todo o universo humano é linguisticamente concebido e mediado (Cf. Fehér
in: Figal, p. 2000, p. 192), ou então, como afirma Gadamer: “ser que pode ser
compreendido é linguagem”(1990, p. 478).
Enfim, não resta outra alternativa: já somos ou estamos sempre na lin-
guagem, e todas as tentativas de organização e comunicação terão sempre as
marcasdeseusbenefíciosedeseuslimites,quesãooslimitesdaprópriacondição
humana. O que, certamente, surpreende, é descobrir que esse problema já era
tematizado em nosso passado mítico.
Aoestabeleceracomunicaçãoentreomundodivinoeohumano,Hermes,
de alguma forma, traz e estabelece a linguagem, determinante para o desenvol-
vimento da humanidade. De origem divina, mas com afeição humana, gostava
de estar entre os homens e com eles se comunicar.
Sãosuasrelaçõescomomundodoshomens,ummundopordefinição“aberto”,
que está em permanente construção, isto é, sendo melhorado e superado. Os
seus atributos primordiais – astúcia e inventividade, domínio sobre as trevas,
interesse pela atividade dos homens, (...) – serão continuamente reinterpre-
tados e acabarão por fazer de Hermes uma figura cada vez mais complexa,
ao mesmo tempo que um deus civilizador, patrono das ciências e imagem
exemplar das gnoses ocultas (Eliade apud Brandão, 2005, p. 196).
Em uma negociação com Apolo, Hermes teria recebido um bastão de
ouro e com ele a arte divinatória. Andava com extrema rapidez, com sandálias
de ouro, e não se perdia à noite, porque conhecia muito bem o roteiro. Com
esses atributos e por suas habilidades, mereceu o título de“deus mensageiro”ou
“deus da comunicação”. Seu papel era anunciar, traduzir e explicar a mensagem
divina ao nível da compreensão humana. Dessa tríplice tarefa mediadora de
Hermes originaram-se três acepções de hermeneuein (= interpretar) considera-
das na hermeneia (= hermenêutica) e, posteriormente, assimiladas na discussão
hermenêutica.
As habilidades linguísticas de Hermes, porém, não nos autorizam a lhe
atribuir uma concepção instrumental da linguagem. Sua função comunicadora é
mais da ordem do“ser”do que do“fazer”, lembrando a concepção hermenêutica
de que “somos linguagem”. Sua missão, pois, consistia em colocar-se no meio
de tudo o que acontecia, para levar a mensagem dos deuses para o horizonte
da compreensão3
da linguagem humana. Ele mesmo, Hermes, deus presente
entre os homens, era a própria mensagem divina. Mais do que mediar palavras
3
Gadamer (1998, p.452) esclarece que o conceito de horizonte de compreensão refere-se ao âmbito
de visão finita que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto. Por isso
podemos falar de estreiteza e de abertura de novos horizontes. A elaboração da“situação hermenêutica”
significa a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam perante
a tradição.
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19
Filosofia e Ética
divinas para uma linguagem humana, ele era a mediação ou linguagem efetiva,
porque era um deus que se aproximou e se afeiçoou ao ser humano, encurtando
a distância e manifestando o oculto.
À semelhança de Hermes, que permitia a comunicação entre o mundo
divino e o humano, a linguagem é condição de possibilidade de nossa comuni-
cação. Não se pensa, porém, numa linguagem ideal, de caráter rigorosamente
universal, como que pairando acima do cotidiano humano.Não há racionalidade
e linguagem em estado puro. O homem sempre falou dentro da História, em
determinado contexto sociocultural. No mais, a linguagem não fala por si, e um
texto precisa ser anunciado (lido) e interpretado e, muitas vezes, traduzido para
uma linguagem mais acessível. Enfim, só será compreendido na medida em que
também for explicado o assunto ou o tema sobre o qual é construído. Não há
mera compreensão da linguagem. Compreende-se a linguagem de um texto
na medida em que também se compreende seu conteúdo, a mensagem que
veicula. Ou ainda, não há mera compreensão da linguagem, porque esta nunca
se dá como pura forma, mas já sempre marcada por um conteúdo cultural e
conceitual.
Nahistóriadomito,pormaisqualificadaquefosseamediaçãodeHermes,
elanuncapodiatrazeraoshomensaprópriamensagemdivina,mastãosomente
sua interpretação. Já era uma prefiguração do que se afirma atualmente em re-
lação à leitura e à interpretação de um texto: por mais cuidadosa e rigorosa que
seja a leitura, nunca será possível chegar à compreensão correta. Feitas todas
as leituras e realizadas as interpretações possíveis, haverá, ao final, sempre uma
interpretação do texto, e não o próprio texto ou este em si mesmo. O que era
distância entre o mundo divino e o humano caracteriza-se, agora, como limites
da comunicação entre os homens. Não há linguagem totalmente transparente,
nem comunicação direta sem o recurso do meio linguístico.
A emergência dessa discussão na História da Filosofia ainda é um aconte-
cimento relativamente recente. Adquiriu vigor e caráter filosófico com a questão
hermenêutica, no século 19, quando, com Schleiermacher, esta deixou de ser
uma disciplina especial, indagando por um fundamento universal da compre-
ensão. Na época, a pergunta hermenêutica surgia por uma demanda específica
da exegese bíblica, mas foi ampliada e elaborada numa perspectiva universal e
filosófica. Não foi simplesmente um texto bíblico, nem uma mensagem divina
que desafiava a compreensão do filósofo. O que lhe suscitou a questão herme-
nêutica foi a consciência dos limites humanos em relação à compreensão e à
interpretação em geral.
Num mundo já secularizado, numa época pós-metafísica, tomou-se
consciência do espaço propriamente humano. Sem referência a uma verdade
absoluta e sem se reduzir a uma verdade empírica, eram, então, o sentido e o
agir do homem que careciam de compreensão.
EaD
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Certamente já havia problemas de compreensão e de interpretação ao
longo de toda História da Filosofia. Até a metade do século 18, porém, a interpre-
tação,enquantoproblemaespecífico,nãotevenenhumaimportânciaautônoma
nas formas do conhecimento relacionadas com a linguagem. Uma concepção
lógico-semântica da linguagem garantia por sua clareza e transparência, re-
produzindo com fidelidade os fatos do mundo. Um discurso gramaticalmente
correto propiciava representações confiáveis da realidade. Gramática e razão,
ambas universais, reproduziriam concretamente essa universalidade.“Compre-
ender algo como algo significaria iluminar as expressões ditas ou escritas sob
o ponto de vista do seu conteúdo racional, isto é, concebê-las como aquele
universal que não pode cessar de ser em sua historicamente única situação de
uso”(Frank, 2007, p. 80).
Isso muda radicalmente com o Romantismo e, inclusive, em dois sentidos.
Primeiro duvida-se da possibilidade de contar com uma razão supra-histórica,
que, de antemão, corresponderia à realidade. Em consequência, a compreensão
torna-se problema, porque não resulta mais de uma participação paritária dos
interlocutores numa razão comum. Ela não se dá por si, mas, ao contrário, em
cada caso precisa“ser querida e buscada”(Schleiermacher, 1990, p. 92).
O desafio da hermenêutica, segundo Schleiermacher (2005, p. 87), está
em compreender o outro, o diferente, e a rigor cada texto é outro e diferente,
sempre carecendo de interpretação. Há uma peculiaridade no texto, porque a
própria linguagem não existe num padrão rigorosamente universal, mas em
sentidos sempre singularizados, em cada ato de uso.
Ainda mais decisiva, para evidenciar os limites da condição humana, foi
uma segunda mudança de paradigma, “a convicção de que aquilo que forma
a dimensão básica da Filosofia não é alguma representação de objeto, mas a
compreensão de sentido”(Frank, 2007, p. 81).
A Filosofia antiga ocupava-se com o mundo como ele é, na perspectiva
da ontologia; já a Filosofia moderna superou essa perspectiva com a teoria do
conhecimento, com a convicção de que os objetos são mediados por represen-
tações subjetivas. A partir de Schleiermacher – afirma Frank (2007, p. 79) – aquilo
que representamos de modo algum são objetos, mas fatos, e o que corresponde
a estes são proposições ou juízos. Isso significa que o limite da atuação e da com-
preensão permanece no âmbito da linguagem: juízos referem-se tão somente a
objetos já sempre interpretados desse ou daquele modo.
É inegável que a hermenêutica, enquanto arte de compreensão e in-
terpretação (Schleiermacher, 1990, p. 71), é produto da modernidade, mas
é também sua superação. Seu desafio seria operar o giro transcendental no
mundo do sentido, mas sem o rigor e o caráter absoluto do cogito cartesiano.
A consciência de si, a partir da qual se estabelece, é uma consciência humilde,
que percebe os limites da condição humana. É uma “consciência de finitude”
(Schleiermacher, 1980, § 9) e de dependência, que não encontra em si mesma o
seu fundamento, mas se percebe constituída por outrem. Este, afirma Frank, é o
EaD
21
Filosofia e Ética
mais alto grau de consciência, de quem percebe seus limites, porque já sempre
relacionado e constituído com outro, constituindo a linguagem a forma dessa
relação (1977, p. 115).
Todas essas considerações não deixam dúvidas de que Schleiermacher
já se situa no giro linguístico: todas as questões são colocadas e resolvidas no
âmbito da linguagem, mas ainda não na radicalidade de Gadamer e de Heideg-
ger. Ao demonstrar que a linguagem é o único acesso à realidade e condição de
possibilidade para sua discussão, ele também admite seu caráter instrumental
e representativo. Embora permaneça no âmbito da linguagem, ainda se orien-
ta por um “pensamento ontológico, no qual se acredita que a verdade ou o
verdadeiro tem um estatuto objetivo, cuja busca é árdua, mas não impossível;
boas regras de procedimento e a destreza do intérprete podem conduzir a ela”
(Ruedell, 2007, p. 23).
Daí a preocupação metodológica por uma adequada e correta interpreta-
ção, que pudesse conduzir à verdade do texto. Mesmo, contudo, que isso mostre
o quanto o autor ainda se situa no paradigma ontológico, este, entretanto, não
deixa de apontar para sua fragilidade, ao afirmar que o ideal da compreensão
perfeita é irrealizável. Somente pode ser alcançado por aproximação (Schleier-
macher, 2005, p. 201).
Chegando,porém,aHeidegger,naperspectivadaFilosofiahermenêutica,
a discussão toma outra configuração. Se antes, com Schleiermacher, apesar dos
limites da condição humana, não se deixava de perguntar pelo procedimento
correto para chegar à verdade, agora já não há mais essa perspectiva. Inaugura-
se um novo modo de pensar, que vem se estabelecendo na medida em que os
conceitos compreensão e interpretação, referidos ao mundo, passam a ter outro
significado, ou seja, na medida em que a interpretação é“apenas interpretação”,
em oposição ao saber da realidade (Scholtz, 1992-1993, p. 108).
Já era esse o entendimento de Nietzsche ao afirmar que“o mundo se tor-
nou mais uma vez‘infinito’para nós, porque ele contém em si a possibilidade de
interpretações infinitas;”e“que não há fatos, mas apenas interpretações”(apud
Scholtz, 1992/93, p. 108). A mesma concepção encontra-se também em Dilthey,
ainda que não no sentido universal e radical de Nietzsche. Para ele, somente
“a religião, a arte e a metafísica fornecem ‘interpretações do mundo’” (Scholtz,
1992/93, p. 108), complementando, nesse sentido, as ciências da natureza. En-
quanto estas analisam e desenvolvem as relações universais de estados de coisas
isolados, aquelas expressam o significado e o sentido do todo. Umas conhecem
e outras compreendem.
AoadmitirquefoidessaconcepçãodeinterpretaçãoquebrotouaFilosofia
hermenêutica,podemosdizerqueelasurgiudacrisedaconcepçãotradicionalde
verdade e de ciência. Em Kant encontra-se a base teórica desse acontecimento: a
destruição da ontologia tradicional e a redução do mundo ao mundo fenomêni-
co. Em vez da realidade, que era objeto da ontologia, dispõe-se sempre mais de
visões de mundo, tradições e convenções, que, numa linguagem pré-científica,
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
22
sempre articulam e interpretam o mundo. As interpretações são aquilo que
sempre se interpõe entre o mundo e as ciências, e estas, por sua vez, assentam-
se sobre aquelas e as desenvolvem, sem o saber; sem saber que“compreender
o mundo é mais amplo e mais fundamental do que conhecer cientificamente a
natureza e que a formação do conceito das ciências da natureza está baseada
numaatitudediantedomundo,jálinguisticamentearticulada”(Scholtz,1992/93,
p. 109-110).
Ofilósofohermeneutatemconsciênciadequevivenummundojásempre
interpretado e compreendido, e de que suas interpretações podem ser as mais
diversas.Há,porconseguinte,umarelaçãoestreitaentreFilosofiahermenêuticae
consciência histórica, no sentido em que Nietzsche falava em“filosofar histórico”
eYorck vonWartenburg referia-se à“historização do filosofar”(Scholtz, 1992/93,
p. 110-111). Não há dúvidas de que, na origem da Filosofia hermenêutica,
encontra-se a consciência do caráter histórico da Filosofia e das Ciências. Todas
têm pressuposições históricas e contingentes.
Diante disso, impõe-se a pergunta sobre a tarefa da Filosofia. O que lhe
restaria a fazer, a não ser constituir-se em reflexão ou interpretação da historici-
dade,dahistoricidadedoserhumanoedesuasinterpretaçõesdomundo? Nessa
direção, dentre os diversos níveis de reflexão possível, Heidegger pergunta pelo
fundamento ou vertente dessa história, concentrando-se no caráter histórico do
ser humano, aquele que produz as interpretações do mundo. Isso de tal maneira
que,comsuaanalíticadoDasein,aafirmaçãodeque“tudoéinterpretação”perde
o sentido negativo da perspectiva ontológica, de impedir o acesso à realidade.
Ao contrário disso, essa expressão recebe agora um sentido positivo. Se tudo é
interpretação, isso se deve à liberdade e à capacidade interpretativa do homem,
fonte de todas as interpretações.
Semoamparodeumabasemetafísica,mastambémsemarigidezdeuma
estrutura ontoteológica coercitiva, abre-se um espaço propriamente humano,
de atuação livre e responsável do homem, apenas limitado pelas condições e
condicionamentos de sua própria natureza. Se na tradição o homem era enten-
dido como aquele que pensa e conhece,“hoje ele se compreende como aquele
que compreende e se explica como aquele que interpreta” (Scholtz, 1992/93,
p.113).
Compreensão e interpretação deixam de ser exclusividade de uma ci-
ência especial, como a hermenêutica técnica, e se constituem numa dimensão
essencial da vida humana.
Com esse reconhecimento, compreende-se melhor porque“ser que pode
ser compreendido é linguagem”(Gadamer, 1990, p. 478) e que todos os fatos já
estãosempreinterpretados,masaindasempreabertosparanovasinterpretações.
Enfim, não há dúvidas, para Heidegger, de que Filosofia é, antes de mais nada,
hermenêutica. Todas as considerações permitem reconhecê-la como Filosofia
primeira.
EaD
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Filosofia e Ética
Na complexidade de sua função mediadora, entre o mundo divino e o
humano, Hermes não só representava uma presença amiga dos deuses, mas
também evidenciava a diferença abissal entre os dois mundos e mantinha os
homens numa situação de eterna imperfeição e inferioridade. Por melhor que
fosse o mensageiro e o tradutor, a compreensão humana nunca seria perfeita e
Hermes nunca iria conseguir que os homens ascendessem ao nível da divindade.
Por isso, além da explicação etimológica do termo hermenêutica, a referência à
mitologia grega fornece a matriz ou a fonte alimentadora da história do pensa-
mento ocidental, enquanto pensamento metafísico. O conhecimento depende
da luz, da iluminação divina.
Desde a identidade parmenídica entre ser e pensar até a unidade entre ser e
pensar como autoconsciência em Hegel, o ser e a verdade são colocados no
horizonte da transparência e da identidade.Deus é a total transparência, a luz
em sua plenitude, como identidade consigo mesmo, e, por isso, é a verdade
e o ser por excelência, a noesis noeseos (Stein, 2001, p. 21).
Deus é fundamento do ser e da verdade, mas, sobretudo, é arquétipo
de todo conhecimento perfeito. Na perspectiva do mito, a reflexão filosófica
será sempre medida por aquilo que a excede, referida ao modelo divino. Essa
relação desigual entre divindade e humanidade e a tendência de comparação
entre os dois mundos têm propiciado ao homem uma experiência frustrante
ou meramente negativa dos limites de sua condição. Hermes, mais do que um
socorro amigo, tem-se transformado num peso imobilizador, porque o homem
permaneceriasempreimperfeitoeignorante.Somentenomundodivinopoderia
haver perfeição de ser e a luz do verdadeiro conhecimento.
Esqueceu-se, entretanto, por muito tempo, de perguntar por que a con-
dição humana sempre aponta para além de si mesma. Omitiu-se o fato de que a
busca do ilimitado é, precisamente, a afirmação do limite, de que a necessidade
do horizonte infinito é uma imposição da radical finitude. Ou seja, não se tomou
suficientemente a sério a finitude como o chão de toda experiência de ser.
Somente com Heidegger acontecerá essa virada, em que uma nova
concepção de finitude passará a orientar a maior parte das discussões filosófi-
cas. Em Gadamer, o conceito de finitude perpassa toda sua obra e constitui-se
em sua chave de leitura. O que orienta o filósofo é a Wirkungsgeschichtliches-
bewusstsein, a consciência histórica ou consciência das condições históricas às
quais toda compreensão humana está submetida, sob o regime da finitude.Tem
consciência de estar exposto à História e a sua ação, de tal forma que não pode
objetivar essa ação sobre nós, porque isso faz parte de seu sentido enquanto
fenômeno histórico. Por isso, “o que está em questão não é o que fazemos, o
que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além do nosso querer e fazer”
(Gadamer, 2003, p. 14).
