O documento descreve um ofício da Prefeitura do Recife ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco argumentando a constitucionalidade de uma lei municipal que permite a antecipação voluntária do pagamento de impostos. A Prefeitura argumenta que a lei não configura operação de crédito vedada pois não há cobrança compulsória, e que a medida promove eficiência ao permitir planejamento financeiro diante da queda na arrecadação causada pela pandemia.
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Ofício nº 170/2020 – GAB/PGM
Recife, 10 de abril de 2020.
Excelentíssimo Senhor
Dr. CARLOS PORTO
Conselheiro do Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
NESTA
REF. PROCESSO TC nº 2052540-0
Como é do conhecimento de Vossa Excelência, em virtude da pandemia provocada
pelo novo Coronavírus - que abruptamente vem paralisando o nosso País, causando
uma inequívoca instabilidade na economia global – medidas anticíclicas demandam
ser tomadas com urgência, a fim de assegurar, a um só tempo, o combate à doença e
a preservação da dignidade das pessoas (mínimo existencial).
Tendo em vista esses dois interesses mencionados, absolutamente fundamentais, a
Prefeitura do Recife, desde 28 de janeiro de 2020, vem coordenando ações para
enfrentar o novo Coronavírus por meio de comitês de aquisições, de mitigação de
impactos socioeconômicos, de equilíbrio fiscal etc. No âmbito desses comitês muitas
medidas foram efetivadas, a exemplo de abastecimento de EPI’s, instalação de sete
hospitais de campanha, criação de abrigo para população em situação de rua
específico para o isolamento de pessoas nessas circunstância, distribuição de cestas
básicas para os alunos da rede municipal e para as pessoas com alta vulnerabilidade
social, dentre outras.
Na seara do comitê de equilíbrio fiscal, coordenado pela Secretaria de Finanças, são
gestadas iniciativas para o controle da despesa e mitigação dos impactos na queda da
receita. Estima-se, por dados técnicos, que o impacto do COVID-19 na economia do
Tesouro Municipal ultrapasse a casa dos R$ 800.000.000,00 (oitocentos milhões de
reais), que equivale aproximadamente a 29% (vinte e nove por cento) da Receita de
Impostos. Isso equivale ao dobro da receita ordinária do IPTU de 2019.
Abrindo as despesas orçadas para o enfrentamento do COVID-19, o Município terá um
desafio, apenas na saúde1
, na ordem de R$ 417.567.641,00 (quatrocentos e
dezessete milhões, quinhentos e sessenta e sete mil e seiscentos e quarenta e um
reais). Em termos práticos, esse valor representará quase o dobro de todo o IPTU
arrecadado até o mês de abril do corrente ano, conforme demonstrado nas planilhas a
seguir transcritas:
A) Necessidade de investimentos na saúde:
1 Outro impacto importante será na assistência social, para ofertar o mínimo existencial às pessoas, dentro da reserva
do possível.
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B) Receita arrecadada de IPTU em 2020:
Mês Classificação da Receita
Arrecadação
(R$)
Total Soma das arrecadações (FEV, JAN, MAR, ABR *parcial) 219.171.917,63
FEV
1.1.1.8.01.1.1 - IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E
TERRITORIAL URBANA - PRINCIPAL 151.743.179,08
JAN
1.1.1.8.01.1.1 - IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E
TERRITORIAL URBANA - PRINCIPAL 34.544.384,04
MAR
1.1.1.8.01.1.1 - IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E
TERRITORIAL URBANA - PRINCIPAL 32.395.935,83
ABR
*Parcial
1.1.1.8.01.1.1 - IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E
TERRITORIAL URBANA - PRINCIPAL 488.418,68
Estamos vivendo literalmente no período de álea extraordinária, onde se impõe a
indeclinabilidade dos fatos, fazendo com que o direito posto se adapte à imposição
fática, aplicando-se, na espécie, a teoria da imprevisão que se instrumentaliza na
famosa cláusula rebus sic stantibus.
É nesse contexto, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal relativizou vários
ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal (ADI 6.357). Tramita no Senado um Projeto
de Emenda Constitucional – PEC, denominada “Orçamento de Guerra”, que abandona
a tradicional pedra angular na LRF, a conhecida “Regra de Ouro”, bem ainda permite a
emissão de títulos por empresas privadas (debêntures), garantidas pelo Tesouro
Nacional.
