STJ declina competência para investigar governador
1. Superior Tribunal de Justiça
INQUÉRITO Nº 1.247 - DF (2018/0195070-0) (f)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
REQUERENTE : JUSTIÇA PÚBLICA
REQUERIDO : EM APURAÇÃO
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. GOVERNADOR. CRIMES
PRATICADOS EM PERÍODO EM QUE O INVESTIGADO OCUPAVA
MANDATO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. REMESSA DOS
AUTOS À VARA DOS CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E ORDEM TRIBUTÁRIA DA COMARCA DO RECIFE/PE.
DECISÃO
Trata-se de Inquérito instaurado para apurar possível participação do atual
Governador do Estado de Pernambuco Paulo Henrique Saraiva Câmara e outros na
prática de crimes previstos decorrentes da suposta restrição ao caráter competitivo da
Concorrência cia Internacional n. 001/2009-CGPE e no superfaturamento de valores
relativos à construção e à previsão de exploração da mencionada obra (contrato
administrativo de concessão foi celebrado em 15/6/2010 entre o Estado de Pernambuco e
a Arena Pernambuco Negócios e Investimentos S/A., formada por empresas do Grupo
Odebrecht).
De acordo com o Ministério Público Federal, tais delitos teriam sido praticados,
em tese, no período em que o Investigado ocupava o cargo de Secretário de Estado de
Pernambuco e, nessa condição, integrava o Comitê Gestor do Programa Estadual de
Parceria Público-Privada (CGPE).
Senão vejamos o que afirmou o Ministério Público Federal:
9 - No mais, ao presente procedimento é de ser dado o mesmo desfecho
indicado na decisão do Ministro Celso de Mello. Isto porque os fatos foram
praticados antes da diplomação do suposto detentor de foro perante este
STJ, o atual Governador do Estado de Pernambuco Paulo Henrique Saraiva
Câmara. Na verdade, os fatos teriam sido praticados quando ele ainda
ocupava o cargo de Secretário de Estado de Pernambuco e. nessa condição,
integrava o Comitê Gestor do Programa Estadual de Parceria
Público-Privada - CGPE.
10. Não sendo, portanto, os supostos fatos praticados no exercício do
cargo de Governador do Estado de Pernambuco e tampouco em razão dele,
como bem pontuou o Ministro Celso de Mello, é de ser reconhecida a
incompetência desse STJ para dar continuidades as investigações, pelas
mesmas razões que levaram ao cessamento da prerrogativa de foro dos
parlamentares federais envolvidos neste caso
11. Esse, aliás, é o entendimento do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
já externado na manifestação de fls. 2426/2427, subscrita pelo
Vice-Procurador-Geral Eleitoral, no exercício do cargo de
Procurador-Geral da República.
Na oportunidade, afirmou-se que "a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça já remeteu ao primeiro grau de jurisdição (Agravo na Ação Penal n°
866/DF) ação penal movida contra chefe do Poder Executivo estadual por
fatos não ocorridos durante o exercício do cargo ou em razão deste" (fl.
24/27), hipótese dos autos
12. A mesma regra de fixação de competência deve ser aplicada ao
Documento: 88279484 Página 1 de 5
DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO
Edição nº 2554 - Brasília, Disponibilização: Terça-feira, 13 de Novembro de 2018 Publicação: Quarta-feira, 14 de Novembro de 2018
2. Superior Tribunal de Justiça
investigado e atual Prefeito do Município de Recife/PE, Geraldo Júlio de
Mello Filho, pois, à época, dos fatos também ocupava o cargo de Secretário
de Estado de Pernambuco e membro do citado Comitê Gestor do Programa
Estadual de Parceria Público-Privada - CGPE. Dessa forma, os fatos
igualmente não foram praticados no exercício da função pública de chefe
da municipalidade e nem guarda vinculação a esse mister, circunstância
que afasta a competência originária do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco para o processo e julgamento do feito quanto ao citado
investigado.
13. Mutatis mutandis, essa foi a conclusão da Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal, na Questão de Ordem no Inquérito n° 4703, que declinou
de sua competência no referido procedimento, instaurado contra
Conselheiro de Tribunal de Contas, em favor do primeiro grau de jurisdição
e não do Superior Tribunal de Justiça Neste caso, contou o fato de os
ilícitos investigados terem sido praticados antes da assunção do cargo de
Conselheiro do TCE e, portanto, fora do exercício da mencionada função
pública.