Heidegger, entretanto, permanece o referencial mais importante para
esse debate. A partir da analítica do Dasein, em Ser e Tempo, desenvolveram-se
discussõesqueproduziramoquesedesignacomo pensamentodafinitude (Stein,
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24
1976, p. 76). É uma perspectiva de grande parte da Filosofia contemporânea,
que se fortalece a partir dos, assim denominados, mestres da suspeita, como
Nietzsche, Freud e Foucault, mas que, certamente, tem legitimidade filosófica
de Kant, preocupado com os limites do conhecimento.
Com a recorrência ao mito foi possível constatar como o tema da finitude
já esteve sempre presente, desde os tempos mais remotos do pensamento oci-
dental. Hoje, entretanto, mais do que um tema ou uma questão a ser discutida,
a finitude tornou-se uma perspectiva da Filosofia, podendo-se falar em giro da
finitude, assim como em outro sentido se fala em giro linguístico. É uma visão de
mundo e um modo de fazer Filosofia que parte dos estreitos limites da condição
humana, sem, contudo, ater-se ao seu sentido negativo. Consideram-se mais as
potencialidades humanas e as reais possibilidades de sua realização.
O pensamento da finitude entende-se como pensamento da liberdade e
da realização humanas, em oposição a um pensamento metafísico que se afirma
comoFilosofiaprimeira,“condenandoohomemadependerdeumaestruturaon-
toteológica sobre a qual não possui poder algum de ação”(Stein, 1976, p. 18).
A rigidez dessa metafísica clássica “reduz o homem à imobilidade e ao
silêncio diante de questões fundamentais”(1976, p. 18). Em seu lugar postula-se,
hoje, uma ontologia da finitude, representando o lado heterodoxo da tradição
metafísica. A ontologia da finitude procura superar ou transformar a metafísica
a partir de dentro, ou seja,
libertar temas e virtualidades sufocados pelo totalitarismo ontoteológico da
metafísica. A afirmação da finitude é a tentativa de destacar a historicidade,
em face de uma ontologia estática, onde não há propriamente lugar para o
movimento;pois,tudoestáancoradoefixadonummundoordenado(quando
nãopré-ordenado),ondealiberdadehumanaestásempreameaçadaporuma
ordem sem alternativas (Stein, 1976, p. 19).
AssimcomotodaFilosofiatrazatualmenteamarcadafinitude,maisainda
reconhece-se isso da hermenêutica, que emerge, precisamente, desse terreno
movediço e flexível das condições humanas. É, pois, num mundo secularizado,
numa época pós-metafísica, que a hermenêutica efetivamente se estabelece
como questão filosófica. Constituída nas condições humanas do discurso e da
linguagem, ela ocupa um lugar incômodo entre as verdades empíricas das Ciên-
cias e a verdade absoluta da metafísica. Não contando mais com esses apoios, a
pergunta e a discussão hermenêuticas voltam-se ao sentido e ao agir humanos,
que carecem de compreensão.
Aosesituarnessenível,humanoefinito,afirmaErnildoStein,“ahermenêu-
ticaé,dealgumamaneira,aconsagraçãodafinitude”(1996,p.45).Há,porém,uma
grande diferença desse conceito em relação à experiência de finitude vivenciada
no mito. Neste, a relação desigual entre o divino e o humano e a tendência de
comparação entre os dois mundos têm propiciado uma experiência frustrante
ou meramente negativa dos limites da condição humana, uma condição de
eterna imperfeição. Agora, porém, sem esse termo de comparação, a finitude
EaD
25
Filosofia e Ética
designa o espaço propriamente humano, com as condições e limites que lhe
são inerentes, mas, sobretudo, designa o espaço da liberdade e da realização
humanas, e a interpretação sinaliza a ocupação deste espaço.
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RUEDELL, Aloísio. Da representação ao sentido: através de Schleiermacher à her-
menêutica atual. Porto Algre: Edipucrs, 2000. (Col. Filosofia, 119).
______. Hermenêutica em Ensino. In: POMMER, A.; FRAGA, P. D.; SCHNEIDER, P.
R. (Org.). Filosofia e crítica: Festschrift dos 50 anos do curso de Filosofia da Unijuí.
Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. p. 17-36.
SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Der christliche Glaube. Nach den Grundsätzen
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Hrsg. Von Hermann Peiter. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1980.
______. Hermeneutik und Kritik; mit einem Anhang sprachphilosophischerTexte
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Main: Suhrkamp, 1990.
______. Hermenêutica e crítica – I. Tradução Aloísio Ruedell e revisão Paulo R.
Schneider. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2005.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
26
SCHOLTZ, Gunter. Was ist und seit wann gibt es“hermeneutische Philosophie”?
In: FRITHJOF, Rodi (Hrsg.). Dilthey Jahrbuch für Philosophie u. Geschichte der
Geisteswissenschaften, Bd.8, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 1992/93, p.
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STEIN, Ernildo. Compreensão e finitude: estrutura e movimento da interrogação
heideggeriana. Ijuí: Ed. Unijuí, 2001.
______. Melancolia: ensaio sobre a finitude no pensamento ocidental. Porto
Alegre: Movimento, 1976.
______. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
Seção 1.3
O Que é Filosofia? 4
Paulo Rudi Schneider
5
5
A Filosofia pode ser descrita como a atividade perguntadora: – O que é? –
E, em decorrência, surgem com tal atividade as perguntas: – Quando é? – Onde
é? – Como é? – Por que é? – Para que é? – Para quem é? Filosofia é, portanto, a
atividade de quem quer saber.
1) Quem quer saber. Querer significa a procura pela efetuação de um projeto;
implica o desejo de presentificar uma situação em que se esteja satisfeito;
busca a consumação daquilo que no presente é percebido como falta, como
nãocumpridoecomonecessidadedesatisfação.Quererimplicainteressar-se,ir
ao encontro, estar a caminho, tender, procurar, sair da situação em que se está
4
	Texto publicado em primeira versão em: Schneider, Paulo Rudi (Org.). IntroduçãoàFilosofia. Ijuí: Ed. Unijuí,
1995. p. 32-37.
5
	O pensador – Auguste Rodin. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum
Edições Multimídia.
EaD
27
Filosofia e Ética
e andar na direção de algum tempo e de algum lugar, angustiar-se e pôr-se
em movimento. Querer significa que não se está satisfeito com aquilo que se
é e com tudo que está posto como realidade, e então, procura-se a mudança
andando na direção que o projeto indica, construindo pela movimentação e
pela mudança, incluindo e incorporando caminhos. Querer significa o impulso
em direção daquilo que se ama, e, por isso, a situação de amante, ou amador.
A palavra filos, que provém do grego, significa exatamente isso: ser amante,
amigo, querer mudar a si e as circunstâncias movimentando-se direcionada-
mente, amadoristicamente e ciente do processo ou caminho em que se está.
Ser amador implica concessão de imperfeição e predisposição para perceber,
crescer e movimentar-se, pois existe a clareza de que na processualidade do
caminhar em direção de algo não se pode contar com a tranquilidade da
pretensa perfeição do profissional. Ser amador quer dizer que se sabe que
se está no meio do caminho e, no caso da Filosofia, esse caminho chama-se
saber (sofia).
2) Quem quer saber. O que é o saber? É um estado de coisas? Há um saber su-
premo a alcançar, além do qual não há mais saber? Há um saber absoluto a
ser conquistado que daria condições de não saber mais adiante? O supremo
saber seria, então, não mais saber? – A Filosofia não se define pela sabedoria
absoluta,poisnãorepresentaafixidezdeumcaminhoquechegouaseufim. O
saberrelativoàFilosofiaéoprópriosaberconstruirocaminho,esaberconstruir
o caminho de si e de tudo que foi posto como realidade é difícil. O querer o
saber é a procura pela ciência da construção, de modo que o saber possa ser
a indicação para a construção certa. Querer e saber estão irremediavelmente
ligados,aliáscomonapalavraFilosofia:asabedorianãoseconquistacomocoisa
que se quis e que agora poderia ser mantida e manipulada indefinidamente,
poisquandoseparadequerersaber,nãosesabemais.Quandopretensamente
se alcança o saber, não se sabe mais.
Numa época em que muitos se chamavam de sabedores, de sábios, de
sofhoi (plural de sophós, sábio), Pitágoras, quando perguntado sobre o que era,
respondeu:“Sou um amante do saber (Philosophos)”. O filósofo é um amante do
saber; alguém que quer saber, e não um sábio. Filosofia é a atividade de quem
quer saber.
Em outra época em que muitos chamam-se de sabedores, em que pa-
rece que há muita ciência absolutamente certa, muito conhecimento e muito
especialista, Bertrand Russel aposta e diz:“A filosofia origina-se de uma tentativa
obstinada de atingir o conhecimento real. Aquilo que passa por conhecimento,
na vida comum, padece de três defeitos: é convencido, incerto, e em si mesmo
contraditório. O primeiro passo rumo à filosofia consiste em nos tornarmos cons-
cientes de tais defeitos, não a fim de repousar, satisfeitos, no ceticismo indolente,
mas para substituí-lo por uma aperfeiçoada espécie de conhecimento que será
experimental, preciso e autoconsciente. Naturalmente desejamos atribuir outra
qualidade ao nosso conhecimento: a compreensão. Desejamos que a área do
nosso conhecimento seja a mais ampla possível”.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
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3) Quem quer saber. Quem, isto é, o sujeito define-se pelo querer e pelo saber:
querer não existe sem quem queira e saber não existe sem quem saiba e, por
outro lado, não existe quem, o sujeito, sem o querer e o saber. Quem é definido
pelo movimento, pela procura, e pela angústia da insatisfação do que é, e,
além disso, indica a direção do movimento e do querer: é quem quer saber,
isto é, o filósofo, cuja atividade de querer e de saber é Filosofia. Filosofia,
sendo querer e saber de quem se define por esta atividade, poderá gerar as
perguntas: Quando? Onde? Por quê? Para quê? Na Filosofia embarca-se para
navegar e o navegador é seu próprio timoneiro, a sua própria direção, o seu
próprio ser. A atividade de querer e de saber, que é Filosofia, é, ao mesmo
tempo, transformação consciente do mundo, da vida e da sociedade, pois
querendo e sabendo a Filosofia transparece no agir ao construir nova direção
inscrevendo novo sentido no mundo. O que já foi construído e o que já foi
inscrito aí está para que se possa querer e saber, movimentar-se e construir
a direção. Karel Kosik diz:“Neste sentido, a realidade humana não é apenas a
produção do novo, mas também reprodução (crítica e dialética) do passado”.
E ainda:“A filosofia materialista sustenta que o homem, sobre o fundamento
da práxis e na práxis como processo ontocriativo, cria também a capacidade
de penetrar historicamente por trás de si, e, por conseguinte, de estar aberto
para o ser em geral”.
A procura do saber que define o filósofo traduz-se, em outros termos, pela
busca por visibilidade da totalidade: a infinita variedade que se percebe deve ter
relaçãoentresi,devepossibilitaralgumaorientaçãoedeveconcederaexplicação
de sua existência. Desta forma a pergunta filosófica constantemente tematiza o
já explicado, o existente posto como realidade, a estrutura fixada como solução
definitiva e a repetir o seu mando, a sua validez e o seu poder de imanência
absoluta. A Filosofia como amor ao saber é a identificação da imanência posta e,
por isso, ao mesmo tempo, a ânsia de transcendê-la, de negá-la, de colocá-la em
novos termos, enfim, de sair da imediatez da inconsciência imanentista. Filosofia
como amor ao saber, como saída da imanência e como possibilidade de novo
sentido, só pode efetuar-se no pressuposto da reflexão racional, na confiança na
racionalidade, na acentuação e na afirmação do exercício autônomo da racio-
nalidade, bem como na desconfiança de qualquer processualidade reveladora
extrarracional,nodescréditodaimanênciaquesetornoutranscendênciaimposta,
fixa, imóvel, realidade fantasmática positivamente desvinculada do saber que o
homem institui em forma de significados de totalidade.
4) Quem quer saber. Quem quer saber é o filósofo. A negação ou quem não quer
saber, o que seria? Heráclito de Éfeso, com a sua constante preocupação pe-
dagógica em relação à Filosofia, expressou-se da seguinte forma sobre essa
questão:“Os asnos prefeririam a palha ao ouro”.
Apreferênciapelapalhaporpartedoasnosignificaosucumbiranteapura
necessidade intestina, a segurança do condicionamento inconsciente e a busca
do convencional, do normal e do fixamente instituído como significado. Além
EaD
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Filosofia e Ética
disso, quem assim não quer saber, tem a si mesmo como resultado instituído
por si próprio, restando apenas a satisfação mastigativa e repetitiva da palha
ordinária e rotineira da vida:
O asno sempre foi, é, e será asno,
Pois todo o asno é rotineiro,
Costumeiro puxador de carroça.
Acostumado,
O asno sente-se vivo, existindo
Ao puxar a carroça instituída.
E, no fim da vida, moído a pancada,
Rejeitado e consumido,
Sente-se condenado e expulso
Da vida, instituída a carroça.
E pensa, então, como carroça instituída:
- Que vida, que sorte;
A carroça é a vida
E eu, longe dela, a morte -
Sem perceber que a carroça é o asno,
e que o asno é a carroça;
Que a carroça que é vida
É o asno instituído.
5) Quem quer saber é qualquer um que queira saber. O poeta Bertolt Brecht dá
um exemplo:
PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Quem construiu Tebas, aquela das sete portas?
Nos livros figuram apenas nomes de reis.
Arrastaram eles, por acaso, os blocos de pedra?
E Babilônia, mil vezes destruída,
Quem voltou a levantá-la outras tantas vezes?
Aqueles que edificaram a dourada Lima, em que casas viviam?
Aonde foram, na noite em que foi terminada a grande muralha, os seus
pedreiros?
Cheia de arcos triunfais está
Roma, a grande. Seus Cézares
Sobre quem triunfaram? Bizâncio,
Tantas vezes cantada, para seus habitantes
Teria apenas palácios? Até na legendária
Atlântida, na noite em que o mar a tragou,
Os que se afogavam pediam, clamando,
Ajuda aos seus escravos.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
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O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
Cézar venceu os gauleses.
Não levava um cozinheiro sequer?
Felipe II chorou ao saber sua frota afundada.
Não chorou ninguém mais?
Frederico da Prússia venceu a guerra dos Trinta Anos.
Quem a venceu também?
Um triunfo em cada página.
Quem preparava os festins?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava os gastos?
Para tantas histórias
Tantas perguntas!
6) O que é Filosofia?
O Tema Fundamental da Filosofia é a Razão
I. A Filosofia expressa-se na busca da compreensão da totalidade do diverso per-
cebido, por meio de um princípio unificador, mesmo que este seja entendido
como pura processualidade.
II. A Filosofia expressa-se como atividade especulativa na busca e na análise dos
pressupostos que pretendem fundamentar a imediatidade da vida.
III. A Filosofia expressa-se como atividade promotora do estabelecimento de
relações entre todas as áreas do saber, em busca de uma possível visibilidade
do todo pressuposto.
IV. A Filosofia expressa-se como atividade reflexiva na intenção de acompanhar
pela compreensão toda a produção cultural humana.
V.A Filosofia expressa-se como atividade interlocutora do conhecimento estabe-
lecidoemformadeciênciatematizandoasuafundamentação,asuajustificação
e o seu exercício como efetividade.
VI. A Filosofia é o estado de admiração ante o enigma do presente a ser desven-
dado por interpretação possível do passado e por necessária existência de
projeto em relação ao futuro.
VII. A Filosofia expressa-se como atividade identificadora da imanência posta
num exercício de processualidade reveladora extrarracional a tornar-se
transcendência positiva, fixa e fantasmática, e, por isso, como acentuação e
afirmação do exercício autônomo da racionalidade em que há a possibilidade
dainstituiçãocoletivaeargumentativadenovosaberemformadesignificados
de totalidade.
EaD
31
Filosofia e Ética
INDICAÇÕES PARA LEITURA
BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1990.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães Editora, 1987.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
RUSSEL, Bertrand. Fundamentos de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1977.
VÁRIOSAUTORES. Introduçãoaopensamentofilosófico. SãoPaulo:EdiçõesLoyola,
1999.
Seção 1.4
Lógica e Racionalidade
Vânia L. F. Cossetin
6
Frequentemente usamos a
expressão “é lógico”, como se qui-
séssemos indicar algo evidente, a
conclusãodeumraciocínioimplícito
e coerente. Em boa medida, esta
expressão faz parte de uma tradição
de pensamento que se origina na
Filosofia grega, quando os filósofos
indagavam se a palavra lógos –
linguagem, discurso, pensamento,
conhecimento – obedecia a regras,
normas, princípios e critérios para
seu uso e funcionamento.
6
Nesse contexto, dois importantes filósofos devem ser mencionados: He-
ráclito, para quem tudo flui, somente a mudança é real e a permanência é ilusória
(“Nunca nos banhamos no mesmo rio; somos e não somos”); e Parmênides, para
quem a identidade e a permanência são reais e a mudança, ilusória (“Somente
o ser é; o não-ser não é”). Para o primeiro, o mundo está em permanente trans-
formação, cujo ordenamento racional é possível justamente pela harmonia dos
6
	O sono da razão produz monstros – Goya. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo:
Alphabetum Edições Multimídia.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
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contrários, muito embora nossa experiência sensorial perceba o mundo como
se fosse estável. Para o segundo, o mundo é imutável, imperecível e ausente
de contradições, sendo a mudança, o devir, algo impensável e indizível, razão
pela qual o pensamento e a linguagem só são possíveis porque das coisas con-
servamos a sua identidade e permanência, pois, caso se tornasse contrária a si
mesma, deixaria de ser.
