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Escola Secundária José Gomes Ferreira
Departamento de Línguas
Disciplina: Português Ano: 10.º
SEA 5 – Contos do século XX
Ficha de Avaliação Sumativa – 3.º período
Nome: _________________________________________________ N.º: ____ Turma: _____
Proceda à leitura cuidada e atenta do texto.
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Tinham subido juntos numa encosta íngreme e pedregosa. Fora o momento mais belo, de mãos nas
mãos, descobrindo, subindo, apesar de tudo, subindo. Mas, pouco a pouco – a encosta era demasiado
íngreme –, o fôlego faltava. Muito antes do cume, já desciam sem dar por isso. Em breve, fingindo que
não davam por isso. Cada um escapava-se por aqui e por ali, agarrado ao primeiro arbusto, quando não,
de gatas, à vegetação rasteira, evitando a queda a todo o custo, e transformando, cada vez mais, esse
evitar da queda no objectivo exclusivo do que só no nome continuava a ser uma escalada. Até a
Mariana... Tinha-lhe agradado tanto no princípio, a Mariana... A testa alta, o nariz quase recto, os olhos
transparentes, os dentes muito certos brilhando no sorriso discreto que, de onde em onde, iluminava a
sua expressão habitualmente séria, inteligente, convicta... Raramente desconhecia uma obra ou um facto
de que se falasse. Dizia que sim com a cabeça ou insinuava, com um simples mover dos lábios, qualquer
discordância que não valia apena discutir na altura.
Os conhecimentos e a experiência de Mariana, aquela capacidade de julgar e de impor o seu juízo,
espontaneamente, quase sem palavras, junta a tanta beleza e frescura juvenil, deslumbravam-no. Depois
viera a história do baile da escola e a admiração sumira-se. Num grupinho de amigos mais chegados, que
só suportavam o baile por ser um processo cómodo e rendoso de angariar fundos, ouvira-a dizer sobre
um caso passado com dois outros amigos que não estavam presentes: “Não foi bem assim, eu estava
lá...” E isso passara-se – ele tinha a certeza – num dia em que ela saíra de Lisboa. Logo a seguir,
discutia-se um livro e ouviu-a proferir, com certa sobranceria, um juízo definitivo que calou toda a gente. E
tratava-se de um livro de que ele próprio lhe falara horas antes, depois de ela confessar que não
conhecia o autor. Por acaso, naturalmente... Toda aquela superioridade que o fascinava se reduzia afinal
a uma habilidade prodigiosa para mentir. Sentira-se logrado, desinteressara-se, deixara de ver motivo
para continuar a opor-se ao cerco sentimental que o Júlio lhe fazia. Talvez estivessem muito bem um
para o outro. Júlio daria, aliás, um bom marido, que era o que ela, no fim de contas, merecia. A solicitude
de que cercava todos, a tendência para apagar-se, a mediocridade sem remédio, mas não por demais
evidente, haviam de garantir-lhe, mais tarde ou mais cedo, aquilo a que se chama uma boa situação. E
todos esses predicados conviriam muito bem a uma rapariga como Mariana, que o dominaria sem
dificuldade, com aquele arzinho de quem nasceu para ajudar os outros. Com o Eurico, Mariana correria o
risco de vir a revelar os seus limites. Eurico era inteligente. Levaria algum tempo, mas acabaria por
conhecê-la toda, dissecá-la, esvaziá-la. Seria um fracasso. Com Júlio, não. Nunca ele chegaria a
compreendê-la, nem lhe daria ocasião para desconfiar de si mesma. Casamento estável, alguns filhos,
recordações comuns da mocidade. Felicidade, enfim...
DIONÍSIO, Mário, (1977). “Entre Cafés e Pensamentos ”
in O Dia Cinzento e Outros Contos. Mem – Martins: Europa – América
Docente: Margarida Espiguinha -1- Ano Lectivo: 2010/2011
GRUPO I
1. Classifique o narrador quanto à sua presença ou participação na acção narrada.
1.1. Transcreva duas expressões que comprovem a afirmação da resposta anterior.
2. Enumere as personagens intervenientes na acção.
3. Caracterize o mais completamente possível Mariana, apresentando palavras e/ou expressões que confirmem
as tuas afirmações.