14. Assim, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal
sedimentado na QO na AP 937/RJ, de relataria do Ministro Roberto
Barroso, seguido por esse Tribunal da Cidadania na APN 866/DF, requer o
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL seja reconhecida a incompetência
dessa Corte Superior de Justiça para dar continuidade as investigações de
que cuidam os autos, determinando-se, por conseguinte, a sua remessa a
Vara dos Crimes contra Administração Pública e Ordem Tributária da
Comarca do Recife/PE, juízo prevento de onde os autos foram remetidos ao
STF (fls. 1783/1786 do Vol 7).
O Ministério Público Federal opinou pelo envio do feito à Vara dos Crimes
contra Administração Pública e Ordem Tributária da Comarca do Recife/PE, juízo
prevento de onde os autos foram remetidos ao STF.
É o relatório. Decido.
O Supremo Tribunal Federal na Questão de Ordem no Inquérito 4703/DF
entendeu pela aplicação do precedente anteriormente firmado no âmbito da Ação Penal
937/DF para todas as autoridades com prerrogativa de foro listadas na Constituição
Federal, inclusive quanto às hipóteses do Juízo Natural exercido por este Superior
Tribunal de Justiça, que recebeu a seguinte ementa:
QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA OFERECIDA PELA
PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA. DIREITO PENAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. PRECEDENTE.
AP 937-QO. RATIO DECIDENDI. APLICABILIDADE A TODA E
QUALQUER AUTORIDADE QUE POSSUA PRERROGATIVA DE
FORO. QUESTÃO DE ORDEM RESOLVIDA PARA DECLINAR DA
COMPETÊNCIA AO JUÍZO DE 1ª INSTÂNCIA.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao concluir o julgamento, na
data de 03/05/2018, da AP 937-QO, aprovou, por maioria, as teses de que:
"(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas; e de que “(ii) Após o final da instrução processual, com a
publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações
finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o
cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo".
Documento: 88279484 Página 2 de 5
DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO
Edição nº 2554 - Brasília, Disponibilização: Terça-feira, 13 de Novembro de 2018 Publicação: Quarta-feira, 14 de Novembro de 2018
3. Superior Tribunal de Justiça
2. A ratio decidendi do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal
Federal na AP 937-QO aplica-se, indistintamente, a qualquer hipótese de
competência especial por prerrogativa de função, tanto que a discussão
acerca da possibilidade de modificação da orientação jurisprudencial foi
conduzida objetivamente pelo Plenário em consideração aos parâmetros
gerais da sobredita modalidade de competência especial, isto é, sem
qualquer valoração especial da condição de parlamentar do réu da AP 937.
3. In casu, os fatos imputados na peça acusatória foram praticados, em
tese, pelos dois denunciados, respectivamente, no exercício e em razão do
cargo de Governador do Estado e no exercício do cargo de Deputado
Estadual, embora, nesse último caso, sem pertinência com o cargo em
questão; sendo que, em ambos os casos, os denunciados não mais exercem
os cargos no exercício dos quais praticaram, em tese, as condutas: o então
Governador de Estado é, atualmente, Senador da República no exercício do
cargo de Ministro de Estado; sendo que o então Deputado Estadual é,
atualmente, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso.
4. O elemento persuasivo (vinculante ou vinculativo, conforme o caso) do
precedente não decorre das partes ou do dispositivo da decisão, mas sim
dos fundamentos jurídicos adotados para justificá-la, ou seja, da mas sim
dos fundamentos jurídicos adotados para justificá-la, ou seja, da chamada
ratio decidendi. In casu, a) não cabe cogitar da competência do STF para
conhecer da denúncia oferecida, uma vez que o hoje Senador da República
e Ministro de Estado não praticou, em tese, o fato no exercício e em razão
daqueles últimos cargos; b) não se visualiza competência do STJ, uma vez
que o denunciado BLAIRO não mais exerce o cargo de Governador do
Estado e o denunciado SÉRGIO, embora exerça atualmente o cargo de
Conselheiro de Tribunal de Contas, não praticou, em tese, o fato no
exercício do aludido cargo; c) não se visualiza competência do Tribunal
local, uma vez que o denunciado SÉRGIO, embora tenha praticado o fato,
em tese, na condição de Deputado Estadual, não mais exerce o cargo em
questão; d) por exclusão, o único Juízo competente para conhecer da peça
acusatória é o da 1ª instância, mais precisamente, da Justiça Estadual do
Mato Grosso, considerando não se visualizar, a princípio, competência da
Justiça Federal quanto aos crimes imputados.