Eis o problema sobre o qual a Filosofia tem se debruçado em busca de
solução ao longo de sua História: se Heráclito tem razão, o pensamento é pura
fluidez e a verdade a eterna contradição dos seres em mutação; se Parmênides
tem razão, o mundo heraclítico não tem sentido algum, tampouco pode ser
conhecido. A busca dessa solução resultou no surgimento de duas disciplinas
filosóficas: a lógica e a metafísica. Em seu apogeu, a Filosofia clássica oferece as
duassoluçõesmaisimportantesparaoproblemadacontradiçãoedaidentidade:
a dialética e a lógica.
1.4.1 – Entre a Dialética Platônica
e a Analítica Aristotélica
Platão admitiu o pensamento de Heráclito sobre a constante mudança do
mundo sensível, mas também aceitou a ideia parmenídica de que este mundo
sensível é apenas aparência, cópia do mundo verdadeiro, ou seja, das essências
imutáveis, sem contradições: o mundo inteligível.
A pergunta que se formula aqui é a seguinte: como passar do mundo
sensível ao inteligível? Platão dá a resposta: pelo método dialético, ou seja, pelo
diálogo,pelodiscursocompartilhadopordoisinterlocutores,cujasopiniõesestão
em oposição, e pela discussão o argumentador procura superar essa contradição
e chegar a uma ideia aceita por ambos.
Aristóteles, por sua vez, segue uma via diferente daquela escolhida por
Platão. Considera desnecessário separar a realidade da aparência em dois mun-
dos distintos, pois há um único mundo no qual existem essêncais e aparências.
O equívoco de Heráclito, para ele, foi supor que a mudança se realiza sob a
forma da contradição, pois a mudança ou transformação é a maneira pela qual
as coisas realizam todas as potencialidades contidas em sua essência. Assim,
quando a semente se transforma em árvore, nenhuma delas torna-se contrária a
si mesma, mas desenvolve uma potencialidade definida pela identidade própria
de sua essência.
Cabe à Filosofia buscar responder: como e por que, sem mudarem de
essência, as coisas se transformam? Como e por que há seres imutáveis? Se, por
um lado, Parmênides tem razão ao defender que o pensamento e a linguagem
exigem a identidade, por outro Heráclito também tem razão ao afirmar que as
cosias mudam. Ambas existem, portanto, sem que seja preciso cindir a realida-
de em dois mundos, à maneira platônica. Por isso, Aristóteles considera que a
EaD
33
Filosofia e Ética
dialética não é um procedimento seguro para o pensamento e a linguagem da
Filosofia e da Ciência, pois parte de meras opiniões contrárias cuja escolha de
uma delas não garante que se tenha chegado à essência da coisa investigada.
Para Aristóteles, à Filosofia e à Ciência interessa a demonstração ou a
prova de uma verdade. Por isso ele criou a Lógica: enquanto a dialética platônica
é um modo de pensar e conhecer que opera com os conteúdos do pensamento
e do discurso, a Lógica é um instrumento para o exercício do pensamento e da
linguagem que oferece procedimentos que conduzem a um conhecimento
universal e necessário, cujo ponto de partida não são opiniões contrárias, mas
princípios, regras e leis necessários e universais do pensamento.
1.4.2 – Para que Lógica?
Somos seres de linguagem. Tal é a importância da linguagem na vida
humana. A linguagem é o meio pelo qual o homem se expressa e expressa o
mundo que o circunda. E isto nós fazemos mediante a arte, os gestos, as sen-
tenças. Os inúmeros modos possíveis de expressão linguística são diferenciáveis
pela atribuição de regras e ordenamentos aos quais são submetidas.
No mundo acadêmico assumimos algumas regras que definem a lingua-
gem apropriada para este meio, reconhecidamente denominadas de sentenças,
argumentos, proposições, proferimentos, enunciados. Estas regras buscam iden-
tificar se há ou não rigor na fundamentação e demonstração dos discursos neste
âmbitoexigido.Como,porém,certificarmo-nossedefatoesteouaquelediscurso
consegue alcançar tal fundamentção ou demonstração coerentemente?
A Lógica, nesse sentido, desempenha um papel muito importante, não
apenas na Filosofia, mas na construção de todo conhecimento que se pretenda
verdadeiro, ou ao menos, sustentável, qual seja: ajudar a analisar a própria estru-
tura formal e expressiva do conhecimento, de como pode ser bem estruturado
e, assim, bem compreendido. Se por um lado todo conhecimento se sustenta
mediante argumentos, nem todo argumento pode ser considerado. É preciso
que seja um bom argumento, e para que seja bom é necessário que seja válido.
Exemplo disso é o silogismo aristotélico:
Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
Ouseja,aconclusãodeveserumaconsequêncianecessáriadaspremissas,
não pode informar algo que não esteja contido nelas. Nesse sentido, a Lógica é
justamente esta área do saber que ajuda a determinar se um argumento é ou
não válido, desempenhando, assim, dois papéis no conhecimento: clarifica o
pensamento e ajuda a evitar erros de raciocínio, devido à posição crítica que
sempre assume diante de problemas, teorias e argumentos.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
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Aissochamamosdepensamentoconsequente:opensamentofundamen-
tado, baseado em razões, cujas consequências são corretamente retiradas das
razões em que se baseia. Diante disso, podemos tomar consciência das diversas
formas pelas quais corremos o risco de errar enquanto pensamos, ajudando-nos
a apenas aceitar nossas ideias e argumentos se e somente se foram submetidos
à reflexão.
Exemplo disso encontramos na frase, hoje equivocadamente repetida:
“Todas as verdades são relativas”. Sem qualquer instrução lógica, esta frase
apresenta um problema fundamental: trata-se de uma ideia que se autorrefuta,
pois se todas as verdades são relativas, também esta é uma verdade relativa, de
modo que uma determinada comunidade, em uma determinada circunstância,
pode ou não concebê-la como falsa. Dito de outro modo: se é verdade que todas
as verdades são relativas, é igualmente falso, em algumas circunstâncias, que
todas as verdades sejam relativas.
Esse exemplo mostra, apesar de nosso vasto conhecimento e informação,
como facilmente podemos nos apoiar em argumentos extremamente frágeis,
iludidos de que o conhecimento pouco tem a ver com a forma de sua expressão,
quando, ao contrário, a credibilidade de um saber é correlata à coerência de sua
exposição e justificação.
1.4.3 – O Problema da Argumentação
Argumento é um conjunto de proposições (asserções sobre o mundo,
independe da língua na qual é expressa) ou um conjunto de sentenças (sequên-
cia gramatical de palavras de uma língua pela qual transmitimos informações).
A Lógica, como um todo, interessa-se por proposições (muito embora a Lógica
formal se interesse pelas sentenças, ou seja, pelo aspecto formal dos argumen-
tos, sobre os quais só se pode dizer se são válidas ou não válidas). Com relação à
primeira definição, podemos afirmar que um argumento, ainda que formado por
sentenças, sempre é apresentado em um certo contexto e expressa, ao menos,
uma única proposição (Ex.: “Está chovendo”, pode ser uma abreviatura de “está
chovendo no centro da cidade de Ijuí, às 8 horas do dia 20 de junho de 2013”);
além disso, é importante destacar que mesmo não se interessando pelo poder
de persuasão dos argumentos, mas pela relação entre evidências e conclusão,
a Lógica mantém um compromisso com o saber científico, com a construção
de conhecimentos seguros. Por isso é que o primeiro grande objetivo de um
argumentoéodeconvencereproduzirnovosconhecimentos.Estesargumentos
podem ser de dois tipos: dedutivos e indutivos.
Argumentos dedutivos
Tais argumentos tiveram sua origem na Geometria. Por trabalhar com a
determinação de proposições gerais sobre espécies de coisas individuais (por
ex., linha AB, apesar de se referir a uma linha em particular, subentende todas
EaD
35
Filosofia e Ética
as linhas em uma determinada condição), a Geometria é o primeiro ramo do
conhecimento que surge como teoria dedutiva e, desde os gregos, considerada
como paradigma para a construção de tais teorias. Os egípcios, por exemplo, já
procuravamcalcularovolumedabasedeumapirâmide,sóqueofaziamapoiados
num estudo empírico. Os gregos, por sua vez, substituíram este procedimento
por uma ciência demonstrativa e a priori. Antes, palavras como círculo tinham
sentidoporquesereferiamacertosesquemasperceptivos,demodoquequando
um grego diz que“um círculo é o lugar geométrico dos pontos equidistantes de
um ponto dado”está usando a palavra círculo num novo contexto, desvinculado
da experiência do caso particular.
Nesse sentido, Tales foi o primeiro a demonstrar um teorema de Geo-
metria e Pitágoras a desenvolver um estudo sistemático, no qual a Geometria
passa a ser uma ciência, exclusivamente dedutiva: certas proposições têm de ser
tomadas como verdadeiras sem demonstração e todas as outras proposições
tem de ser derivadas formalmente destas e independentes do tópico particular
em questão.
Já para Aristóteles, um argumento dedutivo é uma inferência que vai dos
princípios para uma consequência logicamente necessária. É o silogismo: a liga-
ção de dois termos por meio de um terceiro, cuja relação é necessária, ou seja, a
conclusão é imposta. Se, por um lado, porém, a dedução é um modelo rigoroso,
por outro tende a surgir como algo estéril, porque não apresenta nada de novo
daquilo que já estava nas premissas, apenas organiza o conhecimento. Por isso
a validade dos argumentos dedutivos é determinada pela forma lógica e não
pelo conteúdo, ela depende apenas da relação entre premissas e conclusão: a
conclusão precisa ser V se as premissas forem V, não pode haver, por exemplo,
premissas V e conclusão F. Esta regra é aplicada à forma do argumento para
identificar a sua validade ou não validade. Ex.:
Todos os G são H
a)
Todos os F são G
Todos os F são H.
b) Todos os gatos têm asas
Todos os pássaros são gatos
Todos os pássaros têm asas.
No silogismo não é preciso saber o que os enunciados significam, nem
cogitar sua V ou F: se a forma lógica é seguida, o argumento é válido. Um argu-
mento de forma não válida é uma falácia: um argumento que não respeita a
forma lógica.
Argumentos indutivos
São aqueles que, a partir de dados singulares enumerados, levam à
inferência de uma verdade universal. Chega-se à conclusão a partir dos dados
particulares, de modo que o conteúdo da conclusão acaba excedendo o das pre-
missas.O argumento indutivo sacrifica o caráter de necessidade dos argumentos
dedutivos,porqueumargumentoindutivoecorretopodeadmitirumaconclusão
falsa, ainda que as suas premissas sejam verdadeiras. É considerado correto se
pertence a uma classe em que a maioria dos argumentos de premissas V tem
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Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
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conclusõesV e é falaz quando as premissas não sustentam a conclusão. Assim, é
importante que haja uma enumeração suficiente para que se possa passar mais
seguramente do particular para o geral. Neste argumento está sempre suposta
uma probabilidade, por isso é um raciocínio associado às descobertas, a novas
formas de compreender o mundo. É muito fecunda nas ciências experimen-
tais.
Ex.:
Todos os grãos da amostra observada são do tipo A.
Todos os grãos do barril são do tipo A.
Falácias: argumentos de forma não válidas
Lemos e ouvimos muitas coisas, a todo momento. Muitas vezes, porém,
estes discursos são ardilosos, enganadores, falsos, embora não pareçam.Trata-se
da falácia: um tipo de argumento que parece correto, mas, na realidade, não é.
As falácias podem ser classificas em 11 tipos:
a) Apelo à força: consiste em ameaçar com consequências desagradáveis se não
for aceita ou acatada a proposição apresentada. Ex.: Você deve se enquadrar
nas novas normas do setor. Ou quer perder o emprego?
b) Apelo à misericórdia: consiste em apelar à piedade, ao estado ou virtudes do
autor. Ex.: Ele não pode ser condenado: é bom pai de família, contribuiu com a
escola, com a igreja, etc.
c) Apelo ao povo: consiste em sustentar uma proposição por ser defendida pela
população ou parte dela. Sugere que quanto maior o número de pessoas
que defende uma idéia, mais verdadeira ou correta ela é. Incluem-se aqui os
boatos, o“ouvi falar”, o“dizem”, o“sabe-se que”. Ex: Dizem que um disco voador
caiu em Minas Gerais.
d)Apeloàautoridade: consiste em citar uma autoridade (muitas vezes não quali-
ficada) para sustentar uma opinião. Ex: O melhor antigripal é Benegripe, porque
Pelé toma (ou diz tomar) Benegripe quando está gripado.
e) Generalização apressada: trata-se de tirar uma conclusão com base em dados
ou em evidências insuficientes. Dito de outro modo, trata-se de julgar todo um
universo com base numa amostragem reduzida. Ex: Todo político é corrupto.
f)Ataqueàpessoaouargumentocontraohomem: consiste em atacar, em desmo-
ralizar a pessoa e não seus argumentos. Ex.: Nãodeemouvidosaoqueelediz:ele
éumbeberrão,batenamulheretemamantes(uma variação deste argumento é
o“tu quoque”(tu também): consiste em atribuir o fato a quem faz a acusação.
Ex: alguém lhe acusa de algo, e você diz: “tu também”! Isso, evidentemente, não
prova nada).
EaD
37
Filosofia e Ética
g) Redução ao absurdo: consiste em tirar de uma proposição uma série de fatos
ou consequências que podem ou não ocorrer. É um raciocínio levado indevi-
damente às últimas consequências. Ex.: Mãe, cuidado com o Joãozinho. Hoje,
na escolinha, ele deu um beijo na testa de Mariazinha. Amanhã, estará beijando
o rosto. Depois... Quando crescer, vai agarrar todas as meninas.
h) Falsa analogia: consiste em comparar objetos ou situações que não são com-
paráveis entre si, ou transferir um resultado de uma situação para outra. Ex:
Tomei mata-cura e fiquei bom. Tome você também.
i) Ônus da prova: consiste em transferir ao ouvinte o ônus de provar um enun-
ciado. Ex: Se você não acredita em Deus, como pode explicar a ordem que há no
universo?
j) Apelo à ignorância: consiste em concluir que algo é verdadeiro por não ter
sido provado que é falso, ou que algo é falso por não ter sido provado que é
verdadeiro. Ex: Ninguém provou que Deus existe. Logo, Deus não existe (não há
evidências de que os discos voadores não estejam visitando aTerra; portanto,
eles existem).
k)Questãocomplexa:consisteemapresentarduasproposiçõesconectadascomo
se fossem uma única proposição, pressupondo-se que já se tenha dado uma
resposta a uma pergunta anterior. Ex: Você já abandonou seus maus hábitos?
Referências
ARISTÓTELES. Organon I, II, III, IV, V. Lisboa: Guimarães Editores, 1985.
COPI, I. M. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
KNEALE, M.; KNEALE, W. O desenvolvimento da lógica. 2. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1962.
MORTARI, C. Introdução à lógica. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.
SALMON, W. Lógica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981.
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
38
Síntese da Unidade 1
Nesta Unidade estudamos, em primeiro lugar,
a origem da Filosofia na Grécia, entre os sécu-
los 6º e 7º a.C., quando e onde se promoveu a
passagem do saber mítico (alegórico, poético)
ao pensamento racional. O mito, ao mesmo
tempo em que ele foi superado, também serviu
de ponto de partida para a Filosofia. A razão e a
Lógica tornaram-se, então, pressupostos básicos
para o pensar.
Na segunda seção estudamos sobre a herme-
nêutica, que trata do modo peculiar de como o
homem compreende e interpreta um texto e a
própria realidade, a partir da linguagem e dando
destaque positivo à condição humana e limita-
da da compreensão. O tema foi desenvolvido
utilizando-se de uma comparação entre o atual
estadodediscussãodahermenêuticacomomito
de Hermes, em que, curiosamente, já se levantou
a questão da compreensão e da comunicação
pela linguagem.
Em terceiro lugar estudamos o que é Filosofia.
Maisdoqueumconhecimentoelaborado,enten-
demosqueelaéumabuscaincessantepelosaber.
Revela isso no seu modo de agir, perguntando.
Perguntar ou questionar é a principal caracterís-
tica da Filosofia. Pode-se afirmar que a Filosofia
é uma atividade perguntadora.
Na quarta seção estudamos a Lógica, que faz
parte da Filosofia, e com ela surgiu. Com o estu-
do desse tema se esclareceu que o pensamento
racional,filosófico,seguedeterminadasregras.Há
umcertopadrãodepensamentoeconhecimento
humanos.Todalinguagemoudiscursoorienta-se
necessariamente por princípios ou critérios de
uso ou funcionamento, sob pena de permanecer
sem sentido e ininteligível.
39
UNIVERSIDADE E CONHECIMENTO:
O Papel Formador da Filosofia
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Compreender que os conceitos de Filosofia e ensino estão intima-
•
mente associados desde o início da sua História e que a origem da
Filosofia deu-se como exercício de um método cujos participantes
estavam implicados pelo diálogo.
Perceber a implicação entre a História das Ciências Humanas e a tra-
•
jetória da cultura, da tradição, da educação e do ensino no mundo
ocidental e que a concepção moderna de Ciência, o seu conteúdo
qualificativo de humana(s), remete à Antiguidade Clássica.
Entender a importância, a função e a utilidade da Filosofia.
•
Refletir sobre o papel da universidade na formação profissional en-
•
quanto constituidora de um sujeito capaz de apreender e reelaborar
criticamente os conhecimentos, a cultura, os valores e a sociedade.
A SEÇÃO DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – Filosofia e Ensino
Seção 2.2 – Ciências Humanas: Contextualização Histórica e Teórica
Seção 2.3 – Para que Filosofia?