3.1. Mencione o(s) processo(s) de carcterização de que se serviu na resposta à questão anterior, justificando
devidamente a sua resposta.
4. Comente a expressividade do uso das reticências no primeiro parágrafo do texto.
5. Explique por palavras suas a frase “Toda aquela superioridade que o fascinava se reduzia afinal a uma habilidade
prodigiosa para mentir”. (ll 20- 21)
6. Após a descoberta do verdadeiro âmago de Mariana, o narrador considera a hipótese de uma relação feliz
com outra personagem.
6.1. Identifique essa personagem.
6.2. Explique o que levava a crer que essa relação seria possível.
7. O narrador equaciona ainda a hipótese de Mariana estabelecer uma relação amorosa com outra personagem.
7.1. Mencione-a.
7.2. Compare-a com Júlio.
GRUPO II
1. Faça corresponder a cada nome apresentado os adjectivos equivalentes.
a. “chuva” c. “nariz” e. “experiência”
b. “mãos” d. “cabeça” f. “habilidade”
2. Releia as seguintes expressões:
a. “a encosta era demasiado íngreme” (l. 2-3)
b. “Tinha-lhe agradado tanto no princípio” (l. 7)
2.1. Reescreva a expressão a. substituindo a palavra sublinhada por um sinónimo.
2.2. Reescreva a expressão b. substituindo a palavra sublinhada por um antónimo.
GRUPO III
1. Transacreve todos os nomes próprios presentes no último parágrafo.
1.1. Redige agora um conto em que as personagens tenham os nomes que surgem nesse parágrafo e cuja
acção se desenrole no mesmo espaço.
Docente: Margarida Espiguinha -2- Ano Lectivo: 2010/2011

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Avaliação de conto do século XX

  • 1. Escola Secundária José Gomes Ferreira Departamento de Línguas Disciplina: Português Ano: 10.º SEA 5 – Contos do século XX Ficha de Avaliação Sumativa – 3.º período Nome: _________________________________________________ N.º: ____ Turma: _____ Proceda à leitura cuidada e atenta do texto. 5 10 15 20 25 30 Tinham subido juntos numa encosta íngreme e pedregosa. Fora o momento mais belo, de mãos nas mãos, descobrindo, subindo, apesar de tudo, subindo. Mas, pouco a pouco – a encosta era demasiado íngreme –, o fôlego faltava. Muito antes do cume, já desciam sem dar por isso. Em breve, fingindo que não davam por isso. Cada um escapava-se por aqui e por ali, agarrado ao primeiro arbusto, quando não, de gatas, à vegetação rasteira, evitando a queda a todo o custo, e transformando, cada vez mais, esse evitar da queda no objectivo exclusivo do que só no nome continuava a ser uma escalada. Até a Mariana... Tinha-lhe agradado tanto no princípio, a Mariana... A testa alta, o nariz quase recto, os olhos transparentes, os dentes muito certos brilhando no sorriso discreto que, de onde em onde, iluminava a sua expressão habitualmente séria, inteligente, convicta... Raramente desconhecia uma obra ou um facto de que se falasse. Dizia que sim com a cabeça ou insinuava, com um simples mover dos lábios, qualquer discordância que não valia apena discutir na altura. Os conhecimentos e a experiência de Mariana, aquela capacidade de julgar e de impor o seu juízo, espontaneamente, quase sem palavras, junta a tanta beleza e frescura juvenil, deslumbravam-no. Depois viera a história do baile da escola e a admiração sumira-se. Num grupinho de amigos mais chegados, que só suportavam o baile por ser um processo cómodo e rendoso de angariar fundos, ouvira-a dizer sobre um caso passado com dois outros amigos que não estavam presentes: “Não foi bem assim, eu estava lá...” E isso passara-se – ele tinha a certeza – num dia em que ela saíra de Lisboa. Logo a seguir, discutia-se um livro e ouviu-a proferir, com certa sobranceria, um juízo definitivo que calou toda a gente. E tratava-se de um livro de que ele próprio lhe falara horas antes, depois de ela confessar que não conhecia o autor. Por acaso, naturalmente... Toda aquela superioridade que o fascinava se reduzia afinal a uma habilidade prodigiosa para mentir. Sentira-se logrado, desinteressara-se, deixara de ver motivo para continuar a opor-se ao cerco sentimental que o Júlio lhe fazia. Talvez estivessem muito bem um para o outro. Júlio daria, aliás, um bom marido, que era o que ela, no fim de contas, merecia. A solicitude de que cercava todos, a tendência para apagar-se, a mediocridade sem remédio, mas não por demais evidente, haviam de garantir-lhe, mais tarde ou mais cedo, aquilo a que se chama uma boa situação. E todos esses predicados conviriam muito bem a uma rapariga como Mariana, que o dominaria sem dificuldade, com aquele arzinho de quem nasceu para ajudar os outros. Com o Eurico, Mariana correria o risco de vir a revelar os seus limites. Eurico era inteligente. Levaria algum tempo, mas acabaria por conhecê-la toda, dissecá-la, esvaziá-la. Seria um fracasso. Com Júlio, não. Nunca ele chegaria a compreendê-la, nem lhe daria ocasião para desconfiar de si mesma. Casamento estável, alguns filhos, recordações comuns da mocidade. Felicidade, enfim... DIONÍSIO, Mário, (1977). “Entre Cafés e Pensamentos ” in O Dia Cinzento e Outros Contos. Mem – Martins: Europa – América Docente: Margarida Espiguinha -1- Ano Lectivo: 2010/2011
  • 2. GRUPO I 1. Classifique o narrador quanto à sua presença ou participação na acção narrada. 1.1. Transcreva duas expressões que comprovem a afirmação da resposta anterior. 2. Enumere as personagens intervenientes na acção. 3. Caracterize o mais completamente possível Mariana, apresentando palavras e/ou expressões que confirmem as tuas afirmações. 3.1. Mencione o(s) processo(s) de carcterização de que se serviu na resposta à questão anterior, justificando devidamente a sua resposta. 4. Comente a expressividade do uso das reticências no primeiro parágrafo do texto. 5. Explique por palavras suas a frase “Toda aquela superioridade que o fascinava se reduzia afinal a uma habilidade prodigiosa para mentir”. (ll 20- 21) 6. Após a descoberta do verdadeiro âmago de Mariana, o narrador considera a hipótese de uma relação feliz com outra personagem. 6.1. Identifique essa personagem. 6.2. Explique o que levava a crer que essa relação seria possível. 7. O narrador equaciona ainda a hipótese de Mariana estabelecer uma relação amorosa com outra personagem. 7.1. Mencione-a. 7.2. Compare-a com Júlio. GRUPO II 1. Faça corresponder a cada nome apresentado os adjectivos equivalentes. a. “chuva” c. “nariz” e. “experiência” b. “mãos” d. “cabeça” f. “habilidade” 2. Releia as seguintes expressões: a. “a encosta era demasiado íngreme” (l. 2-3) b. “Tinha-lhe agradado tanto no princípio” (l. 7) 2.1. Reescreva a expressão a. substituindo a palavra sublinhada por um sinónimo. 2.2. Reescreva a expressão b. substituindo a palavra sublinhada por um antónimo. GRUPO III 1. Transacreve todos os nomes próprios presentes no último parágrafo. 1.1. Redige agora um conto em que as personagens tenham os nomes que surgem nesse parágrafo e cuja acção se desenrole no mesmo espaço. Docente: Margarida Espiguinha -2- Ano Lectivo: 2010/2011