5. Voto no sentido de resolver a questão de ordem por meio da declinação
da competência para conhecer da denúncia à 1ª instância da Justiça
Estadual do Mato Grosso.
No voto do Ministro Relator, Sua Excelência o Ministro Luiz Fux, assim
afirmou:
Quando da resolução, em julgamento concluído na data de 03/05/2018, da
questão de ordem proposta pelo Min. Relator Roberto Barroso na AP 937, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, acompanhou o Relator
para o fim de fixar as seguintes teses:
"(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos
crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às
funções desempenhadas;
e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação
do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou
deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo".
Documento: 88279484 Página 3 de 5
DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO
Edição nº 2554 - Brasília, Disponibilização: Terça-feira, 13 de Novembro de 2018 Publicação: Quarta-feira, 14 de Novembro de 2018
4. Superior Tribunal de Justiça
Decidiu-se, ademais, que “a nova linha interpretativa deve se aplicar
imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos
praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base
na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado na Questão de
Ordem no Inquérito 687 (Rel. Min. Sydney Sanches, j. 25.08.1999)”.
[...]
Ocorre que é possível extrair da análise do voto proferido pelo Ministro
Relator Roberto Barroso e dos votos dos Ministros que o acompanharam
para a formação da maioria que os fundamentos invocados para justificar a
mudança da orientação jurisprudencial não possuíam relação específica
com os direitos e obrigações de natureza parlamentar - que constituem o
que se convencionou denominar Estatuto dos Congressistas -, mas sim com
o instituto em si da competência especial por prerrogativa de função,
independentemente do cargo a que estivesse relacionada.
Com efeito, quando se destacou que a interpretação, em consideração à
natureza do instituto da prerrogativa de foro e dos aspectos políticos e
jurídicos que justificam a sua aplicação, que melhor contemplaria a
preservação do princípio republicano em sua devida amplitude era a da
necessidade de observância dos critérios de concomitância temporal e da
pertinência temática entre a prática do fato e o exercício do cargo, não se o
fez em consideração às prerrogativas específicas dos congressistas, até
porque não faria nenhum sentido diferenciar, para o alcance do aludido
desiderato, a situação, por exemplo, de um membro do Poder Legislativo da
de um membro dos Poderes Executivo ou Judiciário.
Ou seja, em suma, independentemente da constituição subjetiva do
polo passivo da relação processual de fundo, a ratio decidendi do
paradigmático julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal
aplica-se, indistintamente, a qualquer hipótese de competência especial
por prerrogativa de função, tanto que a discussão acerca da
possibilidade de modificação da orientação jurisprudencial foi
conduzida, na forma de questão de ordem proposta pelo Relator,
objetivamente pelo Plenário em consideração aos parâmetros gerais da
sobredita modalidade de competência especial, isto é, sem qualquer
valoração especial da condição de parlamentar do réu da AP 937
(Grifamos).
Por sua vez, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça também
entendeu pela restrição do foro a Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas
Estaduais quanto a possíveis delitos praticados foram do período em que ocupa o referido
cargo.
No caso em concreto, conforme observado pelo Ministério Público Federal, os
possíveis crimes investigados teriam ocorrido, em tese, no período em que o Investigado
com prerrogativa de foro neste Superior Tribunal de Justiça ocupava o mandato de
Secretário de Estado de Pernambuco, razão pela qual deve haver o declínio da
competência.
Ante o exposto, DETERMINO a remessa dos autos em epígrafe para a Vara
dos Crimes contra Administração Pública e Ordem Tributária da Comarca do Recife/PE,
juízo prevento, de onde os autos foram remetidos ao STF, para prosseguimento das
investigações e apreciação de todos os pedidos pendentes.
Observo, por fim, que até determinação em sentido contrário os autos
devem ser mantidos em sigilo no interesse das investigações.
Publique-se. Intimem-se.
Documento: 88279484 Página 4 de 5
DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO
Edição nº 2554 - Brasília, Disponibilização: Terça-feira, 13 de Novembro de 2018 Publicação: Quarta-feira, 14 de Novembro de 2018