Seção 2.4 – Filosofia e Formação: o Perfil do Profissional Universitário
Unidade 2
EaD
Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin
40
Seção 2.1
Filosofia e Ensino
Paulo Rudi Schneider
1
Dificilmente poder-se-á dei-
xar de associar os conceitos
de Filosofia e ensino. Desde
o início da sua história no
Ocidente a Filosofia deu-se
como exercício de um mé-
todo em que todos os dialo-
gantes estavam implicados
pelasimplesparticipaçãona
conversação.
1
A suposição de um método, seja maiêutica, dialética, análise, crítica, her-
menêuticaoumeramenteexposição,semprecomprometeopretensoensinante
com os efeitos da sua participação direta, efetiva e incontornável no exercício
em que está ocupado com outros supostos ensinados. A Filosofia como sistema
a ser somente ensinado para fins de uso estratégico e eficiente nas diversas
perspectivas da vida invariavelmente significou traição ao seu conceito e, por
isso, também o seu próprio esmaecimento e esquecimento merecido. Ela não é
um conteúdo que se possa aprender definitivamente como dado científico para
posterior utilização tecnicista em determinado setor da vida, mas uma constante
tarefa por cumprir. O professor de Filosofia como mero apresentador e repas-
sador de conteúdos culturais, científicos, ou até filosóficos seria, nessa acepção,
ao contrário de Sócrates, o verdadeiro personagem ocupado em corromper a
juventude do mundo, mesmo que não fosse condenado oficialmente a beber
cicuta com os seus semelhantes e comparsas, que hoje chamam-se multidão
nas mais diversas áreas do saber. É conhecida a opinião de Immanuel Kant so-
bre esse assunto, ou seja, de que não há como aprender Filosofia, mas somente
aprender a filosofar, posto que ela não existe enquanto ultimada, definitiva e
universalmente válida (Eisler, 1984, p. 418).
Por outro lado, a reflexão sobre a relação da Filosofia com o ensino traz
de imediato a questão da “Darstellung”, da apresentação necessária do que já
foi pensado para que se pense adiante. A apresentação enquanto tal é inevita-
velmente posterior ao pensamento, uma vez que este vai pelos caminhos do
1
Alegoria da Caverna. Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/mito-da-caverna-de-platao>.
Acesso em: dez. 2013.
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  • 1. Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul – unijuí vice-reitoria de graduação – vrg coordenadoria de educação a distância – CEaD Coleção Educação a Distância Série Livro-Texto Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2014 Aloísio Ruedell Luis Alles Maciel Antoninho Vieira Valdir Graniel Kinn Vânia Lisa Fischer Cossetin (Organizadores) Filosofia e ética Condição humana II – René Magritte Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
  • 2.  2014, Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364 98700-000 - Ijuí - RS - Brasil Fone: (0__55) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 E-mail: editora@unijui.edu.br Http://www.editoraunijui.com.br Editor: Gilmar Antonio Bedin Editor-adjunto: Joel Corso Capa: Elias Ricardo Schüssler Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí F488 Filosofia e ética / Aloísio Ruedell (Org.) ... [et al.]. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2014. – 184 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto). ISBN 978-85-419-0100-0 1. Filosofia. 2. Ética. 3. Ensino. 4. Estratégia organizacional. I. Alles, Luis. II. Vieira, Maciel Antoninho. III. Kinn, Valdir Graniel. IV. Cossetin, Vânia Lisa Fischer. V. Título. VI. Série. CDU : 17
  • 3. 3 Sumário Conhecendo os professores................................................................................................................................................... 5 Apresentação...................................................................................................................................................................................... 9 UNIDADE 1 – REFLEXÃO FILOSÓFICA: RADICALIDADE, CRITICIDADE E TOTALIDADE..................................................11 Seção 1.1 – Do Mito ao Logos: A Gênese da Filosofia..............................................................................................................11 1.1.1 – O Mito: Base do Futuro Desabrochar da Filosofia...........................................................................................12 1.1.2 – Logos: A Emergência da Filosofia..........................................................................................................................15 Seção 1.2 – Do Mito à Filosofia Hermenêutica: Uma Discussão Sobre Hermenêutica e Finitude...........................16 Seção 1.3 – O que é Filosofia?...........................................................................................................................................................26 Seção 1.4 – Lógica e Racionalidade................................................................................................................................................31 1.4.1 – Entre a Dialética Platônica e a Analítica Aristotélica......................................................................................32 1.4.2 – Para que Lógica?..........................................................................................................................................................33 1.4.3 – O Problema da Argumentação..............................................................................................................................34 UNIDADE 2 – UNIVERSIDADE E CONHECIMENTO: O PAPEL FORMADOR DA FILOSOFIA.............................................39 Seção 2.1 – Filosofia e Ensino............................................................................................................................................................40 Seção 2.2 – Ciências Humanas: Contextualização Histórica e Teórica...............................................................................51 Seção 2.3 – Para que Filosofia?.........................................................................................................................................................55 2.3.1 – A Razão da Pergunta..................................................................................................................................................56 2.3.2 – As Pressuposições Filosóficas nas Ciências........................................................................................................56 2.3.3 – Filosofia Como“Arte do Bem-Viver”. .....................................................................................................................56 2.3.4 – A Atitude Filosófica: Perguntar. ..............................................................................................................................57 2.3.5 – A Reflexão Filosófica..................................................................................................................................................58 Seção 2.4 – Filosofia e Formação: O Perfil do Profissional Universitário...........................................................................59 2.4.1 – Idealizando o Profissional Contemporâneo......................................................................................................60 UNIDADE 3 – ÉTICA E AGIR HUMANO............................................................................................................................................65 Seção 3.1 – Introdução aos Estudos Antropológicos...............................................................................................................66 Seção 3.2 – O que é o Homem?. .......................................................................................................................................................75 Seção 3.3 – Ética a Partir dos Paradigmas. ....................................................................................................................................93 3.3.1 – A História da Ética a Partir dos Paradigmas.......................................................................................................95 3.3.2 – Perspectivas Para a Ética........................................................................................................................................ 102 Seção 3.4 – Teorias Éticas................................................................................................................................................................. 104 3.4.1 – Correntes Filosóficas: Podemos Ser Livres?.................................................................................................... 105 3.4.1.1 – Liberdade e Determinismo. ................................................................................................................. 105 3.4.1.2 – Racionalismo............................................................................................................................................ 106
  • 4. 3.4.1.3 – Fenomenologia....................................................................................................................................... 106 3.4.1.4 – Existencialismo........................................................................................................................................ 107 3.4.2 – A Diversidade das Teorias. ..................................................................................................................................... 107 3.4.2.1 – Ética Grega................................................................................................................................................ 107 3.4.2.2 – Ética Helenista.......................................................................................................................................... 108 3.4.2.3 – Ética Medieval.......................................................................................................................................... 108 3.4.2.4 – Ética do Dever.......................................................................................................................................... 108 3.4.2.5 – Ética Consequencialista........................................................................................................................ 109 3.4.2.5.1 – Ética Utilitarista................................................................................................................... 109 3.4.2.6 – Ética Nietzschiana................................................................................................................................... 109 3.4.2.7 – Ética do Discurso..................................................................................................................................... 110 Seção 3.5 – Responsabilidade Moral, Determinismo e Liberdade................................................................................... 111 3.5.1 – Ignorância e Responsabilidade Moral.............................................................................................................. 112 3.5.2 – Coação Externa e Responsabilidade Moral.................................................................................................... 113 3.5.3 – Coação Interna e Responsabilidade Moral..................................................................................................... 113 3.5.4 – Responsabilidade Moral e Liberdade............................................................................................................... 114 3.5.4.1 – O Determinismo Absoluto................................................................................................................... 115 3.5.4.2 – O Libertarismo......................................................................................................................................... 115 3.5.4.3 – Dialética Entre Liberdade e Necessidade....................................................................................... 116 Seção 3.6 – Considerações Sobre Ética, Política e Cidadania............................................................................................. 117 3.6.1 – Sobre Ética/Política.................................................................................................................................................. 118 3.6.2 – Reflexões Finais......................................................................................................................................................... 126 Seção 3.7 – A Estética e Suas Relações com o Feio................................................................................................................ 130 UNIDADE 4 – ÉTICA E CONTEMPORANEIDADE....................................................................................................................... 139 Seção 4.1 – Algumas Considerações Sobre o Trabalho Alienado em Marx.................................................................. 140 Seção 4.2 – Ética e Violência: A Ética Como Filosofia Primeira........................................................................................... 149 4.2.1 – A Filosofia Ocidental como Fomentadora da Violência e de Uma Vida Sem Sentido..................... 149 4.2.2 – A Lógica Dominadora da Filosofia Ocidental................................................................................................. 150 4.2.3 – A Filosofia da Alteridade e a Liberdade........................................................................................................... 151 4.2.4 – A Experiência Cognoscitiva e a Experiência Moral...................................................................................... 153 4.2.5 – A ética como Filosofia Primeira........................................................................................................................... 154 Seção 4.3 – Reflexões Acerca das Perspectivas para a Educação no Século 21: Uma Análise em Perspectiva Ético-Filosófica.................................................................................................... 157 4.3.1 – Ética, Conhecimento e Educação....................................................................................................................... 159 4.3.2 – Considerações Finais............................................................................................................................................... 165 Seção 4.4 – Ética, Comunicação e Novas Tecnologias.......................................................................................................... 169 4.4.1 – A Comunicação como Condição Humana e o Objeto Comunicação................................................... 170 4.4.2 – A Ética e a Comunicação na Contemporaneidade...................................................................................... 175
  • 5. 5 Conhecendo os Professores Aloísio Ruedell Possui Doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999). Atualmente é professor-adjunto da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Epistemologia e Filosofia da Linguagem, atuando principalmente nos seguintes temas: hermenêutica, interpretação, linguagem e subjetividade. Cândida de Oliveira É graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Unijuí, e mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É membro do Observatório da Ética Jornalística (ObjETHOS). Celso Eidt Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1986), Mestrado em Filosofia pela Universida- de Federal de Minas Gerais (1999) e Doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2010). Atualmente é professor-adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul. Tem experiência na área de Filosofia. Julio César Burdzinsky Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1988), Mestrado em Filosofia pela Universida- de Federal do Rio Grande do Sul (1995) e Doutorado em Filosofia pela PUC/RS (2004). Luis Alles Possui Graduação em Filosofia pelo Instituto Educacional Dom Bosco (1981), Graduação em Estudos Sociais pelo Instituto Educacional Dom Bosco (1981), Graduação em Teologia pela PUC/RS (1985), Especialização em Filosofia pela PUC/RS (1984) e Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Ca- tólica do Rio Grande do Sul (1996). Atualmente é professor tempo parcial da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, atuando principalmente nos seguintes temas: religião, ensino, pastoral, Filosofia e for- mação humanística.
  • 6. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 6 Maciel Antoninho Vieira É Graduado em Filosofia e Estudos Sociais pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí –, mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM -. Professor do Departamento de Humanidades e Educação – DHE – da Unijuí desde 1996. Maristela Marasca PossuiGraduaçãoemFilosofiapelaUniversidadeRegionaldo Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (1992) e Mestrado em Educação nas Ciências pela mesma instituição (2001). Tem experiência na área de Filosofia, atuando princi- palmentenosseguintestemas:teatro,dramaturgia,teatrobrasileiro,teatronoRS e educação. Integrante do Grupo de Teatro A Turma do Dionísio desde 1988. Paulo Rudi Schneider Possui Graduação em Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1981), Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002) e Doutorado em Filosofia pela mesma Universidade (2005). Atualmente é professor da Universidade Re- gional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, no Mestrado em Educação nas Ciências. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: Filosofia, verdade, metafísica, pensar e ser. Valdir Graniel Kinn É graduado em Filosofia e bacharel em Direito pela Unijuí, mestre em Filosofia (área de concentração em Ética e Filosofia Política) pela PUC/RS. Seus estudos estão voltados especialmente para análise política e conjuntural da sociedade e à ética contemporânea. É professor na Unijuí desde 1988, vinculado ao Departamento de Humanidades e Educação. Vânia Dutra de Azeredo Possui Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1987), Mestrado em Filosofia pela mesma instituição (1996), Doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2003) e Pós-Doutorado pela Ecole Normale Supérieure Paris (2012). Atualmente é professora da PUC- Campinas, membro do corpo editorial da Revista Reflexão, membro do corpo editorial da Revista Alamedas, membro do corpo editorial dos Cadernos Nietzs- che, membro do corpo editorial da Humanidades em Revista, membro do corpo editorial da Revista Trágica e membro do corpo editorial da Philósophos (UFG) (Cessou em 2000. Cont. ISSN 1982-2928 Revista Philósophos). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Nietzsche, genealogia, moral.
  • 7. EaD 7 Filosofia e Ética Vânia L. F. Cossetin É graduada em Filosofia e Artes pela Unijuí, mestre e doutora em Filosofia pela PUC/RS. Seus estudos estão especialmente voltados para o problema da linguagem no sistema filosófico de Hegel e, atualmente, dedica-se também à investigação sobre o papel formador da escola de Ensino Médio. É líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar de Humanidades no Ensino Médio e participa como pesquisadora do Grupo de Pesquisa Linguagem, Hermenêutica e Justificação, da Unijuí, e do Grupo de Pesquisa Dialética, da Unisinos. Atualmente exerce ati- vidade docente na Unijuí, na Faculdade América Latina e no ColégioTiradentes, da Brigada Militar de Ijuí.
  • 8.
  • 9. 9 Apresentação Apresentamos aqui o livro Filosofia e Ética, publicado como material didático-pedagógico,dadisciplinadomesmonome,paraoscursosdeGraduação da Unijuí na modalidade a distância e presencial, na forma de Livro-Texto. A disciplina e o livro aqui apresentados situam-se num contexto em que diversascorrentesfilosóficas,seguindoadireçãodeKant,propõemqueaFilosofia seja, se não a instituidora de um“tribunal da razão”, ao menos uma“guardadora de lugar”, para que as ciências possam escapar aos limites cientificistas nos quais permanecem, via de regra, confinadas; propõem que a Filosofia também seja uma “intérprete” mediadora do espaço entre essas mesmas ciências e a linguagem cotidiana. Vivemos, além disso, hoje um momento de crise, em especial crise de referenciais: ausência de reflexão crítica acerca da consciência da inconsciência que permeia a existência humana.Nesse sentido, a Unijuí estabelece a disciplina FilosofiaeÉtica como um exercício crítico do pensar e do agir humanos. Na atual polêmica mundial acerca dos possíveis sentidos dos valores éticos, políticos, es- téticos e epistemológicos, a Filosofia e a Ética têm um espaço a ocupar e muito a contribuir, pois giram em torno de problemas e conceitos criados no decorrer de sua longa história, os quais, por sua vez, geram discussões promissoras e criativas que, muitas vezes, desencadeiam ações e transformações. Por isso, permanecem atuais. Ademais, Filosofia e Ética, enquanto disciplina acadêmica, desenvolve as potencialidades que a caracterizam: capacidade de indagação e crítica; qualidades de sistematização e de fundamentação; rigor conceitual; combate a qualquer forma de dogmatismo e autoritarismo; disposição para levantar no- vas questões, para repensar, imaginar e construir conceitos, além da sua defesa radical da emancipação humana, do pensamento e da ação livres de qualquer forma de dominação. Um dos objetivos da formação acadêmico-profissional é a formação plu- ridimensional e democrática, capaz de oferecer aos estudantes a possibilidade de compreender a complexidade do mundo contemporâneo, suas múltiplas particularidades e especializações. Nesse mundo, que se manifesta quase sem- pre de forma fragmentada, o estudante não pode prescindir de um saber que opere por questionamentos, conceitos e categorias de pensamento, que busque articular o espaço-temporal e histórico-social em que se dá o pensamento e a experiência humanos. Comodisciplinaconstitutivadaformaçãogeralehumanista,considera-se que Filosofia e Ética pode viabilizar interfaces com os outros componentes para a compreensão do mundo da linguagem, das ciências, das técnicas, do mundo do trabalho e da política.
  • 10. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 10 A disciplina Filosofia e Ética apresenta e tematiza o conceito de Filosofia enquanto exercício da reflexão crítica e a Ética enquanto investigação e debate acerca do agir humano. Considerando essa dupla composição da disciplina, o livro FilosofiaeÉtica consta de quatro unidades temáticas: 1 – Reflexão filosófica: criticidade, radicalidade e totalidade; 2 – Universidade e Conhecimento: o papel formador da Filosofia; 3 – Ética e o agir humano; 4 – Ética e contemporaneidade. Cada unidade consta, por sua vez, de diferentes textos, nos quais são tratados os principais temas que lhe dizem respeito. Além desses textos, porém, elaborados pelos professores, em cada unidade há ainda outro importante recurso didático: imagens, que dizem respeito aos temas tratados e que podem contribuir para o seu aprofundamento. Cada texto suscita, com certeza, uma série de questionamentos, mas não vamos adiantá-los aqui. Deixamos para a criatividade do professor e dos alunos a maneira de trabalhar os textos e sua relação com as imagens. Os organizadores
  • 11. 11 Unidade 1 REFLEXÃO FILOSÓFICA: Radicalidade, Criticidade E Totalidade OBJETIVOS DESTA UNIDADE Compreender o processo de nascimento da Filosofia no universo do • mundo grego antigo. Refletir sobre a importância do mito no desenvolvimento da cultura • e do mundo ocidental e a passagem deste para o conhecimento filosófico/racional. Apresentar a importância do raciocínio lógico para o desenvolvimen- • to das ciências ao longo da História e sua significação no âmbito da formação acadêmico/profissional. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 1.1 – Do Mito ao Logos: a Gênese da Filosofia Seção 1.2 – Do Mito à Filosofia Hermenêutica: uma Discussão Sobre Hermenêu- tica e Finitude Seção 1.3 – O que é Filosofia? Seção 1.4 – Lógica e Racionalidade Seção 1.1 Do Mito ao Logos: a Gênese da Filosofia Maciel A. Vieira Vânia L. Fischer Cossetin Nosso olho nos faz participar do espetáculo das estrelas, do sol e da abóbada celeste. Este espetáculo nos incitou a estudar o universo inteiro. De lá nasce para nós a Filosofia, o mais precioso bem concedido pelos Deuses à raça dos mortais (Platão, Teeteto, 155d.).