O Prefeito do Recife de maneira absolutamente isenta de carga ideológica, faz um
excelente resumo sobre o momento em que vivemos e pontua a necessidade de
UNIÃO de todos nesse contexto, independentemente de opções religiosas, partidárias
ou crenças individuais. Dada a pertinência, pedimos sua atenção para ouvi-lo,
bastando, para tanto, escanear o QR CODE abaixo ou clicar no link indicado, caso
receba esse memorial em formato digital:
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Caso receba por meio digital: clique nesse link ou copie e cole no seu navegador:
https://www.youtube.com/watch?v=3igE-uGvBEQ
No presente momento é fundamental também a União das Instituições. O TCE/PE tem
sido fundamental nas parcerias com as instituições públicas para o enfrentamento da
pandemia do COVID-19, notadamente com os entes federativos situados no âmbito
deste Estado, destacando-se, como exemplos dessa proveitosa atuação, as diversas
reuniões cooperativas ocorridas e as várias resoluções expedidas por essa
Egrégia Corte de Contas, tudo em prol da celeridade, transparência e eficiência no
serviço público na missão de salvar vidas humanas.
Ao ser notificado do teor da Recomendação nº 06/2020-MPCO, o Município, de
pronto, observando que no documento respectivo havia um expresso pedido cautelar,
entendeu por bem acatar, de ofício (voluntariamente), dita Recomendação,
determinando a imediata suspensão da emissão de novos DAM's, o que, de fato,
ocorreu em data de 27 de março de 2020. Na mesma ocasião, comprometeu-se,
inclusive, a não fazer uso de qualquer recurso financeiro correspondente,
arrecadado entre a data de início de vigência da Lei sob enfoque e a data da efetiva
suspensão.
De ser informado, por oportuno, que a conduta acima evidenciada – de suspender a
emissão de DAM's e de não utilizar os recursos respectivos – foi formalmente
comunicada ao MPCO nos termos do Ofício nº 157/2020-GAB/PGM e, bem assim, ao
próprio Conselheiro Relator, por meio do Ofício nº 158/2020-GAB/PGM, protocolizado
eletronicamente sob o nº PETCEWEB000052 em 31 de março de 2020, tendo toda
essa postura o fim precípuo de evitar qualquer instabilidade entre as Instituições, bem
ainda de insegurança jurídica para os contribuintes que quisessem voluntariamente
aderir ao Programa Emergencial de Antecipação do Pagamento do IPTU e da
TRSD referentes ao Exercício de 2021.
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Ocorre que, inobstante tudo quanto ora narrado, a Prefeitura do Recife foi
surpreendida com uma decisão cautelar, razão pela qual apresentou defesa e, nos
termos regimentais, considerando a possibilidade de declaração incidental da
(in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 18.693/2020, a matéria será apreciada pelo
Plenário dessa Corte de Contas em 13 de abril do corrente, próxima segunda-feira, e
ora apresenta o presente memorial, contrastando ponto a ponto a representação do
MP encampada pela relatoria. Importante consignar que a Lei em debate é
temporária e vigorará tão somente até 30 de abril de 2020, de modo estarmos na
quadra do perigo da demora em reverso.
Conquanto se reconheça a acurácia técnica dos Procuradores do MPCO, bem ainda
da Relatoria, entendemos que a presunção de constitucionalidade no caso concreto há
de prevalecer, notadamente num contexto desafiador como o presente, no qual o
direito posto precisa se adaptar para ser servo dos objetivos maiores insertos no art.
3º da Carta Magna.
Na espécie a norma impugnada é constitucional, por quê?
Em primeiro - Não constitui operação de crédito vedada pelo art. 37, I, da
LRF exatamente porque não há subsunção do texto ao caso concreto.
Expliquemos.
Diz o dispositivo legal:
Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
I - captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou
contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto
no § 7o do art. 150 da Constituição;
Vemos que a norma fala em antecipação da receita de tributo. Assim, temos que
indagar o conceito de tributo, que está estampado no CTN. Diz o CTN que
“tributo é toda prestação pecuniária compulsória (...), em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
No caso concreto da Lei Municipal nº 18.693/2020 há compulsoriedade da
medida? Há cobrança?
As duas questões são respondidas negativamente. Isso significa que a lei não
determina a captação antecipada de tributo. Exatamente porque a lei impugnada
não trata de tributo, face à ausência do seu caráter compulsório e de cobrança
vinculada.
Há simples permissão de exercício de uma liberdade individual do contribuinte
querer antecipar sua obrigação voluntariamente, havendo apenas a segurança
jurídica que esse depósito será imputado futuramente. É a mesma sistemática
do pagamento realizado indevidamente ou a maior em que o contribuinte tem o
direito de ser ressarcido pelos mesmos índices em que ele é cobrado.
Portanto, fica clara a não aplicabilidade do art. 37, I, da LRF ao caso em análise.
5. PREFEITURA DO RECIFE
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Em segundo - Da Transgressão ao art. 148, I, da Constituição Federal.
O empréstimo compulsório, apenas reservado à União, como o próprio nome
sugere, é obrigatório. Não há semelhança alguma face à inequívoca
voluntariedade da lei municipal.
Em terceiro - Da Infringência ao art. 150, §7º, CF (letra b em duplicidade).