  • 12. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 12 1 Conforme a história do pensa- mento ocidental, a Filosofia é uma invençãogregaqueocorreuentreos séculos 6º e 7º a.C. e que promoveu a passagemdosabermítico(alegórico, poético) ao pensamento racional (logos), ou seja, a razão e a lógica tornaram-se pressupostos básicos para o pensar. Esta mudança, po- rém, não ocorreu de forma abrupta, mas em meio a um longo processo histórico. 1 1.1.1 – O Mito: Base do Futuro Desabrochar da Filosofia Antes da invenção do logos e do saber filosófico havia outro saber, um modo de pensar que dava conta dos problemas concretos do cotidiano da vida do homem grego: o mito. Afinal, porém, o que é o mito? Como é e para que serve? A primeira questão nos remete a uma definição. Para tanto é importante destacarmos a etimologia da palavra. Em grego, mito significa uma “fala que narra”aorigemdosfenômenos,tantonaturaisquantohumanos.Diferentemente do que se pensa, o mito não é uma lenda ou uma fantasia, mas ele surge como fruto do processo de compreensão da realidade, por isso podemos dizer que ele é verdadeiro. E se é uma fala, uma narrativa, quem é que o faz? É o poeta. Havia, basicamente, dois tipos de poetas: o aedo (um criador de poemas que também recitava de memória, recriava e transformava o verso ancestral) e o rapsodo (simples repetidor, declamador, de uma versão já fixada).Vale lembrar que quando o poeta recitava o poema, apresentava-o cantando, com acompa- nhamento de música e dança. Eram estratégias utilizadas para uma melhor e mais rápida apropriação dos mitos e de toda a tradição, que por muito tempo foi conservada e propagada oralmente. Com o advento da escrita, a tradição oral passouaserfixadacomoumpatrimôniocomumdequeopoetaseriaoguardião. ExemplodestepatrimônioculturalsãoaspoesiasdeHomero(aIlíadaeaOdisseia, século 9º a.C.) e de Hesíodo (a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, 7º a.C.). A questão central, então, passou a ser sobre a credibilidade e a veracidade da narrativa do poeta. O que garante que ele diz a verdade? Caso o poeta fosse escolhido e inspirado pelos deuses e desse testemunho inquestionável sobre a origem de todas as coisas, como se dá a gestação das coisas e dos próprios deuses? Quem são os deuses? 1 Crianças geopolíticas assistindo ao nascimento do novo homem – Salvador Dali. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
  • 13. EaD 13 Filosofia e Ética Para os gregos, tudo o que existe, fenômenos naturais e humanos, e mes- mo os próprios deuses, é oriundo das relações sexuais entre eles. E os deuses, conforme Reale (1993), são forças naturais diluídas em formas humanas idealiza- das:“Os deuses são homens amplificados e idealizados, são quantitativamente superiores a nós, mas não qualitativamente diferentes” (p. 21). Os fenômenos naturais, nesse sentido, são promovidos pelos deuses. Por exemplo: os trovões e raios são lançados por Zeus do Olimpo; as ondas do mar são levantadas pelo tridente de Poseidon; o Sol é carregado pelo carro de Apolo, etc. Também os fenômenos da vida individual e social do homem grego, o destino da cidade, das guerras, são todos concebidos pelos deuses e manipulados por eles.Tudo é divino, ou seja, tudo o que acontece é obra dos deuses. Afinal, qual é a função do mito na sociedade e na vida do homem grego? A função primordial do mito era responder a questões fundamentais como: Qual a origem de todas as coisas? O que significa o homem e qual a sua relação com o mundo natural e com o mundo humano? Nesse sentido, a narra- tiva explicava e significava a realidade, o modo de vida, a organização social, a conduta dos homens, os valores e normas, de modo que “os comportamentos e as atitudes que a sociedade quer preservar são condensados em paradigmas – exemplos idealizados e fixados em personagens – que os jovens devem incor- porar”(Santos, 1985, p. 47). Dito de outro modo, os valores que a sociedade elegeu como os melhores a serem observados e vivenciados por todos os membros da sociedade estão expressos nos deuses, semideuses e heróis contados pelos poetas: “o ideal he- róico, representado por um Aquiles, ou por um Ulisses, em múltiplas situações concretas, consubstancia um código de valores objetivos (...) constituindo-se como a norma, o exemplo, que todos os cidadãos devem imitar”(Santos, 1985, p. 47). Os mitos, portanto, carregam mensagens que se traduzem nos costumes e na tradição de uma sociedade. São formas de explicar um determinado modo de vida. A única forma, aliás, de pensar e de significar as relações do homem no mundo. Os mitos são modelos norteadores que ajudam a organizar e significar a vida das pessoas, por isso, no caso específico dos gregos, eles“desenvolvem e alicerçam, cada um a sua maneira, essa magistral lição de vida, fornecendo com isso à filosofia a própria base do seu futuro desabrochar”(Ferry, 2009, p. 22). O mito como fala, como narrativa concreta, portanto, serviu de base para a emergência de um novo modo de pensar, problematizador, conceitual e reflexivo: o filosófico. 1.1.2 – Logos: a Emergência da Filosofia O homem é um ser pensante e criativo e, enquanto tal, cria pensamentos. Pensamentos estes que irão fundar e desenvolver a civilização ocidental. Cria o mito e o logos: o primeiro se dá mediante figuras, imagens, fantasias; o segundo,
  • 14. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 14 mediante a razão, produzindo conceitos. Isto explica por que se pode dizer que a Filosofia surgiu a partir da crítica e racionalização do mito: porque ela supera a crençamíticaecolocaarazãoealógicacomopressupostosbásicosparaopensar. A origem da Filosofia, portanto, está ligada à invenção do logos, razão pela qual ela pode ser concebida, inicialmente, como o exercício do logos. Etimologicamente,logosvemdogregolegein,quesignifica“falar”,“reunir”. Na língua grega clássica, equivale à palavra, verbo, sentença, discurso, pensamen- to, inteligência, razão, definição. Antes de tudo, portanto, logos se define como fala, discurso, razão. Nesse sentido ele se opõe ao mito, que também é fala, mas uma “[...] fala que narra, que comunica por analogia entre situações narradas a experiência do narrador”, ao passo que logos “[...] significa fala que demonstra, que descreve o que ocorre às coisas em vista de suas próprias essências”(Cunha, 1992, p. 56). O surgimento do logos, então, inaugura uma nova fase de entendimento acerca da realidade: a possibilidade de analisar e interpretar o mundo para além dos fatos e das experiências, a fim de encontrar sua causa, seu princípio. O primeiro filósofo foi Tales de Mileto, que viveu entre o final do sécu- lo 7º e início do século 6º a.C. Vale mencionar outros filósofos desse período que fizeram questionamentos semelhantes e deram respostas igualmente semelhantes, dentre eles: Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Pitágoras, Par- mênides, Empédocles, Anaxágoras, Demócrito. O problema fundamental que aproxima estes pensadores é a pergunta sobre a origem do mundo e as causas das transformações da natureza. Ou, ainda, a questão filosófica fundamental é cosmológica: Como surge o cosmos? Qual é seu princípio fundamental? Como ocorre sua geração? Desse momento em diante não é mais atribuída aos deuses a origem do cosmos e de todas as coisas, mas ao próprio homem, que o faz mediante o uso da razão. Os primeiros filósofos, portanto, forjaram uma ideia que é fundamental para explicar e significar o mundo e o próprio homem: elaboraram o conceito de Physis, ou seja,“a fonte original de tudo o que cresce”, a partir do qual as coisas emergem, brotam. Physis é o princípio unificador e organizador da diversidade dos seres e, segundo Aristóteles, Tales teria sido o primeiro filósofo a expressar aquilo que podemos denominar de pensamento racional: “tudo é água”. Eis a arché, o princípio de todas as coisas (Santos, 1985, p. 88). Omododepensar,comoexercíciodarazão(logos)dosprimeirosfilósofos, é uma reflexão acerca da origem, ordem e transformação da natureza e do ser humano. É um discurso que institui conceitualmente o princípio fundante que unifica e ordena a totalidade. O logos é constitutivo e possibilidade de enten- dimento da realidade. A ideia de um princípio fundante, de onde tudo nasce e para onde tudo volta, só é possível para o pensamento racional. Este elemento primordial, eterno e imperecível, é a própria natureza em transformação:“a na- tureza é mobilidade permanente (...). O movimento do mundo chama-se devir e o devir segue leis rigorosas que o pensamento conhece”(Chauí, 1994, p. 36).
  • 15. EaD 15 Filosofia e Ética Os filósofos pré-socráticos escolheram diferentes Physis para dizer qual era o princípio que estaria na origem da natureza e de seus movimentos. Além de Tales de Mileto, podemos ainda mencionar: Heráclito, cujo princípio era o fogo, o movimento; Pitágoras, que afirmava ser o número o princípio de todas as coisas; Leucipo e Demócrito, para quem o princípio era o átomo. O nascimento da Filosofia, portanto, pode ser entendido como um novo modo de pensar que se diferencia do mito, de uma visão de mundo única que se formou a partir de narrativas que eram transmitidas oralmente de geração para geração. A religião, portanto, era apresentada sem sistemas teóricos escri- tos, livros sagrados, sacerdotes, e aceita pela população que nela acreditava e a concebia como verdadeira. Mais tarde esta tradição oral foi sistematizada e escrita por Homero e Hesíodo. Por muito tempo o pensamento mítico foi suficiente para organizar, ex- plicar e significar o mundo. À diferença do mito, porém, o pensamento filosófico, enquanto um pensar conceitual e reflexivo acerca da realidade, busca ordenar, explicaresignificaracomplexidadedocosmoseadiversidadedosseresmediante um discurso que justifique a sua existência. Por isso, filosofar significa buscar na multiplicidade um princípio (physis) único que seja a fonte de onde toda essa variedadeemerge.Essafoiagrandetarefarealizadapelosprimeirosfilósofos.Sua intenção era buscar justamente na totalidade das coisas, na multiplicidade do mundo, uma unidade a ser conhecida e interpretada pela razão, sem, portanto, projetartemoresecrenças,mas,conformePlatão,simplesmentepelacapacidade de se espantar, que“é o começo da Filosofia”. Referências CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. CUNHA, J. A. Filosofia: iniciação à investigação filosófica. Campinas: Atual Editora, 1992. FERRY, L. A sabedoria dos mitos gregos: aprender a viver II. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. REALE,G.HistóriadaFilosofiaantiga.Trad.MarceloPerini.SãoPaulo:Loyola,1993. (Série História de Filosofia). SANTOS, J. T. Antes de Sócrates: introdução ao estudo da filosofia grega. Lisboa: Gradiva, 1985.
  • 16. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 16 Seção 1.2 Do Mito à Filosofia Hermenêutica: Uma Discussão Sobre Hermenêutica e Finitude Aloísio Ruedell O que está em questão não é o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além do nosso querer e fazer (Gadamer, 2003, p. 14). 2 Esta passagem de Gadamer fornece uma chave de leitura para seu livro Verdade e Método e, por extensão, para a discussão hermenêutica em geral, como foi desenvolvida ao longo do século 20, até os dias atuais. O que, pois, orienta o filósofo é a consciência histórica ou consciência das con- dições históricas nas quais toda compreensão humana está sub- metida, sob o regime da finitude. 2 Tem consciência de estar exposto à História e a sua ação, de tal forma que não pode objetivar essa ação sobre nós, porque isso faz parte de seu sentido enquanto fenômeno histórico. Essa forma de pensar, contudo, não é exclusividade de Gadamer. São atualmente muitos os autores que têm a mesma percepção, e o destaque está por conta de Martin Heidegger, com sua analítica do Dasein. O desenvolvimento de suas discussões, em Ser e Tempo, acabou produzindo o que se designa como pensamento da finitude (Stein, 1976, p. 76). É uma perspectiva de grande parte da Filosofia contemporânea, que se fortalece a partir dos, assim denominados, mestres da suspeita, como Nietzsche, Freud e Foucault, mas que, certamente, também tem legitimidade filosófica a partir de Kant, preocupado com os limites do conhecimento. O tema do presente ensaio surgiu desse contexto de discussão. Vincula- se também ao projeto de pesquisa Interpretação e finitude, cujo propósito é refletir sobre os limites da linguagem e da interpretação, a partir do conceito de finitude. Considerando a centralidade desse conceito no atual cenário filosófico, 2 Prometeu Acorrentado – Peter Paul Rubens. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
  • 17. EaD 17 Filosofia e Ética pretendemos examinar sucintamente como ele se configura na discussão her- menêutica. Para efeito de delimitação, sem fazer todo o percurso da história da hermenêutica,dirigiremosumolharprivilegiadoadoismomentos,aodaFilosofia hermenêutica,marcacaracterísticadadiscussãoatual,eomomentodomito,que eventualmente poderia ser designado como pré-história da hermenêutica. Iniciaremos a indagação por esse momento específico da história her- menêutica, que é o seu nascedouro na mitologia grega, de onde procedem a etimologia e o sentido originários do termo. Pretendemos examinar resumida- mente o sentido e as consequências dos limites humanos, percebidos diante da narrativa do mito sobre Hermes, que medeia a comunicação entre os deuses e os homens. Isso permitirá, ao final, estabelecer uma diferença fundamental entre essa primeira percepção dos limites humanos, no contexto do mito, e o sentido desses limites na atual discussão sobre hermenêutica e finitude. O recurso ao mito não significa nenhuma concessão do rigor filosófico em favor de um pensamento mítico. Fazer referência a uma narrativa mítica não equivale a transformá-la em princípio da realidade. A Filosofia, entretanto, reconhece o teor do mito como genuinamente humano, e enquanto tal o as- sume em sua discussão. Sem se orientar por sua visão de mundo, nem por suas soluções, a Filosofia identifica no mito problemas e perguntas fundamentais da humanidade, que serão debatidos ao longo de toda a História da Filosofia, até os dias de hoje. Assim, a riqueza da moderna discussão hermenêutica esclarece-se, em grande parte, à luz do mito, no qual, pela primeira vez, a humanidade colocou o problema da compreensão e da interpretação. Personagens e funções na mitologia serão, posteriormente, fonte de conceitos e de discussões filosóficas. Embora criação da modernidade, a hermenêutica remete-nos, etimologica- mente, ao mito de Hermes. Filho de Zeus e de Maia, Hermes era uma divindade complexa e imprevisível. Transgredia e, ao mesmo tempo, obedecia à ordem superior; era diurno e noturno. Acusado de mentiroso diante de Zeus, este o fez prometer que nunca mais faltaria com a verdade. Aceitou a cobrança do pai, mas acrescentando-lhe uma ressalva: que não estaria obrigado a dizer toda a verdade (Brandão, 2005, p. 193). Ou seja, ao mesmo tempo em que estaria obrigado a dizer a verdade, lhe assistiria o direito de reter parte dela. Com esse acordo, falar e reter, ocultar e desocultar a verdade seriam duas faces características da personalidade de Hermes. Trata-se de uma divindade que, em sua função paradoxal, representa, aqui, a personificação da própria linguagem, que, ao mesmo tempo, comunica e também se interpõe à comunicação. Não faltaram, na História, sonhadores de uma comunicação direta e perfeita entre as consciências, sem a mediação de palavras e discursos ou outros meios, que sempre são deficientes; ao mesmo tempo transmitem uma mensagem e também a retêm parcialmente, em virtude de sua opacidade. Após o giro linguístico, no entanto, é muito difícil que alguém
  • 18. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 18 ainda pense em comunicar-se sem a linguagem. Como isso, afinal, seria possível, se todo o universo humano é linguisticamente concebido e mediado (Cf. Fehér in: Figal, p. 2000, p. 192), ou então, como afirma Gadamer: “ser que pode ser compreendido é linguagem”(1990, p. 478). Enfim, não resta outra alternativa: já somos ou estamos sempre na lin- guagem, e todas as tentativas de organização e comunicação terão sempre as marcasdeseusbenefíciosedeseuslimites,quesãooslimitesdaprópriacondição humana. O que, certamente, surpreende, é descobrir que esse problema já era tematizado em nosso passado mítico. Aoestabeleceracomunicaçãoentreomundodivinoeohumano,Hermes, de alguma forma, traz e estabelece a linguagem, determinante para o desenvol- vimento da humanidade. De origem divina, mas com afeição humana, gostava de estar entre os homens e com eles se comunicar. Sãosuasrelaçõescomomundodoshomens,ummundopordefinição“aberto”, que está em permanente construção, isto é, sendo melhorado e superado. Os seus atributos primordiais – astúcia e inventividade, domínio sobre as trevas, interesse pela atividade dos homens, (...) – serão continuamente reinterpre- tados e acabarão por fazer de Hermes uma figura cada vez mais complexa, ao mesmo tempo que um deus civilizador, patrono das ciências e imagem exemplar das gnoses ocultas (Eliade apud Brandão, 2005, p. 196). Em uma negociação com Apolo, Hermes teria recebido um bastão de ouro e com ele a arte divinatória. Andava com extrema rapidez, com sandálias de ouro, e não se perdia à noite, porque conhecia muito bem o roteiro. Com esses atributos e por suas habilidades, mereceu o título de“deus mensageiro”ou “deus da comunicação”. Seu papel era anunciar, traduzir e explicar a mensagem divina ao nível da compreensão humana. Dessa tríplice tarefa mediadora de Hermes originaram-se três acepções de hermeneuein (= interpretar) considera- das na hermeneia (= hermenêutica) e, posteriormente, assimiladas na discussão hermenêutica. As habilidades linguísticas de Hermes, porém, não nos autorizam a lhe atribuir uma concepção instrumental da linguagem. Sua função comunicadora é mais da ordem do“ser”do que do“fazer”, lembrando a concepção hermenêutica de que “somos linguagem”. Sua missão, pois, consistia em colocar-se no meio de tudo o que acontecia, para levar a mensagem dos deuses para o horizonte da compreensão3 da linguagem humana. Ele mesmo, Hermes, deus presente entre os homens, era a própria mensagem divina. Mais do que mediar palavras 3 Gadamer (1998, p.452) esclarece que o conceito de horizonte de compreensão refere-se ao âmbito de visão finita que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto. Por isso podemos falar de estreiteza e de abertura de novos horizontes. A elaboração da“situação hermenêutica” significa a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam perante a tradição.
  • 19. EaD 19 Filosofia e Ética divinas para uma linguagem humana, ele era a mediação ou linguagem efetiva, porque era um deus que se aproximou e se afeiçoou ao ser humano, encurtando a distância e manifestando o oculto. À semelhança de Hermes, que permitia a comunicação entre o mundo divino e o humano, a linguagem é condição de possibilidade de nossa comuni- cação. Não se pensa, porém, numa linguagem ideal, de caráter rigorosamente universal, como que pairando acima do cotidiano humano.Não há racionalidade e linguagem em estado puro. O homem sempre falou dentro da História, em determinado contexto sociocultural. No mais, a linguagem não fala por si, e um texto precisa ser anunciado (lido) e interpretado e, muitas vezes, traduzido para uma linguagem mais acessível. Enfim, só será compreendido na medida em que também for explicado o assunto ou o tema sobre o qual é construído. Não há mera compreensão da linguagem. Compreende-se a linguagem de um texto na medida em que também se compreende seu conteúdo, a mensagem que veicula. Ou ainda, não há mera compreensão da linguagem, porque esta nunca se dá como pura forma, mas já sempre marcada por um conteúdo cultural e conceitual. Nahistóriadomito,pormaisqualificadaquefosseamediaçãodeHermes, elanuncapodiatrazeraoshomensaprópriamensagemdivina,mastãosomente sua interpretação. Já era uma prefiguração do que se afirma atualmente em re- lação à leitura e à interpretação de um texto: por mais cuidadosa e rigorosa que seja a leitura, nunca será possível chegar à compreensão correta. Feitas todas as leituras e realizadas as interpretações possíveis, haverá, ao final, sempre uma interpretação do texto, e não o próprio texto ou este em si mesmo. O que era distância entre o mundo divino e o humano caracteriza-se, agora, como limites da comunicação entre os homens. Não há linguagem totalmente transparente, nem comunicação direta sem o recurso do meio linguístico. A emergência dessa discussão na História da Filosofia ainda é um aconte- cimento relativamente recente. Adquiriu vigor e caráter filosófico com a questão hermenêutica, no século 19, quando, com Schleiermacher, esta deixou de ser uma disciplina especial, indagando por um fundamento universal da compre- ensão. Na época, a pergunta hermenêutica surgia por uma demanda específica da exegese bíblica, mas foi ampliada e elaborada numa perspectiva universal e filosófica. Não foi simplesmente um texto bíblico, nem uma mensagem divina que desafiava a compreensão do filósofo. O que lhe suscitou a questão herme- nêutica foi a consciência dos limites humanos em relação à compreensão e à interpretação em geral. Num mundo já secularizado, numa época pós-metafísica, tomou-se consciência do espaço propriamente humano. Sem referência a uma verdade absoluta e sem se reduzir a uma verdade empírica, eram, então, o sentido e o agir do homem que careciam de compreensão.
  • 20. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 20 Certamente já havia problemas de compreensão e de interpretação ao longo de toda História da Filosofia. Até a metade do século 18, porém, a interpre- tação,enquantoproblemaespecífico,nãotevenenhumaimportânciaautônoma nas formas do conhecimento relacionadas com a linguagem. Uma concepção lógico-semântica da linguagem garantia por sua clareza e transparência, re- produzindo com fidelidade os fatos do mundo. Um discurso gramaticalmente correto propiciava representações confiáveis da realidade. Gramática e razão, ambas universais, reproduziriam concretamente essa universalidade.“Compre- ender algo como algo significaria iluminar as expressões ditas ou escritas sob o ponto de vista do seu conteúdo racional, isto é, concebê-las como aquele universal que não pode cessar de ser em sua historicamente única situação de uso”(Frank, 2007, p. 80). Isso muda radicalmente com o Romantismo e, inclusive, em dois sentidos. Primeiro duvida-se da possibilidade de contar com uma razão supra-histórica, que, de antemão, corresponderia à realidade. Em consequência, a compreensão torna-se problema, porque não resulta mais de uma participação paritária dos interlocutores numa razão comum. Ela não se dá por si, mas, ao contrário, em cada caso precisa“ser querida e buscada”(Schleiermacher, 1990, p. 92). O desafio da hermenêutica, segundo Schleiermacher (2005, p. 87), está em compreender o outro, o diferente, e a rigor cada texto é outro e diferente, sempre carecendo de interpretação. Há uma peculiaridade no texto, porque a própria linguagem não existe num padrão rigorosamente universal, mas em sentidos sempre singularizados, em cada ato de uso. Ainda mais decisiva, para evidenciar os limites da condição humana, foi uma segunda mudança de paradigma, “a convicção de que aquilo que forma a dimensão básica da Filosofia não é alguma representação de objeto, mas a compreensão de sentido”(Frank, 2007, p. 81). A Filosofia antiga ocupava-se com o mundo como ele é, na perspectiva da ontologia; já a Filosofia moderna superou essa perspectiva com a teoria do conhecimento, com a convicção de que os objetos são mediados por represen- tações subjetivas. A partir de Schleiermacher – afirma Frank (2007, p. 79) – aquilo que representamos de modo algum são objetos, mas fatos, e o que corresponde a estes são proposições ou juízos. Isso significa que o limite da atuação e da com- preensão permanece no âmbito da linguagem: juízos referem-se tão somente a objetos já sempre interpretados desse ou daquele modo. É inegável que a hermenêutica, enquanto arte de compreensão e in- terpretação (Schleiermacher, 1990, p. 71), é produto da modernidade, mas é também sua superação. Seu desafio seria operar o giro transcendental no mundo do sentido, mas sem o rigor e o caráter absoluto do cogito cartesiano. A consciência de si, a partir da qual se estabelece, é uma consciência humilde, que percebe os limites da condição humana. É uma “consciência de finitude” (Schleiermacher, 1980, § 9) e de dependência, que não encontra em si mesma o seu fundamento, mas se percebe constituída por outrem. Este, afirma Frank, é o
  • 21. EaD 21 Filosofia e Ética mais alto grau de consciência, de quem percebe seus limites, porque já sempre relacionado e constituído com outro, constituindo a linguagem a forma dessa relação (1977, p. 115). Todas essas considerações não deixam dúvidas de que Schleiermacher já se situa no giro linguístico: todas as questões são colocadas e resolvidas no âmbito da linguagem, mas ainda não na radicalidade de Gadamer e de Heideg- ger. Ao demonstrar que a linguagem é o único acesso à realidade e condição de possibilidade para sua discussão, ele também admite seu caráter instrumental e representativo. Embora permaneça no âmbito da linguagem, ainda se orien- ta por um “pensamento ontológico, no qual se acredita que a verdade ou o verdadeiro tem um estatuto objetivo, cuja busca é árdua, mas não impossível; boas regras de procedimento e a destreza do intérprete podem conduzir a ela” (Ruedell, 2007, p. 23). Daí a preocupação metodológica por uma adequada e correta interpreta- ção, que pudesse conduzir à verdade do texto. Mesmo, contudo, que isso mostre o quanto o autor ainda se situa no paradigma ontológico, este, entretanto, não deixa de apontar para sua fragilidade, ao afirmar que o ideal da compreensão perfeita é irrealizável. Somente pode ser alcançado por aproximação (Schleier- macher, 2005, p. 201). Chegando,porém,aHeidegger,naperspectivadaFilosofiahermenêutica, a discussão toma outra configuração. Se antes, com Schleiermacher, apesar dos limites da condição humana, não se deixava de perguntar pelo procedimento correto para chegar à verdade, agora já não há mais essa perspectiva. Inaugura- se um novo modo de pensar, que vem se estabelecendo na medida em que os conceitos compreensão e interpretação, referidos ao mundo, passam a ter outro significado, ou seja, na medida em que a interpretação é“apenas interpretação”, em oposição ao saber da realidade (Scholtz, 1992-1993, p. 108). Já era esse o entendimento de Nietzsche ao afirmar que“o mundo se tor- nou mais uma vez‘infinito’para nós, porque ele contém em si a possibilidade de interpretações infinitas;”e“que não há fatos, mas apenas interpretações”(apud Scholtz, 1992/93, p. 108). A mesma concepção encontra-se também em Dilthey, ainda que não no sentido universal e radical de Nietzsche. Para ele, somente “a religião, a arte e a metafísica fornecem ‘interpretações do mundo’” (Scholtz, 1992/93, p. 108), complementando, nesse sentido, as ciências da natureza. En- quanto estas analisam e desenvolvem as relações universais de estados de coisas isolados, aquelas expressam o significado e o sentido do todo. Umas conhecem e outras compreendem. AoadmitirquefoidessaconcepçãodeinterpretaçãoquebrotouaFilosofia hermenêutica,podemosdizerqueelasurgiudacrisedaconcepçãotradicionalde verdade e de ciência. Em Kant encontra-se a base teórica desse acontecimento: a destruição da ontologia tradicional e a redução do mundo ao mundo fenomêni- co. Em vez da realidade, que era objeto da ontologia, dispõe-se sempre mais de visões de mundo, tradições e convenções, que, numa linguagem pré-científica,
  • 22. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 22 sempre articulam e interpretam o mundo. As interpretações são aquilo que sempre se interpõe entre o mundo e as ciências, e estas, por sua vez, assentam- se sobre aquelas e as desenvolvem, sem o saber; sem saber que“compreender o mundo é mais amplo e mais fundamental do que conhecer cientificamente a natureza e que a formação do conceito das ciências da natureza está baseada numaatitudediantedomundo,jálinguisticamentearticulada”(Scholtz,1992/93, p. 109-110). Ofilósofohermeneutatemconsciênciadequevivenummundojásempre interpretado e compreendido, e de que suas interpretações podem ser as mais diversas.Há,porconseguinte,umarelaçãoestreitaentreFilosofiahermenêuticae consciência histórica, no sentido em que Nietzsche falava em“filosofar histórico” eYorck vonWartenburg referia-se à“historização do filosofar”(Scholtz, 1992/93, p. 110-111). Não há dúvidas de que, na origem da Filosofia hermenêutica, encontra-se a consciência do caráter histórico da Filosofia e das Ciências. Todas têm pressuposições históricas e contingentes. Diante disso, impõe-se a pergunta sobre a tarefa da Filosofia. O que lhe restaria a fazer, a não ser constituir-se em reflexão ou interpretação da historici- dade,dahistoricidadedoserhumanoedesuasinterpretaçõesdomundo? Nessa direção, dentre os diversos níveis de reflexão possível, Heidegger pergunta pelo fundamento ou vertente dessa história, concentrando-se no caráter histórico do ser humano, aquele que produz as interpretações do mundo. Isso de tal maneira que,comsuaanalíticadoDasein,aafirmaçãodeque“tudoéinterpretação”perde o sentido negativo da perspectiva ontológica, de impedir o acesso à realidade. Ao contrário disso, essa expressão recebe agora um sentido positivo. Se tudo é interpretação, isso se deve à liberdade e à capacidade interpretativa do homem, fonte de todas as interpretações. Semoamparodeumabasemetafísica,mastambémsemarigidezdeuma estrutura ontoteológica coercitiva, abre-se um espaço propriamente humano, de atuação livre e responsável do homem, apenas limitado pelas condições e condicionamentos de sua própria natureza. Se na tradição o homem era enten- dido como aquele que pensa e conhece,“hoje ele se compreende como aquele que compreende e se explica como aquele que interpreta” (Scholtz, 1992/93, p.113). Compreensão e interpretação deixam de ser exclusividade de uma ci- ência especial, como a hermenêutica técnica, e se constituem numa dimensão essencial da vida humana. Com esse reconhecimento, compreende-se melhor porque“ser que pode ser compreendido é linguagem”(Gadamer, 1990, p. 478) e que todos os fatos já estãosempreinterpretados,masaindasempreabertosparanovasinterpretações. Enfim, não há dúvidas, para Heidegger, de que Filosofia é, antes de mais nada, hermenêutica. Todas as considerações permitem reconhecê-la como Filosofia primeira.
  • 23. EaD 23 Filosofia e Ética Na complexidade de sua função mediadora, entre o mundo divino e o humano, Hermes não só representava uma presença amiga dos deuses, mas também evidenciava a diferença abissal entre os dois mundos e mantinha os homens numa situação de eterna imperfeição e inferioridade. Por melhor que fosse o mensageiro e o tradutor, a compreensão humana nunca seria perfeita e Hermes nunca iria conseguir que os homens ascendessem ao nível da divindade. Por isso, além da explicação etimológica do termo hermenêutica, a referência à mitologia grega fornece a matriz ou a fonte alimentadora da história do pensa- mento ocidental, enquanto pensamento metafísico. O conhecimento depende da luz, da iluminação divina. Desde a identidade parmenídica entre ser e pensar até a unidade entre ser e pensar como autoconsciência em Hegel, o ser e a verdade são colocados no horizonte da transparência e da identidade.Deus é a total transparência, a luz em sua plenitude, como identidade consigo mesmo, e, por isso, é a verdade e o ser por excelência, a noesis noeseos (Stein, 2001, p. 21). Deus é fundamento do ser e da verdade, mas, sobretudo, é arquétipo de todo conhecimento perfeito. Na perspectiva do mito, a reflexão filosófica será sempre medida por aquilo que a excede, referida ao modelo divino. Essa relação desigual entre divindade e humanidade e a tendência de comparação entre os dois mundos têm propiciado ao homem uma experiência frustrante ou meramente negativa dos limites de sua condição. Hermes, mais do que um socorro amigo, tem-se transformado num peso imobilizador, porque o homem permaneceriasempreimperfeitoeignorante.Somentenomundodivinopoderia haver perfeição de ser e a luz do verdadeiro conhecimento. Esqueceu-se, entretanto, por muito tempo, de perguntar por que a con- dição humana sempre aponta para além de si mesma. Omitiu-se o fato de que a busca do ilimitado é, precisamente, a afirmação do limite, de que a necessidade do horizonte infinito é uma imposição da radical finitude. Ou seja, não se tomou suficientemente a sério a finitude como o chão de toda experiência de ser. Somente com Heidegger acontecerá essa virada, em que uma nova concepção de finitude passará a orientar a maior parte das discussões filosófi- cas. Em Gadamer, o conceito de finitude perpassa toda sua obra e constitui-se em sua chave de leitura. O que orienta o filósofo é a Wirkungsgeschichtliches- bewusstsein, a consciência histórica ou consciência das condições históricas às quais toda compreensão humana está submetida, sob o regime da finitude.Tem consciência de estar exposto à História e a sua ação, de tal forma que não pode objetivar essa ação sobre nós, porque isso faz parte de seu sentido enquanto fenômeno histórico. Por isso, “o que está em questão não é o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além do nosso querer e fazer” (Gadamer, 2003, p. 14). Heidegger, entretanto, permanece o referencial mais importante para esse debate. A partir da analítica do Dasein, em Ser e Tempo, desenvolveram-se discussõesqueproduziramoquesedesignacomo pensamentodafinitude (Stein,
  • 24. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 24 1976, p. 76). É uma perspectiva de grande parte da Filosofia contemporânea, que se fortalece a partir dos, assim denominados, mestres da suspeita, como Nietzsche, Freud e Foucault, mas que, certamente, tem legitimidade filosófica de Kant, preocupado com os limites do conhecimento. Com a recorrência ao mito foi possível constatar como o tema da finitude já esteve sempre presente, desde os tempos mais remotos do pensamento oci- dental. Hoje, entretanto, mais do que um tema ou uma questão a ser discutida, a finitude tornou-se uma perspectiva da Filosofia, podendo-se falar em giro da finitude, assim como em outro sentido se fala em giro linguístico. É uma visão de mundo e um modo de fazer Filosofia que parte dos estreitos limites da condição humana, sem, contudo, ater-se ao seu sentido negativo. Consideram-se mais as potencialidades humanas e as reais possibilidades de sua realização. O pensamento da finitude entende-se como pensamento da liberdade e da realização humanas, em oposição a um pensamento metafísico que se afirma comoFilosofiaprimeira,“condenandoohomemadependerdeumaestruturaon- toteológica sobre a qual não possui poder algum de ação”(Stein, 1976, p. 18). A rigidez dessa metafísica clássica “reduz o homem à imobilidade e ao silêncio diante de questões fundamentais”(1976, p. 18). Em seu lugar postula-se, hoje, uma ontologia da finitude, representando o lado heterodoxo da tradição metafísica. A ontologia da finitude procura superar ou transformar a metafísica a partir de dentro, ou seja, libertar temas e virtualidades sufocados pelo totalitarismo ontoteológico da metafísica. A afirmação da finitude é a tentativa de destacar a historicidade, em face de uma ontologia estática, onde não há propriamente lugar para o movimento;pois,tudoestáancoradoefixadonummundoordenado(quando nãopré-ordenado),ondealiberdadehumanaestásempreameaçadaporuma ordem sem alternativas (Stein, 1976, p. 19). AssimcomotodaFilosofiatrazatualmenteamarcadafinitude,maisainda reconhece-se isso da hermenêutica, que emerge, precisamente, desse terreno movediço e flexível das condições humanas. É, pois, num mundo secularizado, numa época pós-metafísica, que a hermenêutica efetivamente se estabelece como questão filosófica. Constituída nas condições humanas do discurso e da linguagem, ela ocupa um lugar incômodo entre as verdades empíricas das Ciên- cias e a verdade absoluta da metafísica. Não contando mais com esses apoios, a pergunta e a discussão hermenêuticas voltam-se ao sentido e ao agir humanos, que carecem de compreensão. Aosesituarnessenível,humanoefinito,afirmaErnildoStein,“ahermenêu- ticaé,dealgumamaneira,aconsagraçãodafinitude”(1996,p.45).Há,porém,uma grande diferença desse conceito em relação à experiência de finitude vivenciada no mito. Neste, a relação desigual entre o divino e o humano e a tendência de comparação entre os dois mundos têm propiciado uma experiência frustrante ou meramente negativa dos limites da condição humana, uma condição de eterna imperfeição. Agora, porém, sem esse termo de comparação, a finitude
  • 25. EaD 25 Filosofia e Ética designa o espaço propriamente humano, com as condições e limites que lhe são inerentes, mas, sobretudo, designa o espaço da liberdade e da realização humanas, e a interpretação sinaliza a ocupação deste espaço. Referências BRANDÃO, J. de S. Mitologia grega – II. Petrópolis: Vozes, 2005. FIGAL, G. et al. (Hrsg.). Hermeneutische Wege: Hans-Georg Gadamer zum Hun- dersten. Tübingen: Mohr Siebeck, 2000. FRANK,Manfred.DasindividuelleAllgemeine:Textstrukturierungund–interpreta- tion nach Schleiermacher. Frankfurt a. Main: Suhrkamp, 1977. ______. A reivindicação de“universalidade”da hermenêutica. Humanidades em Revista. Ijuí, v. 4, n. 5, p. 79-103, dez. 2007. GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode; Grundzüge einer philosophis- chen Hermeneutik. 6. Aufl. In: GADAMER, Hans-Georg. Gesammelte Werke-1; Hermeneutik I. Tübingen: Mohr, 1990. ______.VerdadeemétodoI:traçosfundamentaisdeumahermenêuticafilosófica. Tradução Flávio Paulo Meurer. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2003. ______. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1998. HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 7. Aufl. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1993. ______. Ser e tempo – I. 3. ed. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1989. ______. Seretempo–II. 2. ed.Trad. de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis:Vozes, 1990. RUEDELL, Aloísio. Da representação ao sentido: através de Schleiermacher à her- menêutica atual. Porto Algre: Edipucrs, 2000. (Col. Filosofia, 119). ______. Hermenêutica em Ensino. In: POMMER, A.; FRAGA, P. D.; SCHNEIDER, P. R. (Org.). Filosofia e crítica: Festschrift dos 50 anos do curso de Filosofia da Unijuí. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. p. 17-36. SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Der christliche Glaube. Nach den Grundsätzen der evangelischen Kirche im Zusammenhange dargestellt (1821/22).Teilband 1. Hrsg. Von Hermann Peiter. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1980. ______. Hermeneutik und Kritik; mit einem Anhang sprachphilosophischerTexte Schleiermachers. Hrsg. und eingeleitet von Manfred Frank, 4. Aufl. Frankfurt a. Main: Suhrkamp, 1990. ______. Hermenêutica e crítica – I. Tradução Aloísio Ruedell e revisão Paulo R. Schneider. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2005.