Conquanto exista a figura da “substituição tributária para frente” no nosso
ordenamento reservada a tributos multifásicos, essa é compulsoriamente exigida
do particular, diferentemente da Lei Municipal que não trata de tributo em sentido
estrito, por não ter recolhimento compulsório.
A impropriedade do entendimento contido na Decisão Monocrática reside no erro
de concluir que haveria uma antecipação do fato gerador. Ora, nem há
antecipação de fato gerador, nem substituição do contribuinte.
De observar que o legislador municipal instituiu uma parceria entre setor público
e privado, a exemplo de outras já existentes no próprio Município na sistemática
da geração de créditos nas notas do ISS para abatimento do IPTU dos próximos
5 (cinco) anos, estipulados na Lei Municipal nº 17.408/2008, nos âmbitos Federal
e Estadual, como: Lei Roaunet (de incentivo à cultura, art. 18 da Lei n.º
8.313/1991) e Lei do Desporto (Lei n.º 15.706/2015, Pernambuco), todas as
sistemáticas já consolidadas no País.
Em quarto - Da Transgressão ao Princípio da Economicidade e da
Eficiência.
Aqui importa destacar que não se evidencia antecipação de vantagem
desproporcional aos contribuintes. A rigor, resulta constatada a eficiência dos
resultados, com a possibilidade de planejamento, ante a queda vertiginosa de
receita pela implementação da quarentena motivada pelo COVID-19.
A alocação dos recursos recolhidos voluntariamente pelo cidadão é vinculada a
PROGRAMA EMERGENCIAL, levando-se a efeito especialmente o princípio da
eficiência. O programa integra uma cadeia de planejamento do enfrentamento à
situação emergencial e de calamidade pública do COVID-19, que requer uma
aplicação sem precedentes de recursos em despesa pública de saúde.
O princípio da economicidade está observado, pois dos 15% (quinze por cento)
de vantagem financeira fornecida, 10% (dez por cento) já é contemplado na Cota
Única (a todos no início do ano) e os 5% (cinco por cento) refletem a correção
monetária do período de 12 (doze) meses (art. 34, § 3º, Lei Municipal n.º
15.563/1991, Código Tributário do Município).
6. PREFEITURA DO RECIFE
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Em quinto - Do Vício de inconstitucionalidade por incompetência para
dispor de Direito Financeiro.
Melhor sorte não assiste ao entendimento de que a Lei Municipal n.º
18.693/2020 trataria de normas de Direito Financeiro.
A Lei Municipal apenas disciplina institutos do Direito das Obrigações
(IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO e COMPENSAÇÃO) tratados no Código Civil e
no Código Tributário Nacional.
Reconhece-se que, de fato, se trata de uma medida criativa, mas que vem com o
propósito legítimo de permitir, de maneira absolutamente voluntária, àqueles que
tenham condições, a possibilidade de exercer sua liberdade e depositar valores ao
Município, mantendo-se o crédito do particular contabilizado para compensação futura.
Diferentemente da União, que possui instrumentos financeiros mais eficazes para
ampliar a disponibilidade de recursos neste momento de combate à epidemia
(empréstimos compulsórios, imposto sobre grandes fortunas, emissão de títulos
públicos), os municípios, do ponto de vista de recursos e de execução orçamentária,
estão muito mais limitados.
De fato, os municípios não podem criar novos tributos, emitir títulos públicos e sequer
conseguiriam receita imediata em face de eventual aumento de impostos, tendo em
vista o Princípio da Anterioridade previsto no art. 150, inc. III, b, da CF/88. Além disso,
os entes municipais não podem instituir contribuições para a cobertura de gastos,
inclusive com assistência social, o que apenas é viável para a União. Nesse contexto,
resta patente que estará muito além do alcance do Município do Recife atender à
totalidade das múltiplas e crescentes demandas sociais, inclusive aquelas agravadas
em face da pandemia.
Por tudo isso, pedimos a sensibilidade de Vossa Excelência, em ordem de votar pela
preservação da presunção de constitucionalidade da Lei Municipal nº 18.693/2020,
permitindo voluntariamente ao cidadão recifense, se assim for o seu desejo, que
deposite os seus recursos, assegurado a compensação na forma estipulada na lei,
para que cheguem e estejam à disposição, única e exclusivamente, do enfrentamento
do COVID-19, ajudando o município a se manter de pé, servindo seu cidadãos.
Sendo o que se apresenta para o momento, renovamos votos de elevada estima e
distinta consideração.
Atenciosamente,
RAFAEL FIGUEIREDO BEZERRA
Procurador-Geral do Município
RAFAEL FIGUEIREDO
BEZERRA:06262807454
Assinado de forma digital por
RAFAEL FIGUEIREDO
BEZERRA:06262807454
Dados: 2020.04.10 17:32:37 -03'00'