  • 26. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 26 SCHOLTZ, Gunter. Was ist und seit wann gibt es“hermeneutische Philosophie”? In: FRITHJOF, Rodi (Hrsg.). Dilthey Jahrbuch für Philosophie u. Geschichte der Geisteswissenschaften, Bd.8, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 1992/93, p. 93-119. STEIN, Ernildo. Compreensão e finitude: estrutura e movimento da interrogação heideggeriana. Ijuí: Ed. Unijuí, 2001. ______. Melancolia: ensaio sobre a finitude no pensamento ocidental. Porto Alegre: Movimento, 1976. ______. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. Seção 1.3 O Que é Filosofia? 4 Paulo Rudi Schneider 5 5 A Filosofia pode ser descrita como a atividade perguntadora: – O que é? – E, em decorrência, surgem com tal atividade as perguntas: – Quando é? – Onde é? – Como é? – Por que é? – Para que é? – Para quem é? Filosofia é, portanto, a atividade de quem quer saber. 1) Quem quer saber. Querer significa a procura pela efetuação de um projeto; implica o desejo de presentificar uma situação em que se esteja satisfeito; busca a consumação daquilo que no presente é percebido como falta, como nãocumpridoecomonecessidadedesatisfação.Quererimplicainteressar-se,ir ao encontro, estar a caminho, tender, procurar, sair da situação em que se está 4 Texto publicado em primeira versão em: Schneider, Paulo Rudi (Org.). IntroduçãoàFilosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 1995. p. 32-37. 5 O pensador – Auguste Rodin. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
  • 27. EaD 27 Filosofia e Ética e andar na direção de algum tempo e de algum lugar, angustiar-se e pôr-se em movimento. Querer significa que não se está satisfeito com aquilo que se é e com tudo que está posto como realidade, e então, procura-se a mudança andando na direção que o projeto indica, construindo pela movimentação e pela mudança, incluindo e incorporando caminhos. Querer significa o impulso em direção daquilo que se ama, e, por isso, a situação de amante, ou amador. A palavra filos, que provém do grego, significa exatamente isso: ser amante, amigo, querer mudar a si e as circunstâncias movimentando-se direcionada- mente, amadoristicamente e ciente do processo ou caminho em que se está. Ser amador implica concessão de imperfeição e predisposição para perceber, crescer e movimentar-se, pois existe a clareza de que na processualidade do caminhar em direção de algo não se pode contar com a tranquilidade da pretensa perfeição do profissional. Ser amador quer dizer que se sabe que se está no meio do caminho e, no caso da Filosofia, esse caminho chama-se saber (sofia). 2) Quem quer saber. O que é o saber? É um estado de coisas? Há um saber su- premo a alcançar, além do qual não há mais saber? Há um saber absoluto a ser conquistado que daria condições de não saber mais adiante? O supremo saber seria, então, não mais saber? – A Filosofia não se define pela sabedoria absoluta,poisnãorepresentaafixidezdeumcaminhoquechegouaseufim. O saberrelativoàFilosofiaéoprópriosaberconstruirocaminho,esaberconstruir o caminho de si e de tudo que foi posto como realidade é difícil. O querer o saber é a procura pela ciência da construção, de modo que o saber possa ser a indicação para a construção certa. Querer e saber estão irremediavelmente ligados,aliáscomonapalavraFilosofia:asabedorianãoseconquistacomocoisa que se quis e que agora poderia ser mantida e manipulada indefinidamente, poisquandoseparadequerersaber,nãosesabemais.Quandopretensamente se alcança o saber, não se sabe mais. Numa época em que muitos se chamavam de sabedores, de sábios, de sofhoi (plural de sophós, sábio), Pitágoras, quando perguntado sobre o que era, respondeu:“Sou um amante do saber (Philosophos)”. O filósofo é um amante do saber; alguém que quer saber, e não um sábio. Filosofia é a atividade de quem quer saber. Em outra época em que muitos chamam-se de sabedores, em que pa- rece que há muita ciência absolutamente certa, muito conhecimento e muito especialista, Bertrand Russel aposta e diz:“A filosofia origina-se de uma tentativa obstinada de atingir o conhecimento real. Aquilo que passa por conhecimento, na vida comum, padece de três defeitos: é convencido, incerto, e em si mesmo contraditório. O primeiro passo rumo à filosofia consiste em nos tornarmos cons- cientes de tais defeitos, não a fim de repousar, satisfeitos, no ceticismo indolente, mas para substituí-lo por uma aperfeiçoada espécie de conhecimento que será experimental, preciso e autoconsciente. Naturalmente desejamos atribuir outra qualidade ao nosso conhecimento: a compreensão. Desejamos que a área do nosso conhecimento seja a mais ampla possível”.
  • 28. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 28 3) Quem quer saber. Quem, isto é, o sujeito define-se pelo querer e pelo saber: querer não existe sem quem queira e saber não existe sem quem saiba e, por outro lado, não existe quem, o sujeito, sem o querer e o saber. Quem é definido pelo movimento, pela procura, e pela angústia da insatisfação do que é, e, além disso, indica a direção do movimento e do querer: é quem quer saber, isto é, o filósofo, cuja atividade de querer e de saber é Filosofia. Filosofia, sendo querer e saber de quem se define por esta atividade, poderá gerar as perguntas: Quando? Onde? Por quê? Para quê? Na Filosofia embarca-se para navegar e o navegador é seu próprio timoneiro, a sua própria direção, o seu próprio ser. A atividade de querer e de saber, que é Filosofia, é, ao mesmo tempo, transformação consciente do mundo, da vida e da sociedade, pois querendo e sabendo a Filosofia transparece no agir ao construir nova direção inscrevendo novo sentido no mundo. O que já foi construído e o que já foi inscrito aí está para que se possa querer e saber, movimentar-se e construir a direção. Karel Kosik diz:“Neste sentido, a realidade humana não é apenas a produção do novo, mas também reprodução (crítica e dialética) do passado”. E ainda:“A filosofia materialista sustenta que o homem, sobre o fundamento da práxis e na práxis como processo ontocriativo, cria também a capacidade de penetrar historicamente por trás de si, e, por conseguinte, de estar aberto para o ser em geral”. A procura do saber que define o filósofo traduz-se, em outros termos, pela busca por visibilidade da totalidade: a infinita variedade que se percebe deve ter relaçãoentresi,devepossibilitaralgumaorientaçãoedeveconcederaexplicação de sua existência. Desta forma a pergunta filosófica constantemente tematiza o já explicado, o existente posto como realidade, a estrutura fixada como solução definitiva e a repetir o seu mando, a sua validez e o seu poder de imanência absoluta. A Filosofia como amor ao saber é a identificação da imanência posta e, por isso, ao mesmo tempo, a ânsia de transcendê-la, de negá-la, de colocá-la em novos termos, enfim, de sair da imediatez da inconsciência imanentista. Filosofia como amor ao saber, como saída da imanência e como possibilidade de novo sentido, só pode efetuar-se no pressuposto da reflexão racional, na confiança na racionalidade, na acentuação e na afirmação do exercício autônomo da racio- nalidade, bem como na desconfiança de qualquer processualidade reveladora extrarracional,nodescréditodaimanênciaquesetornoutranscendênciaimposta, fixa, imóvel, realidade fantasmática positivamente desvinculada do saber que o homem institui em forma de significados de totalidade. 4) Quem quer saber. Quem quer saber é o filósofo. A negação ou quem não quer saber, o que seria? Heráclito de Éfeso, com a sua constante preocupação pe- dagógica em relação à Filosofia, expressou-se da seguinte forma sobre essa questão:“Os asnos prefeririam a palha ao ouro”. Apreferênciapelapalhaporpartedoasnosignificaosucumbiranteapura necessidade intestina, a segurança do condicionamento inconsciente e a busca do convencional, do normal e do fixamente instituído como significado. Além
  • 29. EaD 29 Filosofia e Ética disso, quem assim não quer saber, tem a si mesmo como resultado instituído por si próprio, restando apenas a satisfação mastigativa e repetitiva da palha ordinária e rotineira da vida: O asno sempre foi, é, e será asno, Pois todo o asno é rotineiro, Costumeiro puxador de carroça. Acostumado, O asno sente-se vivo, existindo Ao puxar a carroça instituída. E, no fim da vida, moído a pancada, Rejeitado e consumido, Sente-se condenado e expulso Da vida, instituída a carroça. E pensa, então, como carroça instituída: - Que vida, que sorte; A carroça é a vida E eu, longe dela, a morte - Sem perceber que a carroça é o asno, e que o asno é a carroça; Que a carroça que é vida É o asno instituído. 5) Quem quer saber é qualquer um que queira saber. O poeta Bertolt Brecht dá um exemplo: PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ Quem construiu Tebas, aquela das sete portas? Nos livros figuram apenas nomes de reis. Arrastaram eles, por acaso, os blocos de pedra? E Babilônia, mil vezes destruída, Quem voltou a levantá-la outras tantas vezes? Aqueles que edificaram a dourada Lima, em que casas viviam? Aonde foram, na noite em que foi terminada a grande muralha, os seus pedreiros? Cheia de arcos triunfais está Roma, a grande. Seus Cézares Sobre quem triunfaram? Bizâncio, Tantas vezes cantada, para seus habitantes Teria apenas palácios? Até na legendária Atlântida, na noite em que o mar a tragou, Os que se afogavam pediam, clamando, Ajuda aos seus escravos.
  • 30. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 30 O jovem Alexandre conquistou a Índia. Ele sozinho? Cézar venceu os gauleses. Não levava um cozinheiro sequer? Felipe II chorou ao saber sua frota afundada. Não chorou ninguém mais? Frederico da Prússia venceu a guerra dos Trinta Anos. Quem a venceu também? Um triunfo em cada página. Quem preparava os festins? Um grande homem a cada dez anos. Quem pagava os gastos? Para tantas histórias Tantas perguntas! 6) O que é Filosofia? O Tema Fundamental da Filosofia é a Razão I. A Filosofia expressa-se na busca da compreensão da totalidade do diverso per- cebido, por meio de um princípio unificador, mesmo que este seja entendido como pura processualidade. II. A Filosofia expressa-se como atividade especulativa na busca e na análise dos pressupostos que pretendem fundamentar a imediatidade da vida. III. A Filosofia expressa-se como atividade promotora do estabelecimento de relações entre todas as áreas do saber, em busca de uma possível visibilidade do todo pressuposto. IV. A Filosofia expressa-se como atividade reflexiva na intenção de acompanhar pela compreensão toda a produção cultural humana. V.A Filosofia expressa-se como atividade interlocutora do conhecimento estabe- lecidoemformadeciênciatematizandoasuafundamentação,asuajustificação e o seu exercício como efetividade. VI. A Filosofia é o estado de admiração ante o enigma do presente a ser desven- dado por interpretação possível do passado e por necessária existência de projeto em relação ao futuro. VII. A Filosofia expressa-se como atividade identificadora da imanência posta num exercício de processualidade reveladora extrarracional a tornar-se transcendência positiva, fixa e fantasmática, e, por isso, como acentuação e afirmação do exercício autônomo da racionalidade em que há a possibilidade dainstituiçãocoletivaeargumentativadenovosaberemformadesignificados de totalidade.
  • 31. EaD 31 Filosofia e Ética INDICAÇÕES PARA LEITURA BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 1998. HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães Editora, 1987. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. RUSSEL, Bertrand. Fundamentos de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. VÁRIOSAUTORES. Introduçãoaopensamentofilosófico. SãoPaulo:EdiçõesLoyola, 1999. Seção 1.4 Lógica e Racionalidade Vânia L. F. Cossetin 6 Frequentemente usamos a expressão “é lógico”, como se qui- séssemos indicar algo evidente, a conclusãodeumraciocínioimplícito e coerente. Em boa medida, esta expressão faz parte de uma tradição de pensamento que se origina na Filosofia grega, quando os filósofos indagavam se a palavra lógos – linguagem, discurso, pensamento, conhecimento – obedecia a regras, normas, princípios e critérios para seu uso e funcionamento. 6 Nesse contexto, dois importantes filósofos devem ser mencionados: He- ráclito, para quem tudo flui, somente a mudança é real e a permanência é ilusória (“Nunca nos banhamos no mesmo rio; somos e não somos”); e Parmênides, para quem a identidade e a permanência são reais e a mudança, ilusória (“Somente o ser é; o não-ser não é”). Para o primeiro, o mundo está em permanente trans- formação, cujo ordenamento racional é possível justamente pela harmonia dos 6 O sono da razão produz monstros – Goya. Fonte: Enciclopédia Multimídia da Arte Universal. São Paulo: Alphabetum Edições Multimídia.
  • 32. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 32 contrários, muito embora nossa experiência sensorial perceba o mundo como se fosse estável. Para o segundo, o mundo é imutável, imperecível e ausente de contradições, sendo a mudança, o devir, algo impensável e indizível, razão pela qual o pensamento e a linguagem só são possíveis porque das coisas con- servamos a sua identidade e permanência, pois, caso se tornasse contrária a si mesma, deixaria de ser. Eis o problema sobre o qual a Filosofia tem se debruçado em busca de solução ao longo de sua História: se Heráclito tem razão, o pensamento é pura fluidez e a verdade a eterna contradição dos seres em mutação; se Parmênides tem razão, o mundo heraclítico não tem sentido algum, tampouco pode ser conhecido. A busca dessa solução resultou no surgimento de duas disciplinas filosóficas: a lógica e a metafísica. Em seu apogeu, a Filosofia clássica oferece as duassoluçõesmaisimportantesparaoproblemadacontradiçãoedaidentidade: a dialética e a lógica. 1.4.1 – Entre a Dialética Platônica e a Analítica Aristotélica Platão admitiu o pensamento de Heráclito sobre a constante mudança do mundo sensível, mas também aceitou a ideia parmenídica de que este mundo sensível é apenas aparência, cópia do mundo verdadeiro, ou seja, das essências imutáveis, sem contradições: o mundo inteligível. A pergunta que se formula aqui é a seguinte: como passar do mundo sensível ao inteligível? Platão dá a resposta: pelo método dialético, ou seja, pelo diálogo,pelodiscursocompartilhadopordoisinterlocutores,cujasopiniõesestão em oposição, e pela discussão o argumentador procura superar essa contradição e chegar a uma ideia aceita por ambos. Aristóteles, por sua vez, segue uma via diferente daquela escolhida por Platão. Considera desnecessário separar a realidade da aparência em dois mun- dos distintos, pois há um único mundo no qual existem essêncais e aparências. O equívoco de Heráclito, para ele, foi supor que a mudança se realiza sob a forma da contradição, pois a mudança ou transformação é a maneira pela qual as coisas realizam todas as potencialidades contidas em sua essência. Assim, quando a semente se transforma em árvore, nenhuma delas torna-se contrária a si mesma, mas desenvolve uma potencialidade definida pela identidade própria de sua essência. Cabe à Filosofia buscar responder: como e por que, sem mudarem de essência, as coisas se transformam? Como e por que há seres imutáveis? Se, por um lado, Parmênides tem razão ao defender que o pensamento e a linguagem exigem a identidade, por outro Heráclito também tem razão ao afirmar que as cosias mudam. Ambas existem, portanto, sem que seja preciso cindir a realida- de em dois mundos, à maneira platônica. Por isso, Aristóteles considera que a
  • 33. EaD 33 Filosofia e Ética dialética não é um procedimento seguro para o pensamento e a linguagem da Filosofia e da Ciência, pois parte de meras opiniões contrárias cuja escolha de uma delas não garante que se tenha chegado à essência da coisa investigada. Para Aristóteles, à Filosofia e à Ciência interessa a demonstração ou a prova de uma verdade. Por isso ele criou a Lógica: enquanto a dialética platônica é um modo de pensar e conhecer que opera com os conteúdos do pensamento e do discurso, a Lógica é um instrumento para o exercício do pensamento e da linguagem que oferece procedimentos que conduzem a um conhecimento universal e necessário, cujo ponto de partida não são opiniões contrárias, mas princípios, regras e leis necessários e universais do pensamento. 1.4.2 – Para que Lógica? Somos seres de linguagem. Tal é a importância da linguagem na vida humana. A linguagem é o meio pelo qual o homem se expressa e expressa o mundo que o circunda. E isto nós fazemos mediante a arte, os gestos, as sen- tenças. Os inúmeros modos possíveis de expressão linguística são diferenciáveis pela atribuição de regras e ordenamentos aos quais são submetidas. No mundo acadêmico assumimos algumas regras que definem a lingua- gem apropriada para este meio, reconhecidamente denominadas de sentenças, argumentos, proposições, proferimentos, enunciados. Estas regras buscam iden- tificar se há ou não rigor na fundamentação e demonstração dos discursos neste âmbitoexigido.Como,porém,certificarmo-nossedefatoesteouaquelediscurso consegue alcançar tal fundamentção ou demonstração coerentemente? A Lógica, nesse sentido, desempenha um papel muito importante, não apenas na Filosofia, mas na construção de todo conhecimento que se pretenda verdadeiro, ou ao menos, sustentável, qual seja: ajudar a analisar a própria estru- tura formal e expressiva do conhecimento, de como pode ser bem estruturado e, assim, bem compreendido. Se por um lado todo conhecimento se sustenta mediante argumentos, nem todo argumento pode ser considerado. É preciso que seja um bom argumento, e para que seja bom é necessário que seja válido. Exemplo disso é o silogismo aristotélico: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. Ouseja,aconclusãodeveserumaconsequêncianecessáriadaspremissas, não pode informar algo que não esteja contido nelas. Nesse sentido, a Lógica é justamente esta área do saber que ajuda a determinar se um argumento é ou não válido, desempenhando, assim, dois papéis no conhecimento: clarifica o pensamento e ajuda a evitar erros de raciocínio, devido à posição crítica que sempre assume diante de problemas, teorias e argumentos.
  • 34. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 34 Aissochamamosdepensamentoconsequente:opensamentofundamen- tado, baseado em razões, cujas consequências são corretamente retiradas das razões em que se baseia. Diante disso, podemos tomar consciência das diversas formas pelas quais corremos o risco de errar enquanto pensamos, ajudando-nos a apenas aceitar nossas ideias e argumentos se e somente se foram submetidos à reflexão. Exemplo disso encontramos na frase, hoje equivocadamente repetida: “Todas as verdades são relativas”. Sem qualquer instrução lógica, esta frase apresenta um problema fundamental: trata-se de uma ideia que se autorrefuta, pois se todas as verdades são relativas, também esta é uma verdade relativa, de modo que uma determinada comunidade, em uma determinada circunstância, pode ou não concebê-la como falsa. Dito de outro modo: se é verdade que todas as verdades são relativas, é igualmente falso, em algumas circunstâncias, que todas as verdades sejam relativas. Esse exemplo mostra, apesar de nosso vasto conhecimento e informação, como facilmente podemos nos apoiar em argumentos extremamente frágeis, iludidos de que o conhecimento pouco tem a ver com a forma de sua expressão, quando, ao contrário, a credibilidade de um saber é correlata à coerência de sua exposição e justificação. 1.4.3 – O Problema da Argumentação Argumento é um conjunto de proposições (asserções sobre o mundo, independe da língua na qual é expressa) ou um conjunto de sentenças (sequên- cia gramatical de palavras de uma língua pela qual transmitimos informações). A Lógica, como um todo, interessa-se por proposições (muito embora a Lógica formal se interesse pelas sentenças, ou seja, pelo aspecto formal dos argumen- tos, sobre os quais só se pode dizer se são válidas ou não válidas). Com relação à primeira definição, podemos afirmar que um argumento, ainda que formado por sentenças, sempre é apresentado em um certo contexto e expressa, ao menos, uma única proposição (Ex.: “Está chovendo”, pode ser uma abreviatura de “está chovendo no centro da cidade de Ijuí, às 8 horas do dia 20 de junho de 2013”); além disso, é importante destacar que mesmo não se interessando pelo poder de persuasão dos argumentos, mas pela relação entre evidências e conclusão, a Lógica mantém um compromisso com o saber científico, com a construção de conhecimentos seguros. Por isso é que o primeiro grande objetivo de um argumentoéodeconvencereproduzirnovosconhecimentos.Estesargumentos podem ser de dois tipos: dedutivos e indutivos. Argumentos dedutivos Tais argumentos tiveram sua origem na Geometria. Por trabalhar com a determinação de proposições gerais sobre espécies de coisas individuais (por ex., linha AB, apesar de se referir a uma linha em particular, subentende todas
  • 35. EaD 35 Filosofia e Ética as linhas em uma determinada condição), a Geometria é o primeiro ramo do conhecimento que surge como teoria dedutiva e, desde os gregos, considerada como paradigma para a construção de tais teorias. Os egípcios, por exemplo, já procuravamcalcularovolumedabasedeumapirâmide,sóqueofaziamapoiados num estudo empírico. Os gregos, por sua vez, substituíram este procedimento por uma ciência demonstrativa e a priori. Antes, palavras como círculo tinham sentidoporquesereferiamacertosesquemasperceptivos,demodoquequando um grego diz que“um círculo é o lugar geométrico dos pontos equidistantes de um ponto dado”está usando a palavra círculo num novo contexto, desvinculado da experiência do caso particular. Nesse sentido, Tales foi o primeiro a demonstrar um teorema de Geo- metria e Pitágoras a desenvolver um estudo sistemático, no qual a Geometria passa a ser uma ciência, exclusivamente dedutiva: certas proposições têm de ser tomadas como verdadeiras sem demonstração e todas as outras proposições tem de ser derivadas formalmente destas e independentes do tópico particular em questão. Já para Aristóteles, um argumento dedutivo é uma inferência que vai dos princípios para uma consequência logicamente necessária. É o silogismo: a liga- ção de dois termos por meio de um terceiro, cuja relação é necessária, ou seja, a conclusão é imposta. Se, por um lado, porém, a dedução é um modelo rigoroso, por outro tende a surgir como algo estéril, porque não apresenta nada de novo daquilo que já estava nas premissas, apenas organiza o conhecimento. Por isso a validade dos argumentos dedutivos é determinada pela forma lógica e não pelo conteúdo, ela depende apenas da relação entre premissas e conclusão: a conclusão precisa ser V se as premissas forem V, não pode haver, por exemplo, premissas V e conclusão F. Esta regra é aplicada à forma do argumento para identificar a sua validade ou não validade. Ex.: Todos os G são H a) Todos os F são G Todos os F são H. b) Todos os gatos têm asas Todos os pássaros são gatos Todos os pássaros têm asas. No silogismo não é preciso saber o que os enunciados significam, nem cogitar sua V ou F: se a forma lógica é seguida, o argumento é válido. Um argu- mento de forma não válida é uma falácia: um argumento que não respeita a forma lógica. Argumentos indutivos São aqueles que, a partir de dados singulares enumerados, levam à inferência de uma verdade universal. Chega-se à conclusão a partir dos dados particulares, de modo que o conteúdo da conclusão acaba excedendo o das pre- missas.O argumento indutivo sacrifica o caráter de necessidade dos argumentos dedutivos,porqueumargumentoindutivoecorretopodeadmitirumaconclusão falsa, ainda que as suas premissas sejam verdadeiras. É considerado correto se pertence a uma classe em que a maioria dos argumentos de premissas V tem
  • 36. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 36 conclusõesV e é falaz quando as premissas não sustentam a conclusão. Assim, é importante que haja uma enumeração suficiente para que se possa passar mais seguramente do particular para o geral. Neste argumento está sempre suposta uma probabilidade, por isso é um raciocínio associado às descobertas, a novas formas de compreender o mundo. É muito fecunda nas ciências experimen- tais. Ex.: Todos os grãos da amostra observada são do tipo A. Todos os grãos do barril são do tipo A. Falácias: argumentos de forma não válidas Lemos e ouvimos muitas coisas, a todo momento. Muitas vezes, porém, estes discursos são ardilosos, enganadores, falsos, embora não pareçam.Trata-se da falácia: um tipo de argumento que parece correto, mas, na realidade, não é. As falácias podem ser classificas em 11 tipos: a) Apelo à força: consiste em ameaçar com consequências desagradáveis se não for aceita ou acatada a proposição apresentada. Ex.: Você deve se enquadrar nas novas normas do setor. Ou quer perder o emprego? b) Apelo à misericórdia: consiste em apelar à piedade, ao estado ou virtudes do autor. Ex.: Ele não pode ser condenado: é bom pai de família, contribuiu com a escola, com a igreja, etc. c) Apelo ao povo: consiste em sustentar uma proposição por ser defendida pela população ou parte dela. Sugere que quanto maior o número de pessoas que defende uma idéia, mais verdadeira ou correta ela é. Incluem-se aqui os boatos, o“ouvi falar”, o“dizem”, o“sabe-se que”. Ex: Dizem que um disco voador caiu em Minas Gerais. d)Apeloàautoridade: consiste em citar uma autoridade (muitas vezes não quali- ficada) para sustentar uma opinião. Ex: O melhor antigripal é Benegripe, porque Pelé toma (ou diz tomar) Benegripe quando está gripado. e) Generalização apressada: trata-se de tirar uma conclusão com base em dados ou em evidências insuficientes. Dito de outro modo, trata-se de julgar todo um universo com base numa amostragem reduzida. Ex: Todo político é corrupto. f)Ataqueàpessoaouargumentocontraohomem: consiste em atacar, em desmo- ralizar a pessoa e não seus argumentos. Ex.: Nãodeemouvidosaoqueelediz:ele éumbeberrão,batenamulheretemamantes(uma variação deste argumento é o“tu quoque”(tu também): consiste em atribuir o fato a quem faz a acusação. Ex: alguém lhe acusa de algo, e você diz: “tu também”! Isso, evidentemente, não prova nada).
  • 37. EaD 37 Filosofia e Ética g) Redução ao absurdo: consiste em tirar de uma proposição uma série de fatos ou consequências que podem ou não ocorrer. É um raciocínio levado indevi- damente às últimas consequências. Ex.: Mãe, cuidado com o Joãozinho. Hoje, na escolinha, ele deu um beijo na testa de Mariazinha. Amanhã, estará beijando o rosto. Depois... Quando crescer, vai agarrar todas as meninas. h) Falsa analogia: consiste em comparar objetos ou situações que não são com- paráveis entre si, ou transferir um resultado de uma situação para outra. Ex: Tomei mata-cura e fiquei bom. Tome você também. i) Ônus da prova: consiste em transferir ao ouvinte o ônus de provar um enun- ciado. Ex: Se você não acredita em Deus, como pode explicar a ordem que há no universo? j) Apelo à ignorância: consiste em concluir que algo é verdadeiro por não ter sido provado que é falso, ou que algo é falso por não ter sido provado que é verdadeiro. Ex: Ninguém provou que Deus existe. Logo, Deus não existe (não há evidências de que os discos voadores não estejam visitando aTerra; portanto, eles existem). k)Questãocomplexa:consisteemapresentarduasproposiçõesconectadascomo se fossem uma única proposição, pressupondo-se que já se tenha dado uma resposta a uma pergunta anterior. Ex: Você já abandonou seus maus hábitos? Referências ARISTÓTELES. Organon I, II, III, IV, V. Lisboa: Guimarães Editores, 1985. COPI, I. M. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. KNEALE, M.; KNEALE, W. O desenvolvimento da lógica. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1962. MORTARI, C. Introdução à lógica. São Paulo: Editora da Unesp, 2001. SALMON, W. Lógica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981.
  • 38. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 38 Síntese da Unidade 1 Nesta Unidade estudamos, em primeiro lugar, a origem da Filosofia na Grécia, entre os sécu- los 6º e 7º a.C., quando e onde se promoveu a passagem do saber mítico (alegórico, poético) ao pensamento racional. O mito, ao mesmo tempo em que ele foi superado, também serviu de ponto de partida para a Filosofia. A razão e a Lógica tornaram-se, então, pressupostos básicos para o pensar. Na segunda seção estudamos sobre a herme- nêutica, que trata do modo peculiar de como o homem compreende e interpreta um texto e a própria realidade, a partir da linguagem e dando destaque positivo à condição humana e limita- da da compreensão. O tema foi desenvolvido utilizando-se de uma comparação entre o atual estadodediscussãodahermenêuticacomomito de Hermes, em que, curiosamente, já se levantou a questão da compreensão e da comunicação pela linguagem. Em terceiro lugar estudamos o que é Filosofia. Maisdoqueumconhecimentoelaborado,enten- demosqueelaéumabuscaincessantepelosaber. Revela isso no seu modo de agir, perguntando. Perguntar ou questionar é a principal caracterís- tica da Filosofia. Pode-se afirmar que a Filosofia é uma atividade perguntadora. Na quarta seção estudamos a Lógica, que faz parte da Filosofia, e com ela surgiu. Com o estu- do desse tema se esclareceu que o pensamento racional,filosófico,seguedeterminadasregras.Há umcertopadrãodepensamentoeconhecimento humanos.Todalinguagemoudiscursoorienta-se necessariamente por princípios ou critérios de uso ou funcionamento, sob pena de permanecer sem sentido e ininteligível.
  • 39. 39 UNIVERSIDADE E CONHECIMENTO: O Papel Formador da Filosofia OBJETIVOS DESTA UNIDADE Compreender que os conceitos de Filosofia e ensino estão intima- • mente associados desde o início da sua História e que a origem da Filosofia deu-se como exercício de um método cujos participantes estavam implicados pelo diálogo. Perceber a implicação entre a História das Ciências Humanas e a tra- • jetória da cultura, da tradição, da educação e do ensino no mundo ocidental e que a concepção moderna de Ciência, o seu conteúdo qualificativo de humana(s), remete à Antiguidade Clássica. Entender a importância, a função e a utilidade da Filosofia. • Refletir sobre o papel da universidade na formação profissional en- • quanto constituidora de um sujeito capaz de apreender e reelaborar criticamente os conhecimentos, a cultura, os valores e a sociedade. A SEÇÃO DESTA UNIDADE Seção 2.1 – Filosofia e Ensino Seção 2.2 – Ciências Humanas: Contextualização Histórica e Teórica Seção 2.3 – Para que Filosofia? Seção 2.4 – Filosofia e Formação: o Perfil do Profissional Universitário Unidade 2
  • 40. EaD Aloísio Ruedell – Luis Alles – Maciel Antoninho Vieira – Valdir Graniel Kinn – Vânia Lisa Fischer Cossetin 40 Seção 2.1 Filosofia e Ensino Paulo Rudi Schneider 1 Dificilmente poder-se-á dei- xar de associar os conceitos de Filosofia e ensino. Desde o início da sua história no Ocidente a Filosofia deu-se como exercício de um mé- todo em que todos os dialo- gantes estavam implicados pelasimplesparticipaçãona conversação. 1 A suposição de um método, seja maiêutica, dialética, análise, crítica, her- menêuticaoumeramenteexposição,semprecomprometeopretensoensinante com os efeitos da sua participação direta, efetiva e incontornável no exercício em que está ocupado com outros supostos ensinados. A Filosofia como sistema a ser somente ensinado para fins de uso estratégico e eficiente nas diversas perspectivas da vida invariavelmente significou traição ao seu conceito e, por isso, também o seu próprio esmaecimento e esquecimento merecido. Ela não é um conteúdo que se possa aprender definitivamente como dado científico para posterior utilização tecnicista em determinado setor da vida, mas uma constante tarefa por cumprir. O professor de Filosofia como mero apresentador e repas- sador de conteúdos culturais, científicos, ou até filosóficos seria, nessa acepção, ao contrário de Sócrates, o verdadeiro personagem ocupado em corromper a juventude do mundo, mesmo que não fosse condenado oficialmente a beber cicuta com os seus semelhantes e comparsas, que hoje chamam-se multidão nas mais diversas áreas do saber. É conhecida a opinião de Immanuel Kant so- bre esse assunto, ou seja, de que não há como aprender Filosofia, mas somente aprender a filosofar, posto que ela não existe enquanto ultimada, definitiva e universalmente válida (Eisler, 1984, p. 418). Por outro lado, a reflexão sobre a relação da Filosofia com o ensino traz de imediato a questão da “Darstellung”, da apresentação necessária do que já foi pensado para que se pense adiante. A apresentação enquanto tal é inevita- velmente posterior ao pensamento, uma vez que este vai pelos caminhos do 1 Alegoria da Caverna. Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/mito-da-caverna-de-platao>. Acesso em: dez. 